O desejo, a sedução, o amor, o sexo e a
frustração.
Foi exatamente nesta ordem
que os primeiros Adões conheceram suas Evas.
Conheceram-nas bem.
Reuniram-se os Adões e escreveram livros. Elas deveriam ser caladas para todo o
sempre porque confundiam a todos.
Ninguém sabia quem era o pai de qual filho. Quando não queriam ser copuladas,
gritavam. O chefe da tribo acudia e espantava os intrusos. Quanto o chefe da
tribo ficava velho e fraco, outro lhe sucedia. As mulheres eram guardadas e
protegidas para copular e abusar. As que não gritavam eram tomadas por todos.
As que gritavam, ganhavam o direito de terem um protetor. Isso não as impedia
de continuarem copulando com invasores do lar. Ainda é assim entre os colobos. Sempre
ativos, e sem problemas com TPM, os machos de então estavam sempre dispostos
para o sexo. As fêmeas somente quando estavam fora do ciclo da TPM. Esta
alternância de disponibilidade e defeso liberaria o homem para cada instante em
toda a vida, e a mulher para quem quisesse quando estivesse fértil.
Os homens de então não
tinham a mínima idéia de quando as mulheres ficariam férteis, mas elas sabiam.
Assim, as mulheres passaram a escolher, os homens a serem escolhidos, até se
escreverem as leis, em livros, que mudariam toda a natureza dos seres humanos:
quem não obedecesse às leis iria viver com os seus primos, os primatas. Ninguém
queria isso. A maioria aderiu às Leis, ou seja, à religião, num tempo em que os
reis eram religiosos, e depois, mais tarde, quando os reis eram ungidos por
religiosos. Uma outra parte continua atéia como nos dias de hoje.
As mulheres escolhiam os
homens com os quais deveriam copular, porque lhes dariam filhos fortes,
saudáveis, espertos, inteligentes, bonitos, saudáveis... Quem assim escolhesse,
garantiria seus genes para todo o sempre. Não era uma opção consciente, e ainda
não é, mas o amante é sempre a dose de esperteza de que a descendência
necessita para atravessar os ventos da história. Mesmo usando ou não camisinha
protetora de nascimento de inocentes, essa é a função do amante. O amante é
tudo o que o marido, que dá conforto e segurança, não dá à mulher. Se o marido
fosse diferente, seria um amante. Por isso muitos maridos se transformam em
amantes de outras mulheres. Alguns fundaram haréns.
Afonso Andrade esperava
Fátima Fontes para um jantar íntimo. Muitos milênios se haviam passado desde a
época em que Adões e Evas palmilhavam o paraíso, uma área tão vasta, que
qualquer família antiga ou recém formada, caminhando em qualquer direção,
encontrava outro paraíso onde se colhia mel, leite, maná, frutas, tâmaras, sem
ter que pagar tributo a ninguém. Quando se começou a pagar tributos, o paraíso
acabou! Afonso mostraria o paraíso a Fátima. Era a sua parte do processo da
sedução. A contribuição dela nesse parto da sedução para o amor tinha sido o
olhar. Aquele fixar de olhos nos olhos, as sobrancelhas levantadas, as íris dos
olhos dilatadas, a mão dela nos cabelos afastando-os. Mãos nervosas, lábios em
assimetria quando falavam, a pele do pescoço eriçada, os peitos projetados. A
contribuição dele era apenas o interesse nela. Ela o escolheria ou o
rejeitaria. Afonso conhecia esta faceta da sedução desde garoto. Fátima não
sabia disto. Ela achava que Afonso a queria e sabia também que “o” queria. Mas
ainda teria que decidir para “que” o queria.
Enquanto Afonso esperava
apenas um “sim” definitivo dela, Fátima queria sentir que era a “única” para
ele, porque o que ela desejava era a segurança de um longo tempo de
convivência: A Eternidade se possível. Afonso, por sua vez, conhecia a Lei dos
Homens: E se ela o traísse? A Lei o favorecia no passado. Quando inventaram a
lei da livre imposição dos cintos de castidade, todos bateram palmas íntimas.
Seria impossível a traição feminina. Quando descobriram que se podiam fazer chaves
duplas, perder línguas e pênis cortados por lâminas atrozes plantadas nesses
castiços cintos, mudaram os métodos, mas nada conseguiu pôr fim a uma decisão
puramente humana: a quem dar, entregar, seu corpo, seu amor, seu desejo. O que
fazer, não depende de aspecto moral, mas de coragem para que se faça o que se
deseja, se se quer, se se anseia. Hoje, Afonso não tinha ilusões. Tudo seria
como viesse a ser e não como desejava que fosse. O problema era porque razão desejava uma
mulher só para si... Fato que era compartimentado por Fátima, que não via na
fidelidade prática nada mais do que um cumprimento das escrituras transformadas
em leis, mas leis que não tinham o ADN da natureza. Se tivessem, não
existiriam. A natureza é pela diversidade, pela mistura, pelas
pluriparticularidades.
Esperando Fátima,
preparou-lhe um jantar divino, pôs mesa farta, vinho, pão, guardanapos,
talheres de aço inox. Flores em taças altas, guardanapos de linho, Copos de
cristal. No equipamento de som, Dvorak, sinfonia numero 9. No ramo de flores do
campo que ornavam a mesa, gotas de água. Não era um toque feminino de Afonso.
Era apenas a consciência de Afonso sobre tudo o que sabia que Fátima gostava.
Fazia o que ela gostava. E como ela amava uma boa picanha, preparou uma assada
no forno apenas com sal e fez uma boa farofa com arroz e batatas fritas. Uma
garrafa de carmenére a 19 graus sobre a mesa, envolta ainda em gelo, do qual
tirava a garrafa de vez em quando esperando Fátima e mantendo a temperatura. O
acompanhamento, além da salada farta de ingredientes muito bem decorados, seria
escolhido por ela. Havia profitelores na geladeira e chocolate pronto para ser
aquecido e derramado sobre eles. Café quente recém coado. Sobre a mesa, flores
do campo. Licor Amaretto.
Olhou o apartamento ao redor
e viu que sua obra era perfeita. E era a sétima hora. Na oitava descansaria nos
braços de sua amada. A cama estava pronta como sempre estivera. Ela gostara.
O tempo passou e as velas em
copos cilíndricos baixos, de cristal, foram se apagando... Depois telefonou
para Fátima. O telefone não atendeu.
Quando as velas se apagaram,
Fátima ligou. Estava bem, mas tivera uma indisposição. Estava em casa. Sua mãe
mandava beijos para Afonso. Não fora isso o que a mãe de Fátima lhe dissera
quando ligou perguntando por ela.
A partir desse dia, Fátima
seria a outra se o quisesse. Procuraria uma nova Fátima, de preferência com nome,
corpo, rosto e pensamentos diferentes. Por vezes, quem sabe, muitas vezes,
encontramos o que queremos mas não sabemos identificar o que queremos.
Perdemo-nos nas imensas oportunidades da vida que esta nos oferece. Então
fazemos um verso, compormos uma música e nos surgem canções lindas como “garota
de Ipanema...” Há muitas garotas de Ipanema em qualquer bairro do mundo.
Rui Rodrigues.
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