2020 - O retorno
2o capítulo - Uma casa muito longe
Este conto será editado em capítulos nesta mesma página do blog. O ultimo capítulo sempre na parte superior do texto. Espero que gostem. Entre chopes grátis e belisquetes salgadinhos, os frequentadores do bar do Chopp Grátis gostaram. Se dirigir não beba. Se beber nos convide... venha para cá!
- A resistência.
- Nosso viajante está em
apuros. Apertou a tecla! O homem que disse isto em voz calma vestia uma
camiseta preta, um short bege escuro, era negro, calçava um tênis preto. Seu
interlocutor tinha uma indumentária semelhante. O short era quadriculado em
tons de cinza azul e preto, a camiseta e os tênis brancos, usava um boné preto
de pala. Era mais moreno que outro. Respondeu que já esperava por isso. Fez uma
chamada em seu celular e disse apenas uma frase: “pega o galo na capoeira”. Com
um gesto, ambos saíram da casa carregando suas mochilas. Subiram numa moto e
saíram em baixa velocidade. Passados dois quarteirões já “voavam” pelas ruas da
cidade. Nenhum ponto da cidade ficaria a mais de 15 minutos com o velocímetro
tremendo fora de escala. Ambos faziam parte da resistência ao sistema
implantado por um partido que comprara a moral e a ética de muitos outros
partidos, indicara gente sua para o Supremo Tribunal Federal distorcendo a lei
e a constituição, colocando gente sua, incompetente mas fiel, muitos sem
diploma válido e revalidado, à frente dos ministérios públicos. As verbas eram
distribuídas e nunca chegavam intactas aos fins para os quais haviam sido
destinadas. Era um governo sem moral nem ética, que se mantinha iludindo o povo
e desviando dinheiro para contas particulares. A culpa dos erros na
administração pública eram sempre atribuídos a “assessores”, ministros
incompetentes, mas substituíam todos por outros igualmente incompetentes.
Ministros, políticos eleitos, que podiam ser substituídos eram sempre a
desculpa para os “erros”, e depois destituídos sem que tivessem que devolver as
verbas desviadas. A devolução seria impossível, porque o dinheiro desviado não
era apenas para eles. A maioria do povo conformava-se e não reclamava. Achavam
que se o governo assim agia era em seu favor, isto é, do povo, dos cidadãos.
Os dois homens sobre a moto,
agora em alta velocidade, pensavam de modo diferente: A corrupção deveria ser
combatida e minada nas sombras, os usurpadores dos direitos de cidadania
abatidos de modo figurado ou real. Perto da Rua do Canal de Itajuru, no centro
de Cabo Frio, em frente à Igreja Conventual Nossa Senhora dos Anjos, no Largo
de Santo Antonio, um carro preto aguardava a chegada do que transportava o
Viajante.
Postado debaixo do veículo, um homem todo vestido de preto segurava uma Carabina Hatsan 125 Sniper 5.5mm SAS, de alta precisão e potência. Estava em posição de tiro aguardando o veículo do Viajante. Ao longe ouvia-se o som do motor de uma moto em alta velocidade. O homem então colocou o dedo no gatilho e esperou. Quando viu o veículo dobrar a esquina para entrar no Largo da Igreja, disparou. Dentro do carro, o viajante ouviu o som de um pneu estourando, sentiu o carro balançar e logo em seguida voar em capotagem. Depois de umas três capotagens, o carro se imobilizou. Mãos firmes o retiraram do veículo. Ouviu mais três disparos de baixo calibre em seqüência ali mesmo a seu lado. Os outros três ocupantes do veículo estavam mortos ou agonizando. Não fez perguntas. Viu dois homens passarem numa moto, mas não se preocupou. Sabia que estava entre gente amiga que agora o levava correndo para o veículo estacionado em frente. Entraram e saíram dali rumo a Búzios. No carro capotado um homem com apenas nove dedos na mão esquerda agonizava. Muito ao longe se ouvia a sirene de uma ambulância, ou seria de um carro da polícia?
Postado debaixo do veículo, um homem todo vestido de preto segurava uma Carabina Hatsan 125 Sniper 5.5mm SAS, de alta precisão e potência. Estava em posição de tiro aguardando o veículo do Viajante. Ao longe ouvia-se o som do motor de uma moto em alta velocidade. O homem então colocou o dedo no gatilho e esperou. Quando viu o veículo dobrar a esquina para entrar no Largo da Igreja, disparou. Dentro do carro, o viajante ouviu o som de um pneu estourando, sentiu o carro balançar e logo em seguida voar em capotagem. Depois de umas três capotagens, o carro se imobilizou. Mãos firmes o retiraram do veículo. Ouviu mais três disparos de baixo calibre em seqüência ali mesmo a seu lado. Os outros três ocupantes do veículo estavam mortos ou agonizando. Não fez perguntas. Viu dois homens passarem numa moto, mas não se preocupou. Sabia que estava entre gente amiga que agora o levava correndo para o veículo estacionado em frente. Entraram e saíram dali rumo a Búzios. No carro capotado um homem com apenas nove dedos na mão esquerda agonizava. Muito ao longe se ouvia a sirene de uma ambulância, ou seria de um carro da polícia?
Na metade do caminho, pararam.
Entraram num condomínio. Chegara finalmente a casa, mas não a sua. Depois dos
acontecimentos duvidava que voltaria a habitá-la.
Próximo capítulo:
Quero esse homem vivo.
No escritório central do Quartel da Polícia Internacional Da Defesa do Estado, em Cabo Frio, uma mulher gorda, pele suada,...
Antes de se preparar para
dar uma cochilada no ônibus, o viajante deu uma olhada pela paisagem da ponte
Rio-Niterói. A paisagem parecia a mesma de anos atrás, em 2014, quando após as
eleições decidira sair do Brasil até que melhores tempos voltassem. Já fizera
isso antes, em 1990 quando Collor se elegera para presidente. Dessa vez saíra
porque soubera de antemão que o presidente pretendia “mudar o Brasil”, sem
saber que o Brasil não se muda por decreto. Com aquele olhar de garoto drogado
cheio de “vontades” e discursos inflamados como os de Hitler, sabia que viria
chumbo grosso sobre a população. Acertara em cheio. Desta vez, em 2014, porque
temia a instauração de um “estado novo”, uma nova situação, imposta por um
antigo partido que tentava reviver os anos sessenta e implantar duas filosofias
de governo simultâneas: Filosófica comunista para o povo se animar, e
capitalista de quadrilha para que os políticos do partido pudessem ter todo o
conforto e riqueza em palácio mantendo o poder perpetuamente. Povo ingênuo que
é capaz de acreditar em ressurreições, em acertar a sena acumulada, em comprar
lugares no céu, que um copo de água pode servir de benção se colocado perto da
televisão durante prédica de pastores, e que a vontade do povo se exerce
através de um partido único que dá festas gratuitas mas que nunca tem dinheiro para
renovar serviços públicos, é assim mesmo. O problema é sobreviver num estado
assim. Mexeu-se em sua cadeira no ônibus, já fora da ponte e deu uma olhada nos
poucos passageiros. A moça e a avó pareciam inofensivas. Duas jovens que haviam
entrado de mochila se acariciavam sob os olhares gulosos de um rapaz do banco
ao lado. Havia um sujeito forte, sisudo, introspectivo no segundo banco logo
atrás do motorista, e outro muito parecido no banco perto do banheiro do
ônibus, lá atrás. Um casal com uma criança também não lhe chamou a atenção. Só
havia uma linha de bancos no ônibus totalmente preenchida com passageiros.
Pareciam ser nórdicos, dois casais. Uma moça que viajava sozinha estava sentada
na mesma linha de cadeiras do outro lado do corredor junto á janela. Então o
viajante se preparou para o cochilo. Ajeitou o encosto da cadeira e
aparentemente adormeceu. Quem o iría incomodar naquele ônibus? Se o quisessem
fazer poderiam tê-lo feito no desembarque quando apresentou seu passaporte na
Polícia Internacional de Defesa do Estado. Por volta da uma hora da manhã,
despertou de seus cochilos intermitentes. Tudo no ônibus estava tranqüilo,
todos em seus lugares, exceto os dois homens que mais lhe haviam chamado a
atenção. O que estivera sentado perto do banheiro do ônibus, estava agora
sentado na cadeira a seu lado, o cotovelo sobre a perna direita, olhando para
frente do ônibus aparentando que falaria com o motorista para saltar antes do
ponto final. O outro estava de pé depois da porta de vidro, junto às escadas,
pronto para descer do ônibus. Aparentemente os dois não se conheciam. Foi então
que de repente, o que estava a seu lado se levantou, apoiou uma das mãos sobre o encosto de cabeça de uma das
cadeiras na sua frente, do lado do corredor e discretamente sacou uma arma da
cintura e com rápidos movimentos, fez sinal ao viajante para sair da cadeira e
se dirigir para a saída do ônibus. O viajante não resistiu, não fez cara feia,
simplesmente se levantou, apanhou sua mochila que jazia no assento do lado, e
se dirigiu para a saída. O ônibus já reduzia a velocidade para o acostamento da
avenida. Estavam a poucos quarteirões da rodoviária. Os três desceram. Um carro
preto os esperava. Além do motorista havia mais um sentado no banco detrás.
Um dos caras do ônibus ficou na calçada, O outro e o viajante entraram no carro. Pelos vistos, sua casa ficava tão longe que pensou por breves segundos que jamais chegaria lá. – Para onde vamos? Perguntou o viajante. O raptor da frente não respondeu nem se moveu. O que estava sentado no banco de trás olhou o viajante com uma cara de atemorizar e não abriu a boca. Mostrou-lhe a arma que apertava em sua mão esquerda, e que estivera escondida em seu bolso. Sua mão não tinha um dedo, o mindinho. O viajante entendeu que não deveria fazer perguntas. Não fez mais nenhuma, mas no celular em seu bolso, seu dedo indicador apertou uma tecla. Um telefone tocou em algum lugar ali perto.
Um dos caras do ônibus ficou na calçada, O outro e o viajante entraram no carro. Pelos vistos, sua casa ficava tão longe que pensou por breves segundos que jamais chegaria lá. – Para onde vamos? Perguntou o viajante. O raptor da frente não respondeu nem se moveu. O que estava sentado no banco de trás olhou o viajante com uma cara de atemorizar e não abriu a boca. Mostrou-lhe a arma que apertava em sua mão esquerda, e que estivera escondida em seu bolso. Sua mão não tinha um dedo, o mindinho. O viajante entendeu que não deveria fazer perguntas. Não fez mais nenhuma, mas no celular em seu bolso, seu dedo indicador apertou uma tecla. Um telefone tocou em algum lugar ali perto.
(a seguir) - A resistência.
- A chegada do viajante.
Havia anoitecido e chegara
cansado depois de longo vôo desde Amsterdã. Por onde andara havia um sentimento
geral de perda embora aparentemente nada houvesse sido perdido. Humanidade
conformada. No aeroporto do Rio de Janeiro carregando sua mochila, passou pela
livraria com o intuito de comprar um jornal que o pusesse a par dos
acontecimentos mais recentes. Talvez por questões ambientais para preservação
da vida no planeta não havia livros nem jornais. Havia chips pelo preço de um
jornal de antigamente. Com o chip poderia ler as notícias de qualquer jornal
diário. Os preços variavam para cada jornal ou livro e seriam descontados em sua
conta corrente de forma automática logo que acabasse de os acessar em sites específicos,
mas recém chegado depois de anos de ausência ainda não tinha conta em Banco. Poderia
comprar o chip mas não poderia usá-lo. Comprou-o assim mesmo para poupar tempo
logo que abrisse uma conta no Banco. Comprou também um “e-all-X32”, um aparelho
que permitia tudo: Comprar, vender, assistir programas, ver filmes, fazer
transações com o banco, tudo que de virtual se possa imaginar, com completa
segurança e cobertura de eventuais prejuízos pelo Banco Central. A moeda
nacional era agora o “Fidel”. Fidel lhe lembrava algo tenebroso mas não deu
importância no momento. Quando ia saindo da livraria viu um enorme cartaz de
propaganda de um livro virtual: “Che descobre o Brasil”. Devia ser uma
brincadeira ou uma referência á visita de Che Guevara ao Brasil anos ou meses
antes da revolução de 1964 quando havia sido condecorado pelo governo do Brasil.
E então ligou as duas coisas: O nome Che Guevara e o nome da nova moeda
brasileira. Seus olhos percorreram o cartaz pelas letras menores. Estava
escrito: “Ultima revisão do livro oficial de História do Brasil – cadeira
obrigatória para todos os alunos de todos os cursos incluindo doutorado e
pós-doutorado”. E noutro bloco de texto o seguinte: “ Esta revisão destina-se a
dar importância aos fatos relevantes de nossa história reconstruída pelo
Partido da Totalidade, considerando-se que em 1.500, Pedro Álvares Cabral
apenas descobriu as Terras de Santa Cruz por acaso, e que o Brasil só começou a
existir realmente quando o grande Totalitário Che Guevara visitou nossas terras
e semeou as sementes do grande poder da totalidade”. Ficou abismado. Não sabia
que haviam chegado tão longe. Havia uma pequena bandeira nacional no livro que
parecia a antiga: O verde tinha sido substituído pelo vermelho, o amarelo pelo
rosa, e o azul com as estrelas e a faixa por um circulo branco do qual saiam
pequenos triângulos de cor laranja alinhados pelo perímetro do círculo que era
branco e onde se podiam ver inscritas as letras PT em preto. Pensou em sorrir,
mas certamente estaria sendo observado por câmaras. Isso poderia chamar a
atenção de alguém ou de algum departamento de vigilância que nem poderia
adivinhar sua existência, mas que certamente deveria existir. Sua nação parecia
ter sido invadida, reconstruída, modificada. Tinha que tomar precauções. O
viajante estranhou não haver nenhum daqueles cartazes de “proibido fumar” com
um cigarro na horizontal rodeado pelo sinal de trânsito de proibido. Em seu
lugar havia cartazes verdes com imagens de uma planta por demais conhecida
envolta num circulo verde que deveria significar “permitido trafegar”. Uma
prova de que sua intuição não se enganara é que muitas pessoas fumavam maconha
abertamente, vendidas em cigarros, pacotes e até charutos, com selos de
procedência tal como antigamente se usava em pacotes de café.Todas as marcas
tinham o mesmo slogan escrito: “A erva da revolução”. Começou a habituar-se ao
fato de que não deveria jamais se mostrar surpreendido para não chamar a
atenção. Por isso não estranhou nem mostrou qualquer emoção quando quase na saída
do aeroporto viu um grupo de adolescentes oferecendo seus serviços sexuais aos
visitantes. Eles, meninas e rapazes tinham mais de dez anos, mas nenhuma delas chegava
aos dezessete. Policiais nas imediações não faziam qualquer objeção. O governo
fechava os olhos para os problemas sociais para que as famílias pudessem ter
uma renda extra, já que os salários eram muito baixos para beneficiar a
competição comercial e poder exportar os excedentes. O “é proibido proibir” dos
anos sessenta do século anterior parecia
agora ser um fato consumado. Porém não se poderia iludir: Todos os governos
proíbem algo. E quanto menos proíbem nuns setores, mais liberam em outros, como
que para desviar a atenção e manter um relativo nível de satisfação popular de
forma a que o povo não se revolte e pelo contrário coopere com o governo. Se o
povo queria festas, o governo permitia, incentivava e até as custeava. O
governo dava pequenas coisas e cobrava grandes coisas como imposto de renda,
coisa que todos eles sempre fizeram. Mas agora exageravam. Entrou numa agência
bancária e abriu uma conta com uma nota de cem Euros. Apanhou um táxi. Pediu ao
motorista que o levasse à rodoviária e que ligasse o ar condicionado.
Impossível. Os combustíveis, explicou o motorista com a barba por fazer,
sacudindo uma mosca teimosa, estavam muito caros e embora não houvesse
racionamento, termo horrível que era detestado pelo governo, eram muito caros
principalmente a gasolina. Explicou que o governo para não fazer racionamento
aumentava o preço dos combustíveis. Fazia isso com tudo, também com a água, o
gás e a eletricidade. Até com os alimentos. - “Se eu fosse o senhor, voltava
para o avião que o trouxe e sumia daqui...”, disse melancolicamente o motorista
girando ligeiramente a cabeça para o lado de forma a dar a impressão de
credibilidade no conselho a seu passageiro. Iría para longe do Rio de Janeiro
onde não o incomodariam, disse o passageiro. Vinha passar uns dias em Cabo Frio
para visitar uns amigos e em breve, talvez uma semana ou duas, voltaria para
Amsterdã de onde tinha acabado de chegar. Não deu muita importância ao
comentário do motorista quando este murmurou “se o deixarem sair” porque estava
seguro de sua condição de turista. Tinha adquirido nacionalidade holandesa
embora fosse brasileiro. Esse problema não aconteceria com ele. Mas no fundo
temeu exatamente por isso. Quando se lida com governos totalitários que se
dizem protetores do povo e mantêm o país em estado de penúria, há sempre algo
de fundamental errado em suas atitudes. Como é possível que um estado protetor do
povo não permita ao povo ter tudo o que pode comprar? Afinal se trabalha duro
para quê? Se o governo quer proteger o
povo que conduza a economia de forma a garantir trabalho para todos.
E foi até Cabo Frio num ônibus quase vazio, sem ar condicionado, caindo aos pedaços, pensando numa porção de problemas que sabia que iria encontrar. Ele, o viajante, vinha para resolvê-los e não estava só. Se tivesse tempo livre iria até Búzios...
E foi até Cabo Frio num ônibus quase vazio, sem ar condicionado, caindo aos pedaços, pensando numa porção de problemas que sabia que iria encontrar. Ele, o viajante, vinha para resolvê-los e não estava só. Se tivesse tempo livre iria até Búzios...
Próximo capítulo:
- Uma casa muito longe
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