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sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Ensaio sobre a Esperança



sobre a esperança

Para uma criança de 10 anos no inicio da década de cinqüenta, em Lisboa, uma viagem de ônibus de pouco mais de quarenta km, contando a volta, era uma aventura de descobrimentos de paisagens e coisas jamais vistas, apreciadas, como um copo de café com leite em Caneças [1]com queijo saloio[2] e pão de casca quente e quebradiça. Era uma verdadeira aventura, principalmente na saída, quando tudo poderia acontecer e a expectativa era muito grande. Invariavelmente, fui me habituando à monotonia das viagens de ônibus normais em que nada acontecia. Nenhum empecilho, nenhuma dificuldade, nem um simples desastre sem feridos. Era tudo normal, seguro, sem aventura alguma. Aventura era coisa das revistas em quadrinhos e dos filmes de desenhos animados. Revistas havia muitas. Televisão sabia-se que já existia no Reino Unido e nos EUA, mas ainda não em muitos países do mundo. Os desenhos animados, somente podiam ser vistos em cinemas, em “Cinemascope” a ultima novidade colorida das telas de cinema.  

Foi assim que percebi o que nos movimenta no mundo: a esperança em que algo aconteça ou vá acontecer no dia seguinte. Quem não esperar nada de diferente ou gostoso para o dia seguinte, está morto ou em franca depressão. Pelo menos temporariamente, até que tenha esperança de algo de bom aconteça no dia seguinte, como por exemplo, uma viagem de ônibus de cerca de quarenta km, a lugar desconhecido, incluindo a volta. Na ida se vê a paisagem de um lado da estrada, e na volta o outro (há que tomar cuidado para não voltar olhando o mesmo lado da paisagem de ida). Porém, em nossa vida, fazemos uma viagem apenas de ida. Nascemos para uma grande viagem, durante a qual só vemos um lado da estrada. O outro permanecerá oculto para todo o sempre, porque não há viagem de volta, pelo menos, de forma consciente. Em particular, se apostar minha vida na esperança de um dia poder fazer a viagem de volta de forma consciente, estarei perdendo todas as perspectivas desta minha viagem, porque não há notícia de quem tenha feito a viagem de volta. Minhas esperanças devem, portanto, concentrar-se nesta minha viagem única, tentando torná-la o mais agradável que me for possível. Se, para tornar a vida de outrem agradável, tiver que transformar a minha vida num inferno, terei um grande e grave problema: doar o que Deus me confiou apenas para mim, de forma realmente egoísta. Evidentemente que tenho consciência de que devo – e tenho a obrigação – de tornar a vida daqueles que me cercam o mais feliz que me seja possível, mas não a ponto de tornar-me infeliz. Se o fizesse, seria um suicídio de minha felicidade, anulação dos princípios da vida, coisa que até qualquer religião proíbe a seus fiéis, muitos deles de fidelidade questionável.

Sem esperança, não vamos a lugar algum. Cruzamos os braços e esperamos a morte chegar, deprimidos, sem sabermos para onde ir, o que fazer. Sabendo disso, os governantes, ao longo da história, têm nos brindado com as melhores e mais atraentes doses das mais diversas esperanças, uma delas, a mais “gratificante”, a de que podemos obter um lugar no “céu”, lugar paradisíaco, sem problemas, apenas com tudo o que almejamos ter na vida e não conseguimos obter. Faço-me sempre a mesma pergunta: O que pode almejar no céu, quem aqui na terra já teve de tudo? Obtenho sempre a mesma resposta: Provavelmente desejará o inferno, na esperança de que possa ter algo que ainda não teve. Para esses, sua esperança reside em que, ao final desta viagem, se depare com um inferno cheio de novidades.

O que será para cada um de nós, leitores, ao final desta vida?

Céu, inferno, ou purgatório, onde purgamos não sabemos o quê, porque razão, para que fim, sem ao menos sabermos o que tem no céu, no inferno ou no purgatório...

Creio que precisamos urgentemente rever as nossas esperanças nesta viagem na vida sem bilhete que nos garanta a viagem de retorno. Haverá alguma esperança de que possamos entender que esta vida é a única oportunidade que temos de estarmos conscientes, e de que não podemos fazer absolutamente nada de que possamos nos arrepender? E que se o fizermos, devemos compensar quem prejudicamos?

Rui Rodrigues



[1] Caneças é uma vila nos arredores de Lisboa.
[2] Saloio é sinônimo de campestre, trabalhador do campo.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Um dia!

Um dia cansativo, pesado.
Chuvoso, escuro.
O sorriso da mulher amada,
Uma música bonita.
Um gesto, um aceno.
Um beijo.

Como as coisas mudam!
Como as cores surgem.

Ah, um dia!
Um dia em que a mente do poeta viajou.
Andou nas nuvens, no passado.

Nele, os erros, os enganos, 
No beijo da mulher amada,
A luz que ilumina um dia cinzento do poeta.

Um abraço, Paulo!

Crônicas do Pontal do Peró - Comandantes de naus!


Crônicas do Pontal do Peró

(Comandantes de naus, navios e outros artefatos náuticos que por um segundo de arco num segundo de tempo, se afastam da lógica para mostrar alguma coisa sem muita lógica)


O circulo tem 360 graus, cada grau dividido em minutos e segundos de grau. Os rumos da navegação terrestre, naval ou aérea, são expressos desta forma. Uma mudança de rumo de poucos segundos de grau, mantida durante uma hora, pode resultar em distâncias de quilômetros do alvo que se pretendia atingir.  Isto tem sido causa de muitos desastres na história da navegação, em qualquer lugar do mundo, em qualquer época da história das civilizações. O tempo também se mede em minutos e segundos, mas no sistema sexagesimal, isto é, cada minuto tem sessenta segundos, mas para não caírem numa solução de continuidade, resolveram que os segundos do tempo deveriam ser medidos em centésimos, milésimos, milionésimos, misturando dois sistemas de medição: o sexagesimal e o decimal... Não os culpo por isso, embora eu ache que deveria haver coerência. O dia deveria ter dez horas, divididas em cem minutos e cada minuto em cem segundos. Cada segundo em tantos “... lhonésimos” quantos quiséssemos... A vida nossa de cada dia seria muito diferente da que temos hoje, e a garotada que começa a aprender lógica nas escolas, não ficaria engasgada com estas incoerências... Ainda hoje nos perdemos por completo com o sistema de subdivisões incoerentes da Libra Esterlina do Reino Unido pela mesma absoluta razão. Tenho certeza absoluta que o Banco da Inglaterra não vai mudar as subdivisões da libra tão cedo, assim como ninguém irá mudar a hora para conter cem minutos e cada minuto cem segundos. Há muitas coisas neste mundo que ninguém está disposto a mudar pelo simples motivo de que não há uma aparente “boa” razão para mudar.

Mas o que isto tem a haver com o Peró?

Tem muito...

Lá pelo ano de 1.500, um comandante de navio saiu da rota, equivocou-se e descobriu um continente imenso: o Brasil, que depois de ser dividido entre Portugal e Espanha pelo Tratado de Tordesilhas, com a benção do Papa, passou a chamar-se América do Sul, por causa de um imediato chamado Américo Vespúcio que veio com a frota de 1501 e fundou uma feitoria aqui em Cabo Frio. Os comandantes, como se pode ver, equivocam-se muito nas rotas, descobrem terras ou pedras, mas não emprestam seu nome para os lugares que descobriram. Nem o famoso Cristóvão Colombo, mas este ainda teve um pouco de sorte: um país, a Colômbia, honrou-lhe o nome. Hoje seria inimaginável chamar os Estados Unidos da América do Norte, de Estados Unidos da Cristóvânia do Norte. Seria um absurdo, que jamais ocorrerá mesmo que fosse por questões de reposição da justiça: beneficiar a memória do nome do comandante descobridor em detrimento do nome do obscuro imediato que só recebia ordens do comandante.

Naquela época não havia comunicação por rádio, e usar pombos correio para distâncias tão grandes, era inviável. Uma carta mandada do Brasil para a Europa demorava aproximadamente seis meses, e a resposta para chegar, outros seis... Mas se já houvesse esse tipo de comunicação – poderia ser um celular - talvez pudessem ter gravado uma conversa como esta, referente ao desvio de rumo de Pedro Álvares Cabral, o comandante da frota que ia para a Índia, do outro lado do globo e se desviou tanto que deu com os botes nas águas calmas e lânguidas – até hoje – das baianas terras de Baía Cabrália:

(Porto de Lisboa- Centro de Comando da Expedição para a Índia- Comandante João Garfo)

Comandante João Garfo: - Está? É o senhor comandante Cabral?

Comandante Cabral – Sim, sou eu mesmo. Em que posso servi-lo?

Comandante João Garfo – Desejo saber se já chegou ao Cabo da Boa Esperança, a caminho das Índias...

Comandante Cabral – Não, não... Muito longe disso, um oceano inteiro de largura longe disso. Estou na Terra dos Papagaios, também chamada de Vera Cruz, ou do Pau Brasil...

Comandante João Garfo – Advirto Vossa Excelência que esta conversa está sendo gravada. Volte logo para o caminho das Índias. O senhor desviou-se muito da rota. Se houver algum desastre a culpa é sua.

Comandante Cabral- Ora a culpa é minha!... Onde já se viu uma coisa dessas? Porque não me avisaram que minha frota se estava desviando da rota? Só agora que cheguei ao Brasil é que me avisam? Isso não é justo.

Comandante João Garfo – Fica Vossa Senhoria avisada que deve voltar agora mesmo para a rota das Índias porque se não o fizer, vou fazer da sua vida um inferno. Será excomungado e sua Alteza Real, o Rei, o desterrará para a sua terra natal onde será esquecido. Volte para a R-O-T-A das Í-N-D-I-A-S já. Porra! Está me desobedecendo?

Comandante Cabral – Não. Não estou desobedecendo, mas há um oceano muito grande pela frente até chegar ao Cabo da Boa Esperança e depois ainda temos o Oceano Índico para atravessar. Não vou chegar a tempo de assistir aos jogos olímpicos de Calcutá...

Comandante João Garfo – Como castigo por sua falta de atenção aos rumos, comandante Cabral, e sua relutância em retomar o caminho das Índias, o Continente se chamará América do Sul. América, em homenagem ao seu estúpido imediato Américo Vespúcio que nunca teve o mérito de ser convidado para comandante de frota alguma. Nem de venezianos, nem de portugueses, espanhóis ou mesmo ingleses, franceses ou holandeses.

Como sabemos, Cabral retomou a rota das Índias, quando lhe deu na telha e não quando o comandante João Garfo o intimou. Talvez como vingança pelo esporro e pela desconsideração sobre o uso de seu nome para identificar o continente, somente seis das treze naus chegaram às Índias. As sete naus afundaram por tempestades, fogo a bordo, rochedos pelo caminho...

Recentemente, agora em janeiro de 2012, um italiano ao navegar no Mediterrâneo comandando o “Costa Concórdia”, navio de turismo, deu-se conta da situação econômica da Itália, do congelamento dos salários, da redução dos benefícios de aposentadoria, mas os preços das viagens não baixaram e os navios continuavam cheios, abarrotados de turistas. Perguntou-se muitas vezes onde estava essa tal de crise que ele não via nenhuma, mas por conta da auto-sugestão coletiva de que havia crise, os cidadãos italianos estavam pagando por um pato fantasma: o pato dos homens do governo que exauriram as reservas italianas.  Perguntou-se se Silvio Berlusconi teria ficado menos ou mais rico com a tal crise, mas não teve tempo para obter a resposta. O comandante sentiu que estava sendo enganado, e pensava exatamente nisso quando o Costa Concórdia bateu numas rochas e afundou pela metade. Para o comandante, embora talvez não tenha sido a intenção, o barco ficou nas fotografias como o “seu” monumento resposta popular á crise internacional das finanças.

Ao caminhar pelas areias da praia do Peró, nesta manhã, fiquei com a certeza absoluta de que não se pode brincar muito com comandante quando a administração sai do rumo...

Rui Rodrigues

Para consultas:




terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Crônicas do Pontal do Peró - Sentidos



CRÔNICAS DO PONTAL DO PERÓ

(A direção e a intensidade do sentido)


Fui um bom garoto, um bom adolescente, um bom cidadão, e vivo no Pontal do Peró. Nem sempre, mas quase sempre. Quando preciso de um pouco de inferno, em maior ou menor grau, saio daqui e vou a Búzios, Cabo Frio, Rio de Janeiro. Mas como tudo é relativo, há vários graus de inferno, o norte não dista tanto do sul, a esquerda por vezes se confunde com a direita ali pelo centro, e a diferença entre céu e inferno não é tão gritante para quem está tão longe de um quanto do outro.

A praia é grande, tem cerca de sete km de extensão, e se estende da praia das Conchas ao Pontal da praia do Peró. Dunas de um lado, mar do outro, ora à esquerda umas, á direita o outro, dependendo pra onde se vai. Muitas gentes que visitam ou vivem num destes lugares, nunca visitaram os outros, e já se vão muitos anos de vida por aqui, mas as notícias chegam de todas as partes do mundo, de forma virtual. Notícias verdadeiras chegam de forma virtual ao Pontal do Peró. Amor virtual pode ser verdadeiro no Pontal ou qualquer outro lugar do mundo. A diferença entre a virtualidade e o real, depende apenas da forma e da intensidade com que se sentem as coisas que nos rodeiam e nos atingem como raios iônicos, materializando-se num fenômeno incontrolável a que chamamos tempo. O tempo é intocável, indefinido, mas existe em qualquer lugar imaginável ou inimaginável, á esquerda, á direita, no céu, no inferno, em cima, embaixo, na praia das conchas, e ao longo dela, até o Pontal do Peró. Não há mau tempo. Há tempo apenas, puro, simples, indecifrável, sem peso, velocidade determinável. Nossa contagem dos segundos é pura convenção, uma forma de medir. Em outros sistemas solares, um minuto não é igual a minuto igual ao nosso, a não ser se medido pelo césio, mas na vida real, ninguém tem a mínima consciência disso. Provavelmente nem terá a mesma importância que lhe damos.

Os animais, autóctones, donos do lugar, transitam entre as Dunas e a reserva de matas virgens defloradas pela ambição humana, pelo progresso com desordem como é natural e intrínseco aos desejos de felicidade dos humanos. Nem todos os animais transitam pelas matas. Alguns já foram extintos, como as onças, que já não vêm beber água junto às pedras do Pontal.

O tempo é como as ondas do mar que por vezes são mais fortes, mais altas, mas rápidas, outras vezes parece que nem existem. Movemo-nos em vários mares, em várias águas, numa vida que é particular a cada um, e da qual ninguém mais sabe quase nada, apenas que existimos e que somos alguma coisa parecida com o que pensam que somos julgando por meia dúzia de atos que nos viram cometer e pelos quais nos julgam. Impossível verem ou saberem de todos os nossos atos, e no entanto, tentam avalizar-nos todas as vezes que nos encontram, reavivando a memória, tentando lembrar-se de atos passados, imagens que guardaram em arquivos perecíveis que, eles mesmos, se distorcem ao longo desse mesmo tempo em que nos movemos. Perdemos então a noção do que é virtual e do que é real, exceto em relação a nós mesmos, a quem conhecemos muito bem, porque dominamos todos os nossos atos desde o primeiro instante em que nos olhamos e sentimos que existíamos. Desde então, temos mantido um “eu” de que gostamos e que chegamos a admirar. Basta olhar para o passado, e do quanto nos arrependemos, ou não, do que fizemos. Somos quase que os donos do nosso tempo. A casa pode ser nossa por mais ou menos tempo, e o carro, e a roupa, e os amigos, mas só o tempo é realmente nosso até que ele mesmo se separa de nós. Alguns chamam a isso de “alma” ou “espírito”. Eu chamo de tempo. Quando o tempo nos deixa – ou nós deixamos o tempo, que na teoria da relatividade não importa o que deixa o quê – tudo se apaga, e somente durante algum tempo ainda perduramos no imaginário – virtual – de alguns que se dignam recordar-nos, até que mais ninguém se lembrará. Nomes num livro de história, mesmo que com algumas imagens, não definem o que fomos, e sempre estará sujeito á limitação do pouco que conheceram de nossos atos. Por isso não podem julgar-nos em nenhuma instância ou em alguma circunstância. O tribunal de Osíris já foi fechado, e as almas, ou “kas”, já não são pesadas em função do que fizemos de coração ou de imaginação.

Não sei se as ondas do mar estavam fortes agora á noite, nem se vinham com velocidade ou apenas murmuravam sussurros nas areias da praia. As noticias da Europa ainda marolam na crise originada nos EUA e como qualquer tsunami, chegarão à América do Sul. Dei-me conta de que continuo sendo o bom garoto que foi um bom adolescente, um bom cidadão, e que merecia algo diferente de ontem: entrei na Internet mais uma vez, apenas para apanhar uma receita de molho branco com noz moscada, creme de leite, queijo ralado e pimenta do reino que não por acaso tinha em minha despensa. Espero uma amiga de visita para quarta-feira e sei que aprecia um bom prato. Assim, resolvi adiantar a receita, hoje, terça-feira, para aproveitar todo o potencial de cozinhar com vontade de agradar. Cortei batatas às rodelas grossas e coloquei no fundo de um pirex. Por cima, coloquei lascas gordas de bacalhau que previamente cozi. Por cima de tudo, um refogado de alho e cebola em azeite virgem. Por cima de tudo, o molho branco e ovos cozidos em rodelas, que espalhei aleatoriamente. Levei ao forno por vinte minutos. O prato será servido como surpresa, exceto por um pequeno pedaço que faltará, mas não numa amizade á qual não falta pedaço algum. Nada é perfeito, mas ficou muito bom, sem falsa modéstia. Brindei sozinho hoje, esperando o dia de amanhã, com um vinho tinto, forte e aromático como o bacalhau, forte como as ondas fortes do mar forte, como as esquerdas quando lutam contra as direitas, como os céus quando lutam contra os infernos.

Ainda fico impressionado com algumas coisas que ainda descubro da vida, e da mesma forma me impressiono como levamos tanto tempo para perceber como é simples e fácil ser-se feliz. Infelizmente também me impressiono pelo modo fácil com que nos deixamos levar por ondas de moda, de princípios, de lastimáveis princípios que, em nome de falsos objetivos, nos encobrem a nossa felicidade aos nossos próprios olhos e nos obrigam a passar grande tempo de nossa vida em trajetória errônea em busca de uma pretensa felicidade que alguns de nós jamais encontramos por milênios que pudéssemos viver.

Quem fez este universo o fez com leis fáceis e simples, belas, simétricas ou quase, perfeitamente estáveis, sem nada que complique.

E quando se descobre o véu do que nos é encoberto, teimam em desprezar e bloqueiam a constatação para que nada se altere no que pensam ser o ambiente estável da vida que lhes dá esperança eterna de felicidade. Só esperança.


Rui Rodrigues

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Corruptos e analfabetos políticos

Shakespeare, célebre conhecedor da natureza humana, faz com que Ângelo, em Medida por medida, pronuncie as seguintes palavras:
“Uma coisa é ser tentado e outra coisa é cair na tentação. Não posso negar que não se encontre num júri, examinando a vida de um prisioneiro, um ou dois ladrões, entre os jurados, mais culpados do que o próprio homem que estão julgando. A Justiça só se apodera daquilo que descobre. Que importa às leis que ladrões condenem ladrões?” (SHAKESPEARE, 1994:129)
O espetáculo da corrupção enoja e torna a própria atividade política ainda mais desacreditada. Os que detestam a política – como diria Brecht, os analfabetos políticos – regozijam-se. Os podres poderes fortalecem os argumentos pela indiferença e o não envolvimento na política. É o moralismo abstrato e ingênuo que oculta a ignorância e dissimula a leviandade egoísta dos que não conseguem pensar para além do próprio bolso.
O analfabeto político não sabe que sua indiferença contribui para a manutenção e reprodução desta corja de ladrões que, desde sempre, espreitam os cofres públicos, prontos para dar o golpe à primeira oportunidade que surja. Os analfabetos políticos não vêem que lavar as mãos alimenta a corrupção.
Quem cultiva a indiferença, o egoísmo ético do interesse particularista, é conivente com o assalto ou é seu beneficiário. O que caracteriza a república é o trato da coisa pública, responsabilidade de todos nós. Como escreveu Rousseau (1978: 107): “Quando alguém disser dos negócios do Estado: Que me importa? – pode-se estar certo de que o Estado está perdido”.
Eis o duplo equívoco do analfabeto político: nivelar todos os políticos e debitar a podridão apenas a estes. Os políticos, pela própria atividade que desempenham, estão mais expostos. No entanto, não há corrupção, sem corruptores e corrompidos. Pois, se a ocasião faz o ladrão, a necessidade também o faz.
Não sejamos hipócritas. Exigimos ética dos políticos como se esta fosse uma espécie de panacéia restrita ao mundo – ou submundo – da política. Mas, e a sociedade? Se o ladrão rouba um objeto e encontra quem o compre, este é tão culpado quanto aquele.
Ah! Não fazemos isto! E os pequenos atos inseridos na cultura do jeitinho brasileiro não são formas não assumidas de corrupção? Quem de nós ainda não subornou o policial rodoviário? Ou não vivemos numa sociedade onde honestidade é sinônimo de burrice, de ser trouxa, etc.? E como correr o risco de ser bobo quando a sociedade competitiva premia os mais espertos, os mais egoístas, os mais ambiciosos?
A bem da verdade, o ladrão aproveita a ocasião. Quem de nós nunca foi tentado? Quem de nós não cometeu algum deslize quando se apresentou a ocasião? Quem foi tentado e não caiu em tentação? Quem conseguiu manter a coerência entre pensamento e ação, discurso e prática? Os homens são julgados por suas obras e apenas através delas é que podemos comprovar a sua capacidade de resistir à tentação. Afinal, como afirma Shakespeare (1994: 201), através de Isabel, sua personagem: "A lei não alcança os pensamentos e as intenções são meros pensamentos". 
O analfabeto político demoniza a tentação da política. Seu prêmio é a ignorância. E, muitas vezes, enojados e cansados diante do espetáculo propiciado pelos governos que se sucedem, somos tentados a imitá-lo e sucumbir à rotina do cotidiano que consome nossos corpos e pensamentos e nos oferece a substância anestésica capaz de dar a ilusão da felicidade.
Bem que tentamos ficar na superfície das aparências e nos contentarmos em, como os demais animais, simplesmente consumir e reproduzir. Mas só as bestas de todo tipo não refletem sobre a sua situação no mundo. Por mais alienado que seja, o ser humano tem condições de pensar criticamente, de compreender e de projetar seu próprio futuro. Esta pequena diferença em relação aos demais animais é que o torna o único animal capaz de produzir cultura e de fazer sua própria historia.
Não basta apenas criticar os que caem em tentação, é mister superar o comodismo do analfabetismo político. Pedagogicamente, educamos pelo exemplo. Não podemos exigir ética na política ou formar uma geração cidadã, consciente dos seus direitos e deveres e capaz de assumir a defesa da justiça social, se nossos exemplos afirmam o oposto. Afinal, mesmo os ladrões têm a sua ética. O personagem shakespeareano tem razão...

Acredite nos que buscam a verdade... Duvide dos que encontraram! (A.Gide)

A NOBRE FAMÍLIA LEÃO E AS HIENAS (resposta à Fábula da Galinha Vermelha)

Tenho recebido e-mails mil com uma certa Fábula da Galinha Vermelha, enviada - que coincidência! - Brasil e da Venezuela. Reconta a velha história da galinha que se empenhou em fazer pães, ninguém quis ajudar, mas com os pães prontos todo mundo quis comer. Só que nesta versão um agente do governo obriga a galinha a dividir os pães com quem nunca fez nada - e a mensagem é óbvia, né?

A mensagem ainda diz que essa fábula foi popularizada pelo brilhante... Ronald Reagan (!), que teria aumentado a arrecadação reduzindo a carga tributária, e conclui amaldiçoando os seguintes  "animais que não gostam de trabalhar": Sem-Terra, Sem-Teto, Quilombola, Com Bolsa-Escola e Sem Escola, Puxa-sacos, Cotistas, Com indenização de Perseguido Político, Sem Vergonha... [sic]

Sem discordar de que a carga tributária brasileira seja mal distribuída, o fato é que (metáforas grosseiras à parte) eu nunca conheci nenhuma galinha rica. E aí comecei a pensar numa fábula que explicasse melhor a realidade que eu conheço da minha experiência. Acho que talvez pudesse ser A verdadeira história da nobre Família Leão e das hienas ("verdadeira" em contraste com a versão manipulada da Disney, claro). Poderia ser assim:

A NOBRE FAMÍLIA LEÃO E AS HIENAS

O leão até que comia bem com as suas caçadas, mas achava que era pouco em relação ao cansaço que lhe dava. Um dia, enquanto palitava dos dentes a carne de uma gazela com um osso de coelho, lhe veio a idéia: "O que falta é or-ga-ni-za-ção! Precisamos fundar uma Sociedade."

Foi até o outro lado da floresta, onde as hienas viviam em comunidade, e falou que estava na hora de vencer os antigos preconceitos de classe, de fazer um pacto social em benefício de todos. Pra mostrar sua sinceridade distribuiu para elas as sobras da sua última caçada - e propôs que da próxima vez as hienas, que eram muitas, fizessem o trabalho bruto da caçada enquanto ele traçava as estratégias e supervisionava a execução.

A caçada foi um sucesso! O leão ficou contentíssimo, chamou toda a sua família pra comer, e jogou alguns ossos e carcaças para as hienas. Estas ficaram espantadas, mas o leão explicou que, caso se dedicassem fielmente à sua Sociedade, logo haveria de sobra para todos.

E mais: pra garantir o sucesso da sociedade, comunicou que, em toda a floresta, seria perseguido quem insistisse em caçar para si mesmo: todos deveriam caçar para a Sociedade - pois o caminho do Progresso era esse.

Como ninguém discute com família de leão, ficou assim. E qual era a situação alguns anos depois?

As hieninhas jovens estavam cansadas de ver papai e mamãe chegarem em casa arrebentados, e com uma porçãozinha de caça que não dava para todos. As mais boazinhas pensavam: "eu vou crescer e vou mostrar pro meu pai que eu sou capaz de trabalhar muito melhor, vou conquistar uma posição melhor na Sociedade e trazer bastante comida para casa."

Mas outras reparavam que tinha uma multidão de hieninhas à espera de vaga na Sociedade, especialmente depois que fizeram uma "reengenharia" para melhorar a eficiência do sistema. Essas começaram a desconfiar que nunca nenhuma hiena iria se dar bem na Sociedade. Ou quando muito uma em cem. E como tinham amor pelos irmãos e irmãs, não queriam ser o 1 que se dá bem às custas de 99.

Começaram a se recusar a ir para a escola onde lhes apregoavam o dia inteiro a importância da Sociedade e do Progresso sem nunca explicarem o porquê de nada. Papai e mamãe não podiam faltar no trabalho, nem tinham tempo e forças pra tentar fazer alguma coisa, então as hieninhas vagavam em bando pela floresta, umas comendo o que encontrassem, outras mendigando, outras atacando qualquer um que passasse descuidado.

Mas... e quanto à família do leão?

Bem, papai leão trabalha mesmo feito um louco na administração da Sociedade. Ele diz que faz isso pra que os filhos não precisem passar pelo que ele passou.

Mamãe leoa se divide entre jantares beneficentes e tardes na Daslu, onde comprou uma coleção de bolsas de couro ma-ra-vi-lho-sas, de tudo que é animal - inclusive de hiena e de leão, vejam só a ousadia! Ah, as manhãs ela passa na terapia da moda - antes foi psicanálise, agora é meditação. Pra ver se dá um jeito numa angústia besta, que ataca sem nenhuma explicação.

A leozinha mais velha foi estudar artes em Nova York. Voltou e fez uma exposição que ninguém achou graça mas foi um baita sucesso de crítica. Afinal, todos donos de jornais são amicíssimos do leão.

Tem uma que estuda administração e pretende substituir o papai no comando. Sua intenção é começar dando fim numa série de concessões inaceitáveis que o velho acabou fazendo às hienas ao longo dos anos.

Um outro se formou em direito mas não sabe bem o que quer fazer. Atualmente passa os dias enviando pela internet a Fábula da Galinha Vermelha. Fora isso, nunca trabalhou, mas assim mesmo ganhou enormes elogios do papai: "É isso mesmo, meu filho! Quem sai aos seus não degenera!"

Ah, já ia esquecendo, tem um outro, só que ninguém fala dele. Quando criança ele começou a fazer amizade com as hieninhas na rua. Como a segurança do prédio não deixava as hieninhas entrarem pra brincar, começou a ir brincar na casa das hieninhas na favela. Incrível, nunca deixaram de dividir com ele a pouca comida que a mamãe e o papai traziam de noite! Começou a achar que a história estava mal contada e foi estudar sociologia.

Ficou louco, coitado. Foi morar na favela e vive num aperto de dar dó. Mas se recusa totalmente a voltar a viver entre os leões. Disse que no último jantar de família teve uma crise de vômito incontrolável. A conversa na mesa versava sobre os absurdos que o governo anda fazendo com suas ações paternalistas pra agradar as hienas, quando é evidente que essa gente vive assim por opção, pois não querem pagar o custo de trabalhar.

E é claro que mamãe leoa que passa as tardes na Daslu, filhinha que faz arte em Nova York, filhinha que estuda na faculdade mais cara e o filhinho que passa os dias na internet postando a Fábula da Galinha Vermelha... só puderam concordar com entusiasmo!

Y... colorín colorado, este cuento se ha terminado.
Floresta-São-Paulo, agosto de 2009
Zé Ralf do C-do-Mundo 
 

sábado, 7 de janeiro de 2012

Ensaio sobre este admirável mundo novo do sexo quase livre



Ensaio sobre este admirável mundo novo do sexo quase livre

Quem pensa que o mundo está mudando, não leu nada do que autores do passado escreveram, ou leram e não deram a mínima importância ao que liam, porque o fizeram sob a ótica da religião ou da política, e assim justificaram os meios do que liam sem sequer desejar entender: a essência da humanidade.

Por isso, quando Abraão – o pai bíblico - disse ao rei filisteu Abimeleque que Sara, sua esposa, era sua irmã, este a tomou embora ela já tivesse 90 anos. Também, vendo as coisas sob ângulo livre, Jacó se oferece para trabalhar durante sete anos para pagar por Raquel. Como ele é enganado e acaba fazendo sexo com a irmã dela, Léia, ele tem que trabalhar durante outros sete anos para pagar por ambas. Podemos até imaginar um Jacó extremamente motivado para ser enganado e ficar com as duas... Quem pode garantir que não foi isso o que aconteceu realmente?

Podemos ler muito na Bíblia sobre sexo, traição, libidinagem, sodomia, tudo legalizado sob as bênçãos de Deus, se praticadas do “lado certo”. A humanidade não mudou nada sob este aspecto. O que parece ter mudado, foram as leis, mas estas não mudam a essência humana, porque apenas a põem á prova circunstancial e temporária: a moral muda com os tempos e volta sobre si mesma, reavivando o passado, tornando-se moda para depois cair na reprovação popular, em ciclos de maior ou menor duração. È fashion!

Os seres humanos já transitaram livremente completamente nus, compartilhando os mesmos problemas que hoje existem quanto às saias curtas, aos perfumes “atrativos” impregnados de almíscar, ou de roupas que sexualmente atraem. As próprias roupas femininas, de cor rosa, vermelha ou lilás, reproduzem as cores das genitálias femininas, um convite á prospecção masculina. As mulheres deixam os homens loucos com suas cores rosa, cor de seus sexos, mas negam a aproximação para aqueles que não desejam, porque, contrariamente aos homens, podem controlar seus desejos sexuais de forma muito mais fria e eficiente do que eles. O homem dá logo. A mulher controla e dá para quem quer.  

Do pouco que conheço de antropologia, e face á ascensão da mulher aos postos chave dos governos e á “igualdade” dos sexos perante a lei, os novos tempos são promissores para ambos os sexos, no que pese a velha guarda que dirá que tudo está mudando para a dissolução da família, dos costumes, do “status quo”. Ora, o status quo já vem mudando há séculos, renovando, alterando, mas voltando sobre si mesmo, aos velhos costumes que sempre existiram no “modus operandi” da convivência humana: o ser humano gosta de sexo, pelo prazer indescritível que nos dá, dádiva divina, que se não fosse para ser usada, nasceríamos assexuados, todos nós, homens e mulheres.

Mas então, alguns moralistas resolveram “legislar” sobre o sexo, segundo o seu enfoque: proibiram uma porção de coisas, que a humanidade continua desfrutando em surdina, na calada da noite, eternamente, desde os primeiros tempos de que temos conhecimento através da escrita. Tudo na base da resistência surda, como acontece com o contrabando: é proibido, mas existe há milênios e nunca se acabou com ele.

Quem não sabe ler e assume ares e linguagem pseudo-erudita de doutor "honoris causa" não é apenas analfabeto: É tendencioso, xiita, tapado, inocente, ignorante, convencido, presunçoso, limitado, imbecil, e de muitos outros atributos etecétricos, porque não vê o que é realmente verdadeiro e está na frente de nossos olhos de forma escancarada, renitente, não corrompível ao longo dos séculos: homem e mulher quando querem dar, não tem quem segure. Quem não acredita nisto, casa. Quem acredita, fica solteiro, gozando das delícias da liberdade. Essa coisa de que “tu és só minha, e eu sou só teu”, só funciona na perspectiva de crenças como em papai Noel, em duendes, em ressurreições, em fantasmas, em representatividade de senadores, deputados e vereadores, ou de governadores e presidentes.

Quem achar que estou errado, que me atire uma pedreira, uma chuvarada de granizo, ou raios que me partam. Perdoarei a todos porque não sabem o que fazem e principalmente o que lêem...

₢ Rui Rodrigues

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Carla, minha amiga!

Carla, minha amiga,

Imagino um mundo com muito mais espiritualidade que religião,
Com muito mais paz que disputas inúteis, irracionais, absurdas até,
Em que imbecis, travestidos de líderes religiosos,
Tentam provar para outrem que seu deus é melhor, senão único.
Penso, minha cara, nesse mundo de paz e vida e espírito.
Penso num mundo em que ninguém poderá ser perseguido ou morto,
Por idiotices, feito a cor da pele, o nome de seu deus, o lugar que mora,
Como gosta de fazer sexo, ou se come carne numa determinada sexta feira do ano.
Ah, minha cara, penso num mundo em que o homem seria realmente racional,
E, sendo racional, veria sim um Deus, pode ser na face de um Cristo louro europeu,
Negro africano, índio americano, amarelo asiático, ou moreno palestino.
Talvez, minha cara, esse Deus se mostre pra gente todos os dias na luz do dia,
Na lua da noite, no vento que carrega sementes,
Talvez, no sorriso de uma criança, no andar de uma idosa,
Penso num mundo utópico, onde as janelas ficariam abertas,
Onde o prato de pão não precisasse ser repartido pois, nesse mundo utópico,
Todos, minha cara, todos mesmo,teriam o mesmo direito!

Um imenso abraço, Paulo César Pacheco, 30/12/2011.

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Inversão de valores, ou simplesmente mudança comportamental influenciada?

Que a globalização deu ao mundo uma outra orientação, é indubitável. Mas nem todas as transformações aplacadas foram salutares, ao menos sob minha ponderação.

A propensão da globalização corrobora terminantemente originando atos comuns particularmente entre os mais jovens, e as vezes nos nem tão jovens assim, mas, moderninhos. Estes últimos num ato penoso, não alcançam a autenticidade, mesmo após afadigar-se por descobrir, ir na onda como dizem os genuínos moderninhos.
Dimanando desta variação de atitude, não autêntica, por vezes os colocam numa conjuntura maljeitosa.

Este não é o caso, pois a personagem que virá a seguir é uma autêntica jovem, e não se colocou em nenhuma situação embaraçosa, eu a tomarei como um simples exemplo para justificar talvez o título da postagem. 

Pois bem, hoje recebi um conselho de uma jovem, destas jovens antenadas que participam dos fóruns na internet postando, comentando e dominando os mais diversos assuntos.

Comentando a mesma postagem de minha autoria pela segunda vez, essa jovem me fez um alerta para a desnecessidade do meu agradecimento a cada comentário feito. Transcrevo aqui na íntegra o comentário feito por ela:

“Dagmar, me desculpe o conselho, mas você não devia agradecer ninguém por comentar. A gente comentou porque se interessou pelo tema, é a lógica do Portal... Abs”.

E, antes que eu respondesse o comentário da jovem, uma outra participante deste mesmo fórum, com um diferencial por tratar-se de uma jovem senhora, escreveu como resposta ao comentário daquela o seguinte:

“.....eu acho que o Dagmar está certo. É questão de delicadeza com quem comenta no post que a gente coloca …. È tão bom ver comentários nos posts que se coloca, como acho que a pessoa que faz o comentário também gosta de se ver reconhecida....É o que penso.”.

Depois de ler os dois comentários, primeiro o da jovem e na sequencia o da jovem senhora, e responder a ambas (agradecendo ainda que desnecessariamente) comecei a refletir: Estaria eu ali presenciando que tipo de desencontro? Para logo na sequencia me vir na memória alguns fatos corriqueiros do nosso dia a dia.

Como se tornou comum vizinhos coabitarem o mesmo condomínio por décadas, e inexplicavelmente não conseguirem nutrir uma simples amizade, ou, ao menos terem a gentileza de desejar um simples bom dia mutuamente.

Gestos simples como segurar a porta do elevador são evitados, muitas das vezes fingi-se não ver o outro para não correr o “risco” de dividir aquele espaço confinado com um “estranho”, no caso o “estranho” pode ser um vizinho de longa data, mas sabe-se lá, melhor evitar, vai que falta energia elétrica e você ficará obrigado a ficar ali enclausurado com um “estranho”. Nunca se sabe, na dúvida é bom evitar, como diziam os não jovens é melhor prevenir.

Fiz uma experiencia, sem embasamento cientifico, (pois não teria capacidade para isso) por pura curiosidade.

Acordei com o propósito de cumprimentar “quase” todos aqueles que estivesse ao alcance dos meus olhos, primeiro para praticar o hábito da boa educação, e depois para analisar a reação dos que eu me dirigia.

Logo cedo no caminho até a padaria, passei por uma senhora, esta foi a minha primeira “vítima”, ao cumprimentá-la com um cuidadoso bom dia, digo cuidadoso pois, do jeito que as coisas estão ultimamente, não se sabe qual seria a reação, mas, não para minha surpresa, mas satisfação recebi um largo sorriso amarelo e, com uma voz baixa e gentil a retribuição de um bom dia, seguido de um: Como você está? Foi impossível ignorá-la mantendo o rítimo dos passos, acabei acompanhando-a até à padaria.

Sempre mantendo o propósito da minha pouco comum caminhada matinal até a padaria. Passei a dividir minha atenção entre a senhora, e os cumprimentos aos transeuntes. Consegui com isso despertar sua admiração, num dos seus comentários elogiou minha atitude, dizendo ser raro ver pessoas comportando-se assim ultimamente, fato que era comum até alguns anos atrás (mau educadamente eu não revelei para ela que tudo aquilo tinha um propósito).

Observei as mais variadas reações. Houve aqueles que respondiam prontamente e sorrindo, alguns respondiam assustados, outros respondiam com as palavras entre os dentes, muito possivelmente pensando “quem será esse cara? Ele deve ter me confundido com alguém!”. Houve casos de algumas crianças que caminhando para o colégio acompanhados por suas mães, e ao verem suas mães respondendo ao meu cumprimento não conseguiam segurar o riso, outras ficavam sérias e seguiam seus trajetos, mesmo sem dizer nada continuavam voltadas para trás me fitando-me, sabe-se lá o que passava naquelas cabecinhas.
Os cumprimentos da moça da padaria foi normal, aliás existem também este tipo de cumprimento, aquele obrigatório com o único objetivo de agradar o freguês, este é norma da casa.

Mais tarde, após ler o jornal e dar uma olhadela nas publicações e comentários feitos durante a madrugada nos grupos Documento Ditadura e no Consciência Política Razão Social no facebook, (mais tarde voltarei a olhar os demais grupos e os blog que administro e alguns que sigo) voltei à minha “pesquisa”. Á esta altura já eram outros os transeuntes, agora muitos jovens e alguns adultos.

Agora sim pude presenciar a reação dos autênticos jovens influenciados pela “modernidade” da globalização.

Mas mesmo entre estes não existe unanimidade, pois foram variadas as reações, do tipo: E aí “véi” beleza?, Bom dia como vai o senhor?, Olha o comédia rsrsrsr, e por aí vai.
Mas, um detalhe em especial me chamou a atenção, os jovens tendem a serem menos receptivos, chegando algumas vezes a partir para o deboche, e infelizmente até para a ofensa verbal, quando estão em grupo, ou duplas. Quando sós, tendem a ser educados, mostrando que determinado comportamento não é natural, mas provocado pelas circunstancias. Neste caso a preocupação deles está em, o que o meu amigo pensará caso eu seja educado? Certamente não se encaixará no perfil desta nova geração, onde ser educado pode ser confundido homofóbicamente.
Dag Vulpi

A fome no mundo e os terrenos baldios



Nas fronteiras das cidades o que mais se vê são terrenos baldios, a maior parte deles comprados na esperança de que o crescimento das cidades se desenvolva naquela direção. Ficam ali parados, inertes, esperando valorização por anos. São vendidos quando os donos precisam de dinheiro. Boa parte deles é de terras férteis, de antigas fazendas e granjas que proliferavam às margens da cidade, terras de cultura.  Loteados, a maior parte deles é de 360 m2. Nas cercanias, vive gente de baixos ou nenhuns recursos que precisam comprar alimentos para comer. Porque não se usam essas propriedades como horta urbana enquanto esperam para serem vendidas?

Não se usam por um conceito ainda não explorado, em sua essência, do que é a propriedade e o seu uso. É conceito legal de que o proprietário, enquanto o for, determina o seu uso como bem inviolável. Muitos desses terrenos, herdados, têm ficado no esquecimento do uso potencial por séculos. Alguns proprietários mandam limpar o terreno do mato que cresce, outros nem isso fazem. Uma lei, que se conhece como “uso capião”, determina que se reverta a propriedade aqueles que a usam por pelo menos cinco anos, dado o desinteresse do dono em reclamá-la perante a lei.  

Mas onde cresce o mato, podem crescer tomates, cebolas, pepinos, abacaxis, batatas, milho, mandioca, salsa, alfaces, feijão, abóboras, melões... Esses terrenos podem ser utilizados por aqueles que estejam dispostos a uma produção agrícola de subsistência sem que os donos do terreno percam a sua posse.

Basta apenas uma lei, adulta e inteligente, que permita o uso destes terrenos, de forma temporária, por quem necessite plantar para comer, longe de arrendamentos ou comodatos. Agricultura não deteriora o solo para uso em construção civil. Terrenos maiores do que 360 m2 podem ser “loteados” provisoriamente por diversas famílias das cercanias, interessadas em plantar, sem que os donos legais percam o direito de propriedade. Podem vendê-la a qualquer instante sem que seja “depreciada” pelo uso provisório.

O uso racional e social da terra não atenta contra a irracionalidade do capitalismo da propriedade.

Rui Rodrigues

sábado, 10 de dezembro de 2011

Temos que salvar tudo





Quando ainda garoto, ouvi uma história que se gravou em minha memória. Não lembro se a ouvi de meu tio – que me contava algumas histórias de vez em quando – ou se foi pelo rádio, num programa de Maria Patacho, em que as histórias eram contadas pelos próprios personagens e com sonoplastia. Este era um grande programa para crianças. Foi tão bom ser criança que ainda continuo sendo um pouco dessa coisa que não se deve desperdiçar, e que deve ser salva, também, pela humanidade. Uma das histórias que me contou meu tio, ou ouvi, falava de um pai que, tendo sido mordido por um cachorro raivoso, pediu á filha ou ao filho, que o amarrasse bem a uma pilastra para que não atentasse contra a vida de seus filhos se por acaso ficasse doente de raiva. Essa história me marcou: alguém se precavia de sua própria violência para salvar alguma coisa. 

Infelizmente chegamos num dos primeiros grandes sintomas de que algo não corre bem no nosso planeta, limitado em tamanho. A Holanda conquistou terras ao mar e tornou-se maior. Não podemos fazer o mesmo com o nosso planeta. Por mais que possamos usar criteriosamente a superfície terrestre, um dia chegaremos infalivelmente ao limite de não caber mais nenhum ser vivo adicional, sob pena de colapso total, extinção. Sabemos também que não é necessário atingir tal limite para que a humanidade se destrua a si mesma. Antes mesmo de atingidos os limites, o stress será tal que as tensões levarão a guerras de aniquilação. Tais guerras serão de preservação de raças, de nações, mas não me admiraria se em vez de guerras raciais viessem a serem guerras de aglomerados financeiros. O capital invadiu as defesas dos conceitos de família e de Estado, e sem bandeira, moral ou religião, tomam conta do mundo.

Nesta primeira fase de degradação da humanidade, assistimos à extinção de espécies, não por efeitos naturais de clima, de vulcões criando invernos nucleares, meteoros ou cometas colidindo com a Terra, ou vírus destruindo a vida que conhecemos. A extinção das espécies se processa de forma acelerada pela invasão de terras virgens, santuários de vida selvagem, porque a humanidade não tem freio para a sua ambição. Infelizmente, ambição por dinheiro, por terras, pela riqueza que essas terras podem proporcionar, ou no caso de baleias, que continuam sendo mortas de forma premeditada, pelos lucros que a sua carne dá aos assassinos e aos receptadores dessas carnes que devoram por puro prazer inconseqüente. Matam-se gorilas porque alguns idiotas que acumulam este título com o de “reis” da ignorância teimam em crer que as mãos desses gorilas produzem uma potência sexual acima da média. Da mesma forma, outros idiotas acreditam que chifre de rinoceronte produz uma potência sexual que perderam ao longo dos anos, sem perceberem que a falta não é de potência sexual, mas de interesse pelo sexo. Outros idiotas ainda caçam javalis, elefantes, qualquer tipo de caça, porque preferem não proteger suas propriedades e investir em outras coisas, como por exemplo, em armas de caça ou em falsa fé por crença ignorante. Todos estes acham que a verdade, o governo a religião ou o planeta lhes pertencem exclusivamente, porque têm dinheiro para comprar alguma coisa e pouca inteligência para poder julgar do que é ou não justo.

Salvemos os botos, as tartarugas, os pandas, os cachorros e gatos vadios, as florestas, as fontes de água potável; salvemos as terras dos agrotóxicos, o ar da poluição dos aviões, das fumaças de fábricas, os solos da contaminação de materiais radioativos, de milhões de toneladas de merdas cagadas todos os dias pela humanidade; salvemos as plataformas marinhas da poluição dos poços de petróleo, dos esgotos que deságuam nos oceanos; salvemos as crianças que morrem nos hospitais, ou a caminho, porque não há recursos para salvá-las; salvemos as crianças porque não têm o que comer; salvemos as crianças porque não têm acesso á educação; salvemos os adolescentes porque não têm acesso ao trabalho justamente remunerado; salvemos as famílias porque sem educação básica, gastam onde os anúncios lhes dizem para gastar e não onde e como deveriam; salvemos a educação, a saúde, o saneamento básico, porque causam mortes disfarçadas de destino.

Mas salvemos tudo isto de quem? De quê?

O que molesta a nossa inteligência, e nos reduz a cacos de pedras, é que devemos salvar tudo isto de nós mesmos. Devemos salvar a humanidade empedernida de falsos conceitos, desviada por propagandas tendenciosas, de deficientes programas de governos, dos verdadeiros objetivos: Viver bem e feliz, de forma sustentável.

Mas se a própria humanidade não toma consciência de seus objetivos, então a natureza se encarregará de repor a ordem no mundo que desarrumamos e degradamos.

Rui Rodrigues 

terça-feira, 6 de dezembro de 2011




O enigma dos sete ministros
(baseado no célebre conto de Alu Baba e os 38 ladrões)

Era uma vez um Grande Reino que abrangia desde as selvas de muitos acres, passando pelas areias dos lençóis de água cercados de areias, por savanas cerradas, por planícies, montanhas e vales às pampas. Era um grande Reino, onde tudo era alegria. Antigamente era governado por um Califa- Alilula Bar Ba Abudo com seus ministros, mas nos últimos tempos, foi governado por uma amiga do Califa impossibilitado que ele ficou de governar por causa de uma rouquidão crônica. Esse Califa era muito honesto, tanto que quando lhe vieram contar que seu filho e uns amigos de adolescência se aproveitavam de descuidos nos cofres públicos – que assaltavam – foi logo dizendo que não segurava a barra de ninguém, numa clara demonstração de que não importam os laços familiares quando alguém urina fora do penico. Com a rouquidão, sua melhor amiga assumiu o poder por recomendação do próprio Califa –agora ex-califa- ao povo que o adorava. A missão dela seria seguir em frente, e se algo desse errado, ele seria re-eleito. Mas o governo do Califa tinha sido tão bom, que o povo, por pura fé, e sabendo que sua amiga estava no governo, a apoiaria incondicionalmente. Por isso, tudo o que acontecesse de errado no Reino seria atribuído à conjuntura internacional, a crises, aos inimigos políticos. Os fundamentos que regiam o Reino seriam preservados. Todos a temiam e era mesmo de Têmer, porque ela governava na base do Pêtêléco.

Mas Califas honestos, não obriga a que o bando também seja.

Eram então 38 os ministros do Reino. Sátrapas mais precisamente, porque tinham autonomia para muitas coisas, como se governassem reinos solidários. Para se ter uma idéia, esses ministros tinham à sua disposição um orçamento de cerca de 600 bilhões de Corruptelas (Corruptela é a moeda nacional do reino). Como o faturamento anual do Reino é de cerca de três trilhões, esses ministros tinham muito poder, porque lidavam com cerca de vinte por cento de todas as corruptelas disponíveis. Em seis meses de reinado, a amiga do Califa, deu sete Pêtêlécos. Sete ministros foram pro brejo por denúncias de apropriação e distribuição a rodo de bens públicos, mais precisamente, de corruptelas, a moeda forte do país. Havia indícios, mas ninguém reparava nos indícios. Um deles era a arrecadação de impostos, cada vez mais a cada trimestre, batendo records, mas os serviços públicos – a cargo dos ministérios – ficam cada vez mais deficientes. Para onde ia o dinheiro?  Ninguém se perguntava, ninguém sabia. Aceitavam o fato como chuva que cai no meio de um pic-nic, à providência, não divina, mas das “coisas”, da “conjuntura”, do “momento”, da “oposição”, jamais à generosidade ministerial em relação às verbas públicas. Mas nem havia oposição no governo nem nos ministérios, porque todos andavam á volta do mesmo: a distribuição das verbas públicas.

Nenhum jornal do Reino publicou algo em que se perguntasse se haveria um “chefe” por detrás dos ministros, como no velho conto do Ali Baba Preta e os 38 ladrões. É como se os ministros não fossem organizados e roubassem por conta própria. Era inadmissível para o povo crente e leigo, que houvesse alguém por detrás de tudo isso, arquitetando, fazendo estratégias... Já o povo mais laico e ileigo achava que tudo isso era uma grande armação para se apoderarem dos tesouros nacionais. Um roubava aqui, outro ali, todos aprovavam as contas de todos e quando uns saíssem do poder, e outros entrassem, todas as contas seriam também aprovadas. Também nenhum órgão da mídia média ou da mídia baixa, ou da mídia alta se preocupou com o fato dos órgãos Públicos nunca descobrirem nada: Quem descobria tudo eram jornalistas que nem fizeram curso para detetives, nem cursos de polícia, nem cursos de advocacia, nem eram juízes estaduais ou federais... Estranho, mesmo, era que os ministros fossem tão imbecis de se deixarem apanhar com a mão dentro do pote de açúcar – como criancinhas – ou melhor, dentro do pote do tesouro onde se guardavam as Corruptelas – a moeda nacional do Reino.  

O povo chorava as suas corruptelas perdidas, porque cada ministro que saía não ia preso, não pagava indenizações, não devolvia as corruptelas, supervalorizadas, Sempre que era necessário dar um jeitinho – uma das famas do Reino – emitiam e aprovavam uma Medida Provisória e numa noite de votações, lá se ia esfarrapando a constituição...

Era um grande mistério, o caso dos sete ministros, todos eles com culpa no cartório, saindo muito mal na fotografia. Um deles disse que só saía a tiro, e desprezando o fato da Califa ser já avó, passada da fase de deslumbramentos amorosos, pediu perdão declarando-lhe amor! – Disse que a amava... Mas o que o povo mais se perguntava era sobre a epidemia... Seriam apenas sete dos 38? Ou seriam mais, ou todos?

Houve até quem fosse apanhada recebendo dinheiro á sucapa, sem declarar seu recebimento e foi absolvida por aqueles outros que na mesma função dela a isentaram... Grupo? Quadrilha? Bando? ... Mas quem será o chefe?

Nos velhos tempos do Reino, quando Bancos passavam mal de finanças, deixava-se o banco – ou os bancos – falir, para que aprendessem. Um dos 38, que tomava conta da economia, resolveu doar as Corruptelas aos Bancos para ajudá-los a evitar uma crise... Mas não evitou, e os Bancos estão cada vez mais ricos... Todo dia diz que a crise que grassa e assola Outros Reinos do planeta, será suave, mas o crescimento da economia neste ano, beira o zero... Mente muito esse ministro. Esse não deve ser o chefe do Bando, mas certamente deve ser o “caixa”...

O povo espera o desfecho final, porque vai cair mais um: Ali Pi Menta e Tal. Com oito ministros de 38, em seis meses, nos três anos que restam á Califa, não sobrará nenhum, e como não devolvem nem uma corruptelazinha sequer, os cofres ficarão vazios. Quando ouro Califa for eleito, aprovará assim mesmo as contas do Califado anterior e dirá que a culpa foi da Califa que acabou de sair e dos outros anteriores.

Há algo de podre no Califado das Corruptelas. Esperamos que a mídia resolva o mistério, porque nenhum ministério sabe o que está acontecendo...

Kadu Kastranjo