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quarta-feira, 4 de julho de 2012

O desejo, a sedução, o amor, o sexo e a frustração.




O desejo, a sedução, o amor, o sexo e a frustração.

Foi exatamente nesta ordem que os primeiros Adões conheceram suas Evas.

Conheceram-nas bem. Reuniram-se os Adões e escreveram livros. Elas deveriam ser caladas para todo o sempre porque  confundiam a todos. Ninguém sabia quem era o pai de qual filho. Quando não queriam ser copuladas, gritavam. O chefe da tribo acudia e espantava os intrusos. Quanto o chefe da tribo ficava velho e fraco, outro lhe sucedia. As mulheres eram guardadas e protegidas para copular e abusar. As que não gritavam eram tomadas por todos. As que gritavam, ganhavam o direito de terem um protetor. Isso não as impedia de continuarem copulando com invasores do lar. Ainda é assim entre os colobos. Sempre ativos, e sem problemas com TPM, os machos de então estavam sempre dispostos para o sexo. As fêmeas somente quando estavam fora do ciclo da TPM. Esta alternância de disponibilidade e defeso liberaria o homem para cada instante em toda a vida, e a mulher para quem quisesse quando estivesse fértil.

Os homens de então não tinham a mínima idéia de quando as mulheres ficariam férteis, mas elas sabiam. Assim, as mulheres passaram a escolher, os homens a serem escolhidos, até se escreverem as leis, em livros, que mudariam toda a natureza dos seres humanos: quem não obedecesse às leis iria viver com os seus primos, os primatas. Ninguém queria isso. A maioria aderiu às Leis, ou seja, à religião, num tempo em que os reis eram religiosos, e depois, mais tarde, quando os reis eram ungidos por religiosos. Uma outra parte continua atéia como nos dias de hoje.

As mulheres escolhiam os homens com os quais deveriam copular, porque lhes dariam filhos fortes, saudáveis, espertos, inteligentes, bonitos, saudáveis... Quem assim escolhesse, garantiria seus genes para todo o sempre. Não era uma opção consciente, e ainda não é, mas o amante é sempre a dose de esperteza de que a descendência necessita para atravessar os ventos da história. Mesmo usando ou não camisinha protetora de nascimento de inocentes, essa é a função do amante. O amante é tudo o que o marido, que dá conforto e segurança, não dá à mulher. Se o marido fosse diferente, seria um amante. Por isso muitos maridos se transformam em amantes de outras mulheres. Alguns fundaram haréns.

Afonso Andrade esperava Fátima Fontes para um jantar íntimo. Muitos milênios se haviam passado desde a época em que Adões e Evas palmilhavam o paraíso, uma área tão vasta, que qualquer família antiga ou recém formada, caminhando em qualquer direção, encontrava outro paraíso onde se colhia mel, leite, maná, frutas, tâmaras, sem ter que pagar tributo a ninguém. Quando se começou a pagar tributos, o paraíso acabou! Afonso mostraria o paraíso a Fátima. Era a sua parte do processo da sedução. A contribuição dela nesse parto da sedução para o amor tinha sido o olhar. Aquele fixar de olhos nos olhos, as sobrancelhas levantadas, as íris dos olhos dilatadas, a mão dela nos cabelos afastando-os. Mãos nervosas, lábios em assimetria quando falavam, a pele do pescoço eriçada, os peitos projetados. A contribuição dele era apenas o interesse nela. Ela o escolheria ou o rejeitaria. Afonso conhecia esta faceta da sedução desde garoto. Fátima não sabia disto. Ela achava que Afonso a queria e sabia também que “o” queria. Mas ainda teria que decidir para “que” o queria.

Enquanto Afonso esperava apenas um “sim” definitivo dela, Fátima queria sentir que era a “única” para ele, porque o que ela desejava era a segurança de um longo tempo de convivência: A Eternidade se possível. Afonso, por sua vez, conhecia a Lei dos Homens: E se ela o traísse? A Lei o favorecia no passado. Quando inventaram a lei da livre imposição dos cintos de castidade, todos bateram palmas íntimas. Seria impossível a traição feminina. Quando descobriram que se podiam fazer chaves duplas, perder línguas e pênis cortados por lâminas atrozes plantadas nesses castiços cintos, mudaram os métodos, mas nada conseguiu pôr fim a uma decisão puramente humana: a quem dar, entregar, seu corpo, seu amor, seu desejo. O que fazer, não depende de aspecto moral, mas de coragem para que se faça o que se deseja, se se quer, se se anseia. Hoje, Afonso não tinha ilusões. Tudo seria como viesse a ser e não como desejava que fosse.  O problema era porque razão desejava uma mulher só para si... Fato que era compartimentado por Fátima, que não via na fidelidade prática nada mais do que um cumprimento das escrituras transformadas em leis, mas leis que não tinham o ADN da natureza. Se tivessem, não existiriam. A natureza é pela diversidade, pela mistura, pelas pluriparticularidades.

Esperando Fátima, preparou-lhe um jantar divino, pôs mesa farta, vinho, pão, guardanapos, talheres de aço inox. Flores em taças altas, guardanapos de linho, Copos de cristal. No equipamento de som, Dvorak, sinfonia numero 9. No ramo de flores do campo que ornavam a mesa, gotas de água. Não era um toque feminino de Afonso. Era apenas a consciência de Afonso sobre tudo o que sabia que Fátima gostava. Fazia o que ela gostava. E como ela amava uma boa picanha, preparou uma assada no forno apenas com sal e fez uma boa farofa com arroz e batatas fritas. Uma garrafa de carmenére a 19 graus sobre a mesa, envolta ainda em gelo, do qual tirava a garrafa de vez em quando esperando Fátima e mantendo a temperatura. O acompanhamento, além da salada farta de ingredientes muito bem decorados, seria escolhido por ela. Havia profitelores na geladeira e chocolate pronto para ser aquecido e derramado sobre eles. Café quente recém coado. Sobre a mesa, flores do campo. Licor  Amaretto.

Olhou o apartamento ao redor e viu que sua obra era perfeita. E era a sétima hora. Na oitava descansaria nos braços de sua amada. A cama estava pronta como sempre estivera. Ela gostara.

O tempo passou e as velas em copos cilíndricos baixos, de cristal, foram se apagando... Depois telefonou para Fátima. O telefone não atendeu.

Quando as velas se apagaram, Fátima ligou. Estava bem, mas tivera uma indisposição. Estava em casa. Sua mãe mandava beijos para Afonso. Não fora isso o que a mãe de Fátima lhe dissera quando ligou perguntando por ela.

A partir desse dia, Fátima seria a outra se o quisesse. Procuraria uma nova Fátima, de preferência com nome, corpo, rosto e pensamentos diferentes. Por vezes, quem sabe, muitas vezes, encontramos o que queremos mas não sabemos identificar o que queremos. Perdemo-nos nas imensas oportunidades da vida que esta nos oferece. Então fazemos um verso, compormos uma música e nos surgem canções lindas como “garota de Ipanema...” Há muitas garotas de Ipanema em qualquer bairro do mundo.    


Rui Rodrigues.

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