A nuvem branca de fumaça.
A população mundial andava
perturbada com as transformações atmosféricas. Havia secas em todo o planeta,
chuvas torrenciais, furacões, terremotos, em escalas nada habituais e doenças
que se julgavam extintas voltavam a recrudescer. Um surto de Ebola em África
parecia estar fora de controle. O planeta parecia no início de uma
transformação letal. Não que as transformações fossem letais para o planeta que
até já tinha passado por muitas delas, e em pelo menos duas vezes tinham extinguido
98% das espécies, mas para essa vida frágil que muita gente pensa ser forte,
ilimitada, perene. Nessas horas de temor generalizado os templos se enchem, as
famílias se dissolvem, os assaltos e crimes em geral aumentam, e até os que se
dizem completamente ateus levantam os olhos aos céus e dizem para si mesmos:
“Se realmente existes é agora a hora de apareceres e salvares a tua Obra”.
Depois se lembram do dilúvio que nunca viram, imaginam aquela desgraça toda e
tomam ciência instantânea de que Deus, se existir, de vez em quando é vingativo
e então perdem a esperança. Nem por isso voltam imediatamente a serem ateus,
mas ficam em cima do muro, por assim dizer, sem saber a quantas andam, para que
lado caírem. Os crentes também não sabem a quantas andam nessas horas, mas têm
uma vantagem muito grande sobre os demais: Enquanto as desgraças não lhes batem
à porta, vêem os males acontecerem aos outros e pensam que “esses” não mereciam
as bênçãos d’Ele, o todo-poderoso e que por isso ficaram desamparados. Quando
finalmente os males das grandes catástrofes também os atingem, perguntam-se
estes crentes: “Que mal eu fiz a Deus para morrer assim?”, e morrem sem
resposta, nas desgraças que varrem crentes e ateus, nelas irmanados, aos
montões, soterrados, afogados. As catástrofes são geralmente assim, provocando
morte por soterramento ou afogamento, e mesmo quando se trata de ataque
generalizado de vírus primeiro se pára de respirar e depois se é enterrado aos
montões. A não ser em Pompéia não se tem mais notícias de grandes catástrofes por algo que venha dos céus a altas temperaturas, como lavas de vulcão,
meteoros, nuvens de gás. Em Bopol na Índia houve mortes em massa por causa de
uma nuvem, mas foi por causa de um produto tóxico liberado por acidente numa
fábrica de produtos químicos. Na Rússia também caiu um meteoro lá pelos idos
dos 1.800, mas não houve notícia de mortes. Só uma clareira enorme aberta na
floresta com árvores queimadas, tocos ardentes. Um meteoro irrompeu dos céus
também na Rússia na primeira década do século XXI, e foi até filmado por um
sujeito com sua câmara fotográfica de telefone celular, ganhou o título de
cinegrafista amador por um breve instante nas televisões mundiais, mas ficou no
anonimato. Quem se lembra do nome desse sujeito que filmou aquele clarão tão
forte descendo dos céus que iluminou mais do que o Sol? Parece que até para nós
mesmos não somos assim tão importantes como nos julgamos. Se pensarmos como
Deus nos deve ver, então... Nem é bom pensarmos nisso, porque podemos chegar à
triste conclusão de que pode ver-nos como simples, minúsculas e quase
inexistentes formigas, indiferenciáveis umas das outras.
Naquele pequeno lugar à
beira-mar, moravam apenas cerca de cinqüenta pessoas que no final de semana se
multiplicavam por dois ou três, desde que não fizesse frio. Quem morava
conhecia o Pedro Paulo, um sujeito dos seus quase setenta anos, forte, que
morava e subsistia sozinho quase sem sair de casa. Não incomodava os vizinhos, dizia-se Deísta,
isto é, que acreditava num Deus, mas que não era nem igual ao dos judeus, dos
cristãos, muçulmanos, budistas, taoístas, xintoístas ou de qualquer outra
religião conhecida. Para ele Deus era cientista, químico, geômetra, navegador,
médico geneticista, matemático, e talvez o planeta Terra fosse como que uma
plaqueta de sangue que corria pelas veias imensas de um Deus imenso, invisível
assim como as plaquetas de sangue também não podem ver o corpo que habitam por
estarem dentro dele e terem os “olhos” muito pequenos e despreparados. Por
vezes achava que esse Deus fosse tão pequeno, e por isso também não podia ser
visto, que estivesse até dentro de cada grão de areia, gota de água, átomo,
elétron, quark, dentro de cada ser vivo ou inerte. Não chegava a ser um sujeito
esquisito, o tal do Pedro Paulo, mas era um sujeito diferente. Era o que se
poderia chamar de desperdício cultural porque não fazia nada com o que sabia.
Já tinha feito. Agora passava uma ou outra informação quando se juntava com
amigos num churrasco, cada vez mais raro, mas os vapores da cerveja levavam as
informações para algum lugar desconhecido porque depois ninguém se lembrava de
como era mesmo aquela coisa de uma partícula poder sentir que uma outra gêmea a
milhares de quilômetros de distância poderia trocar seu sentido de rotação se a
outra também a alterasse, de forma tão instantânea, que aparentemente a luz
teria que viajar a mais de 300.000 quilômetros por segundo, e isso, sabia-se
ser impossível. Completamente impossível.
Primeiro foi o próprio Pedro
Paulo que se admirou com a fumaça que vislumbrou lá fora da sua casa, por volta
das 19 horas, já escuro. Como tinha ateado fogo a umas madeiras na
churrasqueira, apenas para aquecer o ambiente, espantar alguns mosquitos
perdidos e dar-lhe uma movimentação diferente, chegou a pensar que poderia ser
a fumaça que se condensava ao enfrentar os ares frios da frente que chegava do
Sul, lá da Argentina e do Chile, da Patagônia, mas quando olhou para o topo da
chaminé viu que a fumaça vinha de lá e que o vento a empurrava e espalhava
campos afora, casas adentro, sempre se alastrando, alastrando, sem
aparentemente perder a densidade. Os
ventos, esses inconstantes, tanto espalhavam para Norte, quanto para Leste,
Oeste e até mesmo para o Sul de onde vinha a frente fria. Por volta das 20:00,
Pedro Paulo resolveu pegar o seu carro para ver até onde ia a neblina.
Pareceu-lhe sentir um leve cheiro de churrasco mas isso era impossível, porque
apenas acendera a lenha da churrasqueira e não pusera nenhuma carne ou peixe
para assar. A madeira era proveniente de galhos secos destroncados, desses que
as ventanias fazem arrancar quando os fazem bater uns nos outros como se fossem
inimigos. Uns caem e secam no solo outros progridem, dão folhas, flores e
frutos, aves e pequenos animais pousam e neles geram vida. Nunca se entendeu a
seletividade da natureza quanto aos galhos. Porque uns caem e outros não, mas
aparentemente não havia nenhum projeto em universidades para determinar essas
diferenças numa mesma árvore e em árvores diferentes, nem em relação às estações
do ano e ambiente. Entende-se se atentarmos para o fato de que também não há
estudos de nuvens, sua relação em densidade, temperatura média, ionização, proveniência,
volume, e todas essas características próprias e do ambiente que as envolve
para melhorar os prognósticos sobre “o tempo”, dentro de uma cronologia não
quântica. Resumindo, tanto quanto se sabe, sabe-se que não se sabe de ninguém
que tenha visto o nascimento de uma nuvem e a tenha medido e acompanhado até a
sua dissolução na atmosfera ou conversão em granizo ou água. Por isso talvez
não se sabe como se poderia canalizá-las para verter água em açudes do Nordeste
brasileiro. Provavelmente se fariam imensos e custosos projetos sem que algum
dia tivessem sucesso completo, desde a implantação até o uso continuado. As
verbas, essas seriam reajustadas e gastas anualmente como fonte de renda. Quando
Pedro Paulo chegou à estrada que vai para Búzios ou para Cabo Frio, a uns 1.200
metros de sua residência, em meio a denso nevoeiro, ficou consternado: A névoa
avançara a estrada a Leste e a Oeste, e dirigia-se também para o Sul. Parou no
acostamento para cheirar melhor, livre das influências de cheiros internos ao
veículo, e aspirou o ar enevoado calmamente, bem devagar... Tinha um leve
cheiro de churrasco e parecia ser de ovelha, e como sempre, ao pensar em
ovelhas as via com aqueles enormes olhos dóceis e tranqüilos, emoldurados por
um par de orelhas a pino e uma boca de quem não fala de vida alheia,
encasacadas num novelo de lá quente e aconchegante como se fosse enorme e
grosso cachecol bege. Voltou para casa, fez um café na própria churrasqueira e
ligou a televisão. Perdera o sono. Da chaminé ainda saía fumaça, mas
parecia-lhe que a quantidade diminuíra um pouco. Resolveu não apagar o fogo,
não por que fosse supersticioso, mas por consideração e respeito ao que aparece
por si mesmo e que por si mesmo terá que evoluir até se extinguir ou
transformar: Essa é a lei principal deste universo. Da madeira nem um terço
estava queimado, nem era caso de chamar os bombeiros.
Na central de bombeiros em
Cabo Frio e Búzios viram o nevoeiro. Pela primeira vez na história deste país
havia no ar um leve cheiro de carne de churrasco que não podiam identificar. Só
conheciam cheiro de carne de porco e de vaca e muito raramente cheiravam carne
humana churrasqueada em incêndios. Saíram pela cidade procurando o foco, mas
não encontraram. Por volta das sete
horas, nas primeiras notícias do dia, e em meio a um nevoeiro intenso, uma
repórter devidamente vestida com uma blusa vermelha e uma saia preta entrevistava
o chefe do agrupamento de bombeiros locais. Nas declarações explicou como lhe
foi impossível localizar o foco. Seus colegas em Búzios estavam com o mesmo
problema de não conseguir identificar a origem de tão forte névoa. Um representante do setor
hoteleiro informou que ainda era cedo para saber se esse nevoeiro atrairia mais
turistas ou se as reservas para o final de semana seriam canceladas. Pedro
Paulo, a meio caminho na estrada de Cabo Frio para Búzios, e que assistiu à
reportagem por ter perdido completamente o sono, pensou em ligar para a empresa
de televisão e bombeiros, mas desistiu por ficar indeciso, sem saber o que
fazer. Sua consciência lhe dizia que deveria ligar para esclarecer, mas tinha
certeza que as chamadas telefônicas, muito caras, perderiam a eficiência pela
espera explicando tudo às telefonistas para que pudessem repassar a ligação
para os setores mais adequados, e depois de uns dez filtros não poder falar com
nenhum dos responsáveis por estarem ocupados numa missão. Finalmente, isso iría
parar na polícia por ter provocado desordem pública e outros crimes que logo se
preocupariam em atribuir-lhe, já que esse tipo de notícia de impacto forte não
só dá audiência nos noticiários como nos governos e partidos políticos que logo
se apressam em capitalizar. Deve até haver algum acordo particular envolvendo
propinas entre emissoras de televisão, jornais, prefeituras, centrais de
polícia e bombeiros: Todos querem divulgar as notícias em primeiro lugar,
capitalizar-lhes os efeitos, atribuir méritos e culpas. Pedro Paulo resolveu
ficar calado, na sua, a TV ligada, e ligou também o computador. Não tinha feito
mal algum, mas temia que dissessem que sim, com provas que não poderiam provar,
mas que diriam ser provas comprovadas por testemunhas fidedignas, tudo legal
sob os mais mínimos aspectos da lei passada, atual e agora alterada através de
decreto estadual e logo adotada pelo governo federal.
Foi o que fez um eminente
político do governo do Rio de Janeiro, baixando decreto de fechamento de todos
os abatedouros e fornecedores de carne culpando-os pelo mau cheiro e atestando
a qualidade de um abastecedor em especial com o qual havia vínculos políticos.
A carne recolhida foi queimada para não contagiar, provocando o fortalecimento
do cheiro de churrasco da forte e densa neblina. Pastores do Estado se apressaram
a aconselhar a suas ovelhas que triplicassem os dízimos, que comprassem
garrafões de água benta benzida em Jerusalém para garantir seu lugar no céu
porque todo o nevoeiro e o cheiro eram coisa do capeta, de belzebu. Quem mais
pagasse, melhores lugares teria á direita do homem feito Deus. Muçulmanos
ficaram calados, que coisa desse Deus não seria, talvez de seu Deus, mas
precisariam de confirmação. Espíritas e umbandistas estavam perplexos e
consultavam os espíritos, mas nada vazava para o exterior dos templos e
terreiros. Ateus procuravam explicação em fenômenos térmicos da natureza,
vazamento de vapores industriais, quem sabe um meteorito diminuto teria caído
na atmosfera e provocado essa neblina de vapores condensados... Mas, quando
algum destes cidadãos era também cientista político, o que transparecia em seus
comunicados eram apenas as causas possíveis, os efeitos previsíveis. Em sua
casa, em meio a densa neblina, Pedro Paulo de tudo isto Ia tomando ciência
através dos canais de TV e da Internet. Estava tranqüilo. Respirava
normalmente, só o cheiro tinha modificado um pouco: Agora o de carne de
ovelha churrasqueada se misturava à de porco e de vaca.
Por volta do meio dia, Pedro
Paulo tomou um susto. A Presidência da Nação iría fazer um pronunciamento
televisado sobre a onda de neblinas – agora eram várias e não apenas uma
localizada entre cabo Frio e Búzios – para acalmar os cidadãos que já
murmuravam. A maioria do povo acreditava que algo de muito grave estava
acontecendo e que, a exemplo dos Ets de Rosewell nos EUA, o governo estava
escondendo as causas e os efeitos da opinião pública. Não sabiam do que se
tratava, mas era voz corrente que deveria ter sido um meteoro como aquele da
Sibéria. Outros, em menor numero, atribuíam o cheiro ao vazamento á queima de
carnes de frigoríficos não aprovados pelo tal decreto do governo. Falava-se
também em cheiros de carne humana assada proveniente de ônibus queimados. Pela
tarde chegou notícia que a população incontrolada e incontrolável já queimava
composições inteiras no metrô de S. Paulo. A presidência da república em seu
pronunciamento prometeu uma verba de 300 bilhões de reais para o Ministério da
Educação e Cultura destinados a estudos sobre o fenômeno e que se houvesse
culpados seriam primeiro presos e depois soltos e julgados em liberdade. Políticos
dos partidos verdes prometiam mundos e fundos para que no futuro este fenômeno
jamais voltasse a acontecer e culpavam os governos passados pelo descuido no
trato com o Ambiente. Como se estava em época de eleições, a presidência
querendo reeleger-se não cedera sua posição ao vice-presidente, e não podia
governar porque andava em campanha, recebendo mundos e fundos para seu projeto
de marketing visando a reeleição. O povo reclamava que com aquele nevoeiro era
impossível assistir a shows dos políticos, sempre gratuitos, pagos com o
dinheiro dos impostos e das campanhas. A industria de faróis de nevoeiro aumentou
300 % em um dia apenas, e salvou a economia nacional que andava com um PIB
muito baixo. Como ondas e ondas de vandalismos e roubos proliferaram como bactérias
de vírus bem nutridas com sangue público, as forças policiais deixaram de
prender porque não havia lugar nas prisões para todos os detidos. O caos se
instalou na nação. Lá a meio caminho de Búzios e de Cabo Frio, Pedro Paulo
começou a rezar a seu Deus invisível para que não passasse na cabeça de ninguém
informar que tudo começara em sua inocente churrasqueira onde nem carne
queimara, e lançando mão de suas ferramentas de carpintaria e de uns moirões de
eucalipto que tinha á mão, começou a botar trancas nas portas. Como não tinha
armas, enfiou no bolso um canivete suíço dos bons tempos em que trabalhava e
deixou à mão um facão daqueles de cortar mato, meio enferrujado. Perdera a vontade de comer. Fez mais um café
e rezou para não faltar energia elétrica. Estragaria os alimentos na geladeira
e não tinha certeza se haveria desabastecimento, os preços seriam inflacionados.
Olhou a churrasqueira de onde ainda saía fumaça. Já não tanta como pela manhã.
Em breve se apagaria o fogo.
Pelo entardecer, Pedro Paulo
chegou a pensar em se matar ao ouvir as ultimas notícias pela TV. A China tinha
respondido a uma invasão russa de suas fronteiras por causa de acaloradas
discussões na ONU sobre a origem da neblina, que russos atribuíam á fumaceira
tóxica e descontrolada produzida em fábricas chinesas. Os chineses garantiam
que a culpa era dos russos por competição industrial. O povo chinês com baixos
salários, via a China enriquecer, cada vez edifícios maiores e mais luxuosos, sentiam-se
imbuídos de seu espírito social de dividirem seus esforços com o resto do mundo.
Tinham fé que um dia seus filhos ou netos poderiam ter um automóvel, morar numa
mansão como as de Beverly Hills, poderem transar sem preocupação, ter seus
filhos homens ou mulheres, talvez até mais de um, ter seus sindicatos,
representantes no governo e acabar de vez com a pena de morte com um tiro na
nuca e a venda de órgãos para o exterior. A fé remove montanhas e gentes que
usurpam o governo, mas isso não é na china para os chineses, e ao que parece,
não é para qualquer povo poder acionar a fé e pô-la para trabalhar em prol da
realidade.
Temia-se um inverno nuclear
pelo ocultamento da luz direta do sol, que, refletindo-se na neblina fosse
devolvida ao espaço por reflexão deixando, entretanto, uma boa componente
vetorial que aquecia as nuvens e o ambiente. Esperavam-se chuvas torrenciais,
deslizamentos de terras, erupção de vulcões, terremotos e maremotos, mas ao
longo do tempo, cada vez ambiente mais seco até a Terra se transformar num
planeta muito parecido com Marte. Pedro Paulo foi até o portão da casa para
aliviar os pensamentos. Um casal que ia passando, vindo da praia, conversava
com a filha, uma criança de uns cinco anos de idade de chupeta na boca. Estavam
despreocupados e riam do nevoeiro. Achavam engraçado em seu modo despreocupado
do mundo aquele nevoeiro todo. A criança com seu balde de praia cheio de formas
e pás minúsculas de plástico comentava que tinha sido uma pena não poderem ter
aproveitado a praia porque o sol não aparecera, sem se darem conta que ele, o
sol, continuava lá em cima gerando luz e calor.
As neblinas espessas, agora
nuvens compactas, é que não deixavam que a luz passasse em toda a sua
plenitude, ocultando assim o sol. Os pais a tranqüilizaram dizendo que amanhã,
domingo, voltariam para curtir a praia. Pedro Paulo pensou em contar-lhes o que
se passava pelo mundo por causa do imenso nevoeiro global, mas desistiu. Pensariam
que exagerava ou que era louco. Além do mais de que adiantaria contar-lhes?
Estava exausto da evolução dos acontecimentos. Deitou-se na rede na área da
churrasqueira e adormeceu.
Acordou ao relento no dia
seguinte. Sua casa era agora apenas uma churrasqueira de onde emanavam alguns
vapores de fumaça de madeira quase completamente queimada. Telhas e vigas
esfumaçadas jaziam pelo chão. Tanto quanto seus olhos conseguiram alcançar, a
paisagem era uma área devastada sem verdes. As nuvens eram agora uma nuvem só,
escura, negra como breu. O Adamastor camoniano era “pinto” face á enormidade
das asas soturnas daquela nuvem que previa um inverno nuclear. Pedro Paulo
ergueu os olhos aos céus e gritou a seu Deus invisível, perguntando-lhe:
“porque me abandonaste?” Sem se dar conta de que era o único ser vivo ainda
vivo nas cercanias e até onde sua vista alcançava naquele breu. Por um segundo pensou que talvez a televisão
ainda funcionasse. E lá estava ela, aparentemente intacta, ligada a uma tomada
que teimosamente se agarrava a um tijolo de parede derrubada. Ligou-a.
Incrivelmente havia alguém do outro lado transmitindo notícias.
- Senhoras e senhores
telespectadores, não sei se estarão me ouvindo, mas parece que o mundo acabou
por causa de um efeito chamado “efeito borboleta” da teoria do caos, segundo a
qual até uma simples borboleta, alterar o seu batido de asas poderia alterar
também todo o Universo ou uma parte dele, embora a probabilidade fosse tão
pequena que se poderia julgar como “altamente improvável”. Parece ter sido este
efeito da Teoria do Caos que provocou o surgimento de nosso Universo. Da mesma
forma parece ter acontecido uma sucessão de efeitos nos últimos dois dias que,
proveniente da região de Búzios ou Cabo Frio, acarretou uma neblina expansiva
que alastrou mundo afora. Alguém pode ter acendido a lenha de uma
churrasqueira. As nações estão em guerra nuclear, artefatos explodem por todos
os cantos do globo. Não há conselhos a dar. Esta deve ter sido nossa ultima
transmissão...
Pedro Paulo desligou a
televisão. Não queria ouvir mais nada desse mundo louco. Foi até a geladeira
amassada, retirou de lá uma picanha, e levou-a até a churrasqueira. Cortou e
amassou dois limões, jogou num copo com cachaça da roça e enquanto a carne
assava e sua pele se desfazia em lascas por causa da radioatividade, foi
tomando a caipirinha quente. Como o gelo e duas aspirinas faziam falta...
Então, sentou-se numa
cadeira, abriu a boca cheia de dentes, e tranqüilo por isento de culpas,
esqueceu premeditadamente a praia e esperou a morte chegar ali mesmo.
® Rui Rodrigues
http://conscienciademocrata.no.comunidades.net/