A
realidade não nos assusta.
Um dia
destes minha netinha de quatro anos pediu à mãe que passasse filmes de terror.
Minha filha comentou comigo talvez, pensei eu, esperando que eu fizesse algum
comentário. Disse-lhe que isso era muito bom, porque mostrava da parte de Maya,
a minha netinha, que estava preparada para o “terror”, e nada amedronta mais do
que o terror de histórias, revistas e filmes, quando estamos seguros em nosso
meio. Pedir para ver filmes de terror é um modo de fortalecer o ego, pondo-se à
prova do que mais nos mete medo: O terror! Associei este pedido a uma gravação
que minha filha fez dela quando há apenas alguns meses minha neta tinha deixado
de engatinhar. Deveria ter um ano e poucos meses. Caminhando da sala para o
quarto da mãe bateu com a cabeça na porta, de forma tão forte, que caiu. Em vez
de chorar, riu a bandeiras despregadas. Está gravado em filme. Tenho uma neta
valente querendo preparar-se para o futuro. Será uma mulher valente. Aliás, na
família todos somos.
Nós, em nosso
mundo, todos somos valentes em princípio. Não fosse assim e não haveria
exércitos. Não fosse assim e haveria mais desertores do que soldados
convocados, mas sempre uns de nós somos mais valentes do que outros, e dentre
estes, há sempre os valentes “cegos” que lutam por qualquer motivo e os
valentes que sabem por que lutam. E não podemos esquecer os que lutam
enganados: Pensam que lutam por uma causa comum que lhes convém, e na verdade
lutam por algo muito diferente. Há ainda quem não se assuste com absolutamente
nada, embora não chegue a ser valente, mas tenha um leve temor pelo desconhecido,
embora enfrente os fatos, assim como há os destemidos que não importa qual seja
o resultado, enfrentam os problemas de peito mais ou menos aberto, desde
desprevenidos por completo, até os de peito aberto e escancarado. Sempre uma
mistura do “eu” próprio do indivíduo, da tradição familiar, do meio em que se
envolve. São as três forças da vida que definem a vida de cada um de nós.
Sendo isto
uma verdade, é a velhice que mais nos torna conscientes do terror, do medo,
porém possuidores de “armas” experientes que nos mostram o caminho para vencer toda
essa problemática da realidade em que se vive desde que viemos a este mundo, um
mundo curioso onde o que mais existem são os perigos. E mais curioso ainda como
podemos conviver com eles e enfrentar o mais difícil de todos: A passagem
escura que nos leva para outro mundo qualquer, desconhecido. É bem verdade que
quando viemos também nos surpreendemos com este. Não nos lembramos, por que
seria doloroso e nossa natureza nos proíbe o acesso às lembranças da mais tenra
infância. O máximo até onde podemos ir para trás no tempo não passa geralmente
dos dois anos de idade e daí até a velhice vai um longo caminho de sobressaltos,
e estaremos tão mais felizes quanto mais perigos tivermos enfrentado e vencido.
Talvez por
isso minha netinha querida tenha pedido à mãe para ver “filmes de terror”. Será
o inconsciente coletivo da humanidade trazido à tona pelo comentário de alguém
a quem ela escutou falar sobre o assunto, pode ser o seu próprio consciente
querendo preparar-se rapidamente para o futuro. A juventude tem pressa e
talvez, apenas talvez, lá no fundo, no mais profundo de seu inconsciente, saiba
que fomos nós os responsáveis pela construção deste mundo altamente
competitivo, e que, em assim sendo, não podem contar muito conosco, e embora não
sejamos uma causa perdida, não parecemos ser bons conselheiros.
Deixemos que a juventude fale e aja. Ela sabe o que quer ainda que nos pareça um absurdo. Sem medo da realidade, que como sabemos, não nos assusta.
® Rui
Rodrigues