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quinta-feira, 10 de abril de 2014

O dia em que o Brasil quase invade as ilhas portuguesas dos Açores.

O dia em que o Brasil quase invade as ilhas portuguesas dos Açores.

Não se sabe o que teria acontecido se durante a segunda grande guerra mundial o plano americano para ocupação das ilhas estratégicas dos Açores tivesse ido adiante num dos cenários prováveis: Invasão americana, inglesa ou brasileira. Anthony Éden, Churchill e Delano Roosevelt finalmente se puseram de acordo com Salazar que cedeu as ilhas, mas a lentidão estratégica de Salazar em dar resposta ao pedido de utilização, quase põe a perder a neutralidade portuguesa na guerra.   




1.      As ilhas


São nove ilhas vulcânicas que constituem o Arquipélago que se situa em pleno Oceano Atlântico entre a América do Norte e a Europa, relativamente perto da Islândia. Ali, pelos bancos da Terra Nova, pesca-se bacalhau. Mais precisamente localizam-se num raio de aproximadamente 500 milhas a cerca de um terço da distância entre Lisboa e Nova Iorque.

As primeiras informações de conhecimento das ilhas remontam aos reinados de D. Diniz (1279-1325) e de seu filho D. Afonso IV (1325-1357). Há relatos que com o desenvolvimento das navegações portuguesas já se pescava por lá e pela Terra Nova, em 1427, quando se crê que começou a colonização pela coroa portuguesa. Estrategicamente, as ilhas passariam a ser úteis para reabastecimento de embarcações quer para o fim da pesca, quer para as que demandavam a América do Norte nos séculos seguintes. Nos últimos dois séculos, com o desenvolvimento da aviação comercial e de guerra as ilhas passaram a ter uma importância ainda maior para reabastecimento de combustível das aeronaves.

Parece haver indícios, não considerados como provas, da passagem de fenícios, venezianos e de outros povos pelas ilhas, e no terreno da ficção, há quem acredite que a famosa civilização da Atlântida ali surgiu e ali mesmo submergiu numa das muitas erupções vulcânicas. Por isso o Oceano Atlântico tem esse nome, originado do nome dos habitantes de Atlântida: Os Atlantes.

2.      Ventos liberais sopram nas ilhas dos Açores.

A humanidade tem adoração por leis. Todos nós temos. O problema é que mesmo com toda a sua beleza que nos dá a sensação de vivermos comandados por gente justa, elas se sujeitam a interpretações das mais diversas e discordantes. Temos exemplos por toda a parte, e mesmo quando uma cambada de pessoas se juntam para fraudar as verbas públicas, um tribunal composto por representantes dos réus que pertenciam ao governo decide afirmar e fundamentar o julgamento negando que tenham constituído uma quadrilha. 

Talvez herança “interpretativa”, porque em 1822 um príncipe português, D. Pedro I, filho de D. João VI, que comandava o reino com a capital transferida para o Rio de Janeiro, declara a independência do Brasil, tendo sido vetado nas cortes de Lisboa, e pela constituição brasileira de 1822, de poder vir a ser rei de Portugal. Por isso mesmo, quando em 1826 o trono de Portugal ficou vago, por morte de D. João VI, as Cortes elegeram o irmão de D. Pedro, o príncipe Miguel como o novo rei de Portugal. Mas D. Pedro já tinha sido nomeado pela regente Infanta Isabel, como sucessor de D. João VI. Volta então ao Brasil, altera a constituição de 1822 que ele mesmo havia aprovado, e parte para Portugal para assumir o governo como D. Pedro IV de Portugal. Entre 1826 e 1828, D. Miguel volta-se contra D. Pedro, o seu próprio irmão, e inicia duas revoluções contra ele: A Vilafrancada e a Abrilada. D. Miguel tinha o apoio da igreja Católica que esperava dele um regime absolutista. Tendo sido eleito rei pelas cortes em detrimento de D. Pedro, dissolve as cortes, a câmara e anula a constituição portuguesa. Foi reconhecido apenas pelos EUA e pelo Vaticano. O resto do mundo queria D. Pedro I do Brasil, assim como todos os adeptos do liberalismo.


Do Brasil, D. Pedro I, imperador, abdica do trono em favor de seu filho D. Pedro II, e parte para as ilhas dos Açores, em 1831, que ocupa de imediato e onde junta um exército para invadir Portugal. Dirige-se com seu exército à cidade do Porto onde é cercado pelas forças de D. Miguel. Ajudado pela marinha britânica, rompe o cerco, dirige-se ao Algarve no sul de Portugal e daí marcha sobre Lisboa que toma de assalto. D. Miguel I levanta então o cerco no Porto e começa uma guerra que estaria destinada a ser longa. Para resolver a situação forma-se em Londres a “Quádrupla Aliança”. A Inglaterra ficou do lado de D. Pedro I do Brasil, (IV de Portugal)  e a Espanha do lado de D. Miguel I. Esta invade Portugal com um exército de 15.000 homens e é derrotada na batalha de Asseiceira.

Não deixa de ser interessante como o mundo da época já apoiava abertamente o liberalismo, e como D. Pedro tinha perfeita noção de liberdade, não só por sua declaração de independência do Brasil, como também por sua luta contra o absolutismo. Digno de D. Afonso Henriques ao declarar a liberdade do condado Portucalense para o tornar o primeiro reino livre em meio ao feudalismo europeu, também sem o apoio da Igreja Católica. A Igreja católica sempre foi uma pedra no sapato para os liberalismos até o advento dos tempos modernos quando deixou de apitar na política internacional. Hoje só manda no Vaticano e nem tanto por sinal.  

3.      A importância estratégica das ilhas na primeira guerra mundial.


Aviões já eram usados na primeira guerra mundial (1914-1918), mas era inimaginável ainda que bombardeiros ou caças bombardeiros pudessem atravessar o Atlântico desde os EUA passando pelos Açores para se reabastecerem e atacar alvos na Europa. A importância estratégica das ilhas se limitava a deter os ataques de submarinos alemães, para abastecimento de suprimentos de navios aliados e reparos navais, o que já era de grande ajuda para as forças aliadas. Segundo acordo com os EUA, em 1917, as ilhas foram fortificadas com peças de artilharia americana, o porto melhorado. As ilhas foram bombardeadas pelos alemães por diversas vezes e a marinha portuguesa travou combates [4] com submarinos alemães.

A importância estratégica das ilhas já tinha sido tema de interesse alemão em 1897-1898 [5]durante as manobras de inverno, com a intenção de possibilitar ataques aos EUA e abastecimento e reparo de belonaves. Durante a primeira grande guerra mundial, o Almirante alemão Von Holtzendorff incluiu em seu programa de desenvolvimento da Marinha Alemã, a instalação de bases nos Açores ou alternativamente em Dakar ou Cabo verde para esse fim. 



4.      O dia em que o Brasil quase invade os Açores – 1939-1945 [6]


Após a invasão da França, Hitler concentrou tropas alemãs na fronteira com a Espanha, não para invadi-la, mas para garantir o suprimento de Tungstênio [7]que lhe chegava em muito maior parte de Portugal do que da Espanha. Temia-se que, se Portugal não permitisse o comércio do Tungstênio, Hitler invadisse a península Ibérica. O embaixador alemão (barão Von Hoyningen-Huene) e o inglês (Ronald Campbell) faziam de tudo para levar Portugal para o lado nazista. A situação econômica portuguesa estava em estado de calamidade. As potências aliadas não tinham como prometer a Salazar a defesa do território continental e muito menos as dos territórios ultramarinos. Hitler já tinha ajudado Francisco Franco da Espanha na revolução que o levou ao poder. Foi em terras de Espanha que a “Luftwafe” testou seus modelos de aviões de caça e de bombardeio [8]. Por isso havia um temor adicional aliado e português de que a Espanha cedesse a Hitler, se aliasse a ele, e invadisse Portugal.

Salazar tinha, portanto, que satisfazer os dois lados em guerra como quem caminha sobre o fio de uma enorme e pesada espada. Não podia conceder muito para que não se “engajasse” na guerra, nem pouco que provocasse ira dos beligerantes. Lisboa transformou-se no maior centro de espionagem da Europa logo a seguir a Viena.
Embora os EUA somente entrassem na guerra em 08 de dezembro de 1941, desde o inicio do ano que Roosevelt e Churchill tratavam de uma efetiva entrada dos EUA na guerra no cenário europeu. Um dos assuntos tratados entre as duas potências, estava a cessão das ilhas dos Açores, por Portugal, à Inglaterra e aos EUA como base para manutenção de aviões, abastecimento, base naval, a exemplo do que acontecera durante a primeira guerra mundial. A diferença era que em 1914-1918 Portugal estava na guerra do lado aliado e agora era um país neutro, tão neutro quanto a Suíça, a Espanha, a Turquia e a Irlanda, todos negociando com os aliados e com as potências do Eixo.Salazar via com consideração a cessão á Inglaterra, mas quanto aos americanos somente se subordinados aos ingleses, o que poderia explicar aos alemães a cessão por força de uma aliança de 1373– a mais antiga do mundo e que ainda hoje está em vigor – entre Portugal e a Inglaterra, sem que isso representasse uma “efetiva” tomada de lado por parte de Portugal.


Churchill conhecia perfeitamente as forças políticas portuguesas envolvidas na manutenção da neutralidade portuguesa e o perfil político de Salazar que acumulava ministérios em seu processo ditatorial. Dentre outros ele era, além de presidente ditador, o Ministro da Guerra, das Finanças e das Relações Exteriores. Roosevelt era bem definido e prático. Enquanto Churchill sabia que Salazar concordaria com muito mais do que lhe pediu, precisando apenas de tempo, Roosevelt queria o acesso ás ilhas como parte do programa de liberação da Europa. Por Roosevelt as ilhas seriam disponibilizadas nem que fosse através de uma invasão. Instou Churchill. Churchill disse-lhe que esperasse mais um pouco, até porque somente invadiria as ilhas se Hitler tentasse apoderar-se delas primeiro. Conseguiria a cessão apenas por negociações políticas entre amigos. 


A ultima data quer para americanos quer para os ingleses seria por setembro de 1943. O Brasil entrara na guerra em agosto de 1942. Salazar fechou primeiro a negociação com os ingleses em agosto de 1943. Este acordo somente foi fechado por ter sido levado ao conhecimento de Salazar que os aliados pretendiam invadir as ilhas com forças brasileiras, inglesas ou americanas. De nada lhe adiantaria pedir  ao Brasil que intercedese junto aos demais aliados para evitar a invasão.  

O Brasil reclamava, com toda a justiça emocional, que o tungstênio vendido aos alemães matava brasileiros no front de batalha na Itália. Em novembro de 1943, Salazar ainda dirigia as negociações com os EUA como dependente da Inglaterra, e que só foi concretizada em 1944.
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É sempre confortável saber que a cobra ainda fuma em defesa da liberdade, da democracia em qualquer lugar do mundo... 

® Rui Rodrigues









[1] Referência ao Mensalão – processo aparentemente encerrado em 2014, em que o STF – Supremo Tribunal Federal - com ministros nomeados pelo PT diminuem as penas dos réus já julgados e presos, retirando do processo a condenação por formação de quadrilha. Para pesquisar, basta digitar “processo do mensalão” e se divertir com a “interpretação” do que é ou não é uma quadrilha, e o envolvimento político dos juízes, do partido no governo e dos réus... 
[2] D. Pedro IV na verdade sempre governou em nome de sua irmã D. Maria da Glória, prima da Rainha Vitória de Inglaterra.
[3] A Espanha não aprendera desde a derrota em Aljubarrota, nem com a derrota de Napoleão séculos depois, nem com as guerras peninsulares, que invadir Portugal não é para qualquer um. Portugal e Espanha ganham mais como povos irmãos e amigos.    

[4] Foi afundado o caça-minas  "NRP  Augusto Castilho", comandado pelo 1º Tenente José Botelho de Carvalho Araújo quando comboiava o navio de passageiros “San Miguel” por um submarino alemão, o U-139 comandado pelo comandante Lothar Von Arnauld de La Priére.
[6] Em “Lisboa - 1939-1945- Guerra nas sombras” de Neill Lochery, Editora Rocco.
[7] Extraído do mineral Wolfrâmio “A forma elementar não combinada é usada sobretudo em aplicações eletrônicas. As muitas ligas de tungstênio têm numerosas aplicações, destacando-se os filamentos de lâmpadas incandescentes, tubos de raios X, (como filamento e como alvo), e superligas A dureza (7,5) e elevada densidade (19 250/m3) do tungstênio tornam-no útil em aplicações militares como projéteis penetrantes”  em http://pt.wikipedia.org/wiki/Tungst%C3%AAnio
[8] O quadro “Guernica” de Picasso retrata o bombardeio da cidade de mesmo nome durante a revolução franquista.
[9] No inicio de setembro de 1943 os EUA tinham já uma força de 10.000 homens quase pronta para a invasão.
[10] Após torpedeamento de navios brasileiros por submarinos alemães que vinham ocorrendo desde fevereiro do mesmo ano. Por essa época, os EUA já tinham desenvolvido bases militares por todo o território brasileiro incluindo uma em Fernando de Noronha que só foi desativada em 1960. http://pt.wikipedia.org/wiki/Brasil_na_Segunda_Guerra_Mundial
[11] Ver em http://pt.wikipedia.org/wiki/Portugal_na_Segunda_Guerra_Mundial  e no livro de Neill Lochery já citado “Lisboa – 1939-1945- Guerra nas sombras”- editora Rocco.
[12] Salazar chegou a ponto de exigir que as forças aliadas americanas e inglesas lotadas nos Açores portassem no ombro duas insígnias: Uma grande britânica em cima e uma menor americana por baixo. Salazar acabara por começar a negociar as bases com os americanos ao conceder autorização para pouso de aviões da Pan Am nos Açores que faziam a ponte EUA-Inglaterra.

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