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sexta-feira, 15 de junho de 2012

Fornelos de Santa Marta de Penaguião- história revisitada




                                           
 História de Fornelos e do seu entorno.


Introdução

Este não é um trabalho acadêmico. Resulta da curiosidade de um fornelense nascido em 1945, e que, dentre muitas coisas com as quais se preocupa neste mundo, se inclui o lançar alguma luz que possa mais tarde levantar a história verdadeira de Fornelos. Hoje a referência que se tem é de que foi fundada por 11 famílias nos idos de 1740 cuja casa mostra no forro do teto de algumas, a estrela de David gravada numa viga. É muito pouca informação e não há motivos para não se procurar saber tanto quanto se possa. Quem sabe não teriam sido 12 casas, e uma banida da memória por questões religiosas? Ou teriam os nomes das onze famílias sido esquecidos pelo mesmo motivo?

Procurando, via Internet, por documentos referenciados, não encontrei quase nada. Há sim farta documentação anterior à sua fundação e posterior, mas nada mais. Não se sabe dos nomes das 11 famílias.

Por nomes de família podemos avaliar que a vila já foi povoada por romanos como atestam os fornos descobertos e por outros povos desde então, como godos visigodos, e antes dos romanos, os celtas, como também atestam os castros celtas por toda a península ibérica. Como outros povos que formaram o povo lusitano, previamente à invasão romana, são reconhecidos principalmente os suevos, os alamanos, os vândalos, gregos, fenícios e cartagineses. Posteriormente, árabes e judeus.

Como referencias dei preferência a links disponíveis na Internet para mais fácil consulta. Esses links apresentam as suas próprias.


1 – Localização de Fornelos de Santa Marta de Penaguião

A Vila de Fornelos situa-se nos contrafortes da Serra do Marão que tem 1.215 metros de altitude e está situada numa cota aproximada dos 600 metros. Desenvolve-se ao longo da linha de cumieira de uma elevação com o rio aguilhão ao fundo, a um desnível aproximado de 100 metros. Em termos medievais poderíamos dizer que era um lugar de difícil acesso para algum exército de ocupação. Fornelos dista aproximadamente 12 km de Vila Real de Trás os Montes, a sede do Distrito.

Há fornos romanos em Fornelos e em Louredo, os desta vila na fronteira com Fornelos onde se fabricavam tijolos e telhas. Antes da romanização os tetos das casas eram cobertos com ramos e colmo. È de supor que já no tempo da romanização houvesse casas de oleiros na região.  O povoado de Barreiro nas imediações de Louredo e Fornelos, e a dimensão dos fornos, leva a supor que não sendo os barreiros de argila incomuns, os fornos se destinassem ao consumo de vilas próximas romanizadas.



2 – A ocupação da região de Fornelos e Trás os Montes.


a) Período Pré-romano - 1.200.000 AC a 194 DC

A história de fornelos começa com o povoamento humano em todo o globo terrestre que, ao que tudo indica, se originou na fossa de Olduvai na atual Tanzânia, há cerca de 1.700.000 anos, através de um processo de disseminação de uma espécie de hominídeos [1](australopithecus boisei) por pressão social e da natureza circundante. Com grupos que não podiam ultrapassar os 60 indivíduos devido à alimentação disponível, novas famílias emigravam do grupo para procurar novas áreas de alimentação. O isolamento entre os grupos, e por adaptação ao meio em que passaram a viver, diferenciaram-nos gerando características diferentes entre si. Não raro entre avanços no terreno e retrocessos, voltavam a cruzar-se, esporadicamente. Podemos imaginar que nessas ocasiões chegassem a lutar pela posse de territórios, provável origem das guerras das quais, por mais que tenhamos evoluído ainda não aprendemos a nos libertar.
Discute-se ainda o papel das espécies Cro-magnon, Neanderthal e Homo Sapiens na constituição da base humana na península ibérica, havendo indicações que apontam para a absorção dos Neanderthais pelo Homo Sapiens que ainda chegava de África[2].
A data mais provável da ocupação da península ibérica situa-se no entorno de 1.200.000 anos[3] - inicio do Paleolítico - quando os primeiros hominídeos aqui chegaram. Foi muito lenta a ocupação do globo.
No contexto das guerras púnicas, Cartago usou a península ibérica para atacar Roma, numa estratégia de guerra impensável. Roma respondeu invadindo a Península. Os primeiros confrontos deram-se em 194 AC contra os lusitanos[4].

b) Período Romano – 194 – 409 DC

Em 409 DC, com o Império romano enfraquecido, Vândalos e Suevos estabelecem-se na Galécia da qual a região em causa fazia parte. Já em 407 DC com o império Romano em processo de divisão em Império romano do Oriente e Império romano do Ocidente, um usurpador das ilhas britânicas nomeia-se sucessor com o título de Constantino III. Seu filho Constante invade a península. Através de um pacto, Honório, filho de Teodósio (Imperador de Roma) e que geria a parte oriental do Império Romano, cede a Constante a Galécia[5] e a Lusitânia[6]. Somos levados a acreditar que uma aliança que mais tarde se fez entre Portugal e a Inglaterra[7], mantida até os dias de hoje, possa ter tido origem nestas raízes de aparente “identificação” de povos e “libertação” do jugo Romano. É que por lá também havia relativamente recentes raízes celtas.

c) Invasão Árabe e as diásporas judaicas – 711 - 1492

A diáspora judaica iniciou-se em 70 DC depois que o Império romano – Imperador Adriano - expulsou o povo judeu. Difícil de saber em que ano se iniciou a chegada ao território hoje ocupado por Portugal, mas sabe-se que em Lagos da Beira existem inscrições funerárias judaicas datadas do século VI, ou seja, antes da invasão árabe. O povo judeu acomodou-se preferencialmente no Norte de Portugal onde deu origem aos marranos.

A invasão árabe iniciou-se em 771 DC, quando Táric e suas tropas islâmicas atravessaram o estreito de Gibraltar[8]. A invasão ficou consolidada quando Táric venceu o rei visigodo Rodrigo (origem dos Rodrigues) na batalha de Guadalete. Uma parte da Península resistiu, no reino das Astúrias, cuja fronteira correspondia ao que hoje é a parte mais a nordeste de Trás os Montes[9], com sede em Toledo. Pelágio inicia a longa reconquista da península vencendo as tropas muçulmanas na batalha de Covadonga em 722. Em Portugal a guerra de reconquista terminou em 1253 DC com a conquista de Silves. Na Espanha somente em 1492 com a reconquista de Granada.

Uma outra diáspora judaica deu-se em 1492 [10]quando o povo judeu foi expulso da Espanha depois de perseguições injustificáveis, incluindo mortes ás dezenas de milhares –como mais tarde aconteceria na Alemanha de Hitler de 1939 a 1945, o holocausto. Acossados, perseguidos, espoliados, foram acolhidos por D. João II que também os perseguiu e escravizou[11] por solidariedade aos reis católicos de Espanha e à Igreja Católica.  Crianças de 2 a 10 anos eram retiradas dos pais para serem criadas por famílias cristãs. Na verdade uma “limpeza étnica”. Isto se repetiria mais tarde no governo de D.José I através do Marquês de Pombal. Também na verdade, atendiam dois fatores: as diretrizes da igreja, e a oportunidade da encampação de bens.
Fornelos não estava á margem dos acontecimentos. Árabes e judeus transitaram e se estabeleceram na região por séculos, deixando registros inconfundíveis nos sobrenomes de família, mesmo quando foram obrigados a trocar seus próprios nomes para os substituírem por outros autóctones da região. Escolheram para isso nomes de árvores que dessem fruto, tais como pereira, nogueira, oliveira, dentre outros. Eram os cristãos novos. Para manter um pouco as raízes como resistência, os homens costumam ajoelhar com apenas um joelho nos templos cristãos. Bebem água com apenas uma mão sem fazer concha com as duas. Raramente usam a água benta. Matam os animais para alimentação exaurindo o sangue e causam a menor dor possível ao animal. São pequenos indícios inconfundíveis de milênios de tradição.

Como herança genética[12], o povo judeu deixou em Portugal e Espanha uma descendência tal que 20% dos habitantes têm sangue judeu e de sangue árabe e berbere, 11%. Isto é marcante, porque apesar da invasão árabe é maior a carga genética judia.

d) independência de Portugal e os forais – Vila Real.



Vila Real recebeu Foro de cidade no Reinado de D. Dinis em 1289 - século XIII, em "Terras de Panóias”, denominação que já vinha antes do tempo da romanização - século I e até início do século III. As vastas "Terras de Panóias" tinham um núcleo central em Constantim (há duas Constantim: Uma em Miranda do Douro e outra que agora é um bairro industrial de Vila Real - isto nos dá a amplitude da vastidão das "Terras de Panóias"). 

Sobre o núcleo de Constantim (no espaço em que agora se situa Vila Real), sabe-se que era pouco visitado por D. Afonso Henriques - o fundador de nossa nacionalidade - por ser uma zona de constantes invasões mouras, o que lhe atrasou a concessão de Foral até 1289.

(Continua)
  







quinta-feira, 14 de junho de 2012

Procuram-se desaparecidos





                          PROCURAM-SE DESAPARECIDOS


Despertei a altas horas da manhã. O dia tinha-se acabado, a noite ia a meio, novo dia ainda estava longe. Senti falta de algumas pessoas muito importantes de um rol que pululava em minha mente. O contato com elas desaparecera e nunca mais as vi. Outras existem, mas são já tão poucas, que se acreditasse nas visões apocalípticas de passados videntes, diria ter chegado o final dos tempos, novas Sodomas e Gomorras queimando pela terra como vulcões em prédios alimentados por gás combustível, plásticos em labaredas mal cheirosas, fagulhas de materiais incandescentes elevando-se nos ares, gritos de condenados urrando numa prisão implacável de fornos crematórios.

Lá estava o senhor Agostinho e outros como ele. Tinham umas caras bondosas, tranqüilas, falavam com todos sem lhes importar a condição social, baixavam-se à altura dos olhos das crianças para falar com elas, paravam alguém na rua que lhes parecesse muito preocupado ou chorando para lhe perguntar se precisava de ajuda. Invariavelmente faziam doações a comunidades necessitadas e seus testamentos sempre contemplavam algumas dessas instituições. Quando naquele momento, em minha busca por outros tipos, procurei por alguns outros, notei-lhes  também a falta. Aquelas instituições em que o sr, Agostinho acreditava como benfeitoras de desamparados, também já não existiam. A maioria retirava apenas uma pequena parte das doações para auxílio e o resto para que os donos, os sócios, levassem uma boa vida. Muitos lares para idosos foram fechados por maus tratos a seus beneficiados, e em muitos outros não eram lares, mas infernos onde os idosos passavam frio, fome, sede, e sofriam de carências, de falta de higiene, de assistência médica. O senhor Agostinho dava doces, rebuçados, chocolates à criançada. Hoje ensinamos as crianças a não aceitarem nada de ninguém porque podem sofrer por isso. Quem as dá pode fazê-lo para atraí-las, raptá-las, tirar-lhes os órgãos para venda, abusar de sua inocência. Nos aniversários que o sr, Agostinho comemorava com os amigos, pagava tudo em mesa farta. Agora, quando comemoramos os aniversários dos amigos todos pagam a sua parte. Parece ser que antes havia amigos, mas agora já não, porque não importa quanto têm, todos exigem entre sorrisos que cada um pague a sua parte. Mais do que justo, é, reconheço, mas é também um sinal de ausência do dividir, compartilhar e uma ironia, porque parece que tudo se divide. Já não encontro o Senhor Agostinho pelas ruas da vida. Procuro e não encontro. Os que ainda existem não se mostram nem agem assim porque têm medo de serem confundidos com os outros, os que caminham sobre esteiras do mal que deslizam sem lhes ouvirmos os passos. Desapareceram também os termos “senhor” e “senhora”, agora substituídos por “ele” ou “ela”, para que não se qualifique por engano o que não passa de ser ele ou  ela e não são definitivamente um senhor ou uma senhora. Também já não há os que ajudem os senhores Agostinhos em seus últimos momentos, porque os filhos que deveriam cuidar deles se ausentaram, e depois dos gastos com o funeral, apareceram para agradecer, levaram as ultimas roupas do defunto e nem perguntaram quanto custaram as despesas com médicos e o funeral.

Não encontrei aquelas pessoas que recebem troco a mais quando compram e o devolvem ao caixa que se distraiu por qualquer motivo. Nem nas ruas quem encontre uma carteira perdida e a devolva intacta no primeiro posto policial para que se encontre o dono. Talvez porque a vida nos mostre dia a dia a sua dureza e tenhamos perdido a confiança nas polícias que nos batem em manifestações, participam de roubos ainda na ativa ou quando dela saem. E nas escolas, bem cedo se aprende que os que parecem nossos amigos podem ser na verdade pequenos vendedores de drogas, ou dos que abusam dos mais fracos fazendo-os passar por vexames dia após dia, em infinito martírio. Alguns vão armados para as escolas e matam. Outros voltam à escola anos depois para matar alunos e professores, frustrados pela decepção de sua imaginação trabalhada até a esterilidade da confiança em si mesmo, confrontada com a realidade dos que seguem o seu caminho com sucesso. Para aqueles, o mundo está completamente errado e eles são os pobres coitados, perseguidos, que deveriam estar na posição dos mais beneficiados por terem sofrido as maiores injustiças, não porque tenham sido mais justos. 

Não encontrei os casados há mais de cinqüenta anos, abraçados, rindo entre si e das coisas que fazem, cercados pelos filhos que os cuidam, os netos que os distraem e dos quais cuidam também de vez em quando. Tinham antes uma idade entre os 50 e sessenta anos e eram avôs, por vezes bisavôs. Agora têm noventa, cem, cento e dez anos, um ou dois filhos, quatro ou cinco netos, ainda caminham e fazem caminhadas, são independentes, os filhos vivem longe, os netos correm pela vida já buscando a sua independência, mas vivem separados, cada um em sua casa, independentes, pessoas que vêem na própria vida o prazer de cuidar de si mesmas, porque seus descendentes lhe exigiam não só o sacrifício da vida, mas como também a entrega da alma, lhe roubavam o tempo de viver.

Em assaltos nas ruas, não há ajuda de uns aos outros, porque o bandido que aparece tem outros á ilharga, todos estão armados, e não há policiais por perto.
Aqueles guardas noturnos que caminhavam com um molho de chaves para abrir as portas a quem tivesse perdido as chaves, acabaram. Já não existem. Muitos deles cooperavam com os amantes do alheio e estes por sua vez descobriram nessa fortaleza de caráter humanitário, uma fraqueza que lhes abria as portas para o vandalismo. E o Estado que paga para que se tenha serviços públicos decentes e grátis, porque todos pagam impostos, estão fechando suas portas aos cidadãos e abrindo-as à especulação da terceirização e da globalização que cobram até em urinóis públicos por entrada, podendo antever-se o dia em que cobrarão por litro urinado.

Procuram-se tipos humanos, instituições cidadãs perdidos todos num mundo que evolui não porque a cidadania fale mais alto e promova as mudanças, mas porque as instituições promulgam atos e agem em total desacordo com os interesses de uma humanidade cativa que sofre e arde como combustível da ambição de uns poucos.

As labaredas chegam aos céus. Não há instituição merecedora que possamos defender, não há amigos que compartilhem, parece não haver cem justos nestas cidades. Quem sabe, nem cinqüenta, ou mesmo vinte. Procuram-se os desaparecidos, quem erre e assuma os seus erros.

Aqueles filmes de Hollywood que nos mostravam um mundo de fé no futuro, a vida amena possível para todos, esgotaram-se e cinemas fecham portas.

De minha parte peço perdão. Somos todos culpados. Somos todos construtores de um novo mundo.

Rui Rodrigues

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Espiões e contra-espiões fantasmas.



ESPIÃO CONTRA EXPIÃO E EXPIÃO CONTRA ESPIÃO DO CONTRA
(Ou com quantos “paus” se faz a política)

Sempre que chove aparecem-me os fantasmas aqui no Bardo Chopp Grátis. Hoje chovia a cântaros e estava eu com a minha amiga atrás do balcão, dando uma rapidinha, ouvimos a porta abrir-se.

Chegavam os fantasmas! Novamente... Eu não acredito em fantasmas e muito menos no que dizem, mas minha avó dizia: Não creio em bruxas. Mas que as há, lá isso há... E nunca desprezei nenhum ventinho esquisito na minha espinha. Crendices!

Primeiro vi o Zeca Vamporra, depois o Taumaturgo Bode, e finalmente a bela fantasminha camarada Verônica Dúbia. Não vi o Karl Kaskat, mas Verônica me explicou sua ausência, entregando-me um pacote de notas para pagar a dívida que ele me deixara pendurada da última visita: Ele fora preso para depor numa CPI - Comissão Para Idiotas - que decorria lá na casa dos homens de pouco juízo para ajuizarem dos sem juízo sem qualquer jurisprudência (nenhum caso anterior acabou com condenação e devolução das verbas evadidas)


Sentaram-se à mesa, pediram o de costume e confabularam na sala reservada. Liguei logo o meu equipamento de “vigilância” para não perder a conversa, mas como sempre só peguei algumas partes que transcrevo a seguir.


Zeca Vamporra – Muito bom o depoimento do Karl. Não abriu a boca nem pra tomar um cafezinho. Só tomou água pra não ficar nervoso.  Não entregou ninguém...

Taumaturgo Bode –  Já o avisei que eu cuido da armação. Ou confia ou não confia. Se abrir o bico, morre assado. Em Boca calada não entra mosca nem bichinhos de que ele gosta tanto. Consegui desviar a atenção para a casa vendida. Pra despistar. Agora vão perder 15 dias discutindo o sexo dos anjos, se a venda foi legal, se não foi... E no fim pega uma cana leve por não ter pago impostos ou coisa assim.

Zeca Vamporra – Mas a grana,os milhares, milhões de 'paus' não podem ser devolvidos... Eu não devolvo nada... Essa grana é para as eleições.

Verônica Dúbia – Me engana que eu gosto. Durante as eleições, a maioria das despesas são por doação a fundo perdido e sempre sobra, e outra maioria delas vocês não pagam... E sempre sobra grana. O que fazem com ela, além de comprar votos?... E não são os votos de campanha que eu falo... São os votos dos que votam lá na arena das discussões...

Taumaturgo Bode – Não voltem a falar disso... O Zeca aqui fica todo nervoso quando se lembra do PC. Até já me perguntou se eu Faria...

Verônica Dúbia - E os juízes?

Taumaturgo Bode – A minha gente já fez contatos. Como sabem, os maiores partidos já estão agindo juntos. O expião já os contatou. Outros expiões também... Segura pião! (disse isso olhando para o Zeca Vamporra)

Verônica Dúbia -  Andam dizendo que o partido das estrelas quer fazer uma revolução e tomar o poder.... Outro grupo meio atucanado (este é um termo gaúcho que significa sob pressão, atarantado) diz que as Forças Armadas devem prevenir-se para derrubar o poder.

Taumaturgo Bode – Boa manobra de dissuasão e dispersão... Boa  manobra. Sabemos como é a monovisão do pessoal das forças armadas. Se fosse nos tempos das ideologias, lá pelo inicio dos anos 60, até nos poderíamos preocupar, porque elas, as forças armadas iriam prender e arrebentar sem dó nem piedade. Porém, com estes tempos pós-modernos, o que interessa são as “massas”, com quantos paus se compra um iate e não com quantos paus se faz uma canoa. Elas sabem que tanto a esquerda quanto a direita lhes vão dar o mesmo tratamento. Não se mexem. E a minha comida, Zeca Vamporra! Onde está?

Zeca Vamporra – Está na mala que eu trouxe. É sua. Pode levar a comida para os animaizinhos de sua fundação. O meu já está guardado (Taumaturgo deu um sorriso maroto para os demais).

Verônica Dúbia (ainda com os olhos grudados na mala que o Taumaturgo Bode já segurava no colo, com os braços á volta para evitar que alguém a levasse) – E a outra Comissão Para Idiotas que vem a seguir? Como fica?

Zeca Vamporra – Já estamos tratando disso (disse olhando para Taumaturgo Bode). Ninguém vai falar nada, vão negar o que disseram, e vamos controlar tudo para dar em nada.

Verônica Dúbia – Fico feliz com a nossa “Intel-igência”, parece até chip de computador... Tudo perfeito. E se der Zebra?

Zeca Vamporra e Taumaturgo Bode rindo a bandeiras despregadas – hahahaha... Então temos que chamar o Karl Kaskat e mandar colar esse resultado no poste !!!!!!


E saíram todos depois de me deixarem uma grana que dava pra comprar um iate de dois pés de comprimento por meio pé de largura, como pagamento. Taumaturgo atrás de todos, com sua maletona de alto executivo... Ainda vi a Verônica passar a mão na bunda do Zeca Vamporra apertando-a com força, e ele tirar-lhe a mão, incomodado.

Rui Rodrigues
(Tradutor e intérprete de vampiros, fantasmas e outras assombrações que nos assombram com seus assombramentos quando passam pelo Bardo Chopp Grátis).

O amor moderno, a moral, a lei e as religiões




O amor moderno, a moral, a lei e as religiões 
(à luz do amor antigo)

Para ouvir enquanto lê http://www.youtube.com/watch?v=7jzx664u5DA&feature=related


Falar sobre o tema, em meia dúzia de parágrafos parece-me impossível, mas tentarei fazê-lo porque creio haver alguns equívocos que nos dificultam a vida, nos criam complexos insanos, nos fazem perder tempo, e são realmente “equívocos”, não podendo, por isso, ter o menor crédito. Adianto que sou Deísta, sendo meu Deus o Deus de Abraão, “Aquele que É”.

Não desejo ferir os princípios de ninguém, mas creio que devem ser colocados os pontos nos “is” para não pecarmos por irmos na “onda” sem sabermos se a onda é de ácido, de pedra, de cal, água ou ar...

Vem isto a propósito de algo que li no Gênesis, e que consta não só da Torá da religião judaica, como também da Bíblia cristã e do Corão muçulmanos. Neles se lê que a serpente era muito esperta e atentava contra os desígnios de Deus (como se Deus tivesse criado algo que tivesse qualquer poder que pudesse sequer atrapalhar-Lhe os desígnios).

Lê-se também que a primeira mulher (não o primeiro homem) foi na conversa da serpente, e que só depois de Eva seduzir a mente de Adão este achou que seria importante e determinante comer da árvore da ciência, do Bem e do Mal.

Não só desta árvore comeram o Adão e a Eva, mas certamente de todos os frutos proibidos que não foi só a maçã. E traçaram-se mutuamente Adão e Eva, ali mesmo, fazendo do Paraíso um Paraíso muito melhor, com uma função que Deus lhes deu, mas que estaria escondida nas sementes da maçã: Procriar e tirar algum proveito da “procriação”. Ou seja: Adão já estava com os escrotos produzindo espermatozóides desde que tinha sido formado, Eva com os ovários cheios de óvulos, descendo-lhe um a um a cada 28 dias (ela era muito regular), e nada!... Era só enfeite! Lá não existiam hormônios, feromonas, atração sexual ?

Mas com base nesses “postulados” dos livros santos, formaram-se sociedades machistas por milênios que determinaram o apedrejamento de mulheres, o uso de roupas que as encobrem por completo, o corte de clitóris para não terem prazer com outros homens, a invenção de cintos de castidade, a criação de Códigos Civis que determinam as leis e os comportamentos, tendo o “Pater Família” como o dono do lar, do destino de mulheres, filhos, família e bens, podendo os homens ter haréns, freqüentar prostíbulos, baixar o sarrafo nas mulheres e nos filhos porque assim fizeram os livros e os livros ditaram as leis.

Como evitar o aparecimento das putas? E por que não surgiram os putos?
Evidentemente, que pelos textos dos livros santos, o mundo estava completamente escancarado ao aparecimento das putas, porque mulheres não podiam procurar por putos para lhes satisfazer as vontades. Os livros foram escritos por homens, e aparentemente, só aparentemente, Deus não transmitia inspiração divina a mulheres. Suspeito da tendenciosidade dos livros. Escreveram os rumos de uma humanidade distorcida da realidade e agora estamos tentando dar-lhe um novo rumo que deveria ter sido o primeiro a seguir.

Não posso acreditar naquela interpretação que consta nos livros, por que essas tais vontades são obra de Deus, fazem parte integrante da natureza e não podem ser negadas nem Ele, porque assim fez a natureza, e Deus não se nega nem nega o que faz porque está bem feito desde a origem dos tempos.  

Para explicar o comportamento da humanidade ao longo dos séculos, tenho que me valer dos descobrimentos da ciência, já que os livros não foram atualizados. Como esses livros foram escritos por “inspiração divina” e sendo Deus completo e Invariável em suas verdades, somente posso atribuir as discrepâncias dos livros como deficiência na interpretação da inspiração divina, face ao pouco conhecimento – na época - das leis da vida, criadas por Deus.

A partir dos anos sessenta, do século XX, o mundo despertou com as mulheres liderando um movimento pelo voto feminino. Eram as “suffragettes” que saíram ás ruas em Paris e em Londres, foram presas, apanharam da força policial. Ganharam!

O feminismo (que chamo de naturalismo) tinha sido iniciado. As instituições religiosas, com medo de perder o crédito, renitentes, continuaram com as mesmas convicções de milênios atrás, mas agora lêem apenas meia dúzia de pequenos parágrafos dos livros sagrados porque o restante já vai contra a “onda” da verdade: Homens e mulheres têm os mesmos direitos, só não são iguais porque os homens têm alguns gramas a mais de onde saem espermatozóides e as mulheres uma vulva que conduz a um útero onde se guardam óvulos que despencam de mais ou menos 28 em 28 dias.

Existem preservativos e controladores que podem impedir que os espermatozóides encontrem os óvulos e provoquem um nascimento que não seria oportuno se tais preservativos e controladores não existissem.  Tanto homens quanto mulheres sentem um prazer indescritível e semelhante quando unem estes dois abençoados órgãos, prazer que pelos vistos existe desde a mordida da maçã. Ainda acho que Adão e Eva transaram e depois comeram a maçã porque lhes deu uma fome danada depois do ato sexual.   

Deus, em sua infinita bondade, deu-nos o raciocínio, a opção de escrevermos a vida da humanidade com a certeza de que será escrita também nos céus e isso sim, é a infalibilidade que Deus aprova. Aí estamos nós, homens e mulheres conquistando a Lua, Marte, Morte. As mulheres de hoje chamam os homens de machistas, os homens de hoje, culpam as mulheres por lhes mudarem as regras, mas nem homens nem mulheres pedem às suas Igrejas que atualizem as escrituras, que lidas a público ou nos lares, ou isoladamente, provocam a intuição de que algo está errado e não seria nos livros porque são considerados sagrados, a palavra de Deus...
Seria necessário voltar urgentemente a escutar a inspiração divina para vermos o que Ele realmente disse ou diz nos dias de hoje. Aparentemente já não existem santos que escutem o que Deus está dizendo, porque Deus não deixou de inspirar.

Os moços e moças de hoje estão na perfeita onda divina de progredir e evoluir, sem ficarem presos a interpretações não atualizadas do que é a humanidade, sua moral, suas leis, suas religiões. Já não casam como casavam, já não amam como amavam, já questionam as leis, a moral, as religiões, a própria humanidade e o caminho que esta trilha, como numa onda, independentemente de tudo isso, sem combinar, sem líder que lhe diga que rumos tomar. A humanidade atropela, passa por cima de tudo e segue seu caminho.

Para os mais idosos, que não se atualizaram, a mulher ainda é escrava de suas vontades, deve fidelidade que os homens não têm, devem receber salários diferenciados porque não são homens e porque, principalmente, foram degradadas, anuladas, rebaixadas a um segundo grau de humanismo nos livros sagrados. Precisam atualizar a mente, mesmo que o corpo não o permita. Assim não farão sofrer a juventude em nome de algo que não dominam nem verdadeiramente conhecem ou sentem.

A Primavera Árabe não é a Primavera que todos pensamos. A Primavera Árabe é o primeiro passo para a entrada de uma outra onda menor, na enorme onda da humanidade.

Crescei, multiplicai-vos e evoluí. Foi isto que Deus disse, mas só escreveram o Crescei e multiplicai-vos... É preciso voltar a escutar Deus, e escrever nos livros o que não ouviram porque a onda da humanidade, de então, não o permitiu.

Honrai pai e mãe, e filhos e filhas, Mas só escreveram Honrai pai e mãe, e os Pais tomaram os filhos como escravos que lhes deveriam fazer as vontades.

Não matarás em qualquer circunstancia, Mas só escreveram não matarás, para justificar os exércitos e a vingança.

Não cometerás adultério, nem com homem nem com mulher... Mas só escreveram Não cometerás adultério, para que fosse aplicado ás mulheres. Os homens podiam ter haréns...

E então? Para onde vamos, e com que fé?


Rui Rodrigues

Portugal - Crise econômica, o fado, e como sair da crise


A Crise Econômica Portuguesa e o Fado – Como sair da crise.





Neste quadro de Malhoa que simboliza o Fado, as figuras expostas não são nem a Severa nem o conde do Vimioso. As figuras expostas são a Adelaide que tinha por alcunha a “Adelaide da Facada”, por numa briga ter ficado com cicatrízes na face esquerda (por isso aparece no quadro nessa posição) e o guitarrista é o Amâncio, amante da Adelaide.


Amália Rodrigues e atualmente Marisa, não era e nem é uma Severa, como a do quadro, mas sabia e sabe cantar muito bem o Fado, como neste trecho de Pedro Homem de Melo“

«Povo que lavas no rio.
Que talhas com teu machado
As tábuas do meu caixão!
Pode haver quem te defenda
Quem compre o teu chão sagrado,
Mas a tua vida não…»

Mas o que o Fado tem a haver com a crise econômica atual?

No meu entendimento tem tudo a haver. Somos uma sociedade que tem medos, que só fala em segredos, lamenta-se constantemente por se julgar uma “coitada da vida”, e que espera milagres de Deus, a re-ressurreição de Jesus, a vida eterna, Amem. Enquanto isso entrega as decisões do dia a dia a uns vigaristas que desfilam a sua simpatia pelas ruas e aldeias á procura de votos nas eleições e depois tomam atitudes que desperdiçam os nossos esforços de economizar para pagar impostos, gastam á tripa forra, distribuem verbas como querem, criam mecanismos que beneficiam uns e outros, mas que deixam o povo a cantar o fado pelas ruas da amargura. Este nosso povo canta o fado e reza padre nossos e ave marias, na vã esperança de que Deus o ouça e mande governantes honestos que lhe melhorem a vida.

Esses políticos estão associados a Partidos políticos. Fazem o que esses partidos querem. Não há políticos pobres, remediados ou pouco ricos. Estão todos gordos e os Partidos têm verbas para tudo, menos para aliviar o sofrimento dos cidadãos, dar-lhes serviços públicos decentes a que têm direito pela enormidade de impostos que paga.  Esses partidos políticos são espelho de todas as filosofias políticas: são comunistas, capitalistas, socialistas, e à mistura, todos têm um pouco de extremistas, fascistas, e outras aberrações das filosofias destinadas a governar como se os cidadãos fossem escravos e não “patrícios”, como no Código Romano que ainda adotamos, com o “Pater Famílias” que desconhece as “Mater Famílias” que já existem aos montes por este Portugal afora.

A solução para a crise econômica, neste caos e descrença política, somente poderá vir de uma manifestação popular que aprove via NET, de forma urgente, uma NOVA CONSTITUIÇÃO, parágrafo por parágrafo, que não possa ser alterada sem aprovação na mesma forma, para evitar que esta classe de políticos, instruída em Partidos, que beneficiam os protetores dos Partidos, que escutam nos corredores de S. Bento as pressões dos que podem pagar por decisões, não surjam, JAMAIS, no seio de nosso território.

Só assim Portugal poderá continuar na Zona do Euro ou ficar fora dela como a Inglaterra, permanecer na Comunidade Européia ou não, decidir os seus destinos sem as decisões unilaterais de alguns “PATRICIOS” que tratam o povo como escravos sem direito a opinião.

Opinião não é apenas poder expressá-la em praças públicas, mas ser ouvida pelo voto em S. Bento ou em qualquer Órgão Público onde se tomam as decisões pelo voto daqueles que, definitivamente, não nos representam!

Opinião, não é sair com toda a valentia, sozinhos ou em meia dúzia, a vociferar impropérios contra os governantes, molhar as mágoas na água benta das igrejas ou no chorar das guitarras do Fado. É fazermos, todos juntos, alguma coisa efetiva, no sentido de mudar o que achamos que está errado. O povo português, os cidadãos portugueses a não se juntarem em  torno de um rumo, uma decisão efetiva, continuarão a cantar o fado do presente e do passado, não o do futuro!


Não ha muita coisa errada que precisamos fazer mudar?

Sobre Democracia Participativa :



segunda-feira, 11 de junho de 2012

Ensaio sobre a Saudade e uma receita





Domingo passado passou por aqui no Bar do Chopp Grátis um sujeito especial. Um velho amigo meu. Trouxe um saco de peras do supermercado e quis surpreender-me com uma receita de bolo simples e saboroso. Trouxe também 250 gramas de manteira, 250 gramas de açúcar mascavo, 250 gramas de farinha e 250 gramas de açúcar comum. Pediu-me um pirex médio e um cálice de vinho do porto. Misturou a manteiga com o açúcar mascavo e a farinha. Ficou uma farofa um pouco úmida. Disse-me que era assim mesmo. Lavou e cortou as peras em fatias finas e espalhou a metade pelo fundo do pirex, jogando o cálice de vinho do porto por cima. Disse-me que se pode usar qualquer licor, Whisky, mas que o vinho do Porto lhe dá um toque especial. Em cima da primeira camada de peras cortadas em fatias, colocou a metade da farofa. Nova camada de fatias de pera, e nova camada de farofa. Levou ao forno, esperou até o açúcar mascavo começar a ficar marrom e retirou. Mais ou menos uns vinte a vinte cinco minutos. Provamos. Aquilo era uma loucura de bom.

Enquanto preparava a receita, começou a falar-me sobre saudades, porque tinha vindo até mim exatamente por isso. Sentira saudades e resolvera brindar-me com uma receita de sua avó. Eis o resumo do que consegui guardar do que disse: 

Ensaio sobre a saudade
  
Saudade parece estar estreitamente associada ao “quando”, porque este termo “quando” marca uma divisão entre dois momentos: o momento em que se têm alguma coisa, e o momento seguinte, em que essa coisa já não nos pertence, ou não faz parte de nossos momentos.

Quando nasci chorei. Senti saudades do útero quente, macio, equilibrado, tranqüilo, de minha mãe. Meu processo na relação com a saudade começou nesse instante. Falta de conforto era o meu primeiro significado de saudade. Em outros nascimentos a que assisti, anos mais tarde, ouvi dizer que “era” assim mesmo. Se a criança não chorasse teriam que lhe dar um tapa nos glúteos. Coitadas das crianças. Não é uma boa forma de entrar neste mundo!

Quando minha mãe me dava de mamar, sentia-me bem com sua mão sobre meu estômago, minha boca sorvendo o alimento de seu peito, o calor de seu corpo que me fazia sentir confortável, amparado. Quando depois me depositava no leito, eu chorava. Sentia saudade daquele bem estar. A falta do bem estar naquele leito sem calor, inerte, era o segundo significado de saudade. Minha mãe poderia ter ficado um pouco mais tempo comigo no colo, mas mães têm muito que fazer.

Quando um dia, malas prontas, casa desfeita, família a bordo de um transporte nos mudamos para outra cidade, senti saudades de minha terra natal. Criança  aceita as necessidades da família embora não as entenda muito bem, e mesmo quando entende, maldiz as necessidades de mudar, culpa tudo o que está por detrás dessa necessidade  que a provocou. Crianças mudariam o mundo para que quem quisesse mudar de lugar o fizesse por querer e não por necessidade. Cedo descobrem quem é que deve promover a existência de trabalho e bem estar para as famílias.

Quando um dia a conheci, senti algo muito diferente. Completamente diferente de tudo que tinha conhecido até então. Entre tantas mulheres neste mundo, ela tinha voz, olhos, corpo, e usava roupas, adereços, perfumes como todas as outras, e pintava os lábios, dividindo-me o olhar entre os olhos úmidos e os peitos generosos arfantes, as mãos úmidas nas minhas, como a me dizer que todas as suas partes estavam também úmidas, desejosas de atenção e carinho. Mas era diferente de todas as outras. Descobri então que depois deste sentimento que nos parece único, buscamos a repetição desse mesmo prazer em novos encontros. E a cada encontro, a nova felicidade de encontrar não a mesma mulher, mas o momento de sentir o que se sentiu com a primeira. E vi que homens e mulheres são feitos da mesma natureza, e não feitos um para outro, mas todos para todas e todas para todos. Buscamos aquilo de que sentimos falta e a isso se chama saudade.

Quando minha vida se fez de viagens e mudanças, e a isso já me habituara, parte de meus sentidos se acomodaram na insensibilidade de achar que a vida era assim. O lar já não era um tronco com raízes, mas pedaços de troncos cortados espalhados pelo vasto chão onde ainda plantava minha vida com minha família. Cada pedaço de tronco um lar largado no passado, cada lar uma tênue lembrança.  Deles não havia saudades.

Quando a família cresceu e se dividiu, cada um me deixou seu quinhão de saudades, cada quinhão com sua intensidade, cor, calor, perfume, ecos de palavras, ecos de expressões, ecos de alegrias e de tristezas, um saldo de vida em que nem tudo se resume a saudades. È uma saudade diferente de todas as outras. No meu primeiro sentimento de saudade, eu estava nu. Agora é a saudade que está nua, sem adereços que a distorçam ou a camuflem.

Quimicamente o amor pode ser interpretado como efeitos sensoriais que nos provocam inundações de produtos químicos em nosso cérebro e que nos dão a sensação de prazer. A sua falta provoca dependência, saudade, tristeza, até depressão, e isso explica o comportamento amoroso de casais em que um deles, normalmente as mulheres - até pelos efeitos da TPM - privam o parceiro da sua presença e de seus carinhos para que lhe sinta a falta, a saudade, a necessidade de voltar à sua companhia. É o “jogo do amor”, com a ferramenta da saudade a dar-lhe, a cada dia, um dia diferente. 

E nesse jogo da vida passamos nosso tempo a pensar e a decidir no que vale a pena investir o nosso tempo, criando saudades, desprezando saudades, prisioneiros de saudades.


Será a saudade uma forma de amor, ou uma ferramenta, uma arma, um engodo da natureza?

Rui Rodrigues

Armando a Roubalheira


Armando a Roubalheira


Taumaturgo Bode, Zeca Vamporra e Verônica Dúbia se encontram no Bar do Chopp Grátis.


Chovia a Cântaros. As ruas da cidade estavam praticamente inundadas por falta de interesse público em resolver qualquer problema. Parecia que os céus desabavam sobre a cidade e que os deuses patrões a humanidade, já que nos condenaram ao trabalho eterno, estavam ausentes. Os governantes que elegemos para nos representar nem apareciam na TV para se defenderem dos ataques verbais lançados na mídia e pelas redes sociais. Estávamos em época pré eleitoral. Ninguém faz nada e tinham feito muito pouco. As denuncias públicas de roubalheira estavam pelos jornais, impregnavam até os poucos banheiros públicos ainda existentes. Sem banheiros públicos, velhinhos mijam nas calças ou nas ruas. A sociedade condena, mas já urinou em algum lugar e nem sofre de continência urinária. 

Fui até à porta para fechar o Bar. Tinha havido alguma freguesia pela tarde, mas agora à noite não havia ninguém na área, e até os automóveis eram poucos. Já junto à porta, vi parar um táxi. Percebi que a noite seria longa. Nada mais nada menos que um homem que eu não conhecia, gordo, avantajado, estava acompanhado de três personagens que eu conhecia muito bem. Eram os fantasmas Taumaturgo Bode, Zeca Vamporra e a linda e gostosa Verônica Dúbia esta a mais linda fantasminha, minha camarada. Voltei a pousar o gancho da porta de correr a um canto e com uma vênia, indiquei-lhes o caminho da sala principal do Bar. Cumprimentaram-me com acenos de cabeça e entraram.

Verônica Dúbia pediu que lhes disponibilizasse a sala reservada. Acompanhei-os e preparei-me para anotar os pedidos.

(Verônica Dúbia) – Deixe-me apresentar-lhe um amigo nosso, o senhor Karl Kaskat. Ele gosta muito de animais e tem uma ONG que só cuida de bichinhos. Ele faz muita propaganda para defender o seu zoológico. Sai por aí grudando propaganda em todos os postes da cidade. É muito rico e poderoso e a ONG é auto-sustentável. (E olhando para eles) - O que vamos traçar?

(Taumaturgo Bode sorrindo) – Um traçado mesmo!
(Zeca Vamporra) – Um Bloody Mary...
Karl Kaskat – Uma garrafa de champanhe para mim e para ela (apontando para Verônica Dúbia)

Os outros dois se insurgiram (Taumaturgo Bode e Zeca Vamporra): -Péraí (disse o Zeca). Nesse caso não vamos destoar. Vamos todos de champanhe... (Verônica Dúbia arrematou): - Nacos de lagosta na manteiga com limão, torradinhas com caviar e rodelas de ovo e bolachas champanhe, pela ordem para acompanhar.  

Discretamente saí e fui preparar os drinques. Olhei em volta para ver se alguém estava vendo, e liguei o meu programa de “vigilância” do interior do Bar, mais especificamente da sala reservada e cliquei em “gravar”. Preparei as bebidas e os petiscos e levei pessoalmente, em duas viagens, até a sala. Não quis que vissem uma amiga escondida atrás do balcão. Se vissem eu estaria numa encrenca dos diabos. 

Conversavam em voz baixa e estavam muito animados, as cabeças sobre a mesa, umas na direção das outras demonstrando confiabilidade, aliança, congraçamento. Por via das dúvidas face ao tipo de petiscos, supri a mesa com bastantes guardanapos.

Ficaram lá por longo tempo, pedindo mais champanhe. Então decidiram sair. 

- Quem paga o táxi? - (Perguntou Verônica Dúbia).
- Eu pago, disse Karl Kaskat. Já paguei a conta também. Sabem que comigo não há problema de dinheiro... (todos assentiram com a cabeça).

Eram duas da manhã quando finalmente saíram do Bar.

Ao efetuar a limpeza da mesa, verifiquei que tinham escrito nos guardanapos. Estavam todos rabiscados, cheios de contas, pontos de interrogação, cifras envoltas em círculos. Deduzi que os valores se referiam a moeda nacional e pelas siglas que se tratava de uma distribuição de um botim,um tesouro, e pelos valores anotados, deveria ser o tesouro nacional.

Pensando já em não dormir, assegurei-me mais uma vez que as portas do Bar estavam bem trancadas e assisti à gravação. Para meu desespero, a gravação estava deficiente e cheia de lapsos. Não tinha explicação para isso. Mas pude entender o que se segue:

-...O resumo é o seguinte: Com o grau de insatisfação da direita e da esquerda, face aos escândalos da política, pode acontecer do TERSOL ganhar as próximas eleições. Nas anteriores já conseguiram mais de vinte milhões de votos. Precisamos de muito dinheiro para as eleições, para comprar os votos e obrigar ao voto de cabresto (disse o Zeca Vamporra).

-... O Karl Kaskat tem que ficar calado o tempo todo durante os interrogatórios. Não pode entregar ninguém senão damos um jeito e tem que levar chumbo... Internamente eu asseguro o imbróglio para demorar até vencer as oposições pelo cansaço. Os que recebem mensalmente vão negar tudo que disseram e vão ficar calados também (Taumaturgo Bode e virando-se para o Karl, disse): - Entendeu direitinho?

(Karl Kaskat engoliu em seco).

-... Não se esqueçam que as licitações são sempre de “mão na cumbuca”. Por isso todas as outras empresas estão angariando fundos porque ganharam obras no programa como num pacote. A minha empresa ganhou umas obras, elas ganharam outras. Dinheiro não vai faltar. Minha OGN sempre tem dinheiro, não é tanto, mas posso arranjar algum. (disse Karl Kaskat, o único que não era fantasma, além de mim, é claro, mas todos nós virtuais).

.-... Vão ser mesmo as eleições mais caras de toda a história. Já estou pensando no que fazer com as sobras de campanha. Não quero levar uns tecos como o PC. (disse Zeca Vamporra, e voltando-se para Taumaturgo Bode, complementou:) – Não farias isso comigo, Taumaturgo. Farias?

Taumaturgo balançou negativamente a cabeça várias vezes de forma enfática, dizendo: - Eu? que é que eu tenho a haver com isso? (ninguém respondeu nem sim nem sopas).Mas podem deixar que vou falar com ela para impor sigilo nisso tudo e ainda aumentar o valor das obras para não prejudicar o andamento dos negócios. 

-... Sei que os Bancos vão contribuir com uma baba muito grande! (Verônica Dúbia), e com verbas do Banco de Desenvolvimento através de “empréstimos” que depois viram pó com os prejuízos, os esquecimentos e os Contadores que sempre dão um jeito na contabilidade do Banco... Grana no bolso e barra limpa!

-... Não !!! está tudo bem (disse Taumaturgo Bode). Só tem meia dúzia de gatos pingados nas ruas de vez em quando. Revolta popular igual à do impeachment está fora de cogitações. Ninguém sabe de nada destas tramoias embora todos desconfiem. Até lá no meu meio eles aprovam qualquer coisa sem nem ler o que aprovam. Estão lá só para ganhar grana e obedecer aos partidos. Na hora de assinar olham pra mim e já me conhecem. Aprovam direitinho. Eu acho que aquela cena do Impeachment foi lamentável. Nunca deveria ter acontecido.

-... Ideologia já era (disse Zeca Vamporra). A classe C já se julga da classe média, quer ganhar mais e gastar mais. Como ganha mais um pouco do que o nada que ganhavam, estão quietos e sob controle. Um dia se dirão capitalistas. (pelo vídeo vi que todos abanavam a cabeça afirmativamente)

-... É. O caminho parece que é o capitalismo mesmo. (Taumaturgo Bode). Quem não gosta de ter algumas coisas básicas como automóvel, computador, celular, bolsas caras, dinheiro para sair do SUS, morar em bairros sem esgoto a céu aberto, etc... No comunismo, no socialismo e no capitalismo sempre houve e ainda há bairros melhores e bairros piores que são ajuntamentos de restos de lixo. Nem diferença há nas proporções. Por isso que fiz a transição daquela dura para esta mais mole.

Começaram a se arrumar nas cadeiras, apanhando os seus pertences. Iam sair. 

(Karl Kaskat se adiantou)... Nada disso! Podem deixar que eu pago a conta! 

A ultima imagem gravada foi a do Karl Kaskat segredando em meu ouvido que depois passaria pelo Bar para pagar a conta porque no momento estava desprevenido. Assinou num guardanapo.

Minha amiga saiu detrás do balcão e veio para os meus braços, ali mesmo no sofá. Já tinha esperado tempo demais.


Rui Rodrigues

domingo, 10 de junho de 2012

Cultos Religiosos!

Cultos religiosos!


Não vejo diferença nenhuma entre um culto religioso moderno, de qualquer religião e um antigo, praticado na Ásia, na África na Europa ou mesmo hoje em dia, pelos índios na Amazônia. Eles se enfeitam, fazem oferendas, dançam e se martirizam. Tudo como oferenda para um ser superior. Todos acham que têm que provar a um deus que são mais fieis que seu vizinho, portanto mais dispostos a qualquer sacrifício que esse deus peça. Tendo assim, direito a mais favores dele. 
Por mais que um religioso de qualquer credo não aceite, tudo tem o mesmo sentido. São nomes diferentes, são frases diferentes, são tradições diferentes, são por fim, enfeites e oferendas diferentes, mas o sentido e a busca são os mesmos. Ainda que o fato de dizer isso crie nos religiosos, certamente, reações nada civilizadas, uma procissão católica, uma festa junina no nordeste, uma festa indígena no Xingu, um sacrifício de um muçulmano, ou as fogueiras santas das igrejas evangélicas, têm sim, o mesmo sentido: agradar ao deus que professam. Padres, bispos, papas, pastores, rabinos, pajés, mestres no budismo, e todos que lideram reuniões religiosas, se enfeitam, seja pintando o corpo ou com vestimentas especiais, simplesmente porque crêem que assim, seu deus olhará para eles de forma especial, dando-lhes poderes sobre os participantes comuns.
Tudo o que buscam, em qualquer língua, credo, ou seita, é simplesmente ter uma vida mais fácil na Terra, conseguir que sua cria sobreviva e vencer a morte. Aliás, o sentido de finitude é sem duvidas o que mais justifica uma religião. Não conseguimos aceitar para nós humanos um fim. Buscamos uma eternidade, sem nem ao menos ter idéia do que seja viver por bilhões e bilhões de anos. Achamos que eternidade é o que, para nós, é muito tempo. Acho que as pessoas pensam nela com no máximo algumas centenas de anos, milhares talvez. A humanidade vive há muito pouco tempo na Terra para imaginar a eternidade na casa dos bilhões de anos.
Muitas pessoas seguem uma religião não por crer realmente, mas por temer. Temem a eternidade no inferno. Nada questionam pelo medo de um castigo na Terra ou na vida pós-morte. O mesmo acontecia na antiguidade. O povo fazia sacrifícios para ter colheitas generosas, para ganhar guerras, para se livrar de vulcões. Achavam que se desafiassem os deuses, esses seriam cruéis com a aldeia, a família, ou com a vida no geral. Ainda hoje o medo persiste. Pessoas têm medo de questionar padres ou pastores, assim como os índios não questionam seu pajé.
Na realidade, hoje, nos enfeitamos, cantamos, dançamos, falamos palavras mágicas e levamos oferendas para nossos deuses, do mesmíssimo jeito que nossos antepassados pré-históricos. Buscamos inclusive as mesmas coisas. O que difere é que, com a civilização, não sacrificamos crianças mais. Se bem que, nas tribos atrasadas da África e da Amazônia, eu não duvide que ainda aconteça. Também os altares para as oferendas mudaram, se na antiguidade eram pedras ou grutas, hoje são templos, muitas vezes imensos.


Texto inacabado, Paulo, 06/02/2010.

Os sócios



Os Sócios

Este bar é como todos os bares da vida. Depois de tomarmos um par de drinques de qualquer coisa, preparados com qualquer coisa, chacoalhados de qualquer modo ou nem chacoalhados, a qualquer minuto nos relaxam e nos deixam dizer coisas quaisquer a respeito de qualquer coisa.

Seu Júlio já foi moço de recados, servente de lavar chão em lojas, entregador de hortifruti. Juntou dinheiro e ficou sócio do dono do Hortifruti. Logo abriu outro (Hortifruti, claro) e acabou por comprar a loja do tal sócio, pondo-o para fora do negócio. Comprava para as duas lojas, mas entregava as mercadorias preferencialmente na que era só sua. 


Dando prejuízos mês a mês, o sócio dele preferiu vender a baixo preço a sua parte ao senhor Júlio a continuar perdendo dinheiro. Logo “seu” Júlio conseguiu impressionar incautos com o seu sucesso e arranjar novos amigos sócios. Mudou o ramo para bares e restaurantes. Casou-se com a mulher de um comerciante de ramo diferente que o ajudou financeiramente para ajudá-lo, e, em decorrência, a própria filha. Em cerca de 30 anos de atividade neste tipo de negócio, conseguiu ter 35 casas no Rio de Janeiro, 22 em S. Paulo, 12 em Porto Alegre e 6 em Salvador. Perdeu todos os amigos sócios e os sócios amigos. 


A vida dele era de mulheres e negócios. A mulher, nessa solidão de gaiola dourada, resolveu ser moderna. Exigiu e conseguiu a ajuda de “seu” Júlio para que lhe montasse uma pequena birosca para a venda de sucos de guaraná, pastéis e sanduíches. Em parte, porque seu Júlio mandou a mãe para dentro do apartamento deles para conviver com a mulher. A mãe, bronca, de aldeia, não podia dar certo na modernidade. Implicava com a nora sempre que entendia, e o filho tomava as suas dores. Seu Júlio fornecia tudo para a birosca da mulher, o que lhe garantia que jamais tivesse lucro e ela se tornasse competidora dele. Depois de alguns anos, ela largou o marido, os filhos e foi para Salvador, vendendo tudo o que tinha ao desbarato. Seu Júlio nunca mais ouviu falar da ex-esposa Ninguém mais ouviu falar. Ninguém se importa do que ela faz. Nem os filhos. Estes só sabem que um dia tiveram mãe. Talvez nem tenham foto dela.

Seu Julio ainda está na ativa, mas quem recebe o dinheiro nas lojas dos sócios que ainda tem – a maioria das lojas é dele apenas - são os seguranças sempre acompanhados de um contador que não conta histórias nem as quer ouvir: quando a conversa se enrola, avançam e metem a mão na caixa do dia. Anda sempre com seguranças.  Agora mesmo tem dois lá fora do Bar do Chopp Grátis que certamente o carregarão para casa.

Hoje, depois de alguns Irish Coffees, seu Júlio acaba de entrar numa situação de claro porre!

Pediu para que me sentasse a seu lado e logo me passou a mão no ombro. Encostou a sua cabeça perto do meu ombro e disse-me enquanto pegava o seu drink e lhe sorvia um generoso gole, passando a língua nos lábios e dando uma gargalhada:

- Rá!... Passei a perna em todos os sócios, mas eles pediam isso. Nunca me perguntavam como eu fazia sucesso. Quando os convidava, eles tinham dinheiro, eu sabia dos negócios... Rá!... Nem sabiam o que perguntar porque não entendiam do negócio! Queriam que eu os ajudasse a ficarem ricos! Se lhes ensinasse as tramóias, iam fazer-me concorrência... E eu sou disso? Mulher!... Mulheres há tantas e gostosas! Para quê ficar mantendo uma em casa que só enche o saco e quer mais e mais e mais? Estou certo?

(Estava com o rosto bem de frente para mim, o corpo torcido na cadeira para poder enfrentar o meu olhar e tentar perceber se minha resposta seria verdadeira. Aquele sujeito era uma velha raposa, precocemente velha, que jamais vivera uma vida de verdade, jamais procurara instrução porque gente instruída não fica rica nem deixa que a explorem... Respondi-lhe incorporando as minhas melhores convicções)

- Creio que sim, seu Júlio. Não entendo muito de negócios. Não tenho sócio e o que ganho no Chopp Grátis mal dá para as despesas... Mas estou curioso como os enganava. Tem que ser muito inteligente para enganar tantos...

Olhou-me procurando ver em meus olhos, em minha expressão facial algum sintoma de que estaria tentando extrair suco de pedra. Como não viu nada, continuou:

- Rá!... Você não é como eles. Por isso vou te contar. Quando chego em alguém para convidar para sócio, já sei que tem dinheiro. Ou roubou, ou ganhou por herança, não importa. Está com o dinheiro e quer aplicar. Se não quiser aplicar, eu convenço levando essa pessoa para ver as minhas lojas. Nelas, os meus sócios só podem cooperar comigo, porque só os levo nas lojas em que eles estão ainda satisfeitos. Depois abrimos o negócio. Já na montagem levo a minha parte ao contratar os fornecedores de materiais, equipamentos e de mão de obra de execução. Ou seja, minha parte no negócio já me sai quase de graça. Como eu forneço grande parte dos produtos, a título de manter a qualidade, já lhes roubo parte do lucro porque nesse fornecimento já levo o meu próprio.

(Pegou o copo e acabou com o Irish Coffee. Pediu-me outro. Enquanto eu o preparava, continuou falando. O bar estava vazio, os seguranças lá fora).

- Rá!... (que mania de falar aquele Rá, irritante, como se estivesse expurgando demônios). Claro que logo nos primeiros meses o movimento era muito grande. Sempre que eu podia, comprava ou alugava uma loja nas imediações, e montava um negócio semelhante com outro sócio, fazendo concorrência a mim mesmo e a esse... Parece complicado? (olhou e não me viu a seu lado. Procurou pelo salão do bar até me encontrar atrás do balcão).

- Rá!.. Ouviu? ... (-ouvi! Respondi-lhe detrás do balcão)... Mas o melhor vem agora... Chega aí para ouvir... (e acenou-me com o braço repetidamente chamando-me para a mesa)
Cheguei rápido. Irish Coffee prepara-se rapidamente com o café já super aquecido

- Rá!... Com a concorrência, o sócio via diminuir a freguesia e me pedia para comprar a sua parte. Se não pedia, pedia-lhe eu... E assim a loja me saía de graça. Tudo lucro!... rá, rá, rá... Se eu não arranjasse loja perto, começava a torrar o saco dos sócios dizendo que aquilo era loja para dar muito mais lucros e que eles não estavam gerindo bem. Depois de algumas discussões, ficavam irritados e vendiam-me a parte deles.

Perguntei-lhe á queima roupa para não lhe dar tempo para pensar:

- E quem toma conta das lojas que passaram a ser só suas? Não tem medo de que o roubem?

- Rá... E eu sou trouxa, para arranjar sarna para me coçar? Ou arranjo novos sócios ou passo as lojas... Ainda hoje tenho lojas sendo passadas e lojas abrindo... Enquanto houver trouxas, eu vou ganhando a minha grana. E olha... Já comi muita mulher de sócio... Rárárárárá...

E ria a bandeiras despregadas... Aquilo ali era um dejeto humano, uma excrescência da natureza, filho de uma mãe que nunca deveria ter nascido, viveu nas crenças da nulidade e morreu rica sem saber.

“Seu” Júlio, amparado por seguranças que lhe dividiam as mulheres, saiu cambaleando do bar. Já na porta gritou-me:

- Claro, que com você, seria diferente... Um dia faremos um bom negócio. Pode escrever! (certamente tinha-se dado conta da mancada de ter-me contado os seus segredos).

Chovia lá fora. Aproveitando-se do fato de estar amparado por seguranças e estes estarem com as mãos ocupadas, um carona de uma moto que se aproximara silenciosamente da portaria do Bar disparou vários tiros usando silenciadores. Seu Júlio e os dois seguranças caíram na calçada. Corri para o telefone e liguei para a polícia e para os bombeiros. Não vi a placa da moto nem os rostos dos motoqueiros.


Não sei porque razão, mas não pedi nada a Deus.

Rui Rodrigues