Ma’at e a existência humana.
Religião e política nasceram
dos mesmos conceitos que resumem as necessidades humanas mais prementes: Ordem
e justiça. Sem estes dois conceitos, seríamos como aves em galinheiro, manadas
nas pradarias, cardumes nos mares. Vaguearíamos pela terra, pelas águas, em
busca de comida sem a mínima noção do mundo que nos cerca e de como viver para
fazermos algo mais do que comer, dormir, mover-nos reproduzir-nos e morrer. Somos
mais do que isso, muito mais, e até na ordem e na justiça é necessário haver
ordem e justiça. Muitos dos que governam o mundo interpretam a justiça de forma
injusta na mais perfeita desordem. Não conhecem o conceito de Ma’at e se
conhecem, não lhes interessa aplicá-lo. Formam partidos políticos no dia de
hoje para se aproveitarem dessa desordem, dessa injustiça. Mas o mundo costuma
fazer justiça aqui no planeta, para aliviar o trabalho dos juizes que guardam as portas do paraíso, lá em cima, não se sabe onde, num ugar chamado céu que não sabemos como é nem onde fica. Cada religião imagina este lugar paradisíaco a seu modo.
Um dos reis mais antigos do
antigo Egito chamou a si mesmo de “Senhor de Ma’at” e alegou ter concebido
Ma’at em seu coração e a promulgado com sua boca. O significado de Ma’at, para
esse rei egípcio, que durou por bastante tempo, era o de ser uma “base”, tal
como a base de um trono, por extrema necessidade do Estado Egípcio em evolução
política, religiosa, com altos índices de natalidade. Além do mais, eram vários
os povos que habitavam a região, tornando a sociedade complexa, com interesses
conflitantes que era necessário controlar através de um código de leis. Não
demorou muito para que este conceito, no fundo um código de leis, se
transformasse em algo muito mais amplo e importante: A palavra passou a ser
usada como um principio de ordem que regulava todos os aspectos da existência.
Para podermos entender
melhor este princípio, basta analisar o modo de vida japonês, a ordem e a
justiça que se notam nos princípios do povo, em sua participação como cidadãos,
nos arranjos florais, no asseio, na apresentação da comida, na harmonia em
todos os detalhes da vida, e, principalmente, na época dos samurais e ainda
hoje, o alto conceito de honra que leva alguns a cometerem o sepukku ou
hariquiri, um modo de suicídio efetuado a sós ou acompanhado de um ajudante que
deverá decepar a cabeça do suicida após ter entranhado a espada até os
intestinos, revolvendo-a para dilacerar os órgãos internos. A vida no antigo
Egito era ordenada por Ma’at aplicada em todos os aspectos, inclusivamente na
administração pública, sem o extremismo do suicido por “pecado” de honra dos japoneses da época feudal, milênios depois.
Foi na mais perfeita Ma’at
que os egípcios construíram as pirâmides, os monumentos, criaram exércitos,
levaram a administração até terras longínquas como o Líbano e o Sudão. Ma’at
agora explicava o próprio cosmos, o equilíbrio do Universo, a coesão dos
elementos, as estações do ano, o movimento dos corpos celestes e em particular
o diurno do Sol. Este conceito estendia-se ao culto dos sacerdotes, ás
obrigações pessoais de cada um e principalmente à correção, à honestidade e à
sinceridade nas relações pessoais.
Hoje, provavelmente, seria
julgado como um povo “ingênuo” por muitos outros povos deste planeta.
No pensamento egípcio a
natureza e a sociedade eram os dois lados de uma mesma realidade. Tudo o que
fosse harmonioso e regular em qualquer um dos lados era considerado Ma’at. Os
próprios deuses eram Ma’at, ao contrário de todos os outros, sem exceção, que
exigiam sacrifícios inclusivamente de seres humanos, mas, como há sempre o
fator de conveniência para agradar a “gregos e troianos”, era permitido que
faraós – considerados descendentes dos deuses – fossem acompanhados em sua
viagem para o além, de todos os seus servos e servidores preferidos, os quais
eram mortos caridosamente com venenos e enterrados no monumento fúnebre do
faraó para que o pudessem servir no futuro. Animais de estimação sofriam o
mesmo processo e eram igualmente embalsamados.
Assim, um dia imaginaram que
o demiurgo, autor do Universo, da natureza e da vida, havia criado o universo
fazendo aparecer o homem num outeiro primordial, banhado por água, exatamente
em terras banhadas pelo Nilo.
É inegável a influência da
religião egípcia em toda a região do Norte de África e do Oriente Médio, mas
como por lá prevaleciam deuses guerreiros, criados para a conquista de
territórios, estes prevaleceram sobre os deuses egípcios.
Ma’at nunca chegou às
civilizações ocidentais nem às Américas.
Nem ao Brasil!
Talvez um dia... Quem sabe?...
Mas já estamos atrasados em cerca de 6.000 anos...
Rui Rodrigues