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domingo, 6 de janeiro de 2013

As sociedades e os mecanismos de fuga


As sociedades e os mecanismos de fuga

Impossível deixar de pensar em Sigmund Freud quando se fala em sociedades e mecanismos de fuga. Admiro o povo judeu: Já passou por muitas vicissitudes, por algumas diásporas, pelo holocausto, e aí está, firme em suas convicções, trilhando um caminho ao longo da história que sem dúvida é de admirar. Não entendo como se pode ser contra este povo, a não ser por ciúmes, inveja. Alguns povos querem ver o povo de Israel como perseguidor, pintando-o com terríveis cores. Ou não sabem ou não querem ver como foram perseguidos. São sobreviventes da humanidade cega, aquela que não quer ver nem ouvir nem sentir, porque estão alienados da verdade a braços com seus interesses, ou até mesmo sem interesse algum. A verdade está na história, e o povo de Israel nunca se alienou de suas convicções.

Neste artigo, que nem sequer se pode chamar de ensaio, será impossível navegar pelas sociedades e pelos mecanismos de fuga de forma científica, completa, de tal forma que não fiquem dúvidas. As dúvidas persistem sempre ou por falta de conhecimento, ou por medo de abandonar uma perspectiva confortável, ou até mesmo para não perder amigos num grupo que se identifica por partilhar essas mesmas perspectivas.  Isto acontece em qualquer roda de amigos, em qualquer sociedade, seja ela política, militar, comercial, religiosa ou qualquer outra. Indivíduos que abandonam os princípios ou as perspectivas de um grupo acabam por se verem obrigados a abandonar essa sociedade ou grupo, ou este as expulsa de forma induzida ou explícita.

De um conjunto de regras de uma sociedade há sempre uma ou outra com a qual não se concorda. Somos todos diferentes, não há nunca uma unanimidade, ainda que as aparências digam que sim, para não se perder a “aceitação” implícita no grupo. Porém, no íntimo de cada um, umas regras agradam, outras se suportam, outras são insuportáveis. Quando as regras afetam de tal modo o nosso íntimo, saímos da sociedade ou tentamos modificá-la, e esta última opção é sempre a mais difícil, quase sempre impossível. São precisos muitos e muitas que discordem para que a sociedade se modifique. Uma andorinha só não faz um verão. Nem meia dúzia delas, exceto numa sociedade a dois - ou a três, o famoso triângulo amoroso. Mas existem quadriláteros amorosos e até pentágonos e hexágonos. 

A menor sociedade que se conhece é a do casal com ou sem filhos. A grande verdade é que neste tipo de sociedade restrita não há regras. E mesmo quando se explicitam regras ao longo da convivência, elas vêm a ser alteradas de comum acordo ou de comum aceitação, sempre dentro das “regras” que norteiam qualquer sociedade: umas agradam, outras se aceitam e outras são quase insuportáveis. É hora de lembrar um ditado muito popular: “Cada cabeça, cada sentença”. Sociedades formam-se, desenvolvem-se e a não ser quando há uma bandeira e o envolvimento é muito grande, como no caso das nações, normalmente acabam ao longo do tempo. Não há sucesso nem vida eterna para as sociedades, qualquer uma, e mesmo as religiosas têm um triste exemplo histórico: Religiões é uma questão de milênios, porque novas verdades se descobrem sobre a existência humana que as tornam obsoletas. O que não nos permite atentar para este fato histórico, é o nosso bloqueio próprio: Como aceitar que o nosso mundo, agora tão estável, venha a desmoronar porque nos abateram as verdades e o desconhecido passa a governar nossos sentimentos e nosso futuro? Cremos que nestes casos, o melhor caminho é a alienação. Buscamos mecanismos de fuga. Reforçamos nossas convicções e morremos convictos. São as novas gerações que, livres das pressões de nós, os convictos, que mudam tudo neste mundo, mas convenhamos que, à velocidade de gerações, demoramos milênios para mudar.

“Vinde a mim as criancinhas...” ou traduzindo-lhe as palavras,  vinde a mim os que não estão ainda instruídos, amestrados pelos velhos conceitos e crenças, porque estão livres para aprender. É a juventude que tem a iniciativa de mudar, porque está menos compromissada com os velhos conceitos. O convívio com o inaceitável se faz, normalmente, quando é impossível desprender-se dessas sociedades, através da alienação ou de forma menos drástica, através de mecanismos de fuga. É a nossa relutância em nos mantermos dentro dos "princípios" que nos tornam obsoletos, velhos, descompassados do mundo mais jovem que se cria a cada ano novo.

A mulher – ou o homem – que querem impor a sua vontade ou o seu modo de vida ao parceiro ou parceira, o fazem de vários modos e em vários graus de dificuldade de aceitação. Quando a pressão é muito grande, e a parte pressionada se vê encurralada, sem contudo desejar sair da sociedade, busca um outro companheiro ou companheira que lhe “alivie” essa pressão. Pode ou não envolver sexo, mas a “fraqueza”, a debilidade, a frustração, são tão grandes na sociedade "oficial", que normalmente o sexo estará envolvido.  O bloqueio da constatação das verdades, a alienação e os mecanismos de fuga fazem parte da vivência humana. Viver de outra forma seria um sofrimento tal que seria realmente insuportável. Não raro o grau de insuportabilidade de uma relação é tão alta, que bloqueamos a verdade de sermos insuportáveis para a parceira ou parceiro, alienamo-nos dos compromissos e buscamos os mecanismos de fuga: Uma nova igreja, uma outra mulher ou homem, uma nova emissora de radio ou TV, uma nova pátria, uma nova cidade, um novo partido político, uma nova empresa. Não nos movemos sem que estejamos indelevelmente amarrados a decisões particulares tomadas com ou sem sentido, por motivos que sequer conhecemos, mas que desejamos por esperança ou crédito de que será ”conveniente” para nós mesmos. Por isso trocamos seis por meia dúzia, ou tudo por quase nada, ou , com muito sucesso, o que era imprestável por altos lucros morais, intelectuais, financeiros, vivenciais ou de qualquer outro tipo. Depois refletimos e decidimos o que faremos a futuro.

Cremos piamente que não podemos viver sem algumas coisas que obtivemos da vida, e quanto mais coisas conseguimos obter da vida, outras mais queremos, porque nos dão prazer. É assim que detestamos a rotina num casamento, e quando nada mais há para inovar a “rotina” se instala. É como brincar a vida toda com o mesmo “brinquedo”. Seria insuportável para qualquer criança. Assim também neste mundo cheio de oportunidades, desprezar uma mulher com perfume diferente, com rosto diferente, com lábios diferentes, com práticas sexuais diferentes, é sempre duro de desprezar, e isto tanto se aplica a homens quanto a mulheres.

Quando a vida, de modo geral, se torna quase insuportável, tamanhas são as dificuldades para uns, e para outros não, que as drogas invadem o quotidiano como mecanismo de fuga. Drogas alienam, entorpecem, fazem esquecer as dificuldades da vida. Sexo pode ser considerado como droga, porque provoca prazer através de endorfinas jogadas no nosso cérebro e que nos geram prazer. Sexo faz-nos sentir prazer até o delírio. Por uma mulher – ou homem - que satisfaça sobremodo, somos capazes de abandonar a família, trair todos os nossos conceitos. Dizemos eufemisticamente que estamos “apaixonados”. Na verdade, em fuga do que já não suportamos, ou em busca de endorfinas.

Mas não nos recriminemos. Jamais. Arquemos com as conseqüências e vivamos. Não deixemos que a vida nos construa, mas construamos a vida como desejamos. Não pode ser a vida que caminhe sobre nós, empurrando-nos como barco em tempestade, mas sejamos nós que caminhemos sobre o caminho da vida que construímos dia a dia. Sem reclamar, sem nos vingarmos nos outros, mesmo que os outros sejamos “nós”!

Por outro lado, os governos tripudiam das populações tornando-lhes a vida cada vez mais difícil a cada dia. Os governos têm que pensar no que é suportável e no que é insuportável pelas sociedades. As sociedades estão a ponto de se alienarem do sistema de governo..

Rui Rodrigues

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