Sou desconfiado, sim, e não acredito em
avantesmas.
Eu tinha dez anos e acabara
de entrar para o Liceu Gil Vicente depois de penosa prova com 100 questões. Na saída da prova, um garoto metido a
besta, comparando as suas respostas com as minhas, disse que as dele eram todas
diferentes e que tinha certeza que iria passar, o que me reprovaria,
evidentemente. Nunca o voltei a ver no Gil Vicente. Eu ia para a minha primeira
aula de físico-Química, porque as duas matérias ainda eram dadas em conjunto
numa só cadeira. O professor, para nos incentivar ao estudo fez uma experiência
e garatujou uns símbolos acompanhados de sinais de mais e de igual e produziu
um produto aquecido que fumegava de um tubo de ensaio. A cor era de laranja e o
cheiro também de laranja [1].
Fiquei impressionado. Meu professor tinha construído uma laranja líquida dentro
de um tubo de ensaio, mandando às favas a teoria da criação, a Bíblia Sagrada,
e comecei a entender como que Jesus tinha transformado água em vinho... Perguntei-lhe
se podia cheirar novamente e ele espanejou a mão por cima do tubo de ensaio,
perto do meu nariz, para que não aspirasse muito o vapor do tubo. Mas em
compensação, comecei a desconfiar de tudo o que me diziam que era, que não era,
que faziam ou deixavam de fazer. Nada era o que parecia. Além das
características diferentes da laranja líquida do mestre para as naturais, é que
não se podia beber. Aquilo era um produto destinado a dar sabor a uma bosta
qualquer e vender sob a apresentação de balas e doces e até bolos com sabor de
laranja. Uma enganação que continuamos a comer deliciados. Somos um bando de
ignorantes cuja maioria não assentou o rabo em cadeiras de escola, por culpa
exclusiva do Estado Moderno, essa enorme e assombrada avantesma que gasta todo
o dinheiro dos nossos impostos em festas, viagens, pompa e gorjetas para os
amigos daqueles que elegemos inadvertidamente pensando que nos representam.
Vejam que já naquela época eu não era lá muito crente de qualquer coisa que me
apresentassem, e nem acreditava em avantesmas.
Meu professor já faleceu, o
Gil Vicente continua lá e já lhe fiz uma visita onde se lembraram de mim porque
de certa forma “marquei época”. Mandamos para a rua em plena ditadura militar
três professores por completamente inadequados e incompetentes: Um deu um tapa
num aluno quando ele disse que não acreditava em Jesus Cristo como Deus; o
outro passava deveres para casa como se fosse o único no colégio, e não nos
dava tempo para os trabalhos das outras matérias; e o terceiro não sabia nada
das matérias e só falava sobre o que tinha trazido escrito de casa em longa
“cola”. Das três vezes, como chefe de
turma, representei os alunos e fui falar pessoalmente com o reitor, o
digníssimo Sr. Joaquim Romão Duarte [2]
que jamais esquecerei.
Já não faço provas para
concursos nem para admissão em universidades por absoluta falta de talento e
tempo para outras atividades. Na verdade gasto meu tempo com coisas a que
ninguém dá muita importância, como a Democracia Participativa, porque parece
não haver muito talento nem tempo disponível por pessoas como aquele cara sem
graça e petulante que disse que tinha a certeza de ter passado na prova do Gil
Vicente porque suas respostas eram totalmente diferentes das minhas. Estão auto convencidos que não há nada de novo nem melhor para o que já têm. Ele teve
que fazer a prova novamente no ano seguinte. Quando me formei ele ainda deveria
estar fazendo provas. E outras pessoas que também não têm tempo, como aquelas
que acreditam em avantesmas que andam a rondar os navios do conhecimento, a
escuridão da ignorância, as praias do desmazelo social, as florestas da
abstinência do pensar. Alguns até acreditam em coisas inacreditáveis tais como
extraterrestres, duendes, Cavaco Silva e Uri Geller. Perguntam-se outros:
Seriam os deuses astronautas? Mas comum a todos eles é mesmo que acreditam em
avantesmas, algo muito parecido com gambosinos que saem pela noite montando
excrescências que fazem navegar com rumo usando dois palitos queimados de
fósforo como remos e remam indefinidamente sem descanso, alegres e felizes, num
vaso sanitário como se fosse um universo. São os democratas representativos, os
comunistas ideológicos com ou sem ideologia, os socialistas ávidos por uma
conta bancária às custas dos trabalhadores, os que gostam e adoram um vermelho
numa bandeira antes azul verde e amarela. Num carnaval, do Rio a Veneza, fariam
parte de um bloco inconfundível: O bloco do “Mundo volta para trás, dá-me o
tempo que perdi”...
Estes continuam, tal como
avantesmas, rondando as urnas, as bocas de urna, procurando um benefício de
um político em troca de votos, um cargo,
uma pensão, uma bolsa mesmo que não tenha família. São os “pecorinos”, aqueles
que através de PECs vão transformando a Constituição nacional num imenso e
escuro papel higiênico já usado e não confiável. Querem mudar tudo, reverter a
lei, soltar os bandidos e prender os inocentes, transformar pobres em ricos e
ricos em pobres, e para isso nem querem saber se a saúde pública os atende ou
não, se há ou não segurança pública, se o tráfico de drogas diminui ou não, se
nas escolas se ensina como se deve ensinar, desde que tenham sua entrada livre
para um mundo de sonhos onde os ricos serão punidos e os pobres abençoados
sendo destes os reinos dos céus de Brasília.
Hoje em dia Brasília tem
apenas dois céus importantes: O do PT e do PMDB. Os outros fazem o papel de
“base aliada”. Em ambos há também infernos, mas os diabos que cuidam deste
lugar só aparecem para bater o ponto por três dias e depois somem quatro dias
por semana. Ganham salários celestiais esses demônios.
O que se pode esperar de
avantesmas no poder, com confiantes avantesmas que reclamam todos os dias
daquelas e mesmo assim continuam votando nelas? E é impressionante como votam
há décadas de décadas sem repararem que podem mudar o sistema, mas sem ousarem mudá-lo... O que os governos nos proporcionam hoje em dia, é um emprego quando há, e um futuro de escravidão para os empreendedores que ficam pagando juros extorsivos por anos a fio até morrerem. E, sem dúvida, já se nasce escravo quando se pede financiamento para estudar em universidades... Se houver emprego para poder pagar de vez em quando, será muito... O mais provável será ficar desempregado de vez em quando e prorrogar o prazo de pagamento ficando cada vez mais escravo. Os banqueiros tomaram conta do mundo.
Rui Rodrigues
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