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quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Crônicas do Pontal do Peró - Comandantes de naus!


Crônicas do Pontal do Peró

(Comandantes de naus, navios e outros artefatos náuticos que por um segundo de arco num segundo de tempo, se afastam da lógica para mostrar alguma coisa sem muita lógica)


O circulo tem 360 graus, cada grau dividido em minutos e segundos de grau. Os rumos da navegação terrestre, naval ou aérea, são expressos desta forma. Uma mudança de rumo de poucos segundos de grau, mantida durante uma hora, pode resultar em distâncias de quilômetros do alvo que se pretendia atingir.  Isto tem sido causa de muitos desastres na história da navegação, em qualquer lugar do mundo, em qualquer época da história das civilizações. O tempo também se mede em minutos e segundos, mas no sistema sexagesimal, isto é, cada minuto tem sessenta segundos, mas para não caírem numa solução de continuidade, resolveram que os segundos do tempo deveriam ser medidos em centésimos, milésimos, milionésimos, misturando dois sistemas de medição: o sexagesimal e o decimal... Não os culpo por isso, embora eu ache que deveria haver coerência. O dia deveria ter dez horas, divididas em cem minutos e cada minuto em cem segundos. Cada segundo em tantos “... lhonésimos” quantos quiséssemos... A vida nossa de cada dia seria muito diferente da que temos hoje, e a garotada que começa a aprender lógica nas escolas, não ficaria engasgada com estas incoerências... Ainda hoje nos perdemos por completo com o sistema de subdivisões incoerentes da Libra Esterlina do Reino Unido pela mesma absoluta razão. Tenho certeza absoluta que o Banco da Inglaterra não vai mudar as subdivisões da libra tão cedo, assim como ninguém irá mudar a hora para conter cem minutos e cada minuto cem segundos. Há muitas coisas neste mundo que ninguém está disposto a mudar pelo simples motivo de que não há uma aparente “boa” razão para mudar.

Mas o que isto tem a haver com o Peró?

Tem muito...

Lá pelo ano de 1.500, um comandante de navio saiu da rota, equivocou-se e descobriu um continente imenso: o Brasil, que depois de ser dividido entre Portugal e Espanha pelo Tratado de Tordesilhas, com a benção do Papa, passou a chamar-se América do Sul, por causa de um imediato chamado Américo Vespúcio que veio com a frota de 1501 e fundou uma feitoria aqui em Cabo Frio. Os comandantes, como se pode ver, equivocam-se muito nas rotas, descobrem terras ou pedras, mas não emprestam seu nome para os lugares que descobriram. Nem o famoso Cristóvão Colombo, mas este ainda teve um pouco de sorte: um país, a Colômbia, honrou-lhe o nome. Hoje seria inimaginável chamar os Estados Unidos da América do Norte, de Estados Unidos da Cristóvânia do Norte. Seria um absurdo, que jamais ocorrerá mesmo que fosse por questões de reposição da justiça: beneficiar a memória do nome do comandante descobridor em detrimento do nome do obscuro imediato que só recebia ordens do comandante.

Naquela época não havia comunicação por rádio, e usar pombos correio para distâncias tão grandes, era inviável. Uma carta mandada do Brasil para a Europa demorava aproximadamente seis meses, e a resposta para chegar, outros seis... Mas se já houvesse esse tipo de comunicação – poderia ser um celular - talvez pudessem ter gravado uma conversa como esta, referente ao desvio de rumo de Pedro Álvares Cabral, o comandante da frota que ia para a Índia, do outro lado do globo e se desviou tanto que deu com os botes nas águas calmas e lânguidas – até hoje – das baianas terras de Baía Cabrália:

(Porto de Lisboa- Centro de Comando da Expedição para a Índia- Comandante João Garfo)

Comandante João Garfo: - Está? É o senhor comandante Cabral?

Comandante Cabral – Sim, sou eu mesmo. Em que posso servi-lo?

Comandante João Garfo – Desejo saber se já chegou ao Cabo da Boa Esperança, a caminho das Índias...

Comandante Cabral – Não, não... Muito longe disso, um oceano inteiro de largura longe disso. Estou na Terra dos Papagaios, também chamada de Vera Cruz, ou do Pau Brasil...

Comandante João Garfo – Advirto Vossa Excelência que esta conversa está sendo gravada. Volte logo para o caminho das Índias. O senhor desviou-se muito da rota. Se houver algum desastre a culpa é sua.

Comandante Cabral- Ora a culpa é minha!... Onde já se viu uma coisa dessas? Porque não me avisaram que minha frota se estava desviando da rota? Só agora que cheguei ao Brasil é que me avisam? Isso não é justo.

Comandante João Garfo – Fica Vossa Senhoria avisada que deve voltar agora mesmo para a rota das Índias porque se não o fizer, vou fazer da sua vida um inferno. Será excomungado e sua Alteza Real, o Rei, o desterrará para a sua terra natal onde será esquecido. Volte para a R-O-T-A das Í-N-D-I-A-S já. Porra! Está me desobedecendo?

Comandante Cabral – Não. Não estou desobedecendo, mas há um oceano muito grande pela frente até chegar ao Cabo da Boa Esperança e depois ainda temos o Oceano Índico para atravessar. Não vou chegar a tempo de assistir aos jogos olímpicos de Calcutá...

Comandante João Garfo – Como castigo por sua falta de atenção aos rumos, comandante Cabral, e sua relutância em retomar o caminho das Índias, o Continente se chamará América do Sul. América, em homenagem ao seu estúpido imediato Américo Vespúcio que nunca teve o mérito de ser convidado para comandante de frota alguma. Nem de venezianos, nem de portugueses, espanhóis ou mesmo ingleses, franceses ou holandeses.

Como sabemos, Cabral retomou a rota das Índias, quando lhe deu na telha e não quando o comandante João Garfo o intimou. Talvez como vingança pelo esporro e pela desconsideração sobre o uso de seu nome para identificar o continente, somente seis das treze naus chegaram às Índias. As sete naus afundaram por tempestades, fogo a bordo, rochedos pelo caminho...

Recentemente, agora em janeiro de 2012, um italiano ao navegar no Mediterrâneo comandando o “Costa Concórdia”, navio de turismo, deu-se conta da situação econômica da Itália, do congelamento dos salários, da redução dos benefícios de aposentadoria, mas os preços das viagens não baixaram e os navios continuavam cheios, abarrotados de turistas. Perguntou-se muitas vezes onde estava essa tal de crise que ele não via nenhuma, mas por conta da auto-sugestão coletiva de que havia crise, os cidadãos italianos estavam pagando por um pato fantasma: o pato dos homens do governo que exauriram as reservas italianas.  Perguntou-se se Silvio Berlusconi teria ficado menos ou mais rico com a tal crise, mas não teve tempo para obter a resposta. O comandante sentiu que estava sendo enganado, e pensava exatamente nisso quando o Costa Concórdia bateu numas rochas e afundou pela metade. Para o comandante, embora talvez não tenha sido a intenção, o barco ficou nas fotografias como o “seu” monumento resposta popular á crise internacional das finanças.

Ao caminhar pelas areias da praia do Peró, nesta manhã, fiquei com a certeza absoluta de que não se pode brincar muito com comandante quando a administração sai do rumo...

Rui Rodrigues

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