sobre a esperança
Para
uma criança de 10 anos no inicio da década de cinqüenta, em Lisboa, uma viagem
de ônibus de pouco mais de quarenta km, contando a volta, era uma aventura de
descobrimentos de paisagens e coisas jamais vistas, apreciadas, como um copo de
café com leite em Caneças [1]com queijo saloio[2] e pão de casca quente e
quebradiça. Era uma verdadeira aventura, principalmente na saída, quando tudo
poderia acontecer e a expectativa era muito grande. Invariavelmente, fui me
habituando à monotonia das viagens de ônibus normais em que nada acontecia.
Nenhum empecilho, nenhuma dificuldade, nem um simples desastre sem feridos. Era
tudo normal, seguro, sem aventura alguma. Aventura era coisa das revistas em
quadrinhos e dos filmes de desenhos animados. Revistas havia muitas. Televisão
sabia-se que já existia no Reino Unido e nos EUA, mas ainda não em muitos
países do mundo. Os desenhos animados, somente podiam ser vistos em cinemas, em
“Cinemascope” a ultima novidade colorida das telas de cinema.
Foi assim que percebi o que nos movimenta no mundo: a esperança em que algo aconteça ou vá acontecer no dia seguinte. Quem não esperar nada de diferente ou gostoso para o dia seguinte, está morto ou em franca depressão. Pelo menos temporariamente, até que tenha esperança de algo de bom aconteça no dia seguinte, como por exemplo, uma viagem de ônibus de cerca de quarenta km, a lugar desconhecido, incluindo a volta. Na ida se vê a paisagem de um lado da estrada, e na volta o outro (há que tomar cuidado para não voltar olhando o mesmo lado da paisagem de ida). Porém, em nossa vida, fazemos uma viagem apenas de ida. Nascemos para uma grande viagem, durante a qual só vemos um lado da estrada. O outro permanecerá oculto para todo o sempre, porque não há viagem de volta, pelo menos, de forma consciente. Em particular, se apostar minha vida na esperança de um dia poder fazer a viagem de volta de forma consciente, estarei perdendo todas as perspectivas desta minha viagem, porque não há notícia de quem tenha feito a viagem de volta. Minhas esperanças devem, portanto, concentrar-se nesta minha viagem única, tentando torná-la o mais agradável que me for possível. Se, para tornar a vida de outrem agradável, tiver que transformar a minha vida num inferno, terei um grande e grave problema: doar o que Deus me confiou apenas para mim, de forma realmente egoísta. Evidentemente que tenho consciência de que devo – e tenho a obrigação – de tornar a vida daqueles que me cercam o mais feliz que me seja possível, mas não a ponto de tornar-me infeliz. Se o fizesse, seria um suicídio de minha felicidade, anulação dos princípios da vida, coisa que até qualquer religião proíbe a seus fiéis, muitos deles de fidelidade questionável.
Sem
esperança, não vamos a lugar algum. Cruzamos os braços e esperamos a morte
chegar, deprimidos, sem sabermos para onde ir, o que fazer. Sabendo disso, os
governantes, ao longo da história, têm nos brindado com as melhores e mais
atraentes doses das mais diversas esperanças, uma delas, a mais “gratificante”,
a de que podemos obter um lugar no “céu”, lugar paradisíaco, sem problemas,
apenas com tudo o que almejamos ter na vida e não conseguimos obter. Faço-me
sempre a mesma pergunta: O que pode almejar no céu, quem aqui na terra já teve
de tudo? Obtenho sempre a mesma resposta: Provavelmente desejará o inferno, na
esperança de que possa ter algo que ainda não teve. Para esses, sua esperança
reside em que, ao final desta viagem, se depare com um inferno cheio de
novidades.
O
que será para cada um de nós, leitores, ao final desta vida?
Céu,
inferno, ou purgatório, onde purgamos não sabemos o quê, porque razão, para que
fim, sem ao menos sabermos o que tem no céu, no inferno ou no purgatório...
Creio que precisamos urgentemente rever as nossas esperanças nesta viagem na vida sem bilhete que nos garanta a viagem de retorno. Haverá alguma esperança de que possamos entender que esta vida é a única oportunidade que temos de estarmos conscientes, e de que não podemos fazer absolutamente nada de que possamos nos arrepender? E que se o fizermos, devemos compensar quem prejudicamos?
Rui Rodrigues