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segunda-feira, 10 de junho de 2013

Novela - Cidade Esburacada - cap III -

Cidade esburacada.
Obs.. Capítulos anteriores nesta mesma página, do início para o fim.

Capítulo III – Cidade esburacada e roscas noturnas.

... Cidade esburacada é pouco. O país é um buraco só. As estradas estão todas esburacadas e o trânsito é lento. De repente o solo abate-se e abrem-se imensos buracos que engolem prédios, automóveis, pessoas. Inundações e deslizamentos em todos os estados, abrindo buracos nas encostas. Garotinhos recém desmamados portam armas e saem dando tiros por todo o lado, enchendo casas, carros e pessoas de buracos. Os capacetes de motoqueiros estão esburacados, os carros esburacados, e carro forte ou caixas de banco  horas são uma piada que se conta com um par de bananas de dinamite que abrem enorme rombo de onde sacam a grana. Até postos de polícia estão esburacados por balas de todos os calibres, mas como o país é grande, nem se fala em calibre 22. É de 45 pra cima. Os produtos mais vendidos na economia mundial são armas e drogas. As drogas esburacam qualquer economia doméstica. Nenhuma das duas mercadorias paga impostos, o que abre enorme rombo nos orçamentos anuais. Pior ainda, o lucro das duas sai do país para os cofres dos respectivos exportadores, lá fora... A economia inflacionária também está esburacada. A vida de Robson parecia estar num buraco onde se abria novo buraco onde o enterrariam. Sempre que pensava nesta situação caótica, lembrava-se sempre de uma frase dos anos 70: A vida era assim, “PT-saudações”.

Alguém desligou o rádio na padaria onde de madrugada Robson tomava seu café com leite e duas rosquinhas do tipo donuts. Robson era tarado por rosquinhas. Primeiro dava uma mordida, depois molhava a rosca no café com leite. Comia duas todas as manhãs. Limpou a boca num guardanapo de papel, pagou no caixa e saiu da padaria a caminho da casa do doutor Fausto ainda amassando o guardanapo de papel que acabou guardando no bolso para não sujar a rua. Tinha umas coisinhas para lhe dizer a respeito da esposa no hospital. Fausto concordara em recebê-lo.

Pegou o ônibus quase cheio que ia para a zona sul da cidade. Na Haddock Lobo subiram três garotos de uns quinze anos de idade, mal encarados, com olhar preocupado. Robson conhecia este perfil, os três trocando olhares como se perguntando mutuamente se a hora era agora, naquele instante. Robson previu um assalto e acariciou sua arma enfiada no cós das calças, na cintura, em suas costas. Um dos garotos acertou o motorista com um soco logo que parou na próxima parada, e os dois outros começaram a gritar histéricos que era um assalto. Mostravam suas armas, dois revólveres 38. Robson sacou a arma e atirou sem nem dizer o nome da mãe do garoto. O ônibus parou instantaneamente. Para Robson, menor de idade não pode usar arma. Quando usa uma já não é menor de idade, e é sinal mais que evidente de que tem idade para usar uma. O garoto desapareceu tombado no piso do ônibus entre gritos de passageiros que Robson nem escutou. Um dos outros garotos apontou a arma na direção de Robson, mas ficou sem saber o que aconteceu em seguida. Ficou eternamente sem saber. O terceiro, desarmado, deixou um cheiro pestilento no ônibus, e pulou pela janela. Já na rua, ainda fez um sinal para Robson, com os dedos, como quem dispara um tiro, uma informação de que não descansaria enquanto não pegasse o detetive à queima roupa e o fuzilasse. Criança do crime e bandido só choram quando perdem. Quando ganham são valentes. Robson não os suporta e acha que a lei tinha que ser mais violenta do que os violentos que a afrontam. Aproveitando a confusão que se instaurara no ônibus, Robson saiu e afastou-se. Pegou um táxi que ia passando e sumiu na cidade. Ninguém do ônibus o denunciou quando a polícia começou a perguntar quem tinha salvo o pessoal do ônibus e o motorista. Nenhuma das descrições de sua imagem batia uma com a outra. Antes de sair do ônibus, colocara disfarçadamente um bigode postiço com cavanhaque, uns óculos escuros, tirara o paletó e colocara um boné. Ninguém o reconheceu quando saiu. Fora tudo tão rápido que os passageiros tinham ficado em estado de choque.  

O doutor Fausto em pessoa veio recebê-lo à porta. Não o deixou entrar. Fechou a porta do apartamento, fez-lhe um sinal de silêncio com os dedo indicador na vertical do nariz, o dedão meio curvado, e entrou pela porta da cozinha. Teria sua reunião com Robson em particular na cozinha. A conversa foi breve.
- Detetive Robson, quero mostrar-lhe umas fotos que terá de memorizar. Veja... Reconhece em alguma delas o homem alto, de cabelos grisalhos que perseguiu e desapareceu enquanto seus comparsas, presumivelmente, tentavam liquidar o senhor?

Robson olhou atentamente para as fotos. Reconheceu o sujeito, mas não demonstrou que sabia quem era. Aguardaria a oportunidade certa. Sua vida corria perigo e não queria acelerar os acontecimentos. Havia varias fotos. Naquela em que reconhecia o sujeito, ele estava num bar da zona sul que Robson conhecia muito bem, acompanhado de um animado grupo. Na foto apareciam também alguns personagens famosos do quotidiano carioca e nacional, como artistas, esportistas, empresários, jornalistas. Havia alguém que não deveria estar ali, naquela foto. Era Nicéia, a sua “chuchu”, aliás, Paula... Em face de sua negativa, Fausto disse-lhe:
- Muito bem... Já eliminamos um sujeito. E nesta outra foto? E mostrou-lhe mais uma. Robson também não reconheceu o tal homem. Então Fausto deu-lhe instruções para ir ao hospital e na polícia tentar saber de detalhes da noite da tentativa de assassinato de sua mulher. Fausto ainda enfatizou que se pudesse falar com a mulher dele, de qualquer modo, que o fizesse. Fausto precisava de um nome.

- Pretende viajar nos próximos dias, doutor Fausto? – Perguntou Robson.
- Não. Porquê?
- Preciso de um adiantamento para reparar o meu carro. O seguro não paga o conserto e preciso dele.
- Faremos melhor... Vou apanhar as chaves de um carro meu que está sempre disponível. Espere aqui. Se alguém o esburacar, não se preocupe com ele. Preocupe-se com você mesmo... E saiu da cozinha.  

Quando voltou Robson já tinha feito as suas investigações no aposento. Havia uma agenda com anotações. Ia haver uma festa à noite no apartamento de Fausto. Pelo menos parecia pelo tamanho dos pedidos de bebidas e salgadinhos. Com sua câmara digital fotografou várias páginas. Quando recebeu as chaves, foi até a garagem, apanhou o carro e saiu. Aquele não tinha os dispositivos de segurança que instalara em seu carro agora todo furado. Junto com as chaves viera um envelope com trinta mil reais. Dava e sobrava para o conserto.
Sua Chuchu, pelos vistos, relacionava-se muito bem. Onde estaria deslocada? Na peixaria ou no lugar das fotos? Paula, Nicéia, chuchu... Que outros nomes ela teria? Era uma mulher incrível. Tanto poderia passar por uma militante do MST como por uma madame deslumbrada da zona sul. Pegou seu celular, teclou alguns dígitos e ligou para ela.


- Estou a fim de comer uma rosquinha agora...
Paula nem o deixou continuar – A que horas?
- Agora, disse Robson...
- Topo... No seu atelier?
- Não... Paula... Isto é... Sim... Não... Refiro-me a roscas da padaria. Não estou com muita fome... Daqui a meia hora.
Paula riu do outro lado da linha...
- Cê que sabe... As duas estão disponíveis... Só pra você. Se quiser come uma rosca só, se preferir come duas... Depois me diz de qual gosta mais, ta?


E dirigiu para a padaria. Estava na dúvida se comia três rosquinhas. Sorriu ao perceber como rosquinhas combinavam com uma cidade esburacada. 



Capítulo II – A noite é uma criança desmamada e chora.


A geringonça funcionara. Embora Robson N.F. fosse detetive particular, seu carro estava registrado em nome da firma, mas não da firma de detetive particular. Como era autônomo de qualquer coisa, comprara o carro em nome de sua empresa particular de vendedor ambulante da qual era diretor e único sócio presidente. Desconfiava que o seguro não lhe pagaria o conserto do carro, todo furado de bala, O melhor era mandar tapar os buracos com essas colas de argamassa, cor cinza, dar uma raspada, pintar da mesma cor e passar o carro adiante. Ia matutando nisso a caminho de seu quarto no Beco do Arco do Teles. As empresas não davam lucro na declaração de imposto de renda, porque os lucros eram todos gastos em pequenas coisas do dia a dia e no seu conforto. Descera do ônibus que o deixara na Praça XV e caminhava absorto pensando num possível freguês para vender o carro quando viu uma mulher de vermelho encostada ao famoso Arco. Era Nicéia, que detestava o nome de registro civil, porque nunca foi batizada. Dizia que se chamava Paula, e não deveria estar ali àquela hora. Robson a conhecia de suas noites de tapa buraco. Quando ele ou ela precisavam tapar um certo e conhecido buraco, se encontravam, marcavam para “logo mais” e  ele a esperava em seu “atelier” dormitório. Bastava um piscar de olhos e o outro já sabia para que era. Trabalhava numa peixaria na esquina da outra rua ali perto, quase chegando à 1º de Março. Acercou-se bem devagar, cozido com as árvores da praça. Ela o viu e veio em sua direção. Disse-lhe:
- Biscoito... Fiquei aqui até agora. Nem fui pra casa. Meu marido pensa que estou em dia de mercado noturno de peixe, e nem me espera mais, mas temos um probleminha. Entraram em tua casa, reviraram tudo e nem saíram. Estou até fedendo a peixe e precisando de um banho. Eles nem repararam porque passei por eles rodando a bolsinha e pensaram que eu era uma piranha. Até levantei um pouco a saia, para ver se eles se interessavam, mas estavam muito preocupados e determinados. Vamos dormir aonde?
- Lá em casa. Me espera aqui que já volto. Amanhã nem vou trabalhar. Meu dia foi difícil. Guenta que já volto, Chuchu. Cê viu algum cara forte, cabelos grisalhos, alto pra caralho?
- Não biscoito... Vi um magrelo que deve ser o da faca ou do trêsoitão, um negão tipo carregador de piano, e o motorista que está lá mesmo em frente à peixaria num daqueles que eu queria pra mim, lembra?...

Robson sabia. Foi até a peixaria. Colocou o silenciador no cano da 9 mm e rezou para o carro não ser blindado. Não era. Viu o vidro se despedaçar em pequenos, brilhantes e sanguinolentos diamantes vermelhos. Um olho ficou pendurado no limpador de pára-brisas que ficou zanzando de um lado para o outro com o olho pendurado olhando para todos os lados. Passou pelo carro, olhou o cadáver sem cabeça, retirou-lhe a carteira do bolso do paletó que nem olhou e a enfiou em seu bolso. Foi direto para o seu ateliê.  Chegou em silêncio. 
Quando estava bem perto, tirou o paletó, botou a camisa para o lado de fora das calças, apanhou uma lata vazia de cerveja e começou a cantarolar o funk do “ai se eu te pego”, com voz enrolada de bêbado. Com sua visão angular, percebeu quando a janela se abriu e uma cabeça assomou para ver quem estava bêbado por ali. Certamente pensaria que poderia ser ele, o Robson. Fosse quem fosse, demorou uns escassos segundos para ver se aquela figura era mesmo o tal de Robson. Era o carregador de piano. 
Não teve tempo para mais nada. Sumiu da janela empurrado por duas balas de aço inoxidável, daquelas de arrebentar osso de rinoceronte, implante de concreto armado. Um olho ficou grudado na janela entreaberta. Coisa horrível. Pensou que teria que mandar lavar os vidros até o amanhecer, mas a Chuchu faria isso. Então, meteu a chave na porta e deixou-a aberta. Postou-se na escuridão do outro lado da rua. Fosse quem fosse, ligaria para o celular do motorista. Sem resposta, ficaria impaciente e desceria as escadas para ir para a rua. Não demorou cinco minutos e o seu vulto apareceu armado na portaria perscrutando ao redor para ver se via alguém. Não viu ninguém, nem sequer teve tempo para ver os dois clarões que partiram da nove mm de Robson. Seu corpo caiu para trás como se empurrado por um piano. Meia hora depois, ele e a Chuchu com seu vestido vermelho, tentador, haviam limpado o vidro da janela, que por sorte ficara intacto, descido o cadáver para a rua, que juntou ao do magrelo. Quando subiram para o atelier, já havia um bando de moscas procurando farra.
- Biscoito... Tu é fodão... Falou que ia dormir aqui e vamo dormir aqui... Gostei.
- Chuchu... Sei que cê gosta de sushi quente... Tenho um aqui pra tu... To carente e meio sem forças. Cansadão...


E Chuchu provou o sushi quente até derreter em sua boca quente, úmida, gostosa.  Mas nem naquele dia Robson dispensara o bacalhau à Chuchu, uma delícia da terra. Chuchu gemia de prazer parecendo que chorava baixinho. A noite era uma criança recém desmamada que chorava. Seu nome era Chuchu. Só para ele e o marido dela. Bem a propósito, como se ouvisse seus pensamentos, Niceia disse-lhe antes de adormecer:

- Já disse alguma vez que te amo?
-Não, respondeu Robson.
- Nem vou dizer. Contigo só quero o bem-bom, fuzarca. Pode me usar como quiser, quando quiser.Pra meu marido, que respeito muito, só dou beijinho, bem na frente dos amigos dele. Eles ficam babando, mas com eles não tenho caso. Só com tu.. Pede que eu dou. Diz, que eu faço.

Então Robson adormeceu com a sua mão nos peitos ainda latejantes de Chuchu. No dia seguinte veria as identidades dos presuntos. Com a eficiência da polícia da cidade, só lá pelas seis da manhã a polícia apareceria para fazer perguntas. Tinha tempo para tirar um cochilo naquela cidade toda esburacada.   



© by Rui Rodrigues


Capítulo I – A geringonça

Eram duas horas da tarde. O shopping estava cheio. Robson deu uma ultima olhada numa vitrine, tirou as chaves do carro do bolso, e saiu para o estacionamento. Olhos atentos veriam que do outro lado do enorme corredor de lojas, uma moça saía de uma loja de roupas e se dirigia com as chaves do carro também na mao para o estacionamento.

Robson Filho Neto trabalha como detetive particular no Rio de Janeiro. Mora num pequeno quarto no Beco do Teles, na parte mais antiga da cidade, ali pela Praça XV, uma parte da cidade que costuma morrer às nove da noite, porque não é uma zona residencial. Por lá só passam transeuntes que saem de todos os pontos da cidade exceto às sextas-feiras quando o pessoal fica até mais tarde tomando umas e outras, paquerando algumas e azarando quaisquer que lhes passem pelo ângulo de visão. O tipo de pessoal cujos órgãos que mais trabalham nessas horas são os lábios e as mãos para tomar chopes, e os olhos para zoar, azarar, paquerar. Só se vêem olhares pidões, de carência sexual, e garçons trazendo mais chope e alguns salgadinhos. Nesse dia, Robson não viu nenhum freguês, nenhum bar ou restaurante aberto. Chegou muito tarde.

Às duas e quinze da tarde, no Shopping da Zona Norte da cidade, Robson chegou ao estacionamento, abriu a porta do carro e sentou-se ao volante. Viu a moça do Shopping sair com seu automóvel. Então ligou a ignição e seguiu-a. Foi forçado a admitir que seu cliente tinha bom gosto. A mulher era de uma beleza cativante, desejável até pelo mais frio dos mortais. Um pecado ambulante que se movia fazendo realçar todas as curvas do corpo. A moça dirigiu por uma meia hora e chegou a um Motel a caminho da Barra da Tijuca. Robson parou seu carro a uma distância considerável, tirou rapidamente sua máquina fotográfica do porta-luvas onde guardava também sua pistola 9 mm, e fotografou-a quando entrava no Motel. Depois, pacientemente, preparou-se para esperar pelo menos uma hora. Uma curiosidade o despertou: Quem seria o felizardo que deitava e rolava com aquele corpo macio, sedutor, que deveria deixar qualquer um com um desejo de posso irreprimível? Robson sabia que aquilo a que normalmente se chamava de ciúme não era exatamente ciúme. Era medo de perder o pitéu. Ninguém tem ciúmes de mulher feia ou mal ajambrada. Então esperou com os olhos bem abertos, a câmara ligada para não perder a imagem da saída se por acaso se distraísse.

Eram quase seis da tarde quando viu chegar dois carros da polícia e uma ambulância. Deu-se conta que a moça ficara muito tempo no Motel. Se ela saísse nesse exato momento, para chegar em casa no outro extremo da cidade, na zona sul, provavelmente demoraria mais de uma hora e o marido já estaria em casa. Ela não era assim tão descuidada. Começou a temer o pior. Saiu do carro e caminhou na direção do Motel, a tempo de ver que uma maca saía empurrada por dois enfermeiros. Passou perto e viu. Era ela na maca. Estava ensangüentada. Alguém fizera um trabalho para acabar com a vida dela de forma nada profissional. Aquilo parecia passional. Afastou-se uns passos e ligou seu celular. Discou um numero e do outro lado atenderam.
- Dr. Fausto... Aconteceu algo a sua mulher. Está sendo levada de maca numa ambulância. Estou na entrada de um Motel na zona norte da cidade...
Do outro lado, uma voz rouca deu instruções.
- Por favor, veja para que hospital vai e me avise que chegarei em seguida. Com quem estava?
- Não sei. Fiquei do lado de fora esperando que saísse...
- Então se concentre em saber quem estava com ela. Só me diga qual o hospital para onde vão levá-la. E desligou.

Robson dirigiu-se ao motorista da ambulância.
- Sou repórter – Disse. Qual o hospital?
- Carlos Chagas. Não há lugar nos outros. Tudo lotado.
Enquanto caminhava para a portaria do Motel, Robson voltou a ligar e informou o nome do Hospital. Guardou seu celular no bolso das calças e falou com o porteiro.
- Polícia. E mostrou o distintivo. Qual o quarto da moça que acabou de sair?
- Quarto 112, á direita. Dali, da portaria, Robson podia ver o trabalho lento dos policiais entrando no quarto 112, anotando, fotografando. Um policial vinha caminhando na direção da portaria.
- Com quem estava?
- Com um sujeito alto, cerca de um metro e oitenta, grisalho, forte, branco. Assinou como Antônio Sousa, mas não deve ser o nome real dele.
- Viu-o sair?
- Não senhor não vi.
Robson afastou-se rapidamente da portaria antes que o guarda chegasse, dirigiu-se a seu carro e deu partida. Foi direto para o hospital. Logo ao chegar viu o Doutor Fausto. Deu-lhe a descrição do sujeito e perguntou se ele conhecia alguém com aquela aparência. Ele disse que não.

Então Robson voltou ao Motel. O tal Antonio Sousa tinha que estar ainda no Motel, em algum lugar, provavelmente em outro quarto. Provavelmente tinha um comparsa que tanto já poderia ter saído, como ainda estar por lá também. Preveniu-se colocando sua 9 mm no coldre sob o sovaco. Esperou a troca de turno do pessoal do Motel e esperou mais um pouco. A polícia já havia saído há muito tempo. Primeiro viu sair um carro com um casal. Logo a seguir, um carro com apenas um sujeito ao volante. Era forte, alto, grisalho, visto à luz do néon de propaganda colocado bem acima da saída, na rua oposta à de entrada. Segui-o. Foi obrigado a parar num sinal a caminho da zona sul da cidade quando se viu abordado por dois indivíduos, um de cada lado do auto, um terceiro pela parte detrás. Eram mal encarados. Estavam armados. Um deles, o que estava a seu lado, ainda lhe mostrava a arma no coldre da cintura, quando lhe fez sinal para baixar o vidro. Robson sabia que deveria preocupar-se mais com o sujeito que estava na traseira do auto. Esse era o perigoso que poderia disparar à queima roupa, as balas atravessando o vidro traseiro, os dois bancos e acertando-lhe a coluna. Robson então levou a mão esquerda para a manivela de abrir o vidro e seu dedo direito tocou levemente num botão na parte detrás do volante. Imediatamente se ouviram dois estampidos violentos e os dois sujeitos voaram cada um para o seu lado afastando-se do carro. Mal viu o sangue jorrar dos estômagos dos dois, e já pisava no acelerador aproveitando uma fração de segundo de pasmo do sujeito que estava na parte detrás do auto. Quando começou a atirar, já Robson dirigia em ziguezague a toda a velocidade.  Seu mecanismo de defesa embutido nas portas funcionara. Na verdade uma geringonça instalada por um amigo seu: Uma arma cuja bala era um cone pontudo de aço, disparada automaticamente de um furo disfarçado na parte externa de cada porta. O sujeito de cabelo grisalho havia desaparecido na noite. Seu carro quase novo estava tão esburacado como as ruas descuidadas da cidade.

Continua...

₢ by Rui Rodrigues 

domingo, 9 de junho de 2013

Tese Social - A armadilha do Destino

Tese Social - A armadilha do Destino

A teoria do Caos abriu o mundo para os fractais, pequenas peças triangulares idênticas e isósceles, que, combinadas, dão forma a áreas e volumes dentro de determinados padrões, sempre que existe um “atrator”. Pode existir mais de um atrator no caos, gerando padrões que podem formar tanto plantas tal como as conhecemos, quanto cristais de gelo, costas marítimas como enseadas, baías. O desenvolvimento da teoria ainda dá os primeiros passos, está engatinhando, mas creio que em breve poderemos ver a teoria do Caos produzir seres tal como os conhecemos, partindo de equações mais complicadas do que as que conhecemos como “equações de Júlia”. Poderemos até num futuro tão próximo quanto, prever o tempo em função de atratores que determinem a formação de furacões, nuvens, ondas no mar. Este mundo em que vivemos, este universo, tem uma base matemática, física transcrita através da matemática, genética através da química, da matemática. Em nada exageraríamos se disséssemos que Deus, a existir, seria eminentemente um matemático com todos os conhecimentos da química e da física.

Mas o que isto tem a haver com a humanidade e em particular com uma armadilha hipotética na qual estejamos encurralados, como que com um destino traçado?

É apenas uma questão de padrões e de princípios. O princípio é o da teoria do Caos, ininteligível para uma esmagadora parcela da humanidade porque, infelizmente se fez da oportunidade de estudar um misto de plano econômico para faturar dinheiro e obter votos políticos pela ignorância Os padrões vêem-se por toda a parte nos órgãos constituintes das diferentes espécies de vida, como olhos, fígado, pulmões, rins, sangue, matéria cinzenta dos cérebros, folhas dos vegetais, comportamento dos fluidos como os da atmosfera e da água do mar. Há exemplos de padrões que poderão vir a ser observados pela teoria do Caos até sua forma mais simples de constituição: Os triângulos fractais, a exemplo da menor das partículas constituintes da matéria, a partícula de Higgs, também conhecida como a partícula de “Deus”. Pode parecer que a natureza não se repete quando analisamos simplesmente a forma do que nos cerca, a aparência, mas sim, se repete, na sua forma de constituir os elementos.

Assim, e da mesma forma, padrões se repetem em termos de comportamento de sociedades de animais, de cujas características o próprio homem, a unidade mais simples da humanidade, brotou. Também os padrões de comportamento são comuns a muitos grupos animais. Um deles, talvez o mais comum, é que todos os animais se alimentam. A busca por comida e quem no grupo tem força e poder para comer mais, são muitas vezes, ou quase sempre, decididas em guerras por territórios, lutas corporais para assumir a liderança. Quem tem a liderança, ganha também mais fêmeas com quem divide o leito sexual. Outro comportamento comum, é que o sexo dá tanto prazer ou obsessão como a comida, estando, portanto, os dois comportamentos normalmente associados. Luta-se por sexo e comida. Os que disputam no grupo as primazias da comida e do sexo, e perdem, o fazem através de lutas muitas vezes até a morte. O simples comportamento social dos símios de se catarem uns aos outros como sinal de cooperação social e de que não pretendem usar a violência com quem catam ou por quem se deixam catar. Este ritual da catação se vê hoje nos cabeleireiros, e de forma geral, como ato de cooperação e de amizade, em todos os atos dentro de um escritório de uma empresa, na própria democracia que nos engana como pode para nos manter convictos de que seus representantes maiores o fazem em nome de uma sociedade que na verdade estão longe de representar. Bem longe. Representam-se mais a si mesmos pelas “equações” caóticas da luta pelo alimento, pelo sexo, pelo prazer, pela ambição de estar no topo da cadeia social para retirar dela o que podem. 

Já antes da formação de governos, e precedendo-os, havia a formação de famílias de indivíduos dentro das sociedades que se constituam de várias famílias, unidas pelos hábitos desenvolvidos ao longo de séculos, e aos quais chamamos de tradição, bem como da herança genética, da fala comum, dos biótipos que os caracterizavam das espécies e raças diferentes. A vontade de manter unidas estas famílias, estes hábitos com os quais se identificavam as sociedades, deu origem às nações que hoje conhecemos bem como às que ficaram para trás extintas, como os dinossauros ou os “Homo Neandertalis”.  Não será, por termos partidos políticos que se alternam no governo ou no qual se locupletam, que estaremos seguros de que as guerras e lutas acabarão algum dia. Pelo contrário, guerras e lutas poderão até ser cada vez mais sutis, mas jamais acabarão. Estão escritas na herança dos fractais do Caos, na repetição de padrões da natureza e em suas equações, algumas das quais nem conhecemos ainda, mas que em breve conheceremos. Grupos específicos dentro de todas as sociedades rezam pelo fim da violência, disseminam o humanismo, a paz, mas estamos todos dentro de uma armadilha. 



As armadilhas que conhecemos e que até construímos para pegar outros animais, ou mesmo vírus e bactérias, são armadilhas externas aos corpos que armadilhamos, mas esta da natureza, é interna, invisível. Faz parte da natureza e não há como eliminá-la ou dela sairmos, até porque suas “equações”, muitas vezes previsíveis localmente são insuficientes para construir uma vacina, ou um remédio. Psicólogos e analistas sabem reconhecer os tais padrões de comportamento humano através do rito dos lábios, do franzir de sobrancelhas, das mãos suadas, dos tiques nervosos, e já é um grande passo para a obtenção de uma vacina contra o despreparo da humanidade para dissimular. Passamos o tempo todo dissimulando o que nos vai na alma porque precisamos alimentar-nos e reproduzir-nos e precisamos ser aceitáveis pelos outros membros da sociedade, do grupo ou da nação. A ambição desmedida já é outra coisa, que, embora fazendo parte de nossa idiossincrasia, está num dos extremos do comportamento aceitável.

As religiões pensam que sim, podem mudar os destinos pelas orações, ou agem como se soubessem que sim. Mas não sabem, não sei, não sabemos. Talvez saibamos. Talvez... Algum dia... Porque o que nos engana, fazendo-nos acreditar que existe destino e que possa ser mudado é a evolução, em menos de segundo a segundo, da realidade que “vemos”, e temos que admitir que não podemos adivinhar aquele carro com um sujeito bêbado, que nos colhe despreocupados na próxima esquina. Da forma como Deus teria feito o mundo, um mundo automático, auto-sustentável, que se rege segundo as suas próprias leis, segundo a segundo, sempre em evolução, não há como interferir nele de forma a alterar a sua evolução. Talvez num pequeno nicho ecológico, ou num planeta virgem de vida, mas não esta que conhecemos por aqui. 


Até lá, podemos sonhar com a Democracia Participativa, como modo alternativo para minimizar, apenas minimizar, o sofrimento de nos sentirmos numa armadilha a que poderíamos chamar de “armadilha do destino”. Claro que destino não existe. O mundo que vemos a cada segundo é fruto de uma evolução particular de cada item, vivo ou inerte, que o compõe. Mas com a certeza absoluta de que jamais sairemos dela, ainda que possamos povoar o universo com nossa espécie e com outras que escolheremos para nos acompanharem em seu sofrimento de nos alimentarem. A armadilha é eterna.


© by Rui Rodrigues. 

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Moçambique sem fome nem pobreza.


Moçambique é vida
Moçambique sem fome nem pobreza.

Este texto não é dirigido apenas ao povo de Moçambique, porque é atual e pode servir a qualquer nação do mundo. Trata de formas de governar, de como eliminar a fome, tornar a nação produtiva, voltada para a sobrevivência. O progresso vem com o tempo, com a barriga cheia, tempo para se dedicar a outras oportunidades.

Sabemos como é difícil governar uma nação. Ainda mais Moçambique que tem uma história rica, de lutas, que nasceu dominada por protecionismos de uns e exploração de outros, como mais uma vez, também no resto do mundo. Não é só a diferença de cor ou os desníveis de instrução que permitiam a predominância de uns sobre os outros: Em qualquer lugar do mundo sempre houve escravos, e ainda existem escravos: Os que trabalham e pagam seus impostos que beneficiam a uns e a si mesmos não. Ou se beneficiam, beneficiam mais a uns do que a outros. Esse é um problema de “ambição” e poder, e não depende de filosofia política. No capitalismo os governo beneficiam uns com capital. Nos sistemas comunistas e socialistas esses governos beneficiam com “favores”, sempre mais a uns do que a outros.

E o que se poderia fazer em Moçambique para beneficiar a população de um modo geral, desenvolver a nação e torná-la independente em economia, alimentação, auto-sustentável?

Primeiro há que tornar a economia num sistema produtivo e não dependente de favores ou benesses do Estado. A exploração de gás natural, carvão, pode beneficiar empresas e distribuir meia dúzia de empregos, mas não resolve os problemas da nação. Como sabemos o governo “possui” muitas terras. Quem não tem bens nem posses, nem emprego, pode ganhar umas terras de subsistência do governo e algumas sementes e começar a plantar para sobreviver. O estado pode ajudar na instrução da agricultura. É fato que em pouco tempo se produzirá tanto alimento que será necessário exportar, e isso gera divisas para o crescimento da economia, mas, sem um controle de natalidade, a população cresce pela disponibilidade de alimento. Se crescer de forma descontrolada, haverá mais fome, e a disponibilidade de terras cessará, porque Moçambique não é uma área de terras que infle, se expanda. Nisto o governo pode ajudar com instrução. Dirão que não há linhas de energia elétrica que supra as necessidades de um novo mercado de agricultura, mas há várias formas de energia, a partir de moinhos de vento, que são relativamente fáceis de instalar e gerir. Não se pode depender apenas do Estado. O Produto Interno Bruto não estará, jamais, disponível para toda a população carente, e a renda per capita é apenas uma média nacional, distorcida, em que dez por cento da população tem noventa por cento da renda, e os restantes noventa por cento apenas dez por cento... Há que mudar isto.

E qual seria o custo para o governo para acabar com a fome em Moçambique? Até aqui, o deslocamento de professores de agricultura e de primeiras letras e números para as novas terras cultiváveis, meia dúzia de moinhos de vento que até podem ser construídos com madeira, algumas sementes, e a boa vontade de quem tem fome em produzir seu próprio alimento livre de impostos. Se as terás cultiváveis se situarem em zona de acesso à energia de Cabora Bassa, por exemplo, uma extensão de linhas seria viável. Usinas a gás disponível na região podem gerar energia elétrica. Quando se produzir em escala, com os produtores juntando-se em associações, exportando, então se cobrarão os impostos.

A crescimento da indústria e do comércio são decorrentes das necessidades de um povo que está bem alimentado, começa a realizar uma poupança e a desejar investir na expansão de seus negócios. Num momento de crise internacional como este em que vivemos, pedir ajuda financeira no exterior é suicídio. Os juros estão pela hora da morte e o sistema Bancos x Empresas de avaliação x governos, contribui para o arrocho financeiro, a escravidão de verbas que devem ser pagas como juros de usura. É um novo tipo de esclavagismo.

Sem instrução e sem ajuda do governo no propiciar – não doar - alimentações saudáveis às populações, que as devem produzir, não se muda nada. O amanhã será eternamente igual ao hoje que não será melhor do que o ontem.

Rui Rodrigues

Para consulta:


quinta-feira, 6 de junho de 2013

Sou desconfiado, sim, e não acredito em avantesmas.


Sou desconfiado, sim, e não acredito em avantesmas.
                        

Eu tinha dez anos e acabara de entrar para o Liceu Gil Vicente depois de penosa prova com 100 questões. Na saída da prova, um garoto metido a besta, comparando as suas respostas com as minhas, disse que as dele eram todas diferentes e que tinha certeza que iria passar, o que me reprovaria, evidentemente. Nunca o voltei a ver no Gil Vicente. Eu ia para a minha primeira aula de físico-Química, porque as duas matérias ainda eram dadas em conjunto numa só cadeira. O professor, para nos incentivar ao estudo fez uma experiência e garatujou uns símbolos acompanhados de sinais de mais e de igual e produziu um produto aquecido que fumegava de um tubo de ensaio. A cor era de laranja e o cheiro também de laranja [1]. Fiquei impressionado. Meu professor tinha construído uma laranja líquida dentro de um tubo de ensaio, mandando às favas a teoria da criação, a Bíblia Sagrada, e comecei a entender como que Jesus tinha transformado água em vinho... Perguntei-lhe se podia cheirar novamente e ele espanejou a mão por cima do tubo de ensaio, perto do meu nariz, para que não aspirasse muito o vapor do tubo. Mas em compensação, comecei a desconfiar de tudo o que me diziam que era, que não era, que faziam ou deixavam de fazer. Nada era o que parecia. Além das características diferentes da laranja líquida do mestre para as naturais, é que não se podia beber. Aquilo era um produto destinado a dar sabor a uma bosta qualquer e vender sob a apresentação de balas e doces e até bolos com sabor de laranja. Uma enganação que continuamos a comer deliciados. Somos um bando de ignorantes cuja maioria não assentou o rabo em cadeiras de escola, por culpa exclusiva do Estado Moderno, essa enorme e assombrada avantesma que gasta todo o dinheiro dos nossos impostos em festas, viagens, pompa e gorjetas para os amigos daqueles que elegemos inadvertidamente pensando que nos representam. Vejam que já naquela época eu não era lá muito crente de qualquer coisa que me apresentassem, e nem acreditava em avantesmas.

Meu professor já faleceu, o Gil Vicente continua lá e já lhe fiz uma visita onde se lembraram de mim porque de certa forma “marquei época”. Mandamos para a rua em plena ditadura militar três professores por completamente inadequados e incompetentes: Um deu um tapa num aluno quando ele disse que não acreditava em Jesus Cristo como Deus; o outro passava deveres para casa como se fosse o único no colégio, e não nos dava tempo para os trabalhos das outras matérias; e o terceiro não sabia nada das matérias e só falava sobre o que tinha trazido escrito de casa em longa “cola”.  Das três vezes, como chefe de turma, representei os alunos e fui falar pessoalmente com o reitor, o digníssimo Sr. Joaquim Romão Duarte [2] que jamais esquecerei.

Já não faço provas para concursos nem para admissão em universidades por absoluta falta de talento e tempo para outras atividades. Na verdade gasto meu tempo com coisas a que ninguém dá muita importância, como a Democracia Participativa, porque parece não haver muito talento nem tempo disponível por pessoas como aquele cara sem graça e petulante que disse que tinha a certeza de ter passado na prova do Gil Vicente porque suas respostas eram totalmente diferentes das minhas. Estão auto convencidos que não há nada de novo nem melhor para o que já têm. Ele teve que fazer a prova novamente no ano seguinte. Quando me formei ele ainda deveria estar fazendo provas. E outras pessoas que também não têm tempo, como aquelas que acreditam em avantesmas que andam a rondar os navios do conhecimento, a escuridão da ignorância, as praias do desmazelo social, as florestas da abstinência do pensar. Alguns até acreditam em coisas inacreditáveis tais como extraterrestres, duendes, Cavaco Silva e Uri Geller. Perguntam-se outros: Seriam os deuses astronautas? Mas comum a todos eles é mesmo que acreditam em avantesmas, algo muito parecido com gambosinos que saem pela noite montando excrescências que fazem navegar com rumo usando dois palitos queimados de fósforo como remos e remam indefinidamente sem descanso, alegres e felizes, num vaso sanitário como se fosse um universo. São os democratas representativos, os comunistas ideológicos com ou sem ideologia, os socialistas ávidos por uma conta bancária às custas dos trabalhadores, os que gostam e adoram um vermelho numa bandeira antes azul verde e amarela. Num carnaval, do Rio a Veneza, fariam parte de um bloco inconfundível: O bloco do “Mundo volta para trás, dá-me o tempo que perdi”...

Estes continuam, tal como avantesmas, rondando as urnas, as bocas de urna, procurando um benefício de um  político em troca de votos, um cargo, uma pensão, uma bolsa mesmo que não tenha família. São os “pecorinos”, aqueles que através de PECs vão transformando a Constituição nacional num imenso e escuro papel higiênico já usado e não confiável. Querem mudar tudo, reverter a lei, soltar os bandidos e prender os inocentes, transformar pobres em ricos e ricos em pobres, e para isso nem querem saber se a saúde pública os atende ou não, se há ou não segurança pública, se o tráfico de drogas diminui ou não, se nas escolas se ensina como se deve ensinar, desde que tenham sua entrada livre para um mundo de sonhos onde os ricos serão punidos e os pobres abençoados sendo destes os reinos dos céus de Brasília.

Hoje em dia Brasília tem apenas dois céus importantes: O do PT e do PMDB. Os outros fazem o papel de “base aliada”. Em ambos há também infernos, mas os diabos que cuidam deste lugar só aparecem para bater o ponto por três dias e depois somem quatro dias por semana. Ganham salários celestiais esses demônios. 

O que se pode esperar de avantesmas no poder, com confiantes avantesmas que reclamam todos os dias daquelas e mesmo assim continuam votando nelas? E é impressionante como votam há décadas de décadas sem repararem que podem mudar o sistema, mas sem ousarem mudá-lo... O que os governos nos proporcionam hoje em dia, é um emprego quando há, e um futuro de escravidão para os empreendedores que ficam pagando juros extorsivos por anos a fio até morrerem. E, sem dúvida, já se nasce escravo quando se pede financiamento para estudar em universidades... Se houver emprego para poder pagar de vez em quando, será muito... O mais provável será ficar desempregado de vez em quando e prorrogar o prazo de pagamento ficando cada vez mais escravo. Os banqueiros tomaram conta do mundo. 

Rui Rodrigues





[1] É o flavorizante Etanoato de Octila, cuja fórmula é CH3 - COO - C8H17 .... E não tem nada de laranja.
[2] Ele tinha um corpo delgado, franzino, parecendo sempre que ia tombar, mas tinha um espírito determinado, livre e forte como um raio... Grande Reitor ...

Acredite, há um modo fácil de ser feliz neste mundo.



Acredite, há um modo fácil de ser feliz neste mundo.


Vejamos se consigo traçar uma linha de fácil entendimento, lógico, de como viver na vida enfrentando este mundo que decididamente não é fácil. O objetivo é, como sempre, a felicidade. Alguns acham que a felicidade está nas drogas. Não está não. È exatamente por não estar que as drogas são comumente conhecidas como “drogas”, porcarias. Mas esta nossa busca pela felicidade nos leva para um campo totalmente diferente das drogas. Enquanto estas nos produzem alienações e alucinações que nos dão umas “férias” de minutos na vida, tornando-a cada vez mais difícil a cada instante que se segue ao final dos seus efeitos que não duram mais do que 15 minutos, este campo completamente diferente, o de facilmente enfrentar o mundo, nos proporciona aquela felicidade, grátis, ao alcance de todos desde o mais miserável dos seres ao mais bafejado pela “sorte” na vida, a qualquer instante.

Equipamento necessário: Apenas a consciência e a determinação. Para ser feliz a maior parte do tempo de sua vida, não precisa de nenhum outro equipamento, dinheiro, religião, política, ou o que quer que conheça e deseje deste mundo que tão bem conhece. Somente precisa ter o desejo, a consciência e a determinação de ser feliz. 

Passo 1 - Tem que ter vontade para aprender a amar um princípio fundamental. O que tem, tem porque merece. Traduzido em outras palavras, se for religioso ou religiosa, tem que aceitar que seu deus lhe dá o que é para ter e lhe tira o que não deveria ter porque lhe faria mal a curto, médio, ou longo prazos. Se for ateu ou atéia, pode imaginar que o que tem se deve a sua capacidade de ter e o que não tem – e provavelmente nunca terá - é porque não tem capacidade para ter e a sua busca lhe faria muito mal pela frustração de não conseguir. Além de outros prejuízos colaterais. Pode tentar conseguir o que deseja uma, duas, três vezes... Cada vez mais triste e infeliz a cada vez que não consegue. Se conseguir seu problema está resolvido e pode partir para outros desejos. Se não conseguir, pergunte-se quantas vezes mais vai tentar, deixando de se concentrar em outros aspectos de sua vida, talvez até mais importantes.  “Sou brasileiro e não desisto nunca”. Eu também não desisto nunca de reivindicar o que é de interesse geral, mas no particular, em relação a mim mesmo, tenho que saber – e sei – qual o tamanho do passo que posso dar. Se eu fosse passarinho, e tal como qualquer passarinho teria que saber que tamanho de pedra poderia engolir para mandar para a minha moela, porque se engolisse uma muito grande, e depois outra, não teriam como sair de meu corpo e ocupariam toda a parte disponível para o alimento a digerir com essas pedras[1]. Há outras frases da sabedoria popular também muito interessantes: “Não dê um passo maior do que a perna”, “Em rio de piranha jacaré nada de costas”. “Santos da casa não fazem milagres”... Todas elas voltadas para a sua consciência do mundo que o (a) rodeia e da posição que deve tomar em relação a ele. Nos momentos mais difíceis, invente algo de útil pra fazer, com determinação, e mantenha a mente ocupada. Não é proibido relembrar o passado agradável, sonhar sem estar dormindo, pensar no que poderá fazer no minuto, hora ou dia ou ano seguinte.

Passo 2 - Não existe passo dois nem três. O passo 1 é fundamental e o necessário para uma vida feliz. No entanto vale lembrar alguns aspectos particulares da vida, na forma como delineado a seguir, por serem os aspectos que mais nos preocupam. São as nossas preocupações fundamentais.


Para os jovens - Nunca se esqueça que se bater em alguém será batido. Se amar, será amado. Se ensinar, será ensinado. Se matar, será morto. Se roubar, será roubado. Se detestar, será detestado. Não há como fugir disto, porque cada uma das ações acima provoca em quem convive conosco uma reação lógica. Como não amar e esperar ser amado? Ou bater sem esperar reação? Ou matar sem ser caçado até a morte? Não existe essa falsa vantagem do enganar por muito tempo. Pode tirar-se alguma vantagem aparente, sobre os outros, durante algum período de nossas vidas, mas não para sempre. Aquele bobo de quem tirou vantagens durante anos, pode transformar-se num leão que o destroçará para sempre de forma irreversível. Ninguém é bobo a tempo inteiro, 24 horas por dia. Há sempre um despertar para as injustiças que nos fazem, e as reações são sempre as mais inesperadas que nos surpreendem e nos aniquilam.
O conhecimento nos fortalece a alma, o espírito ou seja lá o que for que nos mantém vivos e conscientes do meio que nos cerca. Temos que conhecer o meio que nos cerca, não para tirarmos vantagem, mas já seria grande feito se, com o nosso conhecimento, não permitirmos que outros tirem proveito de nosso amor, de nossa confiança, de nossa forma de viver. A felicidade é particular e não depende dos outros. Estude, tenha conhecimento, viva. Não faça nada do que sabe que um dia se arrependerá, e não conte com a sorte, porque esta pode não cair para o seu lado. Se fizer e se der mal, volte ao começo de um novo caminho, porque esse, decididamente não deu certo.

Para os casais – Vivemos num mundo egoísta. Somos corpos à deriva num mar de gente que procura a mais duradoura e eficaz forma de sobreviver, viver, ou se divertir enquanto vive, tentando estender as suas vidas, vivas, pelo maior período de tempo. Nessa luta, porque é uma luta, as ações de terceiros sempre acabam por influenciar em nossos caminhos, desviando-nos ora para um lado, ora para outro e temos que adaptar-nos a cada instante. Chamamos a esses “empurrões” de terceiros, que nos desviam de nossos caminhos, de “circunstâncias”, “sorte”, “acaso”, e são geralmente imprevisíveis. Temos que admitir que não temos a mínima capacidade de prever completamente ou sequer o que imaginar o que nos poderá acontecer nas próximas 24 horas ou segundos, mas sempre achamos que temos o conhecimento e a capacidade de entender quem nos cerca, incluindo namoradas, namorados, filhos, pais, amigos. Infelizmente não conhecemos nada, e mesmo que conheçamos com a ajuda dos livros de Freud, Jung, e outros, não conhecemos não, porque as pessoas mudam na medida em que a cada dia adquirem mais experiência da vida e conhecem outras pessoas. Assim, o casamento  representa aquela vontade, naquele dia em que se pensou em casar, como numa fotografia da vida. Para aquele instante, a fotografia representava o resumo de uma situação. Nos instantes ou anos seguintes essa fotografia já não seria a mesma e em muitos casos, a maioria, o casamento já não seria uma opção. O que está errada é a instituição do casamento que obriga a deveres por toda uma vida, como se tudo fosse imutável e o casal vivesse num éden particular sem contato com o mundo exterior. Nenhum ser vivente faz contratos de casamento neste planeta, exceto a humanidade que acha que entende tudo sobre tudo. Tudo isto para dizer que é absolutamente normal e natural casar ou não casar, separar ou não separar. O que é anormal é continuar numa relação que só trás infelicidade. Os dias infelizes estão irremediavelmente perdidos e para compensar não há seguro, compensação. Por isso e em nome de sua felicidade – sem egoísmos – se tiver que largar o barco largue. Se tiver filhos menores, espere conscientemente a  sua maioridade para tomar a decisão. Serão anos difíceis, é certo, mas com determinação e por uma boa causa, a infelicidade não lhe parecerá tão infeliz assim. Depois chute o balde, o pau da barraca, dê o fora e não se preocupe com os bens da barraca ou a água do balde, porque valem menos que sua felicidade.

Para os idosos – Não há limite de idade para cuidar dos bens que possui, desde um livro de cabeceira guardado há décadas até bens móveis e imóveis. Quando achar que já não tem forças para cuidar, delegue a quem lhe merece mais confiança. Os bens já não são tão importantes como eram quando se preocupou pela primeira vez em juntar alguns deles para o “amanhã”. O amanhã chegou e já é hoje. Os novos amanhãs serão a cada dia e há que viver cada dia sem preocupações que os enegreçam, os obscurem, os matem. Há sempre uma forma, mesmo para os doentes, de passar o tempo de forma feliz. Tente lembrar-se sempre do que ainda lhe é agradável relembrar e se puder usar seus membros, fale, escreva, leia, pinte, grave suas impressões em gravador, aprenda sobre a natureza, sobre assuntos que nunca pôde estudar em profundidade. Sua experiência, o modo como via a vida desde sua infância são muito importantes para a descendência, para todos nós. Um dos segredos da felicidade é “passar o tempo” de forma produtiva, que nos dê prazer, sem sentirmos que o tempo passa em tédio. E se ainda houver disposição para mais, transmita isso ao mundo através da net quer seja usando seu corpo e suas possibilidades ou pedindo a alguém que o faça em seu nome se estiver impossibilitado ou impossibilitada. Não importa o que o mundo pensa de você. Ele também tem seus problemas e também passará.



Para os nenéns e crianças até sete anos de idade – Se um dia tiverem acesso a esta leitura, pensem maduramente no que titio escreveu. Talvez um dia lhes venha a ser útil, e comecem logo a construir o vosso futuro. Aprendam tudo o que puderem de bem e de mal, mas usem o mal para o perceber e dele se defender, e usem apenas o bem. Bem, é tudo o que nos faz bem e não faz mal aos outros. Mal é tudo o que faz mal aos outros e a nós mesmos.

Titio Rui, vôvô Rui Rodrigues




[1] . As pedras servem nas aves para triturar as sementes através de movimentos de contrição dos músculos da moela, o órgão correspondente ao nosso estômago.

terça-feira, 4 de junho de 2013

Seja sempre honesto ao pedir emprego



Seja sempre honesto quando procurar emprego.


Ilídio Francisco Olegário Barnabé estava desempregado aos 45 anos, ainda jovem. O mercado não o reconhecia como jovem, e os amigos, bom... Os amigos eram pessoas muito honestas de princípios que só indicavam amigos de amigos, e Ilido Francisco era apenas amigo e não amigo indicado pelos amigos. Assim, neste estado de pranto, Ilídio Francisco, engenheiro formado, com bastante experiência nacional e internacional em obras de todos os tamanhos e especialidades, falando e escrevendo quatro línguas de mercado, lá apanhou seu ônibus e foi para a sua entrevista de emprego: Uma empresa de construção terceirizada, isto é, trabalhava diretamente para o Estado, embora para o Estado a maioria de seus custos fossem sempre “indiretos”.


  1. A Entrevista – fase um.


Depois de uma longa espera, foi finalmente introduzido numa sala onde o chefe de Érrehagá[1] o esperava por detrás de uns óculos que tentavam disfarçar seus olhares inquisidores, como quem escuta com a disposição de ver onde que você está errando, de ouvidos em seus atos falhos, olhando de vez em quando para suas pernas e mãos para ver se estão suadas, demonstrando nervosismo. De vez em quando dava uma cheirada mais longa para ver se seu perfume tinha qualidade ou se era marca “roscoff”. Se relógio rolex comprado em camelô não passará desapercebido nunca. Se passasse por aquela entrevista ainda teria que enfrentar mais umas outras duas: A de capacidade técnica e a de capacidade mental para saberem se tem ou não algum desvio de mentalidade psicossomática, além, evidentemente, do exame médico. O resultado dessa entrevista ficou pendente, porque o chefe do Érreagá imediatamente mandara fazer consultas ao CPF, aos tabeliões da cidade, aos Bancos e às Centrais de polícia: Precisavam saber se Ilídio estava com nome sujo na praça, se tinha crédito, se tinha multas com a Polícia de Trânsito, se já dera entrada em alguma delegacia de polícia, se tinha alguma mulher solicitando pensão alimentícia e se estava sendo paga, e como eram as postagens do Ilídio  no Facebook, enfim, uma devassa na vida dele, na real e na virtual, que nem nos tempos da ditadura militar – ou do regime militar – as empresas se arriscavam a fazer. Assim, mas tranqüilo, Ilídio  lá foi para a segunda entrevista com o responsável pela seção de “construção”. Atendeu-o um conhecido dirigente que sempre aparecia nos noticiários quando se tratava de apresentar ao público televisivo o “andamento” das obras, como se as obras tivessem pernas. Já o conhecia da TV. Fez-lhe muitas perguntas sobre técnicas de construção e até lhe pediu uns “conselhos” sobre equipamento a utilizar numa obra que já estava em “andamento” com todos os equipamentos contratados. As respostas de Ilídio  foram impecáveis. Salientou num “à parte” que tanto tinha experiência em construção, propriamente dita, como em planejamento, controle de custos, contratos, gerenciamento. O engenheiro entrevistador franziu o sobrolho levemente. Não pretendia ter um concorrente ao seu próprio cargo, mas estava precisando muito de alguém em quem tivesse confiança para o ajudar em suas funções. Ilídio  poderia ser o cara certo se tudo estivesse certo com ele. E nem fumava, que era o que lhe parecia pelo “cheiro” e pelos dedos sem marcas de nicotina. Ilídio  sempre pensava nestas horas que o mercado sempre exigia dos candidatos uma candura, uma competência, uma beatitude que não se viam em lugar nenhum. Num mundo cheio de ambiciosos, maracutaias, golpes, abusos de toda a ordem, exigir de um candidato todas essas virtudes, era pura idiotice. Na verdade o que desejavam ver é se o sujeito sabia alguma coisa das funções, se tinha apresentação visual, se era bom falante, bom ouvinte, se estava perfumado, se vestia adequadamente e principalmente se sabia mentir com classe. O resto era detalhe. E ficou no aguardo de nova entrevista porque aparentemente o gerente havia gostado de seu comportamento e conhecimentos. Estava a meio caminho de ganhar um emprego...

Chegando em casa, a mulher e os filhos, já crescidos, quase se formando, perguntaram como foi a entrevista. Pela cara de Ilídio  parecia ter sido boa, esperançosa. Resolveram comemorar. Abriram uma garrafa de vinho tinto que sobrara do aviso prévio anterior, e encomendaram uma pizza da pizzaria da esquina. Nessa noite até fizeram amor porque a alegria de viver voltara. Pena que só deu para dar uma. A esposa sempre atenta, disse para ele não se preocupar. O vinho era mesmo velho e de muito alto grau alcoólico. Era argentino de Mendonza, e mais seco que o deserto de Atacama lá no Chile. Ele gostava, mas a mulher mais habituada ao supermercado da esquina gostava daquele suco de uva alcoolizado e açucarado, rotulado com o nome de “vinho suave”.  Ilídio  e todos em casa, ao longo de um tempo que de repente ficara extremamente lento esperavam nova chamada para entrevista. Os dias foram passando.


  1. A entrevista – fase dois.


O doutor Alonso Patranhos estava de bom humor. Acreditava que tinha encontrado o seu sucessor para que por sua vez pudesse subir mais um degrau na empresa. Estava de olho na vive-presidência. Poderia ser o Ilídio  a ocupar o seu cargo que assim ficaria vago e não queria perder a oportunidade.Pegou o telefone e ligou para seu amigo Paulinho que ele mesmo indicara para o posto de Gerente de Erreagá.

- Oi Paulinho... Como vai a seleção de candidatos?
- Vai bem. Já mandamos analisar a urina recolhida dos candidatos nos banheiros – sabe que sempre tomamos nossas providências para recolher a urina sem que percebam – e nenhum dos candidatos apresentou indícios de uso de drogas, nenhum tem HIV. Quanto a CPF, e outros indicadores, dois apresentaram problemas.
- E o Odílio?
- Limpo em tudo. Mas esse eu não recomendo. Pelo currículo vai pegar o seu lugar, mas você que sabe... 
- Que é isso, Paulinho... Não se preocupe. Não confia no meu taco? Realmente estou interessado no Odílio. Pode nos servir muito bem. Quanto a pegar o meu cargo, nunca ninguém pegou cargo meu. Nós trabalhamos bem em conjunto, não? Se eu precisar já sabe o de costume: Derrubamos o cara... Pode deixar. Vê se me aprova esse cara. Falou?

Paulinho não estava no cargo à toa. Sabia perfeitamente quando ser eficiente e quando ser completamente ineficiente. O importante não era a empresa, mas a equipe, o grupo, a panela. Um dia chegaria a presidente da companhia nem que tivesse de derrubar o gerente geral, o vice-presidente ou até mesmo o Patranhos. Até já tinha um dossiê contra ele na casa de sua mãe para que ninguém o descobrisse. Vai que o Patranhos lhe pedisse a casa emprestada com alguma finalidade e viesse a descobrir? Sabia que Patranhos era um bom filho da puta que se disfarçava de amigo enquanto ele, Paulinho, lhe servisse as intenções.


  1. A entrevista quase final

Ilídio adentrou a sala do doutor Patranhos já com outra cara: A cara de quem o emprego era dele. Ninguém faz três entrevistas se não for para ser admitido. Essa sua postura o ajudaria no percurso final a caminho do costume de entrar no supermercado sem se preocupar com o quanto que vai custar o carrinho cheio, sem se incomodar se a gasolina sobe de preço, sem preocupar com a subida do dólar ou com que partido está no governo. Patranhos o recebeu com um sorriso de “já ganhou, o emprego é seu”. Então, depois dos “como vai” e “igualmente” Patranhos fez uma “confissão” a Odílio, ou pelo menos o tom da conversa era de íntimos confidentes:
- Sabe, Ilídio, em nossa empresa damos o maior valor à honestidade. Somo uma empresa que preza essa qualidade acima de todas. Crescemos por nosso próprio valor e não por comprarmos este ou aquele. Evidentemente que há furos nas leis e aproveitar-se desses furos não é ilegal. Isso é problema de quem faz as leis. Ajudas não se recusam porque são valiosas, mas sempre dentro das leis e dos furos, evidentemente. Gostaria que me dissesse algo de sua vida profissional onde esta postura tivesse ficado evidente. Certamente terá pelo menos um caso a contar.

Ilido olhou firme para o seu interlocutor. Sentiu que essa era a pergunta chave. Ou era admitido ou ficava por ali mesmo, com um tapinha nas costas e a promessa de que seu currículo seria considerado posteriormente, a futuro. Respondeu com toda a sua honestidade.

- Doutor Paranhos, como sabe, manter-se equilibrado entre os “poderes” dentro de uma empresa, é difícil. Se agradarmos a todos, a alguns teremos forçosamente de não agradar porque ainda que digam que sim, estarão em campos diferentes de interesses, nem sempre os da empresa. Vejo que fiz muito bem em procurar esta para me candidatar. Também preservo a moral e a ética como pontos fundamentais de um profissional, salvo quando há que agir de forma não tão nobre para preservar os interesses da empresa para a qual trabalhamos. Mas vou contar-lhe um caso, que dá mostras de meu hábito de sempre por a honestidade acima de tudo. Sempre digo lá em casa que, chova ou faça sol, se tiver que delatar quem age fora dos preceitos mínimos da moral e da ética, eu delato mesmo. Foi o caso de...

E contou um caso em que por sua delação tinha acabado com uma gangue que atuava numa empresa, processando todo o tipo de irregularidades. Mas acabara mal e todos, incluindo Ilídio, tinham sido demitidos sob todos os tipos de desculpas. Ilídio não sabia porque razão, mas Patranhos sabia. Sabia desse caso, porque o envolvimento incluía a sua própria empresa. A gangue trabalhava para o dono da empresa e Ilídio não sabia. A direção teve que demitir todos por terem sido descobertos, e a Ilídio porque era um perigo para as ações do grupo. Mas Patranhos não demonstrou que sabia. Pelo contrário, elogiou a boa índole de Ilídio. Disse-lhe que esperasse na sala de espera. Ilídio saiu satisfeito. Agora vinha a assinatura da carteira profissional. Bebeu uma água e esperou uma meia hora.

  1. A meia hora mais demorada de uma vida.

Patranhos correu para o telefone depois de se certificar que a porta estava fechada e ninguém entraria sem que lhe abrisse a porta.

- Alô, Carlinhos... Tenho aqui no meu escritório um cara que você deve conhecer. Eu já tinha ouvido falar dele, mas não o conhecia pessoalmente... É o Ilídio. Lembra?
- Ah... Lembro... Como não lembrar... Ele é muito bom. Excelente profissional, mas não pode saber dos negócios extra-escritório. Ele é capaz de arrebentar com uma empresa. Não se compra não se vende. Vai admitir?
- Estava pensando... Mas você sabe que ninguém precisa de profissional honesto, santinho, salvo em funções que não sejam estratégicas. Mas essas ele não pode aceitar. É muito competente e tem muita experiência. Gostaria de ajudá-lo, porque reconheço a competência, mas não vejo como.
- O lugar dele seria na Polícia Federal... hehehe.. Mas isso não nos interessaria, não é?
- Bom... Fica a dica. Se precisar dele, me avisa que eu o mando para você.
- Não, não... Nem precisa... Estou dispensando.

Depois que desligou o telefone Patranhos ainda meditou por uns cinco minutos. Depois chamou Ilídio.


  1. A entrevista final.

- Caro Ilídio – disse sorridente e afável – Tinha a intenção de admiti-lo, como deve ter percebido. Dependia apenas da confirmação de uma concorrência. Se ganhássemos estaria admitido. Mas infelizmente perdemos para uma concorrente que disputa conosco o mercado. Lamento, mas seu currículo não será esquecido. Na primeira oportunidade voltaremos a chamá-lo. Sinto muito mesmo.

Ilido disse-lhe apenas que não se preocupasse. O mercado era mesmo assim. Tudo tinha que concorrer para o sucesso de uma tentativa de emprego. Ficaria para a próxima. Desejou-lhe sucesso e saiu de cabeça erguida. Patranhos ainda murmurou em voz alta para a secretária:- Como está difícil encontrar alguém com o perfil que precisamos... Aí vai um chefe de família que precisava de um emprego, e apesar das qualificações há sempre um senão... 
  
Com quarenta e cinco anos, Ilídio percebeu que estava velho e conhecido no mercado. Tinha tudo até para ser presidente de uma empresa honesta, mas este mercado estava difícil. Os tempos haviam mudado e ele também tinha que mudar. Não mais para subsistir no mercado de trabalho de seu ramo, mas para sobreviver. Quando chegou em casa, comunicou a mudança de vida à mulher e aos filhos. Eles entenderam. Foi assim que abandonaram a cidade e partiram para um lugar perto da natureza, perto de outra cidade.

Vivem bem sem o iate que nunca quiseram, sem o apartamento de cobertura no lugar mais caro da cidade que nunca desejaram, sem destruir os seus princípios que também nunca desejaram destruir.

Rui Rodrigues








[1] RH, é a sigla de Recursos Humanos, destinada a publicar anúncios para candidatos a  emprego, selecioná-los, elaborar folhas de pagamento e dar consultoria para as chefias de Departamentos, gerindo  conflitos entre chefes e subalternos ou destes entre si. Estabelece de comum acordo com a presidência, as políticas de cargos e salários. 

domingo, 2 de junho de 2013

Lendas da Esbórnia nos tempos da Compostela

Lendas da Esbórnia nos tempos da Compostela 
(Ou de como nunca entendemos o que é tão claramente óbvio e lógico)

Dom Ruy Samuel de Sousa Pires Rodrigues Calatrava Valverde e Saboia nasceu na península Ibérica no longínquo ano de 1.147 DC (depois da crucificação) e era um dos cavaleiros da Mesa Sextavada, uma organização secreta que se dedicava a combater os inimigos do reino. Era um cavaleiro cavalheiro, e como não é tradição nem se escreveu muito sobre cavaleiros cavalheiros peninsulares - deve ter sido uma questão de marketing medieval - chamaremos ao nosso herói (ele é um herói) o curto e nobre nome de Sir Ruy. Assim se verá, ainda que com os mesmos olhos, melhor aceitação dos seus feitos. Fama e admiração popular não é para quem merece, mas para quem tem marketing. Sir Ruy agora tem marketing por ter trocado o “dom” por “sir”. E lá o vemos cavalgando garboso em seu cavalo no inverno daquele ano, com sua capa de lã de ovelha, a barba os bigodes e as sobrancelhas mescladas de neve. Dirigia-se a Santiago de Compostela para cumprir uma promessa se obtivesse um favor do santo. A Catedral começada a construir em 1.075 estava finalmente construída e já atraía peregrinos com seus cajados com conchas de vieiras penduradas. Sir Ruy conhecia o trabalho dos santos que nem sempre atendiam aos pedidos, mas que quando os atendia deixava os contemplados sempre na dúvida se a graça tinha sido alcançada por acaso, por obra de outro santo ou santa, ou porque haviam tratado bem a causa, a doença. Levava consigo o seu fiel amigo, D. Alberto de Aguilar Pamplona de Arcos Ferrabrás Álvares Y Salcedo, que também pelo mesmo motivo de marketing medieval chamaremos shakespearianamente de Sir Albert.  Com tantos sobrenomes nem adianta explicar a sua complicada árvore genealógica por pura perda de tempo. Eram solteiros, buscavam noivas famosas que não tivessem ainda prevaricado nas alcovas, nos montes de palha dos armazéns de fazendas, em carruagens de nobres famosos ou sem fama, à beira de rios em rápida cama feita de fachocos de palha durante a lavagem de roupas, nos banhos de rio quando todos pensavam que as mulheres estavam sozinhas, ou nos quartos de primos amigos. Como também não imaginavam casar com múmias insensíveis que os recebessem na cama como estátuas frias cobertas por lençol de morgue, a busca estava realmente difícil. As intocadas que haviam conhecido – por assim delas dizerem – ou eram muito novas, sem tempo para aprenderem, ou seriam exatamente umas múmias insensíveis, irrecuperavelmente incompetentes na cama e que não participariam ativamente dos saborosos atos sexuais a que estavam habituados com as mulheres da “Old Pleasure Tavern”, na cidade de Liverpool onde tinham ido juntamente com os outros Dez de Inglaterra. Se aparecessem assaltantes pelo caminho, como sempre costumavam aparecer, eles próprios os assaltariam. E lá foram sem nem mesmo tomar banho porque ainda não se haviam passado trinta dias desde o último que haviam tomado, com um pequeno alforje com alguns cruzados de ouro, umas côdeas de broa de milho, quatro garrafas de bom vinho tinto e dois cobertores cada um. Das garrafas, duas no alforje e duas no buxo que já partiram animados para a viagem. Com trinta e dois anos de idade nenhum deles tinha já todos os dentes. Tentaremos imaginá-los de banho tomado, perfumados, barbeados, para não ferir a saga que aqui se conta. Aquela fama de heróis medievais todos inteiros, garbosos e perfumados que se vê hoje em filmes, é pura balela. Aos vinte e cinco anos já estavam todos casados, gordos e barrigudos, carecas e sem dentes. Os tempos eram assaz difíceis e sem esposa, seriam tomados por “sensíveis” que não gostavam de mulheres, o que era terrível para eles: Não podiam ser heróis, participar das lidas, dos atos de governo e seriam marginalizados. Um dia Sir Albert, muito a propósito, perguntou a Sir Ruy como teria sido a vida de Jesus Cristo, solteiro aos 33 anos, morrendo na cruz sem nunca ter experimentado o túnel da felicidade das mulheres, que sempre têm dois e muitos é que não sabiam, sendo um para o dia a dia, e o da frente só para casar ou embarrigar. 



D. Ruy nunca respondeu satisfatoriamente a essa pergunta tão lógica nem agora que o assunto voltara à baila durante a longa subida no mapa de terras lusas para terras galegas montando dois briosos corcéis que, depois de cansados de tanto caminhar não passavam agora de duas cavalgaduras trôpegas. Tinham os dois muito pouca experiência com mulheres porque os maridos lhes punham cintos de castidade, as moças eram vigiadas pelos pais e se engravidassem logo confessavam quem era o pai da criança, e só lhes restavam as mulheres casadas para treinar, daquelas que conseguem a confiança do marido. 
Foram falando sobre isso durante a longa cavalgada. Eram bons tempos de esbórnia, já que se houvesse oportunidade de treinar não teriam a quem dar satisfações porque jamais os veriam novamente. O tempo passara tão rápido com tanto conversar, cada um entregue a suas lembranças, a suas revisões da vida, que quando repararam estavam no final da Portela do Homem, na serra do Gerês, a escassos minutos da fronteira com a Galiza. Pararam numa estalagem com um bar na entrada, os quartos no subir das escadas. Pararam no balcão e pediram uma garrafa de vinho, uns nacos de pão de centeio e um bom pedaço de presunto defumado de porco pata negra.  Foi então que repararam em dois homens estranhos que estavam cada um num dos lados do extenso balcão. 
Eram mal encarados, e olhavam insistentemente para os seus alforjes. Quando Sir Albert deteve um pouco mais o seu olhar nos belos olhos verdes da atendente do balcão que lavava umas pesadas canecas de estanho, um deles disse que a moça tinha dono. Perplexo, D. Ruy olhou para a moça que acenou negativamente com a cabeça. Sem mais nem menos, o interlocutor sacou da espada sendo imitado por seu companheiro na outra extremidade do balcão enquanto lhes exigia os alforjes. Sir Ruy e Sir Albert não eram nada ortodoxos nessas coisas de preservar a vida, assim que duas canecas de estanho ainda com vinho pelo meio saíram velozes de suas mãos e foram arrebentar a boca de um dos espadachins, enquanto o outro desmaiava com a testa aberta. Perguntaram ao estalajadeiro se conheciam os dois facínoras. Não. Não os conhecia nem eram da terra. Talvez de algum dos reinos de França ou da Teutônia . Então cada um puxou de sua adaga e fez um pequeno corte na garganta de cada um deles. O sangue saiu aos borbotões sob os olhos arregalados do estalajadeiro. Nunca vira tamanha pontaria no arremesso de canecas nem sangue tão frio de dar apenas um pequeno corte suficiente para que os meliantes sangrassem como porcos. Então tiveram que explicar ao admirado estalajadeiro que não iriam fazer o resto da viagem com os dois bandidos vivos e irritados em seu encalço. Ademais não tinham provocado nada. A vida deveria ser vivida em tranqüilidade e não com alguém buscando vingança nos seus calcanhares. 

Subiram para o quarto depois de combinarem o valor da companhia da loura de olhos verdes do balcão. Nesse dia, mesmo sem se terem passado 30 dias desde que haviam tomado banho pela última vez, tomaram um com sabonetes de feno, num enorme alguidar de madeira, na verdade meio tonel de vinho cortado a caráter, usando esponjas do mar da Galiza. Naquela noite as quatro cabeças descansaram como se estivessem no paraíso, sem qualquer ejaculação noturna durante o sono.
E saíram para Santiago de Compostela ao amanhecer, o corpo descansado, ainda pensando no que significava ser cavaleiro cavalheiro. Com bandidos não havia contemplação nem cavalheirismo. Já com a linda galega de olhos verdes, tinham sido o mais cavalheiros que podiam ter sido: Usaram tripa de intestino de porco para evitar que engravidasse. Era o que se dizia a voz pequena pelas cidades, para evitar o nascimento de filhos. Além do mais, se ficasse grávida de quem seria o filho? A pele de intestino de porco, devidamente lavada lhes evitara o dilema. O próximo treino nenhum dos dois sabia quando aconteceria. Depois de longo cavalgar, com algumas paradas pelo caminho para dormir sob a sombra das árvores, chegaram então a uma pequena vila galega chamada Sanxenxo. Havia festas por lá, e muitos cavaleiros de túnicas brancas com uma enorme cruz vermelha de alto a baixo, acompanhados de gordos monges e abades com cruzes de duro aço e nobre madeira levantadas trotavam pelas ruas com arauto arrebanhando almas para uma cruzada contra os mouros. Não fosse a coceira que os dois sentiam dos chatos percorrendo-lhes o couro cabelo, a barba e as partes da boa e gostosa pudicícia, teriam disposição para se alistarem na cruzada, mas além desse incômodo, havia também o negócio que tinham de tratar com o santo Tiago de Santiago: Eles pediam-lhe um favor, o santo fazia o milagre e eles pagavam a promessa. Acreditavam que era um bom negócio para o santo. Já tinha passado mais de uma semana que haviam saído da “Old Pleasure Tavern” e dos braços da loura de olhos verdes e ela não lhes saía da cabeça, embora desconfiassem seriamente que fora ela quem lhes arrumara toda aquela chatice que coçava como o diabo. Sua vontade como bons e lídimos peninsulares era interromper a cavalgada, voltar á estalagem, apanhar a loura de jeito, dar-lhe um par de tabefes, e perguntar depois se ela não sabia que tinha chatos, mas como bons cavaleiros cavalheiros, resolveram que a deixariam em paz. Resolveram entre si que como não se importavam mais com a paternidade de uma gravidez alheia indesejada, já podiam tirar as tripas de porco, porque nem já suportavam o cheiro daquela coisa imunda. Tiraram-nas ali mesmo no meio da rua, usando a capa como proteção dos olhos alheios e as jogaram no chão. Um cachorro que ia passando acercou-se mas afastou-se ganindo do local desaparecendo entre as pernas de um mar de gente. 
A cidade estava em alvoroço. Havia carroças sendo cheias com trouxas de roupas, malas, frutas, carnes e peixes salgados, cheiros misturados ao sarro dos corpos suados, dando a impressão de grande catástrofe que se aproximava e que a cidade ia mudar-se para evitá-la. Algumas mulheres costuravam cruzes vermelhas em lençóis de linho costurados em túnicas. Corria voz que Jerusalém era uma cidade muito rica, com templos encimados por cúpulas de ouro. Mulheres da vida recém saídas dos puteiros da cidade comentavam que na Terra Santa se redimiriam de suas culpas, voltariam ricas e livres de pecado não sendo mais necessário entregar-se aos corpos sujos de homens grossos sem cuidados, a maioria visivelmente doentes até de sífilis aos quais não podiam recusar o coito sob pena de perderem o emprego, o ganha-pão. Beatas recém-saídas das sacristias rezavam por seus maridos que partiam para a glória. Não sabiam, nenhuma dessas pessoas, nem ninguém podia saber que não era uma catástrofe que chegava à cidade, mas uma catástrofe que buscavam e que encontrariam levados por uma fé que lhes arrepiava a pele, lhes fazia levantar os olhos agora cândidos aos céus, sentir que Deus existia. 
Todos tinham confessado seus pecados - e comido o pão e tomado o vinho que os faria imunes às desgraças - aos abades e monges que agora percorriam as ruas inebriados, os interlocutores entre os arrebanhados e seu Deus representado morto, não ressuscitado. Com tanta confusão resolveram seguir caminho, mas não andaram muito e já quatro salteadores montados em mulas ruças lhes saíam pelo caminho, ansiosos por seus cavalos, espadas, roupas e pelos alforjes que adivinhavam gordos. Assaltavam pela boa razão, que achavam justificável perante seu deus, que era para uma boa causa: Juntarem-se à turba malta, chegar à Terra Santa e roubar os templos dos infiéis. Não conseguiram. Saídas de debaixo dos capotes de Sir Ruy e Sir Albert surgiram duas bestas já armadas e retesadas com duas flechas que partiram céleres e certeiras para os peitos dos dois assaltantes que estavam mais perto. As mulas continuaram seu caminho em frente, o resto do corpo dos dois homens acompanhou por breves segundos o caminho traçado, mas os seus peitos ficaram exatamente no mesmo lugar, caídos das mulas, vazados, esguichando jorros vermelhos e pulsantes de sangue a cada batida, cada vez mais lenta dos corações moribundos. Os segundos tentaram parar ao ver os dois primeiros caídos, ensaiando uma corrida para a lateral do caminho por onde poderiam fugir, mas dois machados lançados com mão certeira se cravaram nos crânios esguichando miolos e sangue que logo chamaram a atenção dos lobos que uivaram bem perto pressentindo a carniça. Desceram dos cavalos e dirigiram-se aos quatro cadáveres. Arrancaram os machados dos crânios, partiram as costelas dos dois alvejados e retiraram as flechas. Nada se podia desperdiçar em terra estranha. Limparam as armas nos trapos da roupa assaltante, montaram em seus cavalos e seguiram caminho no mesmo passo em que seguiam antes. As montarias não podiam cansar-se em trajeto tão longo. 
Quando chegaram a Santiago de Compostela a cidade estava cheia. Havia troços de exército cavalgando pelas ruas, outros formados em praça, comandantes gritavam ordens para ordenar a desordem total. Parecia que a cidade também estava de mudança. Também se preparavam para a grande cruzada contra os mouros infiéis. Muitas mulheres ficariam sozinhas, com seus cintos de castidade rilhando-lhes o baixo ventre, na esperança de que seus maridos ficassem por lá, pelas terras do oriente. Alguém lhas abriria. O que mais as incomodava não era o fato de não poderem fazer sexo, que esse sempre davam um jeito de fazer, mas era a higiene, aquele aparelho difícil de limpar pelo lado de dentro porque não podia ser tirado, limpo, tresandando a uréia rançosa e fezes úmidas nunca secas. Outras, às quais o sexo egoísta dos maridos não incomodava, rezavam para que voltassem sãos e salvos mesmo antes que tivessem partido. Coroinhas de rubras túnicas paramentadas com rendas brancas percorriam as ruas com sacerdotes oferecendo aos peregrinos uma cruz fartamente lambuzada para beijar, transmitindo doenças graves em nome da fé. Sir Ruy e Sir Albert passaram disfarçadamente pelas aglomerações e foram diretamente para o templo fazer as suas orações. Faziam-nas ao Pai, separando-o do filho que morrera, porque haviam aprendido que Deus não morre, não tem estátua nem de ouro como a do bezerro. Para os dois, poderiam orar em qualquer templo judaico, cristão ou muçulmano porque o Deus era o mesmo, mas aqueles sacerdotes primitivos punham o pai abaixo de outros interesses terrenos e lutavam entre si pela primazia do público. Queriam público, gente que aderisse aos templos para lhes levarem esmolas, dar-lhes o poder de impor reis, aprovar a existência de Estados, criar um império. Esses sacerdotes jamais saberiam a quem Sir Ruy e Sir Albert rezavam, se a D’Us, se ao pai do filho, se a Alah. Então ao entrar no templo se assustaram com o descomunal queimador de incenso que passava tilintando metais e soltando fumaça por sobre suas cabeças, impulsionado por grossa corda de sino puxada por dois acólitos vestidos de mantos negros. Era como se Deus os ameaçasse com a fogueira eterna. 

Foram obrigados a olhar para o teto, negro de fuligem de velas queimadas, fumaça de incenso. Era um templo sombrio e barulhento, em forma de cruz e com pouca iluminação como se Deus não fosse a clarividência, o conhecimento, a luz. Imaginaram como ficaria ainda mais escura se resolvessem construir nichos para santos a que chamavam de capelas. E eram tantos o santos que a toda hora apareciam como fazedores de milagres. Estátuas de santos estavam espalhadas por nichos onde se queimavam velas.  Não reconheceram um só santo. Duvidaram até que a imagem correspondesse ao rosto real daqueles que representavam. Era sobre isso que comentavam entre si em voz comedida como se ninguém os ouvisse ou entendesse. Foram confessar-se. Ambos confessaram pequenos pecados como inveja quando os outros comem doces e não lhes dão nem migalhas, luxúria quando vêem mulheres lindas na rua sem se preocuparem se eram ou não casadas, a morte de bandoleiros com as próprias mãos sem se preocuparem em salvar-lhes a vida e levá-los para o bom caminho. Depois de absolvidos fizeram a mesma pergunta a seus absolvidores: O que seria justo pagar a Deus se sua velha mãe se curasse de uma doença que lhe deixava a pele cheia de bolhas negras como se fossem bexigas. Ambos tiveram respostas diferentes, mas todas incluíam valiosas somas que deveriam ser entregues à Igreja, como ato de reconhecimento pelo milagre.  Na saída ainda discutiram sobre os valores propostos, porque um era bem inferior ao do outro. Um pedira dois mil dobrões de ouro e o outro três mil cruzados de ouro. Decidiram que pagariam a promessa pelo valor mais barato depois que o milagre fosse realizado e após a conversão cambial das moedas. Como intermediários de Deus, os sacerdotes não podiam divergir entre si porque Deus só tem uma palavra. Entenderam finalmente que havia duas opções e pagariam logicamente pelo menor valor. Então voltaram a entrar no templo e fizeram a sua promessa. Saíram pela ultima vez, depois de passar novamente pelo sufocante botafumeiro [1] e fizeram-se imediatamente ao caminho. Desta vez correra fama de sua valentia e tiveram que matar dois bandoleiros de uma vez, quatro de outra, seis de outra e oito de outra sem perder uma pestana sequer. Quando chegaram ao velho casarão que habitavam, já em sua terra natal, souberam que sua velha mãe não resistira à peste negra.
Não podiam entender como gente religiosa tinha o hábito de levar os velhos e decrépitos pais até as florestas circunvizinhas de aldeias e cidades para que nelas se perdessem e fossem comidos pelos lobos. Não haviam eles viajado tanto para salvar sua mãe? E afinal das contas, com tantos bandidos mortos pelo caminho, tinham que ter alguma compensação. Bandidos sempre andam com os produtos do roubo em seus alforjes. Fizeram as contas: Tinham tido um lucro de dez mil cruzados, líquido. Como não tiveram que pagar a promessa para a salvação da mãe, o lucro real pecuniário fora muito maior, mas pensar nisso nem pensar. Era um pecado aviltante, um injustiça à pobre mãe.

(© by Rui Rodrigues)




[1] O nome do queimador de incenso descomunal da catedral de Santiago de Compostela. Pesava naquela época 60 kg. Depois de um banho de prata que levou em 2006 passou a pesar 62 kg.