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domingo, 8 de outubro de 2017

A lontra e o sentido da vida



An otter carries a fish it has caught out of the sea on to the seaweed, Isle of Mull, Scotland

A lontra da foto pegou um peixe no mar.

Agora perguntem-lhe qual o sentido da vida... Dizem que não devemos falar com os animais para não corrermos riscos de levarmos lições de moral, mas eu não ligo. Por isso, não... Não... Não percam tempo. Já lhe perguntei.
Ela interrompeu suas barulhentas mordidas no peixe ainda se mexendo, e me disse:
- Pra se viver não se precisa saber qual o sentido da vida. Isso é besteira. Você vai ali no mar, pega um peixinho e come tranquilamente olhando a paisagem... Se passar uma lontrinha, você dá uma piscadela e se ela sorrir, divide o peixinho e transa ali mesmo, sempre de olho pra não vir ladrão, predador ou coletor de impostos... Pela noite dorme-se. Se der insônia, pesca-se mais... Depois a lontrinha emprenhada sai por aí pra parir os lontrinhos. Mas fartas destes abusos elas já estão procurando um útero digital pra poderem procriar  e não terem que depender dos lontros pra nada. E elas mesmas já estão caçando seu próprio peixe. Emponderadas, um dia não dependerão de nenhum lontro.

Depois dessa não me questiono mais nada. Viver é fácil. Nossas respostas a nossos questionamentos é que eram difíceis e já não são. 

Mas Lalá, a gata de minha netinha que está comigo, sentiu o cheiro de filé de peixe que eu estava cortando, e veio se roçar em mim... Parece ser mais inteligente que a lontra. A lontra tinha medo de se escravizar. Lalá não tem esses medos. Tem esses prazeres porque é livre, cercada de carinhos enquanto estiver comigo. Ela sabe disso.

Ainda preocupado, tive que voltar a falar com a lontra da foto. Faltava esclarecer um assunto muito importante e no qual ninguém repara nesses assuntos de alguma coisa comer outra.

- Lontrinha... (perguntei-lhe), e o peixinho
?
- O que tem o peixinho? Comi!!!
- Não... Qual o sentido da vida para os peixes?
- Bom... De minha experiência por esses mares, as peixas jogam os óvulos num buraco lá no fundo e os machos jogam os espermas em cima. Depois vão todos embora. Nenhum peixe sabe quem foi  o pai ou progenitor. Para os que sobreviverem o resto é passar a vida comendo e botando óvulos e esperma em cima deles. Peixes não têm nem pais nem mães. São sempre muitos para sempre haver peixes. Mais um menos um deles, nem sentem a diferença. Pode pescar e levar que ninguém nota...

Depois me lembrei dos primeiros tempos bíblicos em que os humanos tinham filhos e família e se aconchegavam uns aos outros. Era assim lá em casa quando eu era pequeno e "pequeno". Agora o núcleo aglutinador é o dinheiro, escolhem-se os amigos, e sobretudo já somos muitos, e mais que muitos, mais um menos um, não faz diferença. Os humanos são como peixes. Incontáveis, um dia faltará oxigênio para respirarem.

O sentido da vida dos vegetais deve ser bem diferente. Eles usam sementes e as jogam ao vento. Quem deveria saber quem eram os progenitores deveriam ser os insetos, as aves e o vento que promovem a inseminação, mas não deixam memória nem isso interessa.

Do Livro "Porque lontras não falam?"

Rui Rodrigues

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