Os Sócios
Este bar é como todos os
bares da vida. Depois de tomarmos um par de drinques de qualquer coisa,
preparados com qualquer coisa, chacoalhados de qualquer modo ou nem
chacoalhados, a qualquer minuto nos relaxam e nos deixam dizer coisas quaisquer
a respeito de qualquer coisa.
Seu Júlio já foi moço de
recados, servente de lavar chão em lojas, entregador de hortifruti. Juntou
dinheiro e ficou sócio do dono do Hortifruti. Logo abriu outro (Hortifruti,
claro) e acabou por comprar a loja do tal sócio, pondo-o para fora do
negócio. Comprava para as duas lojas, mas entregava as mercadorias
preferencialmente na que era só sua.
Dando prejuízos mês a mês, o sócio dele preferiu vender a baixo preço a sua parte ao senhor Júlio a continuar perdendo dinheiro. Logo “seu” Júlio conseguiu impressionar incautos com o seu sucesso e arranjar novos amigos sócios. Mudou o ramo para bares e restaurantes. Casou-se com a mulher de um comerciante de ramo diferente que o ajudou financeiramente para ajudá-lo, e, em decorrência, a própria filha. Em cerca de 30 anos de atividade neste tipo de negócio, conseguiu ter 35 casas no Rio de Janeiro, 22 em S. Paulo, 12 em Porto Alegre e 6 em Salvador. Perdeu todos os amigos sócios e os sócios amigos.
A vida dele era de mulheres e negócios. A mulher, nessa solidão de gaiola dourada, resolveu ser moderna. Exigiu e conseguiu a ajuda de “seu” Júlio para que lhe montasse uma pequena birosca para a venda de sucos de guaraná, pastéis e sanduíches. Em parte, porque seu Júlio mandou a mãe para dentro do apartamento deles para conviver com a mulher. A mãe, bronca, de aldeia, não podia dar certo na modernidade. Implicava com a nora sempre que entendia, e o filho tomava as suas dores. Seu Júlio fornecia tudo para a birosca da mulher, o que lhe garantia que jamais tivesse lucro e ela se tornasse competidora dele. Depois de alguns anos, ela largou o marido, os filhos e foi para Salvador, vendendo tudo o que tinha ao desbarato. Seu Júlio nunca mais ouviu falar da ex-esposa Ninguém mais ouviu falar. Ninguém se importa do que ela faz. Nem os filhos. Estes só sabem que um dia tiveram mãe. Talvez nem tenham foto dela.
Dando prejuízos mês a mês, o sócio dele preferiu vender a baixo preço a sua parte ao senhor Júlio a continuar perdendo dinheiro. Logo “seu” Júlio conseguiu impressionar incautos com o seu sucesso e arranjar novos amigos sócios. Mudou o ramo para bares e restaurantes. Casou-se com a mulher de um comerciante de ramo diferente que o ajudou financeiramente para ajudá-lo, e, em decorrência, a própria filha. Em cerca de 30 anos de atividade neste tipo de negócio, conseguiu ter 35 casas no Rio de Janeiro, 22 em S. Paulo, 12 em Porto Alegre e 6 em Salvador. Perdeu todos os amigos sócios e os sócios amigos.
A vida dele era de mulheres e negócios. A mulher, nessa solidão de gaiola dourada, resolveu ser moderna. Exigiu e conseguiu a ajuda de “seu” Júlio para que lhe montasse uma pequena birosca para a venda de sucos de guaraná, pastéis e sanduíches. Em parte, porque seu Júlio mandou a mãe para dentro do apartamento deles para conviver com a mulher. A mãe, bronca, de aldeia, não podia dar certo na modernidade. Implicava com a nora sempre que entendia, e o filho tomava as suas dores. Seu Júlio fornecia tudo para a birosca da mulher, o que lhe garantia que jamais tivesse lucro e ela se tornasse competidora dele. Depois de alguns anos, ela largou o marido, os filhos e foi para Salvador, vendendo tudo o que tinha ao desbarato. Seu Júlio nunca mais ouviu falar da ex-esposa Ninguém mais ouviu falar. Ninguém se importa do que ela faz. Nem os filhos. Estes só sabem que um dia tiveram mãe. Talvez nem tenham foto dela.
Seu Julio ainda está na
ativa, mas quem recebe o dinheiro nas lojas dos sócios que ainda tem – a
maioria das lojas é dele apenas - são os seguranças sempre acompanhados de um
contador que não conta histórias nem as quer ouvir: quando a conversa se
enrola, avançam e metem a mão na caixa do dia. Anda sempre com seguranças. Agora mesmo tem dois lá fora do Bar do Chopp
Grátis que certamente o carregarão para casa.
Hoje, depois de alguns Irish Coffees, seu Júlio acaba de entrar
numa situação de claro porre!
Pediu para que me sentasse a
seu lado e logo me passou a mão no ombro. Encostou a sua cabeça perto do meu
ombro e disse-me enquanto pegava o seu drink e lhe sorvia um generoso
gole, passando a língua nos lábios e dando uma gargalhada:
- Rá!... Passei a perna em
todos os sócios, mas eles pediam isso. Nunca me perguntavam como eu fazia
sucesso. Quando os convidava, eles tinham dinheiro, eu sabia dos negócios...
Rá!... Nem sabiam o que perguntar porque não entendiam do negócio! Queriam que eu os ajudasse a ficarem ricos!
Se lhes ensinasse as tramóias, iam fazer-me concorrência... E eu sou disso?
Mulher!... Mulheres há tantas e gostosas! Para quê ficar mantendo uma em casa
que só enche o saco e quer mais e mais e mais? Estou certo?
(Estava com o rosto bem de
frente para mim, o corpo torcido na cadeira para poder enfrentar o meu olhar e
tentar perceber se minha resposta seria verdadeira. Aquele sujeito era uma
velha raposa, precocemente velha, que jamais vivera uma vida de verdade, jamais
procurara instrução porque gente instruída não fica rica nem deixa que a
explorem... Respondi-lhe incorporando as minhas melhores convicções)
- Creio que sim, seu Júlio. Não entendo muito de negócios. Não tenho sócio e o que ganho no Chopp
Grátis mal dá para as despesas... Mas estou curioso como os enganava. Tem que
ser muito inteligente para enganar tantos...
Olhou-me procurando ver em
meus olhos, em minha expressão facial algum sintoma de que estaria tentando
extrair suco de pedra. Como não viu nada, continuou:
- Rá!... Você não é como
eles. Por isso vou te contar. Quando chego em alguém para convidar para sócio,
já sei que tem dinheiro. Ou roubou, ou ganhou por herança, não importa. Está
com o dinheiro e quer aplicar. Se não quiser aplicar, eu convenço levando essa
pessoa para ver as minhas lojas. Nelas, os meus sócios só podem cooperar comigo,
porque só os levo nas lojas em que eles estão ainda satisfeitos. Depois
abrimos o negócio. Já na montagem levo a minha parte ao contratar os
fornecedores de materiais, equipamentos e de mão de obra de execução. Ou seja,
minha parte no negócio já me sai quase de graça. Como eu forneço grande parte
dos produtos, a título de manter a qualidade, já lhes roubo parte do lucro porque
nesse fornecimento já levo o meu próprio.
(Pegou o copo e acabou com o
Irish Coffee. Pediu-me outro. Enquanto eu o preparava, continuou falando. O bar
estava vazio, os seguranças lá fora).
- Rá!... (que mania de falar
aquele Rá, irritante, como se estivesse expurgando demônios). Claro que logo
nos primeiros meses o movimento era muito grande. Sempre que eu podia, comprava
ou alugava uma loja nas imediações, e montava um negócio semelhante com outro
sócio, fazendo concorrência a mim mesmo e a esse... Parece complicado?
(olhou e não me viu a seu lado. Procurou pelo salão do bar até me encontrar
atrás do balcão).
- Rá!.. Ouviu? ... (-ouvi!
Respondi-lhe detrás do balcão)... Mas o melhor vem agora... Chega aí para
ouvir... (e acenou-me com o braço repetidamente chamando-me para a mesa)
Cheguei rápido. Irish Coffee
prepara-se rapidamente com o café já super aquecido
- Rá!... Com a concorrência,
o sócio via diminuir a freguesia e me pedia para comprar a sua parte. Se não
pedia, pedia-lhe eu... E assim a loja me saía de graça. Tudo lucro!... rá, rá,
rá... Se eu não arranjasse loja perto, começava a torrar o saco dos sócios
dizendo que aquilo era loja para dar muito mais lucros e que eles não estavam
gerindo bem. Depois de algumas discussões, ficavam irritados e vendiam-me a
parte deles.
Perguntei-lhe á queima roupa
para não lhe dar tempo para pensar:
- E quem toma conta das
lojas que passaram a ser só suas? Não tem medo de que o roubem?
- Rá... E eu sou trouxa,
para arranjar sarna para me coçar? Ou arranjo novos sócios ou passo as
lojas... Ainda hoje tenho lojas sendo passadas e lojas abrindo... Enquanto
houver trouxas, eu vou ganhando a minha grana. E olha... Já comi muita mulher
de sócio... Rárárárárá...
E ria a bandeiras
despregadas... Aquilo ali era um dejeto humano, uma excrescência da natureza,
filho de uma mãe que nunca deveria ter nascido, viveu nas crenças da nulidade e morreu rica
sem saber.
“Seu” Júlio, amparado por
seguranças que lhe dividiam as mulheres, saiu cambaleando do bar. Já na porta
gritou-me:
- Claro, que com você, seria
diferente... Um dia faremos um bom negócio. Pode escrever! (certamente tinha-se
dado conta da mancada de ter-me contado os seus segredos).
Chovia lá fora. Aproveitando-se
do fato de estar amparado por seguranças e estes estarem com as mãos ocupadas,
um carona de uma moto que se aproximara silenciosamente da portaria do Bar
disparou vários tiros usando silenciadores. Seu Júlio e os dois seguranças
caíram na calçada. Corri para o telefone e liguei para a polícia e para os
bombeiros. Não vi a placa da moto nem os rostos dos motoqueiros.
Não sei porque razão, mas não
pedi nada a Deus.
Rui Rodrigues
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