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sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Mosteiros de eunucos sem portas e sem muros.

Mosteiros de eunucos sem portas e sem muros.

Disse Jesus, segundo Mateus:
Porque há eunucos de nascença; há outros a quem os homens fizeram tais; e há outros que a si mesmos se fizeram eunucos, por causa do reino dos céus. Quem é apto para o admitir admita.
(Mateus, 19:12)


Ora, o termo Eunuco não quer dizer homossexual, nem mesmo impotente, embora os haja e houvesse entre os eunucos, e não há o que recriminar, porque cada um é o que é. Mas nem sempre. Os cargos ocupados por eunucos eram muito bem remunerados e por isso alguns pais mandavam castrar seus filhos para que servissem a senhores poderosos que os mantinham protegidos em palácio. Mais recentemente na história, crianças eram castradas para que sua voz continuasse infantil e pudessem fazer parte de coros de orquestras e de igrejas. D. João VI quando veio para o Brasil trouxe um grupo de meninos italianos castrados (castrati) para atender as necessidades culturais da corte.

De certa forma, o que se espera de padres da Igreja católica é que ajam como eunucos sem, contudo, serem castrados, em busca do reino dos céus - que é para muito poucos – a julgar péla parábola dos ricos, da agulha e do camelo, contada por Jesus: Seria mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico passar para o reino dos céus. Para não se ser rico, não se pode ter ambição, nem desejar a mulher do próximo para não ter que alimentá-la, nem ter “maus” pensamentos, como exige a profilaxia religiosa da religião católica. Em suma, se adotar a nulidade dos desejos comuns e correntes do ser humano estará pobre no paraíso da terra, mas feliz pela vitória de ter conseguido dominar todos os desejos naturais, como o do sexo. Hindus conseguem esse estado de Nirvana sob a égide de outros e prolixos deuses, mas de modo geral, dão ao sexo o valor que ele tem na vida de qualquer ser humano. Sexo para procriar, uma vez a cada dez meses do ano, deveria ser suficiente, mas sabemos ser humanamente impossível, e sabemos também que não somos deuses nem santos.


Mosteiros são edifícios onde tudo que fosse possível se cultivava, de forma a ser auto-suficiente para monges e freiras, mas jamais frades e freiras convivendo sob o mesmo teto. Mas nem sempre eram auto-suficientes. Em vez de ser uma forma da independência feminina, sobrevivendo por conta própria, era um tipo de segregação para evitar tentações. Os frades tentavam ser eunucos sem fêmeas para cobiçar, pais mandavam filhas para conventos como castigo por sua sede de liberdade e independência. Mais tarde no tempo, curandeiros psicológicos dariam choques em jovens para que despertassem para a necessidade de nada contestarem sobre educação, governo, coisas mundanas, abraçar a fé da nulidade, fazer as vontades alheias. Não há crônicas sobre como esses jovens, machos e fêmeas enclausuradas, satisfariam seus desejos sexuais, porque fé convicta sobre a sua religiosidade forçada certamente não a tinham. Num mundo de faz de conta, podemos fazer de conta que entendemos perfeitamente fatos como esses, mas podemos perguntarmo-nos se não tivessem havido movimentos libertários ao redor do mundo, se essa prática ainda não teria sido mantida, e, em decorrência, o que será necessário movimentar para que se mude também a mania – porque não se trata de fé, mas sim de mania – de padres não poderem casar. Estamos certos de que um dia no futuro poderão. É pena que não se possa adiantar o futuro e trazê-lo para o presente, se já sabemos como será.


No entanto, algo mudou a respeito dos conventos. A tão sonhada liberdade sexual para homens e mulheres, finalmente aconteceu, fortemente alavancada pelo descobrimento da pirula, da ligadura de trompas e da vasectomia, e naturalmente o viagra. Podemos transar eternamente enquanto durarem nossas vidas sem perigo de procriar, e com o uso de camisinhas, sem medo de apanhar doenças sexualmente transmissíveis. Isso trouxe um tipo de independência tal, que não será exagero se afirmarmos que “ninguém é de ninguém”. Certamente ninguém é de ninguém para toda a vida, e as estatísticas provam isso exatamente. Casar, que antigamente já era uma “roleta” como fator de sorte em sua sobrevivência ao longo de vidas em comum, agora já é algo como acertar numa Mega-Sena, onde as probabilidades são ainda menores. O casamento que já foi uma instituição, hoje é uma festa comemorativa de um acontecimento: A liberdade de transar legalmente, com a certeza de mais tarde ter que dividir os bens acumulados, criar dificuldades mentais para os filhos pela separação dos casais, gastar boa parte de seu acumulo de riqueza pelo trabalho com advogados mentirosos que tentam convencer a corte de que cada cônjuge é pior do que o outro. Se houvesse juiz honesto, e pelas queixas de parte a parte a parte, a serem verdadeiras, todos os cônjuges estariam presos por mil e uma afrontas à lei. Ou pelo menos, um deles.

Mas a bem vinda liberdade sexual trouxe muito mais do que isso: Trouxe a oportunidade de viver uma vida programada, tendo filhos quando se quer e não quando por descuido eles aparecem. Trouxe a liberdade sexual em toda a acepção da palavra, incluindo todos os gêneros hoje conhecidos que não se limitam a masculino e feminino, mostrando aquela parte “ignorada” da sociedade humana para a qual nem havia uma designação “oficial”.  O mundo mudou, as religiões pararam no tempo encerradas em mosteiros onde os sons e as imagens do lado de fora são rechaçadas a raquetadas coniventes com o hermetismo da consciência conservadora. E então, nos últimos sessenta anos, com a vida periclitante entre assaltos, guerras e instabilidades econômicas,  os mosteiros abriram suas portas para a visitação pública, pais já não obrigam suas filhas ao convento, o anel do “casamento” com Jesus está comprometido.Um lugar calmo e tranqüilo para meditar é o que toda a humanidade quer enquanto lhe dura a vida, livre de impostos, de obrigações do dia a dia, as caridades dos conventos hoje são dádivas de ONGS sem menção a religiões, nem santos e sem deuses.


Com tanta liberdade, o afastamento da religião trouxe algumas novidades, como era de prever. Uma delas foi o alerta para a humanidade de que se poderia controlar a população mundial, viver um pouco mais a vida em liberdade antes de ter filhos, ou nem os ter. O sexo já não era – e nunca tinha sido realmente – apenas para a fecundação, algo que nos diferencia dos outros animais que mantêm relações sexuais apenas quando as fêmeas estão no cio. Seres humanos não têm cio e praticamente estão sempre dispostos a manter esse tipo de relações, porque dão prazer. Somos uma espécie viva e carente de prazeres. As drogas são apenas o aspecto mais leviano e perigoso dessa carência. A vida de impostos, trabalho, dificuldades, nos impõe compensações de prazer para que a "vida"  possa ser vivida com certo equilíbrio e alegria.

Ao verificarmos que os gêneros humanos são agora tão diversos, as relações humanas tão libertárias, independentes, a cultura do “eu” tão apropriadamente adquirida dos hábitos mutantes das grandes cidades, não podemos deixar de nos perguntar que medidas uma humanidade estará tomando para controlar a natalidade, tentando minimizar os impactos das diferenças sociais, deixando o mundo para cada vez menos gente, dividindo a riqueza por cada vez menos cidadãos, como acontece em países desenvolvidos e se espera que aconteça também no Brasil em mais uns quinze anos. É como se a humanidade se transformasse em eunucos, não por estar castrada ou ser homossexual, mas por retardar ou eliminar a possibilidade de ter filhos, um certo tipo de “castração” geral e irrestrita, que, não fosse a ignorância e a falta de educação sexual adequada em casa e nas escolas, e só uns poucos seriam atualmente pais-avós de filhos adotados, mas com toda a liberdade sexual.


Dizem as mulheres que não encontram homens, coisa que homens não dizem. Há mulheres suficientes para passar bons momentos, sem compromisso e muitos cuidados. Apesar disso, praticar sexo tornou-se algo perigoso quer por obrigação a laços de relacionamento estável, quer pela transmissão de doenças sexualmente transmissíveis.  Os Mosteiros, pelo que parece, abriram as portas e derrubaram os muros. Estamos numa convivência monástica, com tantos cuidados, que o relacionamento se compromete, cada um em seu mosteiro com Internet, shoppings, apartamentos, automóveis e cartões de crédito. Cada vez menos crianças, grande parte adotada. Recentemente uma freira deu à luz na Itália e disse estar surpresa com o acontecimento..  Ver em (http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/01/140117_freira_gravidez_pai.shtml)

Nem os genes já são tão importantes como eram antigamente. Os bancos genéticos estão cheios à disposição.

© Rui Rodrigues






[1] Michael Jackson teria sua voz capaz de cobrir  três oitavas a exemplo dos grandes tenores, devido a remédios que teria tomado, mantendo sua voz de “castrado” (castrati), tal como os garotos de coro de D. João VI. Ver em  http://newspressrelease.wordpress.com/2011/03/02/michael-jackson-ficou-esteril-sem-saber-segundo-pesquisador-frances/ 
[2] Ver registros do mosteiro de São Martinho de Castro em Portugal, primeira foto deste texto, em http://digitarq.dgarq.gov.pt/details?id=4381033

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