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segunda-feira, 7 de abril de 2014

Ressuscitando o Fogu.

Ressuscitando o Fogu.




Não é nada fácil lidar com a morte.  Muitos de nós nos recusamos a admitir, vendo um corpo morto, que aquilo que ali está nada mais é do que um saco de batatas ou de terra. Algo que era e já deixou de ser. Agora é matéria inanimada já em decomposição.

Foi assim que encontrei o “Fogu”. Mas seco sem ter sido cremado e muito menos defumado.

Estava lá sobre um montículo de areia, mais para o lado das dunas, onde uma onda de maré o havia depositado languidamente após breves momentos em que, por força de falta de oxigênio, morreu sufocado. É esta natureza que nos é difícil entender. Como pode ser que um ser vivo que respira ar, de onde extrai o oxigênio, se veja impedido de aspirar o oxigênio livre de um ar puro de beira de praia  e fique ali pela praia saltando desesperado, abrindo e fechando a boca, tentando aspirar um ar que não lhe “entra”... Que esta foi a sorte da natureza, uma natureza que não joga dados, na qual só sobrevive quem se adapta ao seu humor que muda lenta mas inexoravelmente a cada segundo, por anos, séculos, milênios, milhões de anos, e Fogu é o nome japonês de um peixe cheio de espinhos, de olhos grandes, diminutas barbatanas, o peito branco,  espinhos emergindo de placas ósseas unidas pela pele azulada com arabescos em azul de tom mais suave e branco.

Temos tentado ressuscitar os mortos, mas em vão, ao longo dos milênios de nossa existência. A natureza tem suas leis, e o que morreu morto está. Não há como iludir esta lei tão natural, que a existir D’Us, este jamais contraria tal lei, porque é perfeito, e sendo perfeito não se irrita com sua própria obra, não se arrepende, deixa que a Natureza se encarregue de suas leis impressas desde a formação deste universo.

Teimoso que sou, mas fraco perante D’Us como qualquer dos mortais deste planeta, quis reviver o simpático Fogu, seu poderosíssimo veneno já tão seco como o seu couro, mas a meu modo...

Dei-lhe um banho de cola de madeira. Depois, pintei-o com minhas cores, como gostaria de vê-lo sem se sentir preso num aquário, finalmente, nas órbitas esburacadas onde outrora havia lindos e cândidos olhos brilhando com o olhar típico calmo e despreocupado de peixe, coloquei duas bolas de papel higiênico amassado com água e cola, que depois pintei, e, reparando nas órbitas das barbatanas que o sol as tinha secado tanto que nem havia vestígios, improvisarei umas novas, segundo o que me lembro de seus irmãos nadando livres na natureza aquática de praias, pedras e corais marinhos, de quando também eu me aventurava debaixo d’água. Meu querido amigo Fogu está ainda em processo de “ressuscitamento”.

E meu querido Fogu, agora tem outra espécie de vida. Vive para quem o olhar, com sua impecável dentadura, sem uma única cárie.  Para nós, mortais imbecis que ainda pescamos de arrastão nas praias matando vida que sequer comemos, que diferença existe entre um Fogu morto que não pensa, e um Fogu [1] vivo em seu meio que nem sabemos se pensa, como pensa, o que pensa?

Somos muito ignorantes de tudo. Precisamos canalizar nossa inteligência para aspectos importantes de nosso planeta, mas para isso é necessário abrir mão do infeliz pensamento de que fomos feitos à imagem de Deus...

Deus, D’Us, não é tão estúpido como somos... Nem de longe!

Rui Rodrigues

O Fogu depois de pronto






[1]  Mais conhecido no Brasil como Baiacu.  Este que encontrei na praia do Peró, mais seco que um bacalhau,  era jovem e não tinha mais que dez centímetros. 

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