Paris
é uma saudade
Arlette
ainda é uma “buraliste” na França, nestes idos do começo dos anos 10’s. Mais
precisamente em Bout-du-Pont, uma pequena vila na estrada E-30 que liga
Toulouse a Bayonne, um pouco antes de chegar a “Pau” [i], quase em frente à estrada
que chega de Lurdes, o santuário cristão.
Os franceses-
e principalmente as francesas – sempre tiveram bom gosto. Bom gosto deve ser o
nome de um gene fantástico que ainda não descobrimos no genoma humano. Eles são
bons de nariz e preparam pratos fantásticos, fazem excelentes perfumes,
pintaram quadros fabulosos, ditam moda, as mulheres são doces e sensuais. No
tempo da corrida do Ouro para o Oeste dos EUA, muitas fizeram as delícias de
cowboys broncos dançando o can-can, eles sempre armados, e muitas delas, as dos “saloons” [ii], se fizeram passar por
francesas. Fizeram a Revolução francesa, mas falharam. Tentaram conquistar toda
a Europa incluindo a Rússia e falharam. Na primeira e na segunda grande guerras
foram invadidos facilmente, mas preservaram as suas obras de arte. Em termos bélicos
deixam a desejar, o que é perfeitamente compreensível. Quem ama a arte e a
beleza não pode ser a favor de guerra nem que seja para se defender. Narciso
passou por lá e se estabeleceu. Criou raízes, espalhou genes sobre os celtas e
criaram o povo Franco.
Buraliste
é o dono ou a dona de uma tabacaria, um quiosque onde se vendem cigarros,
cigarrilhas, charutos, isqueiros, artigos correlatos. Meu tio ainda não fuma e
meu pai nunca fumou e já nem poderia se quisesse. Faleceu de câncer com o
pulmão limpo. Eu morrerei de “não sei de quê”, a doença que mais promete matar
neste planeta. As dificuldades para a manutenção de tabacarias foi tão grande
em todo mundo, com impostos altos sobre o tabaco, que a maioria fechou. Arlette, a moça da ultima tabacaria de Bout-du-Pont já
sofreu pressão por gente à mão armada para fechar a tabacaria, já lhe jogaram
spray de pimenta nos olhos. Se os impostos sobre as drogas fossem tão altos,
não haveria tantas drogas à disposição no mercado. Se dissessem que existe uma
guerra entre o tráfico de drogas e os fumantes para que estes passem a tomar
drogas em vez de fumar, eu acreditaria. E teria que acreditar que as leis de
aumento de impostos sobre o tabaco foram votadas por simpatizantes de quem
promove o uso de drogas e para isso precisa restringir o uso do tabaco.
Já pedi em
tabacarias muitos maços de 3-20’s em Lisboa, português suave, CT, LG, em Paris,
os Gauloises – tabaco mata-rato sem filtro – Camel e Marlboro nos USA, Chesterfield,
Flying Dutchman quando fumava cachimbo, Lucky Strike, Pall Mall, Raleigh e “Craven
A” que Titá, ou Maria de Lurdes, a mãe de um amigo me disponibilizava de vez em
quando, sempre que os meus acabavam, lá em Lisboa. Continental, Minister, LM e outros no Brasil. Hoje vejo crack pelas ruas,
cheiram-se fileiras de cocaína em escritórios, repartições públicas, festas. Encontram-se
seringas descartáveis jogadas em canteiros de flores. A “luta” contra as drogas
não é uma luta. Parece mais uma conivência.
Festas... O
que Ernest Hemingway estaria querendo dizer quando lançou o livro “Paris é uma
festa”? Certo... Ele suicidou-se, mas
não foi pelas festas de Paris, nem pelos dias passados em Everglades e não
tinha nada a haver com o hábito de fumar. Fumar hoje é um ato inibido e tímido,
secreto, não compartilhado, segregado, um ato solitário praticado em casa. Há
muita gente que nem sai para as festas: Não usam crack nem outras drogas.
Simplesmente parece “feio” fumar a céu aberto na frente de tanta gente drogada.
Mas
naqueles tempos em que o futuro presidente da república dos EUA, Ronald Reagan,
ainda fazia saudáveis e descontraídas propagandas de cigarros, apanhei um comboio
na Estação de Santa Apolônia, em Lisboa, uma santa de quem sempre ouvi falar
por causa da Estação de trens, mas que nunca soube por que foi santa. Ainda há
cerca de dez milhões de portugueses por lá, dentro das fronteiras, mas acredito
que se houver uns vinte que saibam quem foi a Santa Apolônia (deve ter sido uma
mártir no tempo do Império romano que morreu sem nunca ter fumado), sou capaz
de ganhar a aposta. Aos Estados nunca importa de que se morre realmente.
Importa que se morra depois da idade de pagar todos os impostos e ter que
vender parte do patrimônio para poder pagar os impostos do que lhe restou.
Por
isso, morrer de tabaco ou de cocaína ou crack dá no mesmo, mas as drogas rendem
muito mais do que o tabaco. O custo das doenças decorrentes é o mesmo. Creio
até que os estados gastam mais com doenças provenientes de drogas do que com doenças
provenientes do tabaco. Alcoolismo mata muito mais... Gases
dos escapamentos de motores de aviões, automóveis, barcos barcaças e embarcações
muito mais ainda...
Mas
naqueles tempos apanhei o trem, ainda a vapor, dos últimos, e lá fui para
Paris.
Depois,
com uma fumante americana inveterada, que conheci nas minhas andanças pela
cidade, talvez tenha sido no Jardim das Tulherias, no Louvre, ou em Montmartre,
fiz uma viagem até Bayonne só para acompanhá-la. Foi a primeira vez que vi uma vagina
fumar por conta de sua habilidade no pompoarismo.
Com um programa daqueles nem
me passou pela cabeça passar em Lurdes para ver como era o santuário. Só não
casei com ela porque naquela oportunidade eu ainda pensava que se ela fazia
isso comigo era porque tinha muita experiência e quanto mais virgem fosse uma
mulher, mais fiel ela seria. Já conheci muita gente que quebrou a cara por
causa desse lamentável pensamento. Homem (e mulher) sempre pegamos quem estamos
afim, tudo dependendo de engenho e arte. O resto arranja-se. Então, na volta
paramos em Pau [iii].
Paramos numa tabacaria. Compramos alguns pacotes de cigarros e colhemos informações
sobre a cidade, lugares, restaurantes. Havia uma moça linda e simpática na
tabacaria. Seria Arlette? Não sei dizer, mas é bem possível que fosse. Nessa
época, 1961, os franceses eram muito atenciosos, simpáticos e sorriam muito
para turistas, principalmente se fossem americanos. Depois se socializaram sem
entenderem muito bem o que isso significa. Talvez achem que seja uma recaída da
queda da Bastilha, mas com tanta gente que leva uma vida de Maria Antonieta e
seu rei também guilhotinado, é bem possível que estejam dando uma interpretação
diferente para o que possa ser “socialismo”, mas algo bem diferente do “semculotismo”
[iv]. Depois de informados, fomos
até um barzinho. Tomamos vinho acompanhado de tira-gostos [v] e fomos para a cama do
hotel com duas garrafas mais de vinho. Dormimos o resto do dia a caminho de
Paris, de óculos escuros. Imaginei se um dia aguentaria sete noites por semana
quando casado passando a noite toda transando. E se a mulher gostasse assim? Ou
ela me trocava por outros ou teria que dar no couro todos os dias a 100 por
cento de eficiência. Eu não casaria.
Não sei se
a americana algum dia se casou, e muito menos se contou para o marido sua
aventura em Paris. Quando a conheci me disse que estava passando férias, mas
que tinha que ir a Bayonne para receber um envelope que tinham deixado para ela
num escritório. Não fiz mais perguntas por que nosso caso era só “um caso” e
não saber da vida um do outro. Agradeci a satisfação de me dizer por que ia a Bayonne
e que não achava justo me pagar as passagens. Declinei de receber. Seria um prazer
ir com ela. Em Bayonne me largou por uma meia hora numa praça. Voltou com o
envelope e meu cérebro computou isso. Assunto fechado, ela falava a verdade.
Quando chegamos a Paris, na volta, nosso romance de quatro dias terminava ali,
no aeroporto. Disse-me que teria de viajar para Londres. Levei-a até o
aeroporto de Orly porque eu ainda ficaria por lá um par de dias. Demos os últimos
beijos. Pensamos em transar ali mesmo, mas nenhum de nós estava preparado para
o vexame de sermos descobertos e levados às autoridades francesas. Eles eram
muito chatos, cricris, não pediam propina e eram tremendamente inquisitivos.
Depois nos passavam uma multa que éramos obrigados a mostrar na fase de
apresentação de documentos na fiscalização ao sair do país. Ela embarcou.
Na saída,
ao passar por uma banca de livros e jornais, comprei um livro: “O espião que
saiu do Frio”, do John Le Carré. Foi então que associei a ida a Bayonne, o
envelope e minha linda americana morena. Seria ela uma espiã que me tinha usado
para disfarçar sua estadia em Paris? Se for, estou louco para voltar a conhecer
uma espiã americana ou russa, que passe aqui pelo Rio de Janeiro e que tenha um
envelope para receber em Cabo Frio. Se isso algum dia acontecer, será em sonho,
porque minha idade só permite sexo de alguns minutos. Depois toca a dormir. E
só no dia seguinte se engatilha a arma para disparar outra vez. Com muita sorte
dispara-se duas vezes no mesmo dia, mas antes temos que ir à praia, almoçar e
tirar uma sesta...
Paris é
uma saudade e só resta uma tabacaria em Cabo frio. Há bairros recheados de
drogas, possivelmente sem crackaria ou sem “drogaliste” onde possa haver uma
linda e simpática moça para nos atender. Quase todos os restaurantes têm vinho
que poucos pedem. Moças bonitas, isso até há... Todas de carne e osso
pensando um dia poder ir a Paris. Quando a moda era consumir cigarros, fumava-se. Agora a moda é outra.
® Rui
Rodrigues
[i] Pronuncia-se
“Pô”
[ii] Já
naquela época se fazia o “ménage a trois” e até a “quatre”. Havia cowboy bimba usando
colt 48 e cowgirl que calçava 45, e atirava como ninguém, como Calamity Jane,
que usava botas, vestia calças, coçava o saco e cuspia tabaco mascado.
[iii]
Como já disse antes se lê Pô...
[iv] A
Revolução francesa que pregava “liberdade, igualdade, fraternidade” foi
iniciada pelos “sem culotes”, ou seja, sem uma peça de vestuário que se usava
por cima das calças e que era coisa de gente rica. Os sem culotes eram gentes
pobres, como nos dias de hoje, gente caipira, da roça, que reclamavam pão. A rainha
teria dito para comerem brioches, bem mais caros. É claro que logo no dia seguinte á revolução, retirado
o rei do trono, o poder ficou vago e não foi o povo que tomou o poder. Eles
continuaram séculos “sem culotes”. Agora que já têm culotes vai ser difícil a
liberdade, igualdade e fraternidade para todos. Pararam de reclamar isso. Agora
uns são ricos e outros fingem alegres que são. Bom exemplo para toda a humanidade.
[v]
Tira-gosto – nome ridículo de coisas gostosas cujo gosto sempre queremos
preservar por ser muito saboroso, gostoso. Melhor seria chamar de “guarda-gosto”.