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quarta-feira, 26 de novembro de 2014

O jogo de ser Humano.

O Jogo de ser Humano




Crianças de dezenas de milhares de anos atrás nas pradarias do Norte da América e Europa não assistiam a jogos de futebol em enormes estádios iluminados. Divertiam-se vendo de longe a luta de bisões, de ursos, os animais da pradaria, pela posse de suas fêmeas. Lutas mortais. Também eles brigavam entre si, normalmente por defeitos expostos de moralidade. Cada tribo tinha um conselho de anciãos para julgar os casos e não raro os culpados eram punidos com a morte. Em tempos de paz faziam jogos para se divertirem e a cada jogo deveria haver um vencedor. Não era diferente de seus congêneres do sul do Continente americano e nem sabiam da existência deles. Também não sabiam da existência de um mar imenso que suas pirogas feitas de varas de madeira, cobertas com peles de animais, jamais poderiam atravessar, e muito menos sabiam que havia outras terras, para lá do primeiro mar, onde pessoas e crianças tinham exatamente estes mesmos hábitos, de observar os animais, caçá-los, jogar buscando a vitória, punir os culpados por atos ilícitos segundo sua moralidade. E muito menos sabiam que passado o primeiro mar, e o outro continente, havia mais um mar que, atravessado, os levaria de volta a casa, às suas pradarias. Um longo e extenso caminho por mar e terra, onde encontrariam gentes semelhantes, vestidos de formas diferentes, usando utensílios semelhantes, hábitos parecidos, mas onde todos jogavam, com maior ou menor seriedade, e aplicavam o jogo da morte como punição aos apanhados em erros inadmissíveis.



Perceberiam que a vida é um jogo? Não se pode afirmar. Os homens das naus e caravelas que um dia chegaram lá aos milhares, não tinham feito o jogo da vida para atravessar esses mares? Certamente que sim. Sabiam dos perigos de atravessar os mares sem fim, onde havia monstros terríveis, ventos impiedosos, tempestades mortais, mas se conseguissem sobreviver poderiam viver o resto de suas vidas sem trabalhar, vivendo dos rendimentos auferidos, proporcionais aos riscos enfrentados. A vida tinha um valor que se estendia da riqueza à morte em todos os seus melhores e piores tons. A vida um jogo e um prêmio: Riqueza para os vencedores, a morte para os perdedores. Não poderia ser diferente?



Esses mares já foram atravessados. As naus e caravelas modo geral chegaram sempre a bom porto, os monstros foram vencidos, as tempestades aplacadas, os ventos dominados. O jogo não. Por aquelas épocas, desde dezenas de milhares de anos atrás, passando pelas centenas de anos em que naus e caravelas atravessaram os oceanos de água ou caravanas atravessaram os de areia, até nossos dias recentes de um par de dezenas de anos, as nações da terra não eram tão densamente povoadas. Os aspectos morais do comportamento humano eram resolvidos por conselhos de anciãos e havia pequenos exércitos de homens armados para garantir a ordem, mas recentemente algo mudou o equilíbrio no jogo da vida: As nações da Terra tornaram-se super povoadas, bisões e ursos e animais das pradarias quase foram extintos, e em seu lugar surgiram enormes plantações de alimentos para sustentar tão tremendas quantidades de roedores humanos. Chegamos a um ponto de necessitarmos abrir mão de nossas noções de nojo e passarmos a roer insetos devidamente apresentados com arte em tragáveis pratos decorados. Esse senso humano de jogar buscando recompensa que tanto pode ser premiada com a riqueza ou alimentos, ou castigada com a morte, perdura sempre. Esse jogo sempre será jogado, ainda que seja decorado e apresentado com roupas interessantes e adequadas, sorrisos, arautos, shows de artistas ou armas que se inventaram para mais facilmente se garantir a vitória nesse jogo da vida. Desenvolveram a ciência para poderem descobrir novas armas mais eficientes e potentes, e para curar de doenças as populações necessárias para usarem essas armas. O jogo da vida foi-se tornando cada vez mais letal, porém mais saudável aos corpos ansiosos por jogar esse jogo. Crianças que hoje não têm a oportunidade de ver bisões e ursos, ou leões e hienas disputarem seus jogos pela vida, aprendem a jogar em competições infantis esportivas ou em simples jogos de cabra-cega, relativamente fáceis, até os mais complicados de futebol, artes marciais viagens espaciais, jogos de guerra. A diversão do dia a dia é fingir que não se tratam de jogos de vida, e apregoar a paz, a bondade, o seguimento de leis morais ou religiosas. Os fiéis às leis e á religião têm suas compensações morais, dormem relativamente tranqüilos, muitas vezes com fome, com falta de instrução, de serviços públicos, mas sem riquezas mensuráveis. Os que fazem as leis e as fazem cumprir, dormem relativamente tranqüilos porque estão, também relativamente, protegidos pelas leis e pelos exércitos com as armas inventadas sob a égide do jogo da vida. Comunidades unidas são mais fortes. O que as une? Traços fisiológicos, aspectos legais e religiosos, o medo de jogar o jogo da vida, a vontade de vencê-lo, uma pintura multicolorida de outros fatores, mas sempre o jogo da vida. O maior problema que parece quebrar este sistema até agora relativamente controlável foi o crescimento populacional.



As planícies foram invadidas, as florestas derrubadas, os mares enredados por redes mortais, extraiu-se da natureza o que se podia até se sentir que essa natureza estava mais que morrendo, desaparecendo. Nenhum sistema político – o que é evidente porque se trata de um jogo – conseguiu deter as tendências do crescimento populacional e a ocupação de terras vitais, delimitar o uso das redes de pesca.  A cadeia alimentar do planeta transformou-se numa prisão alimentar em cadeias, cada uma com seus predadores. O controle das massas humanas tornou-se assim mais difícil, grupos isolados desafiam as ordens e a Ordem. O jogo exige que se atribuam culpas entre grupos, e para se encontrar culpados, basta descobrir um motivo que pareça justo, mesmo sendo apenas parte do jogo da vida. Se não existe lei para defini-lo, inventa-se uma, dez, cem, alteram-se constituições, compram-se senadores, empresas, porque há dinheiro. Quando o dinheiro é um bem considerado abominável, compram-se os indivíduos com qualquer outro bem do jogo da vida: Cargos, benefícios, cupons, liberdades, serviços, um pouco de açúcar, sal e farinha, um ponto de táxi, liberdade para fabricar fritar e vender seus pastéis no meio da rua pagando imposto ao estado que se diz dono dos pastéis.



O limite do jogo da vida é alcançado quando o indivíduo serve o estado de forma quase que em dedicação integral e com ele divide de forma subalterna e desproporcional a sua própria existência, quando se anula como individualidade. Humanos podem subsistir sem o Estado e sem a religião, mas não podem ser tão numerosos que não se conheçam uns aos outros pelo nome. Em quantidades maiores do que cerca de 100 indivíduos, o estado se faz necessário porque não haveria forças que os segurassem em suas revoltas constantes. O jogo da vida é duro, e das riquezas à morte vai um século ou um segundo na vida de cada um.



Quem manda em instituições, sejam elas religiosas, governamentais, sob qualquer tipo de filosofia moral ou política, está e sempre esteve bem, ao lado das maiores e melhores riquezas disponíveis desde o tempo dos faraós, de Salomão, Nero, e Ciro. Artistas e cientistas sempre tiveram suas regalias desde que agradassem, mas foram sempre os donos de exércitos que ganharam, por tempo mais curto ou extenso, o jogo da vida. Esses donos de exércitos são os governos da Terra, os que movem os peões no tabuleiro do jogo. Uns são reis, outros rainhas, outros fortes e lineares torres, alguns são bispos, e outros se movem como cavalos. A maioria é constituída de peões que têm seus movimentos completamente lentos e limitados a um passo de cada vez, jogando sempre á frente em proteção das peças superiores.  Quem inventou o jogo de xadrez, um dos pequenos, inocentes e divertidos jogos da vida, não gostava de reis porque os fez se moverem a um passo de cada vez como os peões. Deveria gostar muito de rainhas, tal como deveria ser nas cortes reais, reais, onde elas se moviam de forma independente, para qualquer lugar do palácio desde que fosse em linha reta, e é impressionante neste jogo que bispos não se possam esconder nas torres, reis não possam montar cavalos, peões não possam voltar para trás, mas se transformar em rainhas, jamais em reis. O jogo não permite dois reis, e cada rei tem que ter direito a uma outra rainha caso fique viúvo.



Neste jogo da vida tudo é ilusão e poucas as realidades. As ilusões não se vêem... Ficam escondidas, prontas para se tornarem realidades, e num só bote, nos darem o xeque-mate. Se você tem alguma filosofia política, comece a vê-la de forma mais real: Ela se contrapõe a outras filosofias não por que sejam melhores ou piores, que certamente serão, mas porque se trata de opções no jogo da vida onde você será sempre, provavelmente, peão. Você protege os campeões ou os pretendentes a campeões. Uns chamam até de posição aos campeões e de oposição aos pretendentes a campeões. Bateis-lhes palmas, incentivais o jogo. Alguns chamam a este jogo o jogo do poder, mas não é. É o jogo da vida e nós, peões, estamos perdendo-o. Mas lembre-se, a título de consolo e esperança: O jogo termina sempre com a queda do Rei mesmo que a Rainha ainda exista. No jogo de xadrez, claro, porque no jogo da vida, não há fim, nem vencedor perene nem perdedor que não possa vir a vencer. É tudo uma questão de jogo de sorte que pode ser de azar. Ganham-se riquezas ou perde-se a vida. Muitos doam sangue e órgãos do corpo, além de pagarem impostos, doar dízimos, pagarem multas, trabalharem mais de oito horas por dia para sobreviver, fazem doações de caridade, trabalham sem receber em instituições de caridade, dão aulas em escolas por salário irrisório e insuficiente, movidos pela vontade de ajudar o próximo. Somos uma humanidade demasiado boa, mas nos exigem cada vez mais. Nós mesmos, ou a natureza nos encarregaremos de pôr fim a sistemas, a governos, à natureza, mas, sempre, sem deixarmos de jogar o jogo da vida. Rindo ou chorando, acariciando ou rejeitando, ainda que imbuídos dos melhores ou piores sentimentos, tudo faz parte do jogo.

O mundo é naturalmente irrequieto, cada peão servindo as castas superiores (ainda que temporariamente) que se escondem em pompa na retaguarda, fortalecidas por torres, bispos, cavalos. São os reis e rainhas, ela podendo até ter ascendido de peão vencedor, mas rei, com linhagem sem duvidar, só o Rei. Quando perde, tomba. Pelo menos era assim no jogo de xadrez. Pode ser que no futuro tenhamos reis rainhas e rainhas reis, sem mudarmos absolutamente nada. Nada mesmo. E até as cores do jogo de xadrez, preta e branca, não seria necessário serem tão discriminatórias. Bastaria que fossem numeradas de 1 a 16 de um jogador, e de 17 a 32 do outro. Seriam diferenciadas apenas pelos números.



Surreal é vermos um mundo momentaneamente real com fundamentos em irrealidades, sabendo que existem realidades que não vemos nem sentimos, e, mesmo assim, acharmos que tudo é absolutamente real como se fosse eterno. Pior ainda, se acharmos que existe algum laivo de imutabilidade, a qualquer momento, em qualquer coisa deste universo, que não se altere a cada micro fração de segundo. Só não se nota quando estamos juntos, pessoas paisagens e coisas, em modo continuado ao longo de um período de tempo. A cada período se notam diferenças. Basta olhar sem temor, em tom de desafio ao jogo da vida e manter o rei em pé.

® Rui Rodrigues.




terça-feira, 25 de novembro de 2014

Discurso de natal para Maya.

Discurso de natal para Maya.



A família estava reunida. Uma discreta árvore de natal tradicional, apenas por tradição, assistia piscando sobre um móvel afastado da mesa central. O velho avô de 70 anos estava atrasado. Nestes dias festivos os transportes ficam desnorteados nas estradas com as vias tão congestionadas que nem Vick Vaporub é capaz de desentupir. A netinha brincava na sala entre olhares para a mesa verificando se os doces ainda estavam lá, e pela mesma razão a base do móvel onde jaziam caixas surpreendentes embrulhadas em papeis mágicos, amarradas por laços coloridos, prestes a se libertarem. Natal é uma data mágica, onde pessoas comemoram qualquer coisa irreal, cheia de coisas reais para dividirem: Comidas, presentes, lembranças, o convívio. Sobretudo lembranças e convívio. As comidas e os presentes são totalmente desnecessários.

Para a netinha de cinco anos, quando o avô chegou foi o sinal de que mais uma festa de natal iria começar. Lembrou-se de duas, as últimas. Das três primeiras só de uma foto – onde andaria a foto? [1] - ela ainda num carrinho de bebê, olhando encantada para um papai Noel mecânico, maior que ela, de corda, gordo, que cantava à porta de um mercado no Leblon. Lá o apartamento era menor. Preferia agora a casa que lhe parecia enorme. Pena que não estivesse sempre assim, cheia, com doces, gente e presentes. Ou não? Estava em dúvida. Também gostava de ter seus momentos livres de “muita gente”. O convívio ficava muito mais gostoso quando era de vez em quando. Tinha aquele sentimento de “é hoje que vou voltar a ver o vovô”, por exemplo. Se o vovô convivesse diariamente com ela, quem sabe, seria mais um “cara chato” a atazanar-lhe a vida com aquelas frases que ela já conhecia: Assim não pode... Não vai para aí... Cuidado... Vem cá, Maya... Vai fazer os trabalhos da escola...Tira essa roupa que está toda suja... Onde foi que arranjaste mais essa nódoa negra nas pernas? Para Maya aquela noite de natal jamais deveria terminar e ela estava bem preparada: Não tinha nem um pingo de sono. Mas tão certo como dois e dois serem quatro - já sabia contar - alguém teria a triste idéia de a mandar para a cama antes do tempo. Tentaria comer a maior quantidade de doces que pudesse até chegar essa triste hora.

Eram uma família unida e interessante. Os avós estavam separados, mas era como se sempre estivessem juntos. Não discutiam, davam-se bem, cooperavam entre si. Ambos amavam a netinha, ela, Maya. A mãe era uma bela amorosa, a avó também, mas era aliada da mãe na hora de lhe cobrarem dela certas coisas que Maya até achava demais. Soube um dia que a mãe disse para os avós com a mesma idade que ela agora tinha: - Vou arrumar minhas malas e vou deixar vocês.... Como pais vocês dois são muito chatos... Os avós tiveram um trabalhão para convencê-la que era preciso comprar passagens, que as lojas já estavam fechadas, que era preciso tirar uma certidão para ela poder viajar sozinha, avisar se a bisavó, a Susana, podia ir apanhá-la no aeroporto de Porto Alegre.. E... E... E tantos “e” que a mãe desistiu sob promessa de que não seria mais tratada de forma tão “chata”. O tio de Maya fazia comidas super gostosas, principalmente sushi que ela gostava tanto.  Já tinha sido ator de cinema. Era viajante... Andara pela Europa um tempão, cozinhando, conhecendo o mundo. Só o conheceu numas férias dele. Depois voltou e agora estava ali, um bom companheiro. Tiozão. Ainda bem que ele não tinha filho, porque assim lhe dava toda a atenção a ela. E havia os amigos e amigas da família que visitavam aquela casa.  O bom era que todos sem exceção, não ficavam conversando sozinhos sem lhe dar atenção. Todos a incluíam nas conversas, e a faziam sentir-se uma “deles”, completamente integrada sem qualquer tipo de rejeição. Ela se sentia muito bem. Chegara a hora de ver os presentes. A sala se encheu de alegria. De qual presente ela gostaria mais? De todos. Todos os presentes teriam seu dia de uso.

Ao final da refeição, ergueram-se brindes á vida. Maya ergueu seu copinho de leite de chocolate, e logo em seguida viu o avô tirar umas folhas do bolso e dizer: Vou fazer um brinde. Trouxe o discurso pronto. Maya disse rindo: Vovô... Vai só dizer o brinde ou vai ler uma historinha pra mim? Tem muitas folhas escritas...O avô sorriu e disse, lendo a primeira folha:

- Faço um brinde como um desejo quase cumprido. Vou ler o meu discurso de trás para frente. Começarei pela ultima página que corresponde ao presente. As outras são do passado...
Somos uma família unida que por circunstâncias vive separada, mas sempre unida construindo uma vida juntos, garantindo-nos uns aos outros, e mesmo que apenas em apoio moral, já é muito mais que suficiente e aquece a alma todos os dias mesmo quando não é dia de natal. Pois então, que assim continue sendo... Sabemos que amores não morrem, apenas se transformam numa série interminável de outros onde todos estão sempre presentes. Que continuemos nos amando como sempre nos amamos.
Dito isto, guardou todas as folhas no bolso.

- E as outras folhas, avô... Não vai ler? Disse Maya desapontada.

- As outras folhas, netinha, são do passado e estão em branco porque cada um de nós tem suas lembranças. É um passado para ser reescrito com os olhos do presente. O que foi bom continuará bom e viverá sempre em nossas lembranças. O que não foi tão bom está em branco... Um dia você terá seus dias de consultar as suas páginas em branco da vida, páginas que você mesma escreverá a cada dia em conjunto com todas as pessoas que com você conviverem.

A família continuou conversando. Maya gostou muito das histórias que contaram, como aquela da avó Suzana –sua bisavó – no dia em que ela desembarcou no aeroporto do Galeão, vinda do Sul, carregando um saco de presentes e vestida de papai Noel. Tivera o maior trabalho em se vestir no lavabo do avião antes da aeromoça avisar para apertarem os cintos. Foi a primeira vez que Betinho, seu tio, também com a idade dela, mais ou menos com cinco anos viu pela primeira vez um papai Noel de verdade.... Papai Noel não... Só depois de abrir o berreiro é que viu que era Vovó Noel...

Será que Maya entenderia o que o avô lhe disse? Claro que entendia. A lembrança de Suzana fazia parte das lembranças das páginas em branco do livro da vida. O Avô já fora criança, lembra-se ainda de coisas que aconteceram quando ele tinha dois anos e meio, com testemunhas que já faleceram, e não menospreza a inteligência de ninguém, muito menos de uma criança, sempre curiosa, com todos os neurônios, irrequietos, entrando  a todo vapor nos seis anos...


® Rui Rodrigues – Papai Noel delegado.





[1] A foto está na casa do vovô. 

domingo, 23 de novembro de 2014

Prepare-se para ver um mundo que nunca imaginou.

Prepare-se para ver um mundo que nunca imaginou.



Vivemos num mundo em três dimensões – o espaço - com uma outra, o tempo, incorporada às três primeiras de forma inseparável. Perceber tudo o que se passa á nossa volta é tarefa impossível por que nossa visão e nossos sentidos ainda não o permitem, mas podemos melhorar nossa percepção. Por exemplo, imaginando um mundo em camadas de tempo-espaço [1], de tal forma que possamos perceber que outros eventos estão acontecendo em “camadas” de tempo acima, abaixo, em todas as direções em relação à camada que vemos ao alcance de nossos deficientes olhos. Para se entender melhor: Na nossa camada de tempo para aquele exato instante, estamos felizes, num estádio de futebol assistindo a um grande jogo com nossa família, mulher e dois filhos. Numa camada de tempo-espaço defasada de poucos minutos, antes do inicio do jogo, o técnico olhou atravessado para um dos jogadores. Esta camada não temos como vê-la porque  já passou no tempo e estava em um espaço em que nós não estávamos. O reflexo daquele olhar do técnico sobre o jogador é que ele agora não produz, está abatido. Nosso time perderá quando esperávamos que ganhasse. E na mesma camada de tempo, também sem termos conhecimento porque não estamos no mesmo espaço (visual), a mãe do chefe de família que assistia ao jogo de futebol está sendo levada para o hospital porque passou mal num shopping onde fazia compras. Num espaço ainda mais distante, mas no mesmo tempo, um líder mundial pode iniciar uma guerra limitada a um determinado espaço da sua fronteira.



Vivemos num mundo incontrolável que se move de forma para nós totalmente aleatória e que apenas acompanhamos no alcance de nossa visão ou por notícias instantâneas que recebemos de outras “camadas” de espaço ou tempo. Tentamos nos adaptar ao que chamamos de “circunstâncias”, ou seja, e isto é muito importante, às mudanças que cada camada de espaço-tempo ou tempo-espaço provoca nas camadas que lhe seguem. Tudo parece aleatório, mas interligado a cada segundo ou fração, de forma a dar continuidade a uma “evolução” do espaço-tempo e de tudo que ele contém. Absolutamente tudo, de forma instantânea, como se a falta de um átomo num determinado lugar e tempo, fosse imediatamente compensada numa outra camada de espaço no mesmo tempo repondo-a. Parece complicado? Talvez não... Existe uma forma simplificada de entendimento segundo a qual temos a percepção do todo sem, contudo, entendermos nada dos detalhes. Alguém já disse que uma borboleta batendo as asas em Madrid pode provocar alterações em N, York. Foi dito ao abrigo da Teoria do Caos. Agora parece mais “fácil” entendermos que a falta de um átomo perto do planeta Terra, pode provocar o aparecimento de outro perto da estrela Alfa de Centauro, só para dar um exemplo. [2]



Quando jogamos nessas loterias de números, o que esperamos que aconteça é que acertemos numa série quase interminável de coincidências altamente improváveis, que vão desde a honestidade no sistema de escrutínio dos números, até a guarda do equipamento de escrutínio, o nivelamento do solo na hora do sorteio, a temperatura ambiente que age sobre o coeficiente de dilatação das “bolas” que contêm os números, etc. São fatos que acontecem em seqüência em camadas de tempo-espaço e que têm uma resultante final: uma série de números sorteados. Se pudéssemos estar simultaneamente em todas as camadas de tempo-espaço que diretamente influenciaram o resultado, acertaríamos em cheio todos eles. Não temos tecnologia para isso. Apenas intuição e um pouco de matemática no capítulo “Cálculo das Probabilidades”, uma parte importante da matemática usada em Física Quântica. Vivemos num mundo quântico sob o aspecto físico-matemático, e num mundo de camadas sucessivas, em todas as direções, de espaço-tempo sem nada de quântico, a não ser no nível de partículas. Nossa existência de adaptações ao meio que nos cerca não tem nada de quântica. É real e raras suposições podem ser calculadas por probabilidades matemáticas.

Sim... E daí, supondo que tudo neste texto esteja correto? O que esta linha de pensamento nos oferece ou muda em nossas vidas?


Provavelmente nada mudará. Não consigo imaginar alguém que consiga reunir especialistas munidos de ótimos computadores para fazerem um histórico de todas as ocorrências de combinações de números já escrutinados num tipo de loteria, acompanhar o equipamento, medir todos os operadores que têm contato com ele, calcular a variação térmica do ambiente em que ele se envolveu, e no dia do escrutínio calcular todas as variáveis e acertar os números todos. Até poderia, digamos, mas as apostas já se teriam encerrado pelo menos meio dia antes. Haveria variáveis sem cálculo, determinantes para o resultado. A incerteza persistiria. Por isso não jogo e conheço a matemática das probabilidades, um pouco de física quântica, tenho computador... Mas falta todo o restante e os controladores das loterias encerram as apostas antes que eu possa fazer todos os cálculos com todas as variáveis. E eu sou um só. Sócios provavelmente se constituiriam em outros tipos de variáveis...



Se atentarmos para o exposto poderemos definir a irreversibilidade técnica da morte [3].  Morte é morte. Podemos num instante não poder garantir se um de nós está ou não realmente morto, mas passados dias o corpo começa a entrar em decomposição. Se tivermos feito anotações e anotado o instante em que seus sinais vitais se anularam, poderemos dizer mais ou menos exatamente, no nível de minutos, a que horas faleceu. Nesse exato instante, a camada de espaço-tempo em que se encontrava o corpo, e que estava em movimento, continuou em seu movimento. Todas as outras camadas seqüentes incluem um corpo morto em grau progressivo de decomposição. Estas camadas de espaço tempo não retornam. Evoluem, como que são “consumidas”, desaparecem de fato, como se fossem umas ondas de “n” funções, “z” variáveis. Há uma teoria – a Teoria dos Universos paralelos – segundo a qual existimos em diversos universos. Se num morremos, em outro continuaremos doentes ou machucados, e, em outros, nem ficamos doentes nem machucados, continuando vivos e saudáveis. Não há nada que comprove esta teoria, linda, interessante e confortável para nossos espíritos que vivem de esperanças á base de endorfinas [4].
A não ser apenas na Física Quântica aplicada a partículas segundo a qual seria possível a existência de “anéis de tempo”, em que os fatos se repetem sucessivamente em todas as camadas de tempo anteriores e posteriores, nada mais é possível movimentar-se para “trás”, para frente ou para qualquer lado em relação ao vetor tempo do espaço. Não há como “evitar” uma batida de automóvel depois que ela aconteceu. Nunca haverá. O tempo é algo irreversível, movimentando-se em camadas em todas as direções, como se fosse um vetor irradiante.



Inconformados ou não com as leis da natureza deste mundo cognitivo em que vivemos, passamos vidas inteiras cercados de perguntas, a maioria sem respostas. Ainda. Estamos fazendo enormes progressos a uma velocidade exponencial fruto da cadeia do conhecimento: A cada nova descoberta novas portas do conhecimento se abrem como se vê em ramos de árvores. Não temos nenhuma certeza de um dia virmos a descobrir o que se passa em outras camadas de espaço-tempo à nossa volta num determinado “tempo” em nossas vidas, e adivinhar o resultado de loterias depende de tantos fatores que lidar com “sorte” – que não existe, mas com a qual lidamos cheios de “esperança” – só é benéfico pelas endorfinas que nos faz jogar em nosso cérebro sonhando com a fortuna que iremos ganhar. A fé é, portanto, apenas um mecanismo que serve para nos fazer produzir endorfinas e dar prazer, ainda que esse prazer possa desviar a nossa atenção das realidades que nos cercam. Podemos morrer num determinado instante, abarrotados das ultimas endorfinas que nos possam fazer sonhar com um céu ao alcance em alguns segundos mais, onde haverá leite e mel, sombra, lagos, férias perenes ao final de uma vida conturbada em luta para sobreviver e se reproduzir.

Para quem não está habituado ou não sabe como viver em auto-suficiência poderá parecer difícil. Para quem tem “os pés no chão” e analisa a maior quantidade de fatores que podem influir em suas vidas e toma as providências que pode, sempre singrará a vida com maior facilidade por ter mais hipóteses de lidar mais adequadamente com o imponderável. Este imponderável é uma resultante do que acontece simultaneamente em outros espaços deste universo. Pessoas “bem sucedidas” geralmente aparentam uma predisposição para a introspecção com boa dose de humor... A introspecção para meditar sobre as probabilidades de comportamento do espaço-tempo com tudo o que ele contém no seu entorno (dela, pessoa) e humor para rir nas desgraças e arranjar forças para continuar com sua introspecção.



Ame, divirta-se bastante e tenha fé... O amor, a diversão e a fé são os maiores agentes de produção de endorfinas! E, se reparar, as endorfinas não se preocupam com o “que”: Que tipo de fé, de amor ou diversão.
Se tiver a curiosidade de se perguntar: E depois da morte? Então, retorne ao inicio deste texto e volte a ler, agora mais devagar.

® Rui Rodrigues






[1] Basta nos preocuparmos preferencialmente com o tempo e depois com o espaço, em vez do contrário.Em "que" estou e não "onde" estou. 
[2] Para entendermos melhor precisaríamos saber o que é “entrelaçamento quântico”.
[3] Até para Jesus Cristo. A prova é que já não está entre nós. O milagre de ter aparecido a apóstolas, é questionável, como tem sido ao longo dos séculos: Eram amigos, tinham interesses em comum, o tema era atraente e convidava para o milagre. Não há notícias de que Jesus ressuscitado, mas nu, tenha passado em casa ou num armazém para apanhar ou comprar uma túnica.  Maria Madalena o teria visto completamente nu, o que não deveria ser novidade para ela. Os textos – incluindo os apócrifos - indicam que havia grande probabilidade de serem casados. E não se sabe “quando” exatamente Jesus morreu, nem se foi “enterrado” vivo, dado como morto, até para despistar as autoridades, vindo a falecer depois. 
[4] Endorfinas, compostos químicos produzidos em nosso cérebro e que nos dão a sensação de prazer. São produzidos através de “estimulações”. A esperança é uma delas, assim como a fé, a segurança. Tudo que nos parece “bom” solta a produção de endorfinas. Quanto maior a estimulação, maior a produção delas.  

terça-feira, 18 de novembro de 2014

O avô setentão e o neto quinzóide.

O avô setentão e o neto quinzóide. 
(para ler, tirem as crianças da NET)



Estavam vendo uma novela, avô e neto, uma que passa na Globo depois do Jornal: Império! O avô passava dos setenta. O neto recém tinha completado os 15 anos mas de vez em quando ainda se divertiam jogando bola ou arremessando uma bola de basquete para uma cesta pendurada na parede da área. Conversavam normalmente sobre a vida, essa coisa interessante, nada desvendada ainda, no que tange ao “motor” que a move e o que se pode fazer com ele, para onde se pode ir... Para qualquer lugar!  Disse o avô quando acabou o capítulo.
- A vida nos permite fazer tudo o que queremos. Queres matar? Mata!... O problema são as conseqüências externas e as morais. Deus não aparece para reclamar as suas leis, os homens fizeram as suas. De uma forma masculinizante,  é certo, mas foi o melhor que se fez até hoje. Foram até onde puderam ir. Agora as mulheres têm também uma palavra a dizer e temos que ouvi-las. Sem elas não somos nada. Nem existiríamos. Então...Nada mais justo que ouvir e seguir o que têm a dizer. A humanidade será mais justa certamente.
- Mas vô... E a viadagem? Também quer falar pelo que parece...
-Tu és viado, guri? Pode dizer...Tem problema não...
-Não vô, não sou viado nem gay. Foi opção minha. Alguns anos atrás, eu devia ter uns oito a nove anos, um guri lá do meu colégio me falou sobre isso. Disse-me o que era ser gay e viado. Gay é um viado rico, sem afetações. O viado é pobre, cheio de trejeitos afeminados. Os gays nem parecem ser gays, mas todos gostam de tomar no cu. Aí me imaginei enfiando algo no meu rabo. Podem adorar fazer isso por amor ou prazer, ou seja o que raios for, mas imaginar alguém em cima de mim, enfiando-me uma rola pelo traseiro e gozando dentro me dá um nojo desgraçado. Vontade de encher de porrada quem tentar. Cheguei a pensar em enfiar um pepino no rabo para ver se gostava.
-E?... Perguntou o avô...
- Ta dodjo sô? Pô vô... Nem pensar!... Ia perder um pepino da salada!




E os dois riram às gargalhadas...

-É, meu neto quinzóide... Sabes que te chamo de quinzóide porque tens quinze anos e de tão agitado pareces um espermatozóide... hahahahaha.... Sexo é como droga. Experimentou, gostou. Nunca mais se deixa de fazer sexo. O problema que separa ou une os gêneros é a “primeira vez”. Há muitos fatores que influenciam. Por vezes é a dificuldade em lidar com o sexo oposto; outras é a necessidade de um “protetor” ou protetora; outras vezes é a necessidade de se sentir seguro; outras ainda é o moral que anda baixo por qualquer motivo e uma vez penetrado, pensa que o mundo acabou para as mulheres, que todo mundo vai saber e o ato se repete até se habituar. Raras vezes a aproximação para o mesmo sexo se dá porque se “nasceu diferente”, no “corpo errado”. Mas uma coisa parece certa: Uma vez, desde a primeira, optou, se fixou! Não há saída ou cura, seja homem ou mulher. O mundo de cada um se constrói em torno de suas sensibilidades, seu nível de conhecimento, ou até seguindo moda por adesão. Nosso “ego” não está completamente desvendado. Vamos afirmando coisas que não conhecemos em sua totalidade. Há peixes machos que se transformam em fêmeas quando a sua população diminuiu por causa do meio ambiente que voltou a ser propício para a vida e é  necessário voltar a procriar... Vês como é a natureza?  Vamos abrir uma garrafa de vinho?

- Pô vô ! Beber consigo? Com o senhor? Não vai contar para meus pais?
- Claro que vou contar!... Melhor aprender a beber comigo do que aprender aí pelas ruas, bebendo sem controle, sem saber os efeitos do vinho, do álcool. Vamos lá.  

O avô se dirigiu á garrafeira. Tirou uma garrafa. Apanhou pão e um naco de queijo. Depois, assim de repente, se ajoelhou no chão e escondendo o rosto entre suas mãos, começou a murmurar. Dizia:



- Senhor... Eu te agradeço esse vinho, esse pão, esse queijo... Sei que existes, mas não sei como és. Ninguém sabe, nem Moisés. És muito mais poderoso do que imaginaram. Podes não estar em nenhum lugar visível, em todo o Universo e fora dele, que não sabemos ao certo, mas eu sei que estás em mim, estás em qualquer um. Somos todos parte de Deus que existindo fisicamente ou não, existe de fato. Não o construímos, porque não se constrói o que construiu o mundo em que vivemos. Agradeço-te a vida que me tens dado. Foi a coisa mais maravilhosa que se possa imaginar, apesar de todas as desgraças que parecem ser sem importância face ao bem maior do viver, de ver tudo o que as tuas leis construíram. Tu não construíste nada. Só disseste a tuas leis: Construam! E elas construíram um mundo perfeito que teimamos em modificar para que se pareça e se adapte a nós. Em vão... Como construir um mundo à nossa imagem, ou de qualquer ditador, se as tuas leis se impõem?

Quando o avô levantou do chão seus mais que setenta anos, estava com os olhos brilhantes e úmidos, alegre... A garrafa de vinho na mão, o prato com pão e queijo e uma faca, na outra. Sentaram-se á mesa e continuaram a conversar enquanto se deliciavam com a comida. Conversaram muito... Uma das coisas de que se lembram os dois, da conversa, foi uma assertiva do netinho quinzóide:

- Escuta vô!... Eu já vi alguns filmes de sacanagem... Quando as mulheres soltam o rabo, todas elas fazem cara de pavor, de não gostarem... Não acredito que gostem mesmo.... O que o vô acha?



- Acho que são filmes de sacanagem. As mulheres são pagas para isso. Na vida familiar uma esposa pode até soltar o rabo, mas será por amor. Uma vez ouvi um decorador de apartamentos dizer que gostava porque sentia uma “cosquinha” ali para os lados da próstata quando o possuíam. Era casado e tinha filhos. Muitas vezes nos habituamos a gostar de algo, associando-o a uma situação. Freud entendia muito disso, dos sentimentos e dos falsos sentimentos e até mesmo dos “sentimentos” de grupos, como se o grupo fosse apenas um indivíduo com sentimentos de uma liderança por vezes até invisível, uma entidade única, unida, assim como os peixes de que te falei. Há muito a descobrir ainda sobre os indivíduos, seu comportamento e algo ainda maior a que chamamos de humanidade.
- Acho – finalizou o avô, que não estamos ainda nem na metade, mas há gente que pensa que já sabe tudo. Parece que estamos num país único, chamado papagailândia!

® Rui Rodrigues






segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Experiências - Coisas da corrupção.

Experiências - Coisas da corrupção.


  1. Pela década de 80 peguei o avião de Barranquilla para Houston com minha esposa e meus dois filhos e estávamos certos que, ao chegarmos a Las Vegas, teríamos reservas no Circus-Circus, um cassino onde havia jogos para pais e filhos se divertirem. Quando chegamos lá, não havia nem reservas nem apartamentos vagos. Então me dirigi ao balcão e mostrei uma nota de vinte dólares – apenas 20 dólares – e consegui uma suíte excelente!... Em compensação, quando fui multado na rodovia numero 1 que liga São Francisco a Los Angeles, nem me atrevi a mostrar qualquer nota para o guarda. Com a lei não se brinca em países capitalistas e democráticos, ainda que sejam representados por republicanos.


  1. Em Angola, na década de 90, ao me encaminhar para o aeroporto de Luanda, ao final de minha primeira visita, o diretor financeiro, Dr Rui Lopes, me avisou: Aqui é costume levar um pacote de cigarros, pousá-lo no balcão de atendimento da verificação de passaportes, e esquecê-lo lá... Dizem que evita constrangimentos... Evidentemente que segui o que entendi como “advise” e deixei meu pacote de cigarros no balcão... Depois me arrependi!... Droga!... Se soubesse disso, tinha enfiado um pacote de diamantes na maleta. Nem me revistaram.... E eu sabia que Angola, apoiada por Cuba, era um país comunista! Os tanques e a artilharia cubanos que saíram do porto de Luanda rumo a Cuba, saíram como novos... Quem não gosta de diamantes?Montamos três enormes torres de iluminação por lá. Pedi para revisarem o projeto: As bases das pilastras deveriam ter quatro parafusos e não três, para combater os esforços de impactos de veículos e o vento. 


  1. No projeto El – Cerrejón, na Colômbia, vieram os advogados da companhia e fizeram uma enorme reunião com o staff da empresa. Eles disseram: Estamos recebendo muitas reclamações exageradas, baseadas em que a lei colombiana protegerá as solicitações das empresas nacionais. Por isso, é conveniente que detectem as possíveis reclamações, se reúnam com os solicitantes para revisão dos contratos e dialoguem para obter a reclamação mais justa possível. Caso isso não seja possível, irá para a corte. Algumas sub-contratadas entenderam e reconsideraram o volume “reclamado”. A mim me mandaram uma caixa de uísque escocês do melhor. Impossibilitado de receber por “conflito de interesses”, avisei o staff dos diversos setores do projeto. Decidiu-se que eu deveria aceitar e dividir o uísque entre todos. Tomamos um porre! A empresa que doou o uisque não recebera nenhum favor nosso. Era uma cortesia, e como cada um tem seu preço, o valor era irrelevante para comprar alguém. 



  1. São casos “suaves” de corrupção nos quais estive diretamente envolvido, mas há-os mais graves, sem que tenha tirado proveito. Já pedi demissões de empregos por causa disso. Sempre me garanti como engenheiro ou administrador, ou gerente, ou diretor. Se encontrarem alguém perfeito me mostrem que lhes mostrarei um impostor. Perguntar-me-ão porque conto isto e lhes direi o que segue:



  1. O ser humano é corrupto, em menor ou maior grau, porque se crê impune. Não houvesse a possibilidade de impunidade, e todos seríamos absolutamente honestos por medo das conseqüências. Os jornais estão cheios de notícias de corrupção pelo mundo e principalmente pelo Brasil. A única diferença entre o resto do mundo e o Brasil, é a porcentagem sobre o valor a ser corrompido, e a porcentagem de pessoas que praticam a corrupção em relação ao total da população [1].



  1. Agora imaginemos uma realidade que temos em frente a nossos olhos no Brasil: Uma presidente e seus partidos aliados, nomeiam ministros, presidentes de estatais, compram o senado com o mensalão que lhes permite obter a maioria nas “mudanças” à constituição, impondo sigilo inclusive sobre verbas gastas, e tem no Supremo uma equipe toda nomeada por ela... São capazes de exaurir as riquezas de uma Petrobrás, de uma Caixa econômica Federal, de um BNDES, de qualquer instituição. E ficam sem moral para denunciar os outros, desde o balconista de hotel, ao guardinha, aos empreiteiros, ao ladrão de rua que assalta pessoas e bancos: Soltam todos se forem presos!

  1. Senhoras e senhores este é o Brasil que temos! O Brasil que nos impuseram, e não acredito nas urnas...


® Rui Rodrigues





[1] Aos puristas da língua : Deu “eco” na escrita mas era imprescindível. 

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

DELAÇÃO PREMIADA na OPERAÇÃO LAVADILMA


DELAÇÃO PREMIADA na OPERAÇÃO LAVADILMA



Vocês não podem me tirar do governo assim... eu não fiz absolutamente nada... Nadica de nada. Nem saberia fazer....

Se só a gente do PT roubou que culpa tenho eu? Se só nomeei gente do partido e base aliada para os ministérios e eles se aproveitaram que culpa tenho eu? Fiz tudo pelo partido...

Se a gente do PT roubou, reclamem com a gente do PT... Eu nem conheço o PT...

Todos devem ter uma outra oportunidade. Quero meu posto de presidente de vorta. Prometo que vou construir tudo e repor o dinheiro, os milhões, os bilhões,,,Até  os trilhões roubados...

Vocês nunca tiveram uma presidenta como eu... Até gostava quando me chamavam de Anta...

É.... Assaltaram a Caixa Economica Federal, o BNDES, a Petrobrás, os Ministérios...Mas quem não assalta? Por acaso não era isso que eu fazia nos tempos da resistença? Até assaltava bancos, matava, fazia o diabo. A comissão da verdade nunca descobriu quem matei nem como, nem onde estão os corpos dos defuntos.

Sabemos de tudo!... Sempre soubemos !

Quem me pôs no governo foi o Lula... Ele sabia quem eu era. O povo gostava do Lula e votou em mim que nem conhecia... Votou está votado....

O país está sem energia porque eu desernegizei ...desviei verbas para outros projetos .E daí? foi tudo pela causa...

O Rio São Francisco... o Rio São Francisco... Qué que tem? O Nordeste sempre viveu sem água e votou em mim... Azar deles... Não tenho culpa... Um dia a água chega lá se o PT continuar no governo

A economia foi pro brejo porque os capitalistas não me obedecem... Querem o capital só para eles... Sorte deles que não impus o dízimo igual ao Valdomiro...miro..miro...

Dizem que sou burra. Sou nada... O Partido está cheio da grana, os militantes estão cheios da grana... Pensam que aqueles bilhões de dólares gastos no exterior são de quem que os gastou lá?

Dei tudo para o Fidel e para outros porque me ajudaram durante o tempo da resistença... É uma forma de lhe pagar....

Compramos senadores, deputados, sim.. É a política... E com sucesso... Estão todos lá votando até hoje o que lhes mandamos votar....

Eu tenho delação premiada? Se tiver eu quero!....Conto tudo! INTERROGATÓRIO OUTRA VEZ NÃO !!!! Num guento....

RR

O conceito de Nação,



Nação é um conjunto de grupos, etnias, indivíduos que têm em comum pelo menos uma vontade: A vontade de permanecerem unidos sob as mesmas leis, a mesma bandeira. Fora disso não há união e fatalmente etnias ou grupos, ou regiões farão prevalecer sua vontade sobre os demais. Isso também não é democrático. 

Em 24 de Junho de 1128, D. Afonso Henriques volta-se contra sua própria mãe e travou a batalha vitoriosa de S. Mamede pela independência de Portugal. Em 1822, um filho da terra que amo e que me acolheu declara a Independência do Brasil... Sou independentista porque sou democrata e humanista. Quando uma parte da nação não deseja continuar vivendo sob as mesmas leis, a mesma bandeira, só haverá problemas daí em diante e os rumos já estão traçados, passando a ser uma questão de tempo que tanto pode durar décadas, como séculos. Mas um dia será. Sonhos que se podem tornar realidade nunca se abandonam, 

Quem quiser entender que entenda, esteja no Reino Unido, em Espanha, em Portugal, na Itália, na Ucrânia, em qualquer país, ou mesmo no Brasil...

® Rui Rodrigues

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Já sei como é Deus.


Já sei como é Deus.



Desde pequeno que me pergunto “como deve ser Deus?” Que imagem tem, o que aparenta, se tem cabeça, mãos, pernas, se fala, como se move, se é maior que sua obra ou nanico como nós, onde vive, como vive, se tem casa e como construiu sua rede de esgotos. Por várias vezes O chamei, mas não obtive resposta “real”: Só uma vontade tremenda de me ajoelhar, rosto colado ao chão, enquanto meu corpo se enchia de uma alegria que não raro me levava às lágrimas. Por isso sei que existe. O problema é: Como é, o que ele “faz”, e como. Uma coisa era certa para mim: Deus não podia ser nada... Sabem? O Nada? Aquilo que não tem forma, consistência, nem mãos para fazer artefatos, nem “cabeça” para pensar, que lhe permita dizer “Hoje vou começar a fazer um Universo”, e como serão os anjos, a sua corte, se é que precisa deles sendo Deus, e como poderia transformar um anjo em “transador” para fazer um filho numa moça recém casada com marido fiel, filhos de boas famílias. Sobretudo, queria saber se pode Deus passar por cima das próprias leis com que construiu o mundo, tudo o que existe, e como o faria.  Surpreendi-me ao encontrar um Deus totalmente diferente do que me tinham ensinado a “ver”... Totalmente não... Bem diferente, mas essencialmente o mesmo: Deus e único sem necessidade de assessores nem ninguém para ventilar o ambiente com plumas de avestruz. Um Deus que por muito pouco quase não existe! Um Deus “improvável”.




O processo da descoberta de Deus foi gradativo ao longo de minha vida. Primeiro me mostraram um homem como Deus. Fui olhar nos livros de história e constatei que isso era uma idéia muito antiga de materializar os “deuses”, torná-los “reais”, palpáveis. Nunca tinham conseguido. O mais perto que haviam chegado fora em Alexandria quando descobriram as leis físicas da hidráulica: Conseguiram construir uma carruagem leve de bronze e colocaram-lhe uma estátua de Zeus, puxando as rédeas de um cavalo. Sob a luz de archotes, e os efeitos da hidráulica, a carruagem subia do recinto do templo até o teto que se fechava logo que a carruagem passava o nível do telhado... O povo à distância jurava que Zeus todos os dias descia a Alexandria e que pela tarde, ao anoitecer, voltava aos céus. Quase todos os deuses iam e vinham do céu.  Logo os estudantes conheceram a hidráulica e como a “subida aos céus” era feita, e Zeus deixou de ser Deus. Cansados de tantas mágicas de deuses, um punhado de crentes da Galiléia e arredores, na Palestina, acreditaram mais tarde na palavra. Não era na palavra do homem Deus, filho do Homem que acreditaram. Foi na palavra de uma meia dúzia que conviveu com ele e que disseram que a mãe dele era virgem e que ele fora morto e ressuscitara.  Isso sim... Eram duas mágicas de peso. Chamaram-lhes de milagres e criaram uma nova religião que ao longo dos tempos cresceu, se ramificou por dissidências, gerou muitas e terríveis guerras e discriminações. Fiéis pobres e Igrejas ricas, assim como antigamente foram os templos ricos e as populações pobres e geralmente escravas. Pagavam dízimos. Parecia um negócio florescente. Ainda pedem em nome de Deus. Mas que Deus é esse? O do velho testamento, ou o do novo? E o que dizer de D’Us, Buda, Alá, Vishnu, Iemanjá e outros deuses que andam por aí? Serão todos falsos, ou serão o mesmo visto (entendido) de forma diferente? A primeira coisa que nos passa pela cabeça é: Se for o mesmo, porque não poderá haver uma outra forma diferente de o entender, a minha forma, por exemplo? E em decorrência, a segunda coisa é: Se forem todos diferentes, qual é o verdadeiro, já que Deus é Único ? E fatalmente vem a terceira: Se o Mundo e o Universo sempre existiram por serem infinitos no tempo e no espaço, quem fez o que sempre “já esteve” feito? Nesta ultima hipótese, não haveria necessidade alguma de um criador, um Deus, porém, os negócios com os templos vão tão bem, são tão prósperos, que a resistência a uma nova forma de entender Deus, seria punida com fogueiras, crucificações, perseguições, fuzilamentos, para não lhes arruinar os negócios. Não tinha sido sempre assim? Ainda não é em algumas regiões do mundo, onde o conhecimento anda escasso?



Então vamos imaginar que o mundo, o Universo, teve um inicio, o Big-Bang, mas isto já é um truque, por que o mais certo é que sempre tenha existido, e se sempre existiu, sempre, não teria havido um Criador. Mas, se admitirmos que nosso Universo foi criado, ao construir o Universo teria Deus construído mais de um? Tudo leva a crer que sim, quer pela ciência quer pelas amostragens deste universo, onde nada é “único”, começando pelo gênero (de macho e fêmea) pela diversidade de tipos de estrelas, astros em geral. Então vejamos como seria o Deus Criador.



Teria mãos e equipamentos para comprimir uma região do espaço a ponto de torná-la extremamente quente, extremamente densa, que logo inflaria como um balão e aumentaria tanto de volume, tanto, tanto, que em menos de um segundo ficaria com dimensões infinitas e Deus reduzido a um tamanho tão diminuto que um grão de areia pareceria um meteoro imenso quase infinito. Como se Deus desaparecesse de sua criação ou ficasse menor que ela, muito menor. Não faz muito sentido... Melhor acharmos que Deus é infinito, maior que o Universo, mas como o universo não existia antes dele, seus equipamentos e suas mãos deveriam ser infinitos... Também parece não fazer o mínimo sentido. Mas Deus, segundo dizem, é capaz de tudo, e pelos vistos, o diabo também. Qual teria sido o papel do diabo na formação do Universo? Quando Deus, o criador, teria resolvido criar o diabo para atazanar umas pobres criaturinhas cheias de vida num planeta chamado Terra, e para que teria Deus criado um diabo tão poderoso que simples mortais não teriam a mínima força para o enfrentar? Também não faz sentido: Homens e mulheres seriam sempre perdedores para o diabo se este estivesse na ativa diariamente. Talvez tenhamos uma explicação. Vejamos.


Este mundo é feito de aleatoriedades. Aleatoriedades são acontecimentos, fatos, que acontecem segundo leis que desconhecemos e para os quais não temos explicação (para nós, o Caos). Muitas “aleatoriedades” para uma civilização mais adiantada já teriam explicações e deixariam de sê-lo. Por exemplo, não temos detectores corporais de vírus. Por isso não sabemos quando nem onde os apanhamos nem quando vamos ficar doentes. Só sabemos de algumas precauções para evitá-los, como as vacinas, e não para todos os tipos. Não sabemos, por exemplo, se o próximo verão vai ser mais seco, quente, úmido ou frio. Não temos “sensores” que permitam saber antecipadamente.  E muito menos podemos saber se seremos assaltados na rua, o grau de gravidade, como ou quando. Vivemos num mundo aleatório. Nossas “certezas” são limitadas. Quando adoeço a culpa não é (geralmente) minha, de meus atos, nem maldade de Deus ou do demônio. Quando sou assaltado, a culpa não é (geralmente) minha, de meus atos, nem maldade de Deus ou do demônio. A menos que me tenha infectado por freqüentar lugares inseguros sem estar imunizado, ou sido escolhido por assaltante, não há razão para atribuir a Deus ou ao demônio, a salvação, a prosperidade, e “milagres” de cura sempre os houve. O mundo é aleatório e a cegueira muitas vezes é psicológica. Fazer ver a cego cujas órbitas tenham sido retiradas, isso sim, seria um milagre, ou fruto de tecnologia muito avançada se o paciente fosse submetido a cirurgia. Milagre seria perder uma perna e a perna voltar a crescer. Ressuscitar poderia ser um milagre se constatada a morte prévia por aparelhos que a atestassem. Há muitas testemunhas que mentem por todos e quaisquer motivos. Até para salvar a honra ou a vida de filhos, primos, militantes de partidos políticos ou seitas. Há fanáticos que se explodem esperando que haja no céu sete virgens que os esperam de pernas e bocas abertas.Temos deficiências em definir o que é milagre, mágico ou enganação. Há muitos profetas e são falsos. Essa mesma classe de “profetas” na antiguidade lia a vida passada, presente e futura em vísceras de peixes e animais que depois comia longe dos consulentes. Ganhavam a vida assim. Mas então como será Deus, se não parece plausível a existência de deuses como nos ensinam a aceitar desde criancinhas, desde o inicio da humanidade, das civilizações, caindo um após outro por falta de crédito, de continuação de crença?

Deus existe dentro de cada um de nós, não importa que nome tenha, que poderes tenha, quem beneficia, quem ataca. Este Universo possui leis que o regem a todo o instante e nos mostram que Deus não interfere em nada (a não ser em nós mesmos pelo simples fato de que nos dá ânimo, mas somos nós que nos damos esse ânimo. Idéias têm força. Imaginações têm força, e podem dar unidade a um grupo, um povo, uma nação). Vivemos num mundo aleatório, tementes por nossas vidas, nosso conforto todos os dias. Imaginar um Deus todo-poderoso que nos ajuda nos conforta, e se Deus falha, mais temos certeza que a culpa é nossa e que não nos “portamos” bem. Ou que a culpa é da nação ou grupo a que pertencemos por que não fomos completamente perfeitos em nossas atitudes. Isso ajuda a construir um mundo melhor e se há algo que precisamos é de um mundo melhor. Este não pode ser consertado – nunca foi – através de milagres. É aleatório para tudo o que desconhecemos.

Comparemos nosso comportamento dentro dos templos e fora deles. Dentro de nossa casa e fora dela. Criamos deus à nossa imagem e o criamos, sem ser homem nem mulher, para unir e dar razão a todos os pequenos pedaços de que somos feitos. Isso foi no Éden. Depois o expulsamos e teve muitos filhos com nomes diferentes. Nosso Éden precisa ser reconstruído. Por enquanto somos todos artistas da sobrevivência, dotados de muita imaginação.E estátuas são apenas estátuas. 

® Rui Rodrigues

A Cortina de Cana Caiana


A Cortina de Cana Caiana



Um dia, nem se sabe que parte da sociedade, mas pequena por certo, sem perguntar nada ao povo, enfiou a mão nas verbas públicas e resolveu fazer uma estátua em homenagem a um sujeito “muito importante”. Uma não... Várias. Encheram o país de estátuas. Das verbas públicas, saiu o dinheiro para o bronze, pagar as fundições, os moldes. O artista ganhou uma casa para morar, porque não tinha nenhuma, duas caixas de vodka e carnês com cupons para um ano. Os cupons garantiam a parca comida, dois pares de sapatos dos que estivessem disponíveis, dois casacos de inverno e meia dúzia de roupa além de sabonetes e lâminas de barbear, coisa quase desnecessária porque era moda usar barba grossa.

Várias gerações de crianças passaram sua primeira vez em frente às estatuas do herói e perguntaram quem era. Em dois segundos lhes explicavam quem tinha sido. Era o tempo de dizer que ele, o herói, lhes trouxera a liberdade, a igualdade, o bem estar. Da segunda vez que passavam à frente da estátua, e a partir daí sempre que passavam, se questionavam que liberdade era aquela, que igualdade era essa, porque o bem estar era tão pouco, difícil e deprimente. Não tinham nada na verdade, e corria notícia de que no mundo lá fora uma imensa maioria tinha quase tudo, e embora houvesse desigualdades, pelo menos perante a lei todos eram iguais, e podiam sair do país quando quisessem, viajavam, tinham automóveis. Quem contava a vida lá fora – sempre em sussurros e em confidência - eram os atletas que competiam em jogos internacionais, jornalistas, funcionários em férias de embaixadas no exterior, gente privilegiada cujas funções lhes permitiam saber do “mundo lá fora” por detrás do muro de concreto e arame farpado com postos militares de vigia, por detrás da cortina de ferro. Havia outra cortina, mas era em outro país. Era de bambu.

Das ultimas vezes que essas crianças viram essas estátuas, estavam sendo derrubadas. As próprias crianças de antigamente, agora feitos adultos, as derrubavam. As estátuas incomodavam. O herói os enganara. E os enganara tanto que até a bandeira do país foi lavada das cores e uma velha bandeira, surrada, usada antes do grande movimento de libertação, de igualdade teve suas cores reavivadas e tremula agora nos prédios públicos. A era da grande mentira terminara. O herói agora já estava até esquecido. O mundo lá de fora triunfara a grande guerra fria. Hoje, tal como antes no regime do grande camarada, havia os protegidos do sistema e os não protegidos. Mas a diferença era muito sutil. No tempo do grande camarada, havia proteção sim, e a divisão entre os que passavam melhor e os que passavam pior eram fruto do companheirismo protetor. Quem era protegido do grande partido passava bem. Quem não era passava pior. Nem os empregos se conseguiam por mérito, mas por “confiança”. No mundo vencedor, o que ficava para além dos muros, das cortinas, a diferença era mais uma questão de capacidade Uns tinham, outros não. Diplomados sem mérito não tinham futuro. Diplomas de formação eram atestados de capacidade que deveria ser comprovada na prática.

E o mundo mudou. Mudou, mas não completamente. Na América do Sul, vinte e poucos anos depois, há grupos de “camaradas” e “companheiros” que querem resgatar os tempos do Grande Camarada, da Revolução, sem sequer se perguntarem porque mais de noventa países no mundo a abandonaram e derrubaram as estátuas. Marx, Lênin, Stalin, são figuras históricas de quem se fala em salas de universidades por um par de aulas e isso é tudo o que resta de sua lembrança. Seus sistemas – ou os sistemas baseados em suas filosofias, não funcionam. São como relógios sem corda, sem baterias que nem o tempo marcam mais. A América do Sul é o único país que quer resgatar o passado ou, por falta de consistência na alegação, porque todos sabem que o sistema não funciona, talvez o façam por outros motivos, como, por exemplo, aproveitar-se da ignorância política e funcional das populações para, com falsas promessas, tomarem o poder e nele se perpetuarem. Mas no fundo há uma grande dose de ignorância nessa meia dúzia de governantes resgatadores de filosofias falidas e mortas: As populações aprendem como aquelas crianças que passaram pela primeira vez em frente às estátuas, que hoje sabem que não representavam heróis, mas opressores com certa dose campônia de credulidade ignota por falta de educação.

Inauguraram uma estátua dedicada a um ET – Extra Terrestre – numa povoação. Ninguém sabe qual o nome do ET, não fez nada por ninguém, não se sabe de que planeta veio. O presidente foi à inauguração mesmo antes de estar acabada.  Na América do Sul, além da ignorância campônia que os da cortina de ferro demonstravam, deve creditar-se um certo grau de demência ou exagero na demonstração de imbecilidade como meio de expressão de igualdade entre governo e povo, assim como quem diz: “Vejam! Sou igual a vocês e vos entendo”. Um dia ainda dirão que vivemos numa cortina de cana caiana na longa fila do armazém do estado para troca de cupons, sabendo perfeitamente que em palácio se comem lagostas do Maranhão com molho de castanhas de caju e calda de chocolate. Sem charutos porque é proibido fumar. Mas com pó do bom. Da Bolívia e do Afeganistão.

® Rui Rodrigues

terça-feira, 11 de novembro de 2014

Linguagem dos gatos baseada na esperança e na certeza.

Linguagem dos gatos baseada na esperança e na certeza.



Minha gata de quatro patas não fala, mas me diz muitas coisas. Ela tem uma linguagem muda baseada na postura, na esperança e na certeza. Tem além de tudo uma paciência quase ilimitada.  Quando sua paciência está chegando ao fim, mia suavemente e nem é um miado como o conhecemos: Parece mais um gemido sem dor. Quando sua paciência beira o estresse, então mia e é bem claro que é uma reclamação. Não pára enquanto não for atendida em seus desejos. Só pára se eu lhe disser “Não!”, de forma a eliminar dúvidas.

Se quiser água e o fogão estiver aceso com algo cozinhando, ela pára perto de mim e mia suavemente. Eu a apanho, ponho-a em cima da pia, abro a torneira e ela bebe água da bica corrente. Depois pula sozinha para o chão. Mas se não há nada cozinhando, ela pula no fogão e do fogão para a pia. Não diz nada. Ela espera que eu abra a torneira. Sabe que infalivelmente a notarei e ajudarei.

Se quiser sair da casa para fazer suas necessidades ou apanhar sol, pára sentada em frente à porta da rua ou da área da churrasqueira que dá acesso ao jardim. Ali fica, quieta, até que lhe abra a porta. Se tiver pressa mia suavemente, se estiver quase estressada, dá-me uma bronca miando mais forte como gente grande até que eu cumpra a minha parte do acordo de cooperação mútua entre eu e ela. Ou deverei dizer entre ela e eu? Acho que escrevemos juntos os termos desse acordo mútuo e, sobretudo, tácito.

Se eu for cozinhar, fica ali, quase encostada a mim, a uns três passos, sentada, virada na direção da sala. Ela me cuida! Sabe que minhas costas estão viradas para o mundo, não posso ver o que está atrás de mim. Ela vê, cuida e “rosna”... Isso mesmo... Rosna se houver intrusos perto da porta da rua, lá fora do portão. E quando deixo cair algo no chão, fica cheirando, ali, onde caiu, até que eu apanhe. Se eu deixar algo no fogo, ela não sai de lá, mesmo quando começa a cheirar a queimado. Sabe que estarei olhando para ela e que vou acabar descobrindo a mancada que dei, salvando o “lar” que, ao que parece, tanto é meu quanto dela. Não posso “esquecê-la” quando a deixo muito tempo lá fora, porque começa a miar em desespero querendo entrar, e quando abro a porta levo uma tremenda bronca que se estende, enquanto caminha, até ao prato de ração. É um miado “estranho” que tem o som de conversa de admoestação. Chama-me para comer quando tem fome. Mia de longe e quando me levanto para comer, ela se dirige até o prato de ração. Já sei... Meto a mão no saco [1], tiro um punhado e dou-lhe, passando-lhe a mão pela cabeça e pelas costas.  Ela gosta!

Também gosta de assobios... Não assobios de ordem como os que se usam para cachorros. Gosta de música assobiada. Esteja onde estiver, corre para mim sussurrando e ronronando e encosta-se a mim. Se eu estiver deitado, deita-se a meu lado, bem encostada. E ali fica mesmo que eu pare de assobiar. Mas nem sempre está disposta a ficar parada, dormindo, sossegando, coisa que sempre faz a meu lado, perto de mim, ou nos meus braços enquanto teclo na NET ou escrevo minhas bobagens. De vez em quando mia, olha para mim, e sai correndo escadas acima para que eu tente apanhá-la. E ali ficamos brincando de pega-pega por uns bons minutos. Depois ou eu ou ela desistimos. Quando não brincamos de esconde-esconde, jogo-lhe uma bolinha das que quicam quer para a direita quer para a esquerda, e ela sai alucinada atrás dela. Muito raramente pega a bolinha na boca e ma traz para que volte a jogá-la. Não é cachorro mas aprende facilmente um gesto comum a toda a humanidade: Quem quer brincar participa da brincadeira, quem precisa trabalhar está sempre cansado. Banho só morno, numa boa.  Durante toda a vida dela, e já tem 13 anos de vida, só dois. Ela tom seus próprios banhos de língua. De vez em quando ela mesma me dá um banho de língua no braço ou nas costas de minha mão. Ela deve achar que estou precisando ou se trata apenas de uma linguagem de comunicação hierárquica felina, porque nunca lhe dei banho de língua.

Não posso ir para o banheiro sozinho. Fica na porta, do lado de fora, miando, até que lhe abra a porta. Se não lhe disser “Não”, ela entra dentro de minhas calças ou shorts arreados. Gosta de sentar ou deitar em cima de minha roupa. Deve ser o cheiro, ou uma forma de também se “vestir”, tal como faço. Ela que sabe o que lhe passa pela cabeça, porque algo lhe passa certamente. Não sei, francamente, se ela me adotou como pai, como irmão mais velho, ou se quer casar comigo. Só sei que me ama, o que é um sentimento mútuo.

® Rui Rodrigues





[1] Meto a mão no saco de ração....