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domingo, 27 de abril de 2014

2020 - O retorno - capítulos 1, 2 e 3...

2020 - O retorno


Este conto será editado em capítulos nesta mesma página do blog. O ultimo capítulo sempre na parte superior do texto. Espero que gostem. Entre chopes grátis e belisquetes salgadinhos, os frequentadores do bar do Chopp Grátis gostaram. Se dirigir não beba. Se beber nos convide... venha para cá!

  1. A resistência.



- Nosso viajante está em apuros. Apertou a tecla! O homem que disse isto em voz calma vestia uma camiseta preta, um short bege escuro, era negro, calçava um tênis preto. Seu interlocutor tinha uma indumentária semelhante. O short era quadriculado em tons de cinza azul e preto, a camiseta e os tênis brancos, usava um boné preto de pala. Era mais moreno que outro. Respondeu que já esperava por isso. Fez uma chamada em seu celular e disse apenas uma frase: “pega o galo na capoeira”. Com um gesto, ambos saíram da casa carregando suas mochilas. Subiram numa moto e saíram em baixa velocidade. Passados dois quarteirões já “voavam” pelas ruas da cidade. Nenhum ponto da cidade ficaria a mais de 15 minutos com o velocímetro tremendo fora de escala. Ambos faziam parte da resistência ao sistema implantado por um partido que comprara a moral e a ética de muitos outros partidos, indicara gente sua para o Supremo Tribunal Federal distorcendo a lei e a constituição, colocando gente sua, incompetente mas fiel, muitos sem diploma válido e revalidado, à frente dos ministérios públicos. As verbas eram distribuídas e nunca chegavam intactas aos fins para os quais haviam sido destinadas. Era um governo sem moral nem ética, que se mantinha iludindo o povo e desviando dinheiro para contas particulares. A culpa dos erros na administração pública eram sempre atribuídos a “assessores”, ministros incompetentes, mas substituíam todos por outros igualmente incompetentes. Ministros, políticos eleitos, que podiam ser substituídos eram sempre a desculpa para os “erros”, e depois destituídos sem que tivessem que devolver as verbas desviadas. A devolução seria impossível, porque o dinheiro desviado não era apenas para eles. A maioria do povo conformava-se e não reclamava. Achavam que se o governo assim agia era em seu favor, isto é, do povo, dos cidadãos.
Os dois homens sobre a moto, agora em alta velocidade, pensavam de modo diferente: A corrupção deveria ser combatida e minada nas sombras, os usurpadores dos direitos de cidadania abatidos de modo figurado ou real. Perto da Rua do Canal de Itajuru, no centro de Cabo Frio, em frente à Igreja Conventual Nossa Senhora dos Anjos, no Largo de Santo Antonio, um carro preto aguardava a chegada do que transportava o Viajante. 


Postado debaixo do veículo, um homem todo vestido de preto segurava uma Carabina Hatsan 125 Sniper 5.5mm SAS, de alta precisão e potência. Estava em posição de tiro aguardando o veículo do Viajante. Ao longe ouvia-se o som do motor de uma moto em alta velocidade. O homem então colocou o dedo no gatilho e esperou. Quando viu o veículo dobrar a esquina para entrar no Largo da Igreja, disparou. Dentro do carro, o viajante ouviu o som de um pneu estourando, sentiu o carro balançar e logo em seguida voar em capotagem. Depois de umas três capotagens, o carro se imobilizou. Mãos firmes o retiraram do veículo. Ouviu mais três disparos de baixo calibre em seqüência ali mesmo a seu lado. Os outros três ocupantes do veículo estavam mortos ou agonizando. Não fez perguntas. Viu dois homens passarem numa moto, mas não se preocupou. Sabia que estava entre gente amiga que agora o levava correndo para o veículo estacionado em frente. Entraram e saíram dali rumo a Búzios. No carro capotado um homem com apenas nove dedos na mão esquerda agonizava. Muito ao longe se ouvia a sirene de uma ambulância, ou seria de um carro da polícia?


Na metade do caminho, pararam. Entraram num condomínio. Chegara finalmente a casa, mas não a sua. Depois dos acontecimentos duvidava que voltaria a habitá-la.

 Próximo capítulo:

Quero esse homem vivo.


No escritório central do Quartel da Polícia Internacional Da Defesa do Estado, em Cabo Frio, uma mulher gorda, pele suada,... 

2o capítulo - Uma casa muito longe



Antes de se preparar para dar uma cochilada no ônibus, o viajante deu uma olhada pela paisagem da ponte Rio-Niterói. A paisagem parecia a mesma de anos atrás, em 2014, quando após as eleições decidira sair do Brasil até que melhores tempos voltassem. Já fizera isso antes, em 1990 quando Collor se elegera para presidente. Dessa vez saíra porque soubera de antemão que o presidente pretendia “mudar o Brasil”, sem saber que o Brasil não se muda por decreto. Com aquele olhar de garoto drogado cheio de “vontades” e discursos inflamados como os de Hitler, sabia que viria chumbo grosso sobre a população. Acertara em cheio. Desta vez, em 2014, porque temia a instauração de um “estado novo”, uma nova situação, imposta por um antigo partido que tentava reviver os anos sessenta e implantar duas filosofias de governo simultâneas: Filosófica comunista para o povo se animar, e capitalista de quadrilha para que os políticos do partido pudessem ter todo o conforto e riqueza em palácio mantendo o poder perpetuamente. Povo ingênuo que é capaz de acreditar em ressurreições, em acertar a sena acumulada, em comprar lugares no céu, que um copo de água pode servir de benção se colocado perto da televisão durante prédica de pastores, e que a vontade do povo se exerce através de um partido único que dá festas gratuitas mas que nunca tem dinheiro para renovar serviços públicos, é assim mesmo. O problema é sobreviver num estado assim. Mexeu-se em sua cadeira no ônibus, já fora da ponte e deu uma olhada nos poucos passageiros. A moça e a avó pareciam inofensivas. Duas jovens que haviam entrado de mochila se acariciavam sob os olhares gulosos de um rapaz do banco ao lado. Havia um sujeito forte, sisudo, introspectivo no segundo banco logo atrás do motorista, e outro muito parecido no banco perto do banheiro do ônibus, lá atrás. Um casal com uma criança também não lhe chamou a atenção. Só havia uma linha de bancos no ônibus totalmente preenchida com passageiros. Pareciam ser nórdicos, dois casais. Uma moça que viajava sozinha estava sentada na mesma linha de cadeiras do outro lado do corredor junto á janela. Então o viajante se preparou para o cochilo. Ajeitou o encosto da cadeira e aparentemente adormeceu. Quem o iría incomodar naquele ônibus? Se o quisessem fazer poderiam tê-lo feito no desembarque quando apresentou seu passaporte na Polícia Internacional de Defesa do Estado. Por volta da uma hora da manhã, despertou de seus cochilos intermitentes. Tudo no ônibus estava tranqüilo, todos em seus lugares, exceto os dois homens que mais lhe haviam chamado a atenção. O que estivera sentado perto do banheiro do ônibus, estava agora sentado na cadeira a seu lado, o cotovelo sobre a perna direita, olhando para frente do ônibus aparentando que falaria com o motorista para saltar antes do ponto final. O outro estava de pé depois da porta de vidro, junto às escadas, pronto para descer do ônibus. Aparentemente os dois não se conheciam. Foi então que de repente, o que estava a seu lado se levantou, apoiou uma  das mãos sobre o encosto de cabeça de uma das cadeiras na sua frente, do lado do corredor e discretamente sacou uma arma da cintura e com rápidos movimentos, fez sinal ao viajante para sair da cadeira e se dirigir para a saída do ônibus. O viajante não resistiu, não fez cara feia, simplesmente se levantou, apanhou sua mochila que jazia no assento do lado, e se dirigiu para a saída. O ônibus já reduzia a velocidade para o acostamento da avenida. Estavam a poucos quarteirões da rodoviária. Os três desceram. Um carro preto os esperava. Além do motorista havia mais um sentado no banco detrás. 



Um dos caras do ônibus ficou na calçada, O outro e o viajante entraram no carro. Pelos vistos, sua casa ficava tão longe que pensou por breves segundos que jamais chegaria lá. – Para onde vamos? Perguntou o viajante. O raptor da frente não respondeu nem se moveu. O que estava sentado no banco de trás olhou o viajante com uma cara de atemorizar e não abriu a boca. Mostrou-lhe a arma que apertava em sua mão esquerda, e que estivera escondida em seu bolso. Sua mão não tinha um dedo, o mindinho. O viajante entendeu que não deveria fazer perguntas. Não fez mais nenhuma, mas no celular em seu bolso, seu dedo indicador apertou uma tecla. Um telefone tocou em algum lugar ali perto.

(a seguir) - A resistência.




  1. A chegada do viajante.




Havia anoitecido e chegara cansado depois de longo vôo desde Amsterdã. Por onde andara havia um sentimento geral de perda embora aparentemente nada houvesse sido perdido. Humanidade conformada. No aeroporto do Rio de Janeiro carregando sua mochila, passou pela livraria com o intuito de comprar um jornal que o pusesse a par dos acontecimentos mais recentes. Talvez por questões ambientais para preservação da vida no planeta não havia livros nem jornais. Havia chips pelo preço de um jornal de antigamente. Com o chip poderia ler as notícias de qualquer jornal diário. Os preços variavam para cada jornal ou livro e seriam descontados em sua conta corrente de forma automática logo que acabasse de os acessar em sites específicos, mas recém chegado depois de anos de ausência ainda não tinha conta em Banco. Poderia comprar o chip mas não poderia usá-lo. Comprou-o assim mesmo para poupar tempo logo que abrisse uma conta no Banco. Comprou também um “e-all-X32”, um aparelho que permitia tudo: Comprar, vender, assistir programas, ver filmes, fazer transações com o banco, tudo que de virtual se possa imaginar, com completa segurança e cobertura de eventuais prejuízos pelo Banco Central. A moeda nacional era agora o “Fidel”. Fidel lhe lembrava algo tenebroso mas não deu importância no momento. Quando ia saindo da livraria viu um enorme cartaz de propaganda de um livro virtual: “Che descobre o Brasil”. Devia ser uma brincadeira ou uma referência á visita de Che Guevara ao Brasil anos ou meses antes da revolução de 1964 quando havia sido condecorado pelo governo do Brasil. E então ligou as duas coisas: O nome Che Guevara e o nome da nova moeda brasileira. Seus olhos percorreram o cartaz pelas letras menores. Estava escrito: “Ultima revisão do livro oficial de História do Brasil – cadeira obrigatória para todos os alunos de todos os cursos incluindo doutorado e pós-doutorado”. E noutro bloco de texto o seguinte: “ Esta revisão destina-se a dar importância aos fatos relevantes de nossa história reconstruída pelo Partido da Totalidade, considerando-se que em 1.500, Pedro Álvares Cabral apenas descobriu as Terras de Santa Cruz por acaso, e que o Brasil só começou a existir realmente quando o grande Totalitário Che Guevara visitou nossas terras e semeou as sementes do grande poder da totalidade”. Ficou abismado. Não sabia que haviam chegado tão longe. Havia uma pequena bandeira nacional no livro que parecia a antiga: O verde tinha sido substituído pelo vermelho, o amarelo pelo rosa, e o azul com as estrelas e a faixa por um circulo branco do qual saiam pequenos triângulos de cor laranja alinhados pelo perímetro do círculo que era branco e onde se podiam ver inscritas as letras PT em preto. Pensou em sorrir, mas certamente estaria sendo observado por câmaras. Isso poderia chamar a atenção de alguém ou de algum departamento de vigilância que nem poderia adivinhar sua existência, mas que certamente deveria existir. Sua nação parecia ter sido invadida, reconstruída, modificada. Tinha que tomar precauções. O viajante estranhou não haver nenhum daqueles cartazes de “proibido fumar” com um cigarro na horizontal rodeado pelo sinal de trânsito de proibido. Em seu lugar havia cartazes verdes com imagens de uma planta por demais conhecida envolta num circulo verde que deveria significar “permitido trafegar”. Uma prova de que sua intuição não se enganara é que muitas pessoas fumavam maconha abertamente, vendidas em cigarros, pacotes e até charutos, com selos de procedência tal como antigamente se usava em pacotes de café.Todas as marcas tinham o mesmo slogan escrito: “A erva da revolução”. Começou a habituar-se ao fato de que não deveria jamais se mostrar surpreendido para não chamar a atenção. Por isso não estranhou nem mostrou qualquer emoção quando quase na saída do aeroporto viu um grupo de adolescentes oferecendo seus serviços sexuais aos visitantes. Eles, meninas e rapazes tinham mais de dez anos, mas nenhuma delas chegava aos dezessete. Policiais nas imediações não faziam qualquer objeção. O governo fechava os olhos para os problemas sociais para que as famílias pudessem ter uma renda extra, já que os salários eram muito baixos para beneficiar a competição comercial e poder exportar os excedentes. O “é proibido proibir” dos anos sessenta  do século anterior parecia agora ser um fato consumado. Porém não se poderia iludir: Todos os governos proíbem algo. E quanto menos proíbem nuns setores, mais liberam em outros, como que para desviar a atenção e manter um relativo nível de satisfação popular de forma a que o povo não se revolte e pelo contrário coopere com o governo. Se o povo queria festas, o governo permitia, incentivava e até as custeava. O governo dava pequenas coisas e cobrava grandes coisas como imposto de renda, coisa que todos eles sempre fizeram. Mas agora exageravam. Entrou numa agência bancária e abriu uma conta com uma nota de cem Euros. Apanhou um táxi. Pediu ao motorista que o levasse à rodoviária e que ligasse o ar condicionado. Impossível. Os combustíveis, explicou o motorista com a barba por fazer, sacudindo uma mosca teimosa, estavam muito caros e embora não houvesse racionamento, termo horrível que era detestado pelo governo, eram muito caros principalmente a gasolina. Explicou que o governo para não fazer racionamento aumentava o preço dos combustíveis. Fazia isso com tudo, também com a água, o gás e a eletricidade. Até com os alimentos. - “Se eu fosse o senhor, voltava para o avião que o trouxe e sumia daqui...”, disse melancolicamente o motorista girando ligeiramente a cabeça para o lado de forma a dar a impressão de credibilidade no conselho a seu passageiro. Iría para longe do Rio de Janeiro onde não o incomodariam, disse o passageiro. Vinha passar uns dias em Cabo Frio para visitar uns amigos e em breve, talvez uma semana ou duas, voltaria para Amsterdã de onde tinha acabado de chegar. Não deu muita importância ao comentário do motorista quando este murmurou “se o deixarem sair” porque estava seguro de sua condição de turista. Tinha adquirido nacionalidade holandesa embora fosse brasileiro. Esse problema não aconteceria com ele. Mas no fundo temeu exatamente por isso. Quando se lida com governos totalitários que se dizem protetores do povo e mantêm o país em estado de penúria, há sempre algo de fundamental errado em suas atitudes. Como é possível que um estado protetor do povo não permita ao povo ter tudo o que pode comprar? Afinal se trabalha duro para quê?  Se o governo quer proteger o povo que conduza a economia de forma a garantir trabalho para todos. 


E foi até Cabo Frio num ônibus quase vazio, sem ar condicionado, caindo aos pedaços, pensando numa porção de problemas que sabia que iria encontrar. Ele, o viajante, vinha para resolvê-los e não estava só. Se tivesse tempo livre iria até Búzios... 

 Próximo capítulo: 

  1. Uma casa muito longe



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