Ressuscitando
o Fogu.
Não é nada
fácil lidar com a morte. Muitos de nós
nos recusamos a admitir, vendo um corpo morto, que aquilo que ali está nada
mais é do que um saco de batatas ou de terra. Algo que era e já deixou de ser.
Agora é matéria inanimada já em decomposição.
Foi assim
que encontrei o “Fogu”. Mas seco sem ter sido cremado e muito menos defumado.
Estava lá
sobre um montículo de areia, mais para o lado das dunas, onde uma onda de maré
o havia depositado languidamente após breves momentos em que, por força de
falta de oxigênio, morreu sufocado. É esta natureza que nos é difícil entender.
Como pode ser que um ser vivo que respira ar, de onde extrai o oxigênio, se
veja impedido de aspirar o oxigênio livre de um ar puro de beira de praia e fique ali pela praia saltando desesperado,
abrindo e fechando a boca, tentando aspirar um ar que não lhe “entra”... Que
esta foi a sorte da natureza, uma natureza que não joga dados, na qual só
sobrevive quem se adapta ao seu humor que muda lenta mas inexoravelmente a cada
segundo, por anos, séculos, milênios, milhões de anos, e Fogu é o nome japonês
de um peixe cheio de espinhos, de olhos grandes, diminutas barbatanas, o peito
branco, espinhos emergindo de placas
ósseas unidas pela pele azulada com arabescos em azul de tom mais suave e
branco.
Temos
tentado ressuscitar os mortos, mas em vão, ao longo dos milênios de nossa
existência. A natureza tem suas leis, e o que morreu morto está. Não há como
iludir esta lei tão natural, que a existir D’Us, este jamais contraria tal lei,
porque é perfeito, e sendo perfeito não se irrita com sua própria obra, não se
arrepende, deixa que a Natureza se encarregue de suas leis impressas desde a
formação deste universo.
Teimoso que
sou, mas fraco perante D’Us como qualquer dos mortais deste planeta, quis
reviver o simpático Fogu, seu poderosíssimo veneno já tão seco como o seu
couro, mas a meu modo...
Dei-lhe um
banho de cola de madeira. Depois, pintei-o com minhas cores, como gostaria de
vê-lo sem se sentir preso num aquário, finalmente, nas órbitas esburacadas onde
outrora havia lindos e cândidos olhos brilhando com o olhar típico calmo e
despreocupado de peixe, coloquei duas bolas de papel higiênico amassado com água
e cola, que depois pintei, e, reparando nas órbitas das barbatanas que o sol as
tinha secado tanto que nem havia vestígios, improvisarei umas novas, segundo o
que me lembro de seus irmãos nadando livres na natureza aquática de praias,
pedras e corais marinhos, de quando também eu me aventurava debaixo d’água. Meu
querido amigo Fogu está ainda em processo de “ressuscitamento”.
E meu
querido Fogu, agora tem outra espécie de vida. Vive para quem o olhar, com sua
impecável dentadura, sem uma única cárie. Para nós, mortais imbecis que ainda pescamos
de arrastão nas praias matando vida que sequer comemos, que diferença existe
entre um Fogu morto que não pensa, e um Fogu [1]
vivo em seu meio que nem sabemos se pensa, como pensa, o que pensa?
Somos muito
ignorantes de tudo. Precisamos canalizar nossa inteligência para aspectos
importantes de nosso planeta, mas para isso é necessário abrir mão do infeliz
pensamento de que fomos feitos à imagem de Deus...
Deus, D’Us,
não é tão estúpido como somos... Nem de longe!
[1] Mais conhecido no Brasil como Baiacu. Este que encontrei na praia do Peró, mais
seco que um bacalhau, era jovem e não
tinha mais que dez centímetros.
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