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segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Tráfico de drogas, Pablo Escobar e um projeto na Guajira colombiana.





(Relato de um amigo durante uma visita ao Bar do Chopp Grátis onde tomou umas boas caipirinhas)


Barranquilla, na Colômbia, é um forno durante todo o ano, exceto quando as brisas que vêm do mar atravessam o rio Madalena esfriam um pouco o ambiente trazendo geralmente chuvas que inundam as “calles” e as “carreras” muitas delas transformadas em imensos e altos canais coletores de águas de chuva, os “arroyos”. Essas chuvaradas tropicais arrastam pessoas, carros, tudo o que estiver pelo caminho. Os robalos que se pescam no Madalena quando sobem o seu curso, são mais gordos dias após essas chuvaradas.


Eis um breve resumo do que me contou:

“Quem a olhasse não chamaria a atenção. Essa mania de as espiãs de filme serem todas boazudas, gostosas, atraentes, curvilíneas, é pura ficção. Espiã que se preza passa desapercebida e só é gostosa quando tira a roupa e se entrega ao desvario. São frias e calculistas, mas quando necessário são quentes e não entendem nada de matemática. Aquela pelo menos era uma espiã perfeita. Precisavam de alguém confiável que tivesse uma posição de liberdade no projeto e que pudesse entrar e sair a qualquer hora. Encontraram-me por indicação de um americano no longo verão de 12 meses em 1982. Pediu-me sigilo absoluto perfeitamente compreensível. Por isso ninguém entendeu porque motivos me davam regalias que mais ninguém tinha no projeto, como, por exemplo, viajar todas as semanas a Barranquilla nos aviões do projeto quando havia prazos rígidos a serem obedecidos de permanência dentro das grades do projeto. Havia guardas e postos de controle, uma equipe da CIA, um porta-aviões e alguns navios de guerra pairando ao largo da costa norte da Colômbia. No projeto, um posto do exército, da marinha e da aeronáutica com dois pequenos aviões tomados do tráfico. Pensava-se que naquela sala - sempre fechada e com acesso restrito - as mensagens cifradas se devessem à “confidencialidade” de assuntos da companhia. Não era apenas para isso. Era ali que também a CIA atuava nas comunicações. O objetivo, diminuir o tráfico de drogas e caçar o inimigo público número 1, Pablo Escobar, chefão do cartel de Medellín. A revista Forbes chegou a quantificá-lo como o sétimo homem mais rico do mundo, controlando cerca de 80% de toda a cocaína a nível mundial. Alugaram-me uma casa ao lado de um outro traficante “tolerado” pela polícia de Barranquilla. Todos no projeto achavam que fora por acaso essa coincidência e quando os guarda-costas deste traficante evitaram um assalto à minha casa, ninguém ligou nada com nada. Era tudo uma sucessão de coincidências que passavam desapercebidas.

A espiã que veio do forno de Barranquilla trabalhava como fiscal de contratos. Isso lhe dava a mobilidade que necessitava. Todas as empresas contratadas se estendiam desde os contrafortes da serra de Santa Marta, onde se cultivava maconha e coca, até o porto de minério. Pelo caminho abriam-se aeroportos nas areias do deserto, a trator, em um só entardecer. Quando a noite caía, pelas seis da tarde, colocavam umas latas com combustível que acendiam quando ouviam o ronco dos motores dos aviões de contrabando. Em menos de cinco minutos a carga era embarcada, o dinheiro recebido. Em mais dez minutos nada havia no local. Apenas uma pista que jamais voltaria a ser usada. Aviões chegavam carregados de coca vindos da Bolívia e do Peru. A carga ia para Miami, de onde vinha o dinheiro. As FARC jamais chegaram á Guajira, nem vindas da Venezuela, nem do Panamá, do Equador, nem dos demais Departamentos da Colômbia. Enquanto durou o projeto, entre 1982 e 1985, o mundo viu o tráfico de drogas faturar cerca de nove bilhões de dólares.

Encontrávamo-nos, a espiã e eu, no meu trailer no projeto, ou na minha sala em Coltabaco. Quando tirava a roupa, mostrando todo o seu corpo, era perfeita e bela, quente como Baranquilla. Também nos encontramos certa vez em Cali numa visita a uma empresa que desejava participar de concorrências como parte do procedimento de pré-qualificação. O cartel do tráfico de Cali era antagonista do Cartel de Medellín de Pablo Escobar. Algumas das maiores empresas de construção serviam para lavagem de dinheiro do tráfico. Estava explicado porque as FARC não se aproximavam do projeto que se estendia ao longo de 500 km, parte na selva, parte no deserto de “la Guajira”, um imenso lençol de carvão subjacente. Soube pelo traficante que morava ao lado de minha casa na praça da termoelétrica, em Barranquilla, que Pablo Escobar estaria de visita nessa cidade para uma reunião com o pessoal do tráfico. Queria um acordo para dividir parte do mercado com o pessoal do Cartel de Medellín. Foi numa festa da escola onde meus filhos estudavam. A liberdade era tanta para a gente do tráfico, que o meu vizinho traficante disponibilizou um avião para levar as crianças da escola de passeio aéreo sobre a cidade. Algo deu errado, porque Pablo Escobar não compareceu. A uns dois quilômetros do projeto, na semana seguinte, dois agentes da CIA foram mortos a pedradas num local conhecido como Casa Blanca, para dar a impressão de vingança pessoal de gentes de um povoado de índios guajiros para os quais existe a dívida de sangue: sangue se paga com sangue. Na verdade esses agentes estavam na pista de uma viagem de Escobar às imediações do projeto onde iria verificar as condições das pistas de aterrissagem. Estava perdendo muitas cargas e muitos dólares tinham sido apreendidos.

Tivemos sucesso em algumas atividades, como aquela em que descobrimos que um gerente em Rioacha, uma cidade perto do porto, usava dinheiro do tráfico para fazer os seus próprios negócios. Um dia a CIA foi até Rioacha, apanhou o sujeito, levou-o para o projeto numa Toyota com escolta, onde pegaram um avião para Barranquilla. Chegaram dez minutos antes do vôo para Miami. Entraram com o sujeito no avião. Deve estar preso até hoje numa prisão americana. Um gerente de contratos foi sumariamente demitido. Dois aviões carregados de dinheiro, vindos de Miami, quando pousaram, não encontraram a carga para levar. Quem os recebeu foi a CIA, as cargas já apreendidas. Num entardecer um avião da base decolou com 19 soldados a bordo. Interceptaram um avião do narcotráfico que abateram, mas na volta à base encontraram as luzes do aeroporto apagadas. Pousaram num espaço reduzido de uns duzentos metros num local de pré-soldagem de trilhos depois de terem perdido a cauda do avião ao aproximar-se e baterem nuns cabos de alta tensão ainda sem carga elétrica. Fui até o local. As pernas do piloto tremiam quando desceu do avião, todos sãos e salvos. Nunca se perguntaram no projeto como se sabia dos vôos e dos horários do tráfico, nem porque razão alguns interessados nada podiam fazer para me tirar do projeto.

No final de 1985 tive meu ultimo encontro com a minha bela espiã. Minhas atividades terminavam com o fim do projeto. Ela continuou por mais alguns meses até que toda a atividade de fechamento das contas do projeto, já em operação, terminassem. Nunca mais soube dela. Tem no peito um colar de esmeraldas que visto por alguém será apenas uma jóia. Para ela muitas e boas lembranças. Foi uma pequena parte do pagamento extra da CIA. “

Rui Rodrigues


PS- Leitura complementar sobre o tráfico de drogas

sábado, 4 de agosto de 2012

Desnuda!!


















Desnuda!

Uma moça desnuda,
No pescoço uma jóia azul,
Uma pedra bonita num cordão de ouro.
O cabelo grande, solto, louro e cheio,
Que o vento faz questão de balançar.
No rosto um sorriso imenso, bonito.
Nas mãos uma flor vermelha,
Que ela leva ao rosto e sente seu perfume.
No corpo uma única peça de roupa,
Uma pequena e linda calcinha branca.
Nos pés sandálias amarradas nas pernas.
Com salto alto, fino e sensual, ela desfila.
Seios magníficos, lindos, grandes, perfeitos,
Movimentam-se suavemente com seu andar.
Que idade ela tem?
Não sei!
Não importa!
Deusas não têm idades!
Caminha sozinha no meu sonho,
Ouvindo as músicas que enchem minha cabeça.
Seu sorriso é só meu,
Enfeita apenas o meu jardim imaginário,
Ou real, não sei ao certo,
Que existe na minha cabeça de poeta, de romântico.
Só eu a vejo, só eu sinto seu perfume.
E, nele, a noite é sempre quente, de lua,
Com uma penumbra ilógica, enevoada, da noite seca.
Assim ela vem toda noite.
Surgindo da névoa,
Caminha sorrindo, sorri caminhando.
Se, é certo dizê-la seminua,
Certo seria também dizê-la semi-vestida?

Um imenso abraço, Paulo César Pacheco, 27/09/11.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Sentidos com sentimento que fazem sentido



Sentidos com sentimento que fazem sentido

É muito pouco para um ser humano viver sua vida do dia a dia sem tempo para se situar num contexto de vida num meio vivo, como parte integrante deste planeta que viaja pelo espaço sem ir para lugar nenhum que não seja o de sua galáxia, sempre mantendo distâncias relativas a outros astros, voltando a trilhar os mesmos caminhos por anos, séculos, milênios, parsecs. Pelo menos neste sistema solar da Via Láctea a Terra é única e só, e nem por isso é triste.

Muitos de nós vivemos sós e tristes sem nenhuma razão para isso. Absolutamente nenhuma. Se somos tristes é porque não descobrimos o mundo em que vivemos e que nos pode dar tantas alegrias. A razão principal de nossas tristezas é a falta de mobilidade, de migração de coisas que antes nos davam alegria e que agora, por um motivo ou por outro não queremos ou não podemos ter. Nestas ocasiões, um movimento no sentido de buscarmos novas alegrias é fundamental para buscarmos novamente a felicidade.  

Para quem nunca teve um amor, buscar um pode ser uma mudança fundamental de tal ordem que ao consegui-lo e depois olhar para trás terá a sensação de que perdeu muito tempo na vida, mas que valeu a pena mudar. Para quem nunca teve o conhecimento de certas matérias que se aprendem nas escolas porque nunca as freqüentou, certamente encontrará felicidade no conhecimento. E para quem já teve tudo mas não teve tempo para olhar à sua volta porque estava muito ocupado ou ocupada, há certos momentos na vida em que o tempo disponível permitem olhar para si mesmo e para o mundo em que vive.

Carlos teve uma “parada reflexiva” certo dia em sua vida de casado. Olhou para trás e não gostou do que viu. Filhos criados e formados, um patrimônio razoável, encerrou sua carreira como “pater família”, dividiu os bens, despediu-se da mulher e dos filhos e foi viajar. Na volta, passados cerca de 4 anos, construiu uma casa á beira da praia e foi pescar. Numa ida ao supermercado comprou umas belas mangas, mamões. Passou numa floricultura e comprou duas mudas de bananeira, um limoeiro. Das sementes de manga e de mamão, plantou algumas que brotaram. Passados oito anos, que passam muito rapidamente, colhe mangas, bananas, limões, cajus, graviolas, cana de açúcar, e de vez em quando algumas mandiocas. Num cercado cria algumas galinhas, tem uma gata e um cachorro castrados. Anda pela praia colhendo conchas e pescando peixe ou siris que complementam o super mercado. Para quem conheceu quase o planeta inteiro em viagens a trabalho ou por laser, a sua felicidade está no planeta que só agora teve tempo para olhar. Há quem vá uma, dez, cem vezes a Paris, passe sempre pelas mesmas ruas e monumentos e não veja nada do que pensa ver, porque não sabe o que ver, como ver. É como ver fotos sem história, sem áudio visual. Pode passar por Notre Dame sem saber a sua história pela Torre Eiffel sem saber dos detalhes técnicos e históricos de sua construção.

Até então tinha vivido numa casa a que chamava planeta Terra e não conhecia nem a sala nem o banheiro nem a área de serviço apesar de tudo o que via e pensava conhecer. Não lhe prestava a atenção devida, sua felicidade consistia em ter coisas que se perdem todos os dias, que passam de moda todos os dias, que não valem nada amanhã, e o amanhã já é hoje, e o hoje já passou para ontem.

Ao caminhar pelas ruas, já sabe quem tem problemas, quem está feliz, quem está amando, quem busca o amor. Antes eram apenas pessoas que viviam a “sua vida” e somente conhecia mais ou menos quem convivia com ele. Hoje Carlos aprecia o cantar dos pássaros que lhe cantam sinfonias pelas manhãs; o galo cantador que o acorda de madrugada. Tem contato com seus amigos e amigas de forma esporádica. Busca nos livros de ciência o aprendizado do que desconhece. Há flores nos campos, pessoas interessantes em qualquer lugar com quem se pode conversar de acordo com o seu nível de conhecimento e todas são interessantes porque cada uma delas tem uma história diferente para contar, desejos diferentes, sonhos diferentes. Algumas se tornaram suas amigas, e o idoso ou idosa desprotegidos que encontra pelas ruas por vezes esconde um passado que já foi seu. Não raro são pessoas com profundo conhecimento da vida que se desiludiram mas não souberam ou não optaram por descobrir o planeta para a vida, mas para o esquecimento. Muitos por falta de apoio ou desilusão.   

Hoje, sim, Carlos se julga um “self made man”, aquele que se fez na vida, cozinha, lava, passa, limpa, cultiva, cria e vive em sociedade da qual depende o mínimo necessário. Ama quando há oportunidade. Quando não há, reserva o amor para quando vier.



Rui Rodrigues

segunda-feira, 30 de julho de 2012

O pequeno grilo




O pequeno grilo

Ele era um velho. Vestia-se com roupas puídas, mas limpas, que já tinham sido moda, roupa de etiqueta, décadas atrás. Era tudo o que tinha, além de dois colchões onde dormiam ele e o garoto. Sem ter onde morar resolvera recolher-se àquela pequena gruta nas imediações da cidade. Todos os dias ia até ao bairro mais próximo para recolher comida e alguns restos de coisas que pessoas caridosas lhe davam por não lhes fazerem a mínima falta. O garoto era fruto de amores de ocasião, daqueles que nada têm de amor, e são apenas reflexos da função hormonal que provoca desejos incontidos. Tinha sido largado à porta da gruta sete anos antes. Entendeu que era um presente que a vida lhe dera e não queria perdê-lo. Virou-se do avesso para conseguir fraldas, leite, mamadeiras, roupas. Inventou que era pra uma mãe pobre que não podia sair de onde estava para cuidar do filho. Tinha planos: Se a vida lhe dera aquela criança, não iria tirá-la. A criança nunca ficaria doente.  Se viesse a ficar, então contaria a verdade, perdê-la-ia para sempre porque seria entregue a alguma instituição para que viesse a ser adotada, mas teria a sua vida assegurada. Ficaria com o Grilo, assim lhe chamou, enquanto a vida lhe permitisse tal dádiva.

O pequeno grilo, aos três anos já era um excelente perguntador. Gozava de excelente saúde. O velho ensinava-lhe tudo o que sabia. Ninguém se preocupa com os miseráveis que vê pelo caminho. Tratam-nos como se fossem idiotas e não tivessem o mínimo conhecimento. Na verdade estudos mostram que entre os mendigos de rua encontram-se professores universitários, engenheiros, médicos, de ambos os sexos, que se viram forçados a adotar essa vida das ruas ou que pararam de lutar pela vida que tinham por que parou de fazer-lhes sentido.

O velho dera o nome de grilo ao pequeno porque se lembrava sempre de um filme de Bruce Lee que vira naqueles tempos em que tinha família. Era o de um sábio de Kung-fu que tratava o discípulo por “pequeno gafanhoto”. Naquela gruta não havia gafanhotos mas havia um grilo que cantava todos os dias, e de karatê o velho ainda sabia alguns golpes. Faltava-lhe a força, mas ainda tinha o jeito.

Sete anos passam depressa. O pequeno grilo sabia ler, escrever, e tinha tanto conhecimento que poderia tranqüilamente, com aquela idade, fazer prova em colégio para concluir o primeiro grau. Aprendera também a cozinhar, lavar e passar sua roupa. Numa manhã o velho acordou-o e disse-lhe que iam até o centro da cidade. Vestiram a melhor roupa, o velho apanhou umas notas que sempre tinha guardadas e foram até a cidade. Foram a pé. Um longo caminho. Quando chegaram a uma rua, o velho disse-lhe que haviam chegado e entraram numa loja que cheirava a papel velho. Era um Sebo. Passaram quase uma hora escolhendo livros. Depois voltaram exaustos para a gruta nos subúrbios da cidade. O velho ia preparar o pequeno grilo para o segundo grau até os dez ou doze anos de idade. As aulas recomeçaram no dia seguinte. O pequeno Grilo seguiria as ciências exatas e saberia ler, falar e escrever muito bem o português. Brincava nas horas vagas, muito poucas por sinal, com outros meninos de uma favela próxima. O pequeno Grilo já sabia que seu futuro seria muito diferente e junto com o velho lutavam por ele. Era uma fixação. Uma meta a atingir e nada mais serviria.

O pequeno Grilo passou em todos os exames e fez vestibular para uma universidade de Física. Passou e ganhou uma bolsa de estudos. Um dia ao voltar para a gruta não encontrou o velho a quem chamava pai. Procurou-o por todas as instituições. Já estava formado quando veio a saber que ele jazia numa vala comum, enterrado como indigente. Nesse dia seu coração ficou apertado como nunca. Seu pai, assim lhe chamava, partira sem dizer adeus. Por momentos, em que as lágrimas lhe rolaram pelas faces, chegou a pensar que era uma história muito triste, mas logo seu coração se inflou cheio de orgulho. Afinal sua história e do velho, eram uma linda história da qual nada tinha que se envergonhar.

Grilo hoje é casado, tem dois filhos e vive numa pequena cidade alemã onde desenvolve os seus estudos num centro de pesquisa. Ajuda a manter um centro de ajuda a desamparados na cidade de S. Paulo

Rui Rodrigues. 

sábado, 28 de julho de 2012

A crise econômica mundial e as “mudanças” políticas




A crise econômica mundial e as “mudanças” políticas

Nada mais efetivo para mudar o panorama político do que uma violenta crise econômica internacional (ou interna a cada país). Foi assim com a Revolução francesa quando faltou pão ao povo, foi assim com a revolução russa de 1917 quando o povo não tinha o que comer. Se buscarmos na história, veremos que a maioria das guerras foram declaradas por falta de recursos, comida ou para os declarantes serem mais ricos ou mais poderosos.

Nada mudou de essencial na humanidade: Ela fala pelo estômago!

Há sinais de inconformidade com os governos na Argentina, no Brasil, em Cuba, o Norte de África já praticamente resolveu os seus problemas, governos caíram na Grécia, em Portugal, na Espanha, na Itália, no reino Unido e na China acaba de descobrir-se que um grande dirigente enviava dinheiro para contas secretas no exterior. Isto não é o meio ou o fim da crise, mas apenas o seu desenrolar. Antes de 2020 não terminará porque a crise caminha “devagar” como costuma acontecer nas grandes crises. Não poderíamos imaginar que em quatro anos desde o começo da crise em 2008, a Espanha viesse a ser atingida tão severamente que 25% da população viesse a estar desempregada e houvesse filas imensas de pessoas sendo assistidas pela Cruz Vermelha Internacional com parcas doses de alimentos. Nos EUA há cada vez mais pobres sendo assistidos por organizações de caridade.

Em todo o mundo, voltarão as filas de racionamento!

Sabemos o que nos espera no Brasil: diminuição dos salários, desemprego, mas sem cortes nos salários dos senadores, governadores, deputados, vereadores... Esses continuarão a entregar o nosso ouro para os bandidos acobertados por uma constituição que lhes permite fazer dela o que desejarem, e alterá-la a cada vontade dos que mandam nesta nação: aqueles que pagam as eleições dos candidatos dos Partidos.

Enquanto os cidadãos deste país não forem para as ruas exigir nova constituição que possam votar item por item, continuaremos assistindo à deterioração do sistema político – independentemente de Partido – como num jogo de futebol. Explico! Quando o Santos perde, somente a torcida do Santos fica triste. O restante dos adeptos do futebol continua sua vida. O mesmo se aplica para cada clube perdedor ou Partido que perde as eleições. Mas há sempre a esperança de vencer amanhã.

Com a crise, todos perdemos, e por falta de ética e moral, os Partidos vão perdendo a sua credibilidade de nos empurrarem candidatos nos quais temos que obrigatoriamente votar.

De absurdo em absurdo se constrói a derrocada dos reinos, onde sempre há algo de podre, e, de barriga vazia, nem comida podre desce!
Não votarei em ninguém. Todos os partidos têm apenas um interesse: o interesse de seu time e não dos “torcedores” que vão ao estádio. Estes, somos nós, os cidadãos: pagamos entrada e não vemos saída! Ademais  a  história não mente.. Fiquemos sem trabalho e com fome.. 
Quando somos apenas uma pequena parte, vamos para debaixo da ponte. Quando somos
muitos, fazemos revoluções..

Rui Rodrigues

MAR DO AMOR

MAR DO AMOR
Marlene Caminhoto Nassa

Foi tudo de bom
Navegar em seu mar pelo mundo
Quando havia tempo de calmaria
Nossas velas você recolhia
E lançava a âncora bem fundo

Ancorados em mar alto
Nada podia nos atrapalhar
Sentindo a brisa macia
No nosso corpo a tocar

Balançando nas suas águas
Às vezes conseguia até mergulhar
Catava as estrelas marinhas
E você me dava as do luar

Comíamos as estrelas da água
E com as do céu
Alimentávamos nosso sonhar

Mas o tempo de calmaria
Começou cedo a mudar
Soltamos as velas
Mas no meio da tempestade
Era impossível navegar

Nossa caravela água pôs se a fazer
E o mar do amor
Antes tão calmo e sereno
Ameaçava a nos arrastar
Em suas águas revoltas

E com todas as velas soltas
Ficamos perdidos nesse mar

Náufragos nesta praia deserta
Seremos presa certa
Pode crer
A não ser que desses destroços
Outra embarcação possamos fazer..
MEU NORTE  (II)
Marlene Caminhoto Nassa
Vago qual pássaro mortalmente ferido
No mar da vida sobre a onda forte...
Vaga a onda e sem encontrar vaga,
Tal e qual o meu coração dolorido
Arrebenta na rocha que lhe faz barreira
Sou pássaro ferido e em cegueira
Que vagando eu no que divago da chaga
Aberta no meu peito e que me draga
Dilacerada nas adagas disparadas sem sorte
Feliz e cega só encontro a morte
Imaginando, tola, encontrar meu norte...

SAL E MEL

SAL E MEL
Marlene Caminhoto Nassa

A delícia de dialogar com um poeta
É que só ele consegue explorar uma gruta
Esculpindo poemas de forma tão quieta
Mas criando arte até da palavra bruta
Enquanto escreve uma poesia louca

Exploda, pois, estrofes de suas águas represadas
E inunda de mel e de seu sal a minha boca!
INSTRUMENTO TEU
Marlene Caminhoto Nassa

Com a língua quente na minha gruta
A lamber o contorno dos lábios meus
Teus dedos travam uma delicada luta

Ouve se de repente, num instante,
Em forma de espasmo e de gemido meu
Um concerto doce e alucinante

Tiras notas dissonantes com tua batuta
Quando fazes do meu corpo o instrumento teu!

OUTROS OLHARES

OUTROS OLHARES
Marlene Caminhoto Nassa
Olhes-me com olhos do teu coração
Entendas-me sem nada falar
Use a compreensão de poeta
Tateando por meus sentimentos
Lendo no braile dos dedos e da emoção
Os por quês desta minha solidão
Explores-me nesse teu ato
Minucioso perfeito e exato
Com teus dedos e teu desejo de fato
Enviando do coração ao corpo meu
As provas inequívocas do desejo teu
E encontrarás escondida nos espaços,
Camuflada entre outros  traços meus
A menina que  se expõe
 Frágil e nua
aos olhos teus...

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Uma receita de ambrosia e saudades de Susana








De vez em quando me lembro de pessoas que passaram pela minha vida e de outras cujas vidas se cruzaram com a minha. De todos sempre carregamos lembranças, umas boas, outras nem tanto. Algumas só com esforço conseguimos lembrar e mesmo assim só quando nos perguntam por elas ou lhes fazem referência.

Suzana é uma das que me lembro com muito carinho. Era uma mulher como as outras, mas nenhuma mulher era como Suzana. Depois que entrou em minha vida nunca mais saiu. Até hoje!



                                                                  A vida na Campanha gaúcha




Professora primária tinha os conhecimentos básicos e o perfil psicológico para tomar conta de uma família constituída de marido e três filhos, em meio ao vento, ao calor e às geadas do Rio Grande do Sul, em plena campanha. Dava toda a atenção á enorme família que vivia entre o segundo distrito de Piratini, Pelotas e Porto Alegre. Tinha família também no Rio de Janeiro e no Estado de Alagoas - em Maceió. Na estância da Coronilha onde vivia com o marido e os filhos, cuidava também dos peões que por vezes em numero maior de quarenta invadiam a estância para cuidar do gado, da tosquia de ovelhas. Não era trabalho fácil. O progresso faz com que o trabalho se simplifique e hoje a estância não tem mais do que um ou dois empregados, quando tem. Pertence ao filho dela. Nos arquivos da enorme família havia condecorações dos Imperadores do Brasil, lembranças dos tempos dos Farrapos.

A história de Suzana poderia ser contada desde o tempo das sesmarias, quando o governo português decidiu distribuir terras para aumentar a produção através de uma lei de 1375. Com a descoberta do Brasil a partir de 1.500, essa lei entrou em vigor na nova nação. Naquela oportunidade a família de Suzana, mais particularmente através do marido, herdou cerca de 80 km de terras de ambos os lados da estrada que une a cidade de Pedro Osório a um lugar chamado Ferraria. A distribuição de heranças foi dividindo a sesmaria em estâncias de maior ou menor porte. A de Suzana e do marido, a da Coronilha, tinha cerca de 650 hectares de terra boa para pasto e cultura. A estância sede ainda existe. É a estância da Arvorezinha, onde ainda hoje se cavoucarmos nas terras ao redor ainda se poderão encontrar colheres de prata perdidas nos bons tempos. A arquitetura é imponente. Seria um longo caminho contar a sua história desde essa época. Bastam alguns aspectos de Suzana que a tornaram uma das mulheres mais humanas que conheci.



Com 19 anos tornou-se independente e saiu de casa para exercer o cargo de professora numa cidade. Foi em Torres, uma cidade balneário do Rio Grande do Sul, mas não vejo que importância teria se tivesse sido em cidade diferente, noutro Estado ou país. Casou e teve os três filhos. Viu-os crescer. Cuidou deles dividindo-se entre a fazenda e a cidade de Pelotas onde estudavam. Uma crise na pecuária fez com que as finanças da família não corressem muito bem durante alguns anos. Quando a conheci já era viúva precoce. Estava vestida com uma camisola de lã negra, uma calça de lã. Foi no                                 inverno de 1972 em Porto Alegre. Fora ao escritório para conhecer o namorado da filha.

No final do ano era costume a família se reunir na estância da arvorezinha, a estância mãe. Vinha gente de todos os lados. Fazia-se um churrasco à gaúcha, como não podia deixar de ser, com a carne espetada à volta de uma vala retangular aberta no solo. Enquanto a carne assava era espargida com ramos de salsa e coentro molhados numa bacia com sal grosso meio dissolvido. As costelas de carneiro eram famosas, a carne divina criada ao ar livre sem agrotóxicos comendo capim nativo.

A receita de ambrosia de Suzana

Na cozinha, Suzana preparava a sobremesa: Ambrosia feita com leite gordo de vaca criada com mimos e todos os cuidados. Usou para cada litro de leite, 8 colheres de sopa de açúcar, dois paus de canela e quatro gemas de ovos vermelhos, grandes, de boas galinhas poedeiras. Para preparar, levou a fogo brando em panela larga, o leite, o açúcar e a canela até chegar ao “ponto de fio”. Enquanto isso bateu as gemas até ficarem consistentes. Juntou à panela e continuou o aquecimento por cerca de cinco minutos mais sem mexer, soltando as gemas das laterais da panela. Ao fim dos cinco minutos virou a massa com uma escumadeira e fez um furo bem no centro da massa. Conforme o leite ia subindo, mexia com muita delicadeza até a massa adquirir a consistência de doce de leite mole. A partir deste ponto, deixou cozinhar por mais cerca de 15 minutos. A ambrosia estava pronta e o churrasco começava a ser servido.

Filhos casados

Sabia dosar as visitas aos três filhos, amava os netos e além das boas conversas, havia sempre um espírito da concórdia pairando nos lares. Dava razão a quem, no seu entender, a tinha, independente de graus de parentesco. Foi um prazer vê-la viajar para a Colômbia onde passou meses em companhia da filha e dos netos, e dali para Miami para se divertirem na Disney. Sua receita de “ambrosia”, um doce feito à base de leite, era sempre recebido com sucesso como uma de suas sobremesas prediletas. Logo depois de conhecê-la em POA, fui convidado para um almoço em sua casa. Um prato de feijão com mocotó, rodelas de lingüiça calabresa, salsa picada por cima, um arroz branco e um bom vinho. Suzana sabia cozinhar, e tal como o pai das crianças conversava com elas. Não tinha respostas do tipo “é assim porque eu quero” ou “é assim porque é assim”. Tudo tinha uma explicação e deveria ser debatido. Suzana sempre foi uma pessoa que era um prazer ter sempre em casa. Passou bons dias comigo em Minas Gerais, no Rio de Janeiro, em S. Paulo, Barranquilla na Colômbia, mas foi impossível convidá-la para conhecer Portugal e o Chile.

Era uma mulher de argumentos, e os tinha fortes, porém não era das que buscavam e rebuscavam argumentos para ter razão. Sabia perfeitamente quando a não tinha, ou mesmo quando suas “razões” não eram tão absolutas que fossem irrepreensíveis. Mas era raro não ter razão. Sobre as “coisas” da vida, sempre a tinha. Uma mulher dessas é respeitada até pelos inimigos, se os tivesse, mas não creio que Suzana tivesse um único sequer. Construíra uma casa de madeira na praia do Laranjal com um lindo jardim de que cuidava entre idas e vindas a Porto Alegre para ver uma filha, á Estância da Coronilha para ver o filho, ao Rio de Janeiro ou no Brasil onde quer que a outra filha estivesse. Nos tempos em que passava no Rio de Janeiro dedicava a sua maior atenção aos netos. Acampava com a família naqueles bons tempos em que ainda se podia acampar na Rio Santos em confortáveis barracas. Foi lá que o neto dela aprendeu a comer e a fazer sushi com um japonês amigo do pai e que trabalhara com ele em S. Paulo.

Para Susana não havia impossíveis. Era tudo uma questão de dar um jeito ou esperar o tempo certo para ser possível. Nunca a ouvi gritar. Com ela as discussões perdiam a força, amansavam, esfumavam-se.

A memória de Susana.

A tristeza abateu-se, cheia de esperança, quando Susana recebeu a notícia de que seria melhor perder um seio, mas quando recrudesceram os sintomas, anos depois, entrou novamente em tratamento de quimioterapia, numa época em que a rejeição ao medicamento ainda não evoluíra. Fui a Pelotas onde estava internada. Sabia que ia para me despedir dela. Na verdade, mesmo em casos de minha família jamais me despedira de alguém. Meses atrás, ainda em sua casa do Laranjal, me telefonara e discutira sobre a validade de viver uma vida com qualidade ou não viver. Como confidente de algumas de suas facetas na vida, senti meu coração oprimido. Mentir-lhe de nada adiantaria. Apelar para Deus, sobre o qual ela tinha seus próprios conceitos, também não. Um dia soubemos que tinha decidido parar com a terapia, e agora eu estava em Pelotas para me despedir dela. Quando me chamaram para ir à sala da UTI onde tinha recobrado a consciência, conversamos por uns cinco minutos que me pareceram uma eternidade, o coração apertado, lágrimas irritantes, difíceis de conter, umedecendo-me os olhos, a voz traindo a minha vontade de mostrar-lhe que havia esperanças. Não se podia – nem se devia – enganar Susana. Mas mesmo assim, disse-lhe que embora ela não acreditasse em Deus como uma boa parte acreditava, deveria haver uma diferença de tratamento para as pessoas como ela. Segurei-lhe a mão esquálida por onde lhe entrava o soro. E disse-me, chamando-me pelo nome, de olhos fechados, tentando abrir-se: - Mas é muito difícil. É muito difícil.

Há um mundo de lembranças de Susana, boa esposa, boa mãe, excelente avó e por todo este mundo muita gente se lembra dela em muitos lugares. Gostaria de revê-la um dia onde certamente está.

Rui Rodrigues

Breve ensaio sobre a felicidade




Breve ensaio sobre a felicidade



Um dia ouvi dizer que não somos felizes: apenas temos momentos de felicidade e que somos mais ou menos felizes de acordo com a quantidade e a qualidade desses momentos felizes. Parece fazer sentido, mas não é pleno.

Disseram-me também que a felicidade é indiretamente proporcional ao conhecimento geral que temos, como se os imbecis fossem felizes apenas porque parecem ser ignorantes. Seria também quase que afirmar que todos os ricos são ignorantes, porque parecem sempre felizes. Pelo menos fora de casa ou entre amigos. Por esse prisma haveria quem fosse feliz apenas pela capacidade que tem de se “mostrar” feliz, mas neste caso, os mais felizes seriam os palhaços de circo. Não é o que dizem deles.

Algumas religiões dizem que a felicidade está em ir para o paraíso, mas ninguém sabe o que existe por lá e para isso teríamos que morrer primeiro. Não parece uma busca muito eficiente e adequada para buscar a felicidade de que falo: A do aqui e agora. O budismo diz que a felicidade está no nosso interior, e o catolicismo chegou a afirmar que ao nos desprendermos dos bens terrenos seriamos felizes, como se a felicidade estivesse na despreocupação dos que não têm dinheiro para se preocupar. Assim todos os pobres seriam felizes, e não é isso o que vemos. Para extremistas muçulmanos o paraíso os espera com sete virgens. Logo após serem defloradas, deixam de sê-lo e ficarão no paraíso com sete desvirginadas. Então nos perguntamos se extremistas femininas teriam no paraíso sete jovens mancebos virgens, mas se lhes perguntarmos certamente teremos uma resposta bem diferente.  

Prozac é uma das inúmeras substâncias químicas que bloqueiam enzimas em nosso cérebro que produzem sensação de desconforto, ou que produzem as enzimas que nos produzem boas sensações, as que nos trazem felicidade, e o sexo, que nos produz essas mesmas enzimas, é o assunto do momento, é a busca da felicidade do século XXI, uma forma barata de se sentir feliz, sem qualquer tipo de impostos ou taxas, sem pagar entrada. Há quem dance varias vezes por semana, e quem assista a filmes, ou fique sentado o dia inteiro em frente a um computador buscando a sua felicidade. Praia é uma forma de se adquirir felicidade praticamente grátis.

Sigmund Freud não era budista, mas descobriu que nossa felicidade aumenta quando estamos felizes com nós mesmos, e para isso temos que conhecer as razões de nossa identidade e que nos fazem ser como somos. Para isso é necessário quebrar a potência de nosso alter-ego, aquela parte de nossa identidade que nos restringe e censura o nosso ego, aquilo que realmente somos. Não raro o alter-ego é representado pelas ações de nossos pais em nossa formação de adolescentes e adultos.

Há sempre shows, exposições, degustações, festas, para as quais se pode arranjar convite. Há sempre uma nova amizade que surge de repente ou que podemos buscar. Podemos vencer a inércia que nos prende ao nada e voarmos para a felicidade de fazermos alguma coisa que gostaríamos de fazer: pintar, freqüentar uma universidade, ler, aprender, fazer sexo, ir à praia, juntar-se a uma entidade beneficente, defender uma causa, fazer artesanato, comprar frutas no supermercado e fazer compotas para guardar em casa. Aprender a cozinhar.

Se perguntarmos a alguém se é feliz, provavelmente chegaremos à conclusão que 90% da humanidade é feliz, mas quando ouvimos as pessoas em particular, vemos que não é bem assim. Há sempre uma tristeza latente em particularidades não resolvidas, metas não conseguidas, bens não adquiridos ou perdidos. Por vezes falta sexo, em outras o excesso de sexo é o grande problema.

Sabemos que a ambição nos tira todo o tempo que tempos, e que dedicamos a uma causa para a qual a nossa ambição está mais voltada. Por isso acredito que a felicidade está ao alcance de todos nós: Basta refrear um pouco a ambição e pensar em algo para fazer. Todos os dias!

Rui Rodrigues

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Olhares de Elisabete



Olhares de Elisabete


Não conheço Elisabete Gonçalves (E.G.) pessoalmente. Conheço-lhe um pouco da alma que deixa antever em seus sucintos resumos, expostos como suspiros. Nascida nas altas montanhas do Norte de Portugal, curtida pelos frios invernos da Serra do Marão e pelos quentes ventos de verão que nos empurram para uma sesta, trás coladas à alma as lembranças de sua infância como medalhas que orgulhosamente ostenta como parte de sua formação tão humana e familiar.

São expressões de alma como estas que me fazem pensar sobre René Descartes quando constatou que “penso logo existo”. Elisabete me faz pensar que seria mais adequado dizer “Sinto logo existo”. E os olhos não são o espelho da alma, definitivamente, porque é muito simples refletir e eles são muito mais funcionais: são uma das formas de expressar o que nos vai na alma, principalmente de uma infância que deixa saudades.



Será contigo, papá!

Será contigo papá, sempre e num tempo sem fim, que dançarei a vontade da vida. Porque o teu corpo de onde se desprende um amor que nunca morre... Será eternamente a minha casa.
E.G.






 Promete-me, meu amor...



Promete-me meu amor, que subirás pelo meu corpo ao som do deslizar das minhas meias, no compasso de botões que se desarmam e... No calor voraz da urgência dos meus ais!
E.G.






                                                                    A carta nos correios

Voltou desanimada para casa, de ombros baixos e olhar vago. Depois de ter escrito naquela carta de três páginas tudo o que a fazia revirar na cama noites a fio quando pensava nele, ter borrifado o envelope cor de rosa de perfume e demorado duas horas a estacionar o carro perto dos CTT, nunca pensou que um ataque de pânico lhe secasse a boca ao ponto... De não conseguir colar o malfadado selo!
E.G.













                                                               O caminho da vontade

Quando a vida me sugar a vontade, como ola de rio em fúria onde num tropeço caí sem querer, vou tentar manter a calma. Vou fingir que é apenas um mergulho em apeneia em que testo as minhas forças e resistência, vou suster a respiração até ao limite, vou deixar-me ir sem me debater até sentir o ponto de viragem, onde baterei com os pés para ganhar velocidade de retorno. E quando de lá sair exausta e a escorrer, porei sem pressa, a roupa a secar e esperarei sentada numa pedra até a minha respiração de afogada me deixar prosseguir. Depois, de roupa seca, continuarei caminho.
E.G.

                                                                  Herança moral.


Quando a memória vagueia até há 40 anos atrás, é nesta foto do meu pai que as lembranças se concentram. Tinha 30 anos na altura e foi tirada num momento de descanso no meio da savana africana, algures no Norte de Moçambique. O meu pai foi e continua a ser militar e, em abono da verdade, esse facto torna-se indissociável da sua personalidade...E da minha. Todos os filhos de militares sabem bem do que falo: não há ninguém que não seja influenciado pelo carácter dos seus progenitores e do brio que ostentam na profissão que têm. Mas quando os pais são militares...Isso é inquestionável. Não há nenhum militar que consiga fazer “compartimento estanque” entre a sua profissão...E a influência que ela produz nos seus filhos, por mais que o tente. Mas ao escolherem tal “modus vivendi”...Quase que nos traçam o caminho. O código de honra, o sentido de dever, o cumprimento de tarefas, o companheirismo e a defesa do que é correcto não se herdam, é certo. Mas...Quase!
E.G.

                                        No meu corpo...


No meu corpo é o lugar onde me faltas. E nunca o amargo cheira a rosas...Nem o Inferno sabe a mel!
E.G.











                                         Amor e saudade

Juntos tinham o sabor de uma mistura de castas perfeita, que só se encontra em bebidas superiores, como num macio e aromático “Black & White”.
Mas quis o destino que suas vidas, tal como numa injusta lei de apartheid, fossem bebidas em copos separados.
E.G.





 A minha mãe


A minha mãe é uma mulher de pequena estatura mas, tal como Atlas, sempre carregou o Mundo. O dela...O meu... O do meu pai...O do meu irmão...E o do meu filho...!
Lutou com garras de felina contra uma infância desfavorecida, sem pai que morreu com apenas 30 anos abafado em pó de mina, foi à escola porque uma prima dividiu com ela a lousa e os livros que não tinha, desafiou a má sorte e...Levou-lhe a melhor. Com 8 anos tornou-se a escritora oficial da aldeia, a quem pediam para escrever cartas a namorados ou maridos no Brasil e que poupasse o papel.
Foi mãe aos 19 anos e fui a boneca que não teve na infância. Naqueles meados da década de sessenta também era difícil gerir o fundo da gaveta, que ela conseguiu com dotes de mágica e muita imaginação. E nem sequer tirou um curso para isso!
É também a mulher mais auto didacta que conheci. Além de ter uma biblioteca invejável, que devorei em Verões inteiros e me abriu Mundos longínquos, estudava nos meus livros escolares para poder ser a explicadora que não tínhamos dinheiro para pagar. E fê-lo com excelência, rigor...E Amor.
Em síndrome de ninho vazio não baixou os braços e com 60 anos foi fazer o secundário que nunca teve oportunidade de fazer e, apesar de nunca ter sequer ligado um computador, tornou-se numa cibernauta de fazer inveja a qualquer um.
A energia com que anda 7km por dia para “não enferrujar”, como gosta de dizer, ou com que vai para a natação, enche-me de orgulho. Com ela, não há medo, nem “não pode ser” e a simples idéia do cheiro dos seus cozinhados...Continua a fazer-me saudades da infância e de dias felizes.
Admiro a sua tenacidade e vontade férrea, que julgamos impossível caber naquele metro e cinquenta de Mulher. Mas nunca, nunquinha, conhecerei outra tão “grande”...Como Ela!
Adoro-te, Mãe.
Beijo.


                                                             O V da vitória



Naquele dia pela manhã sentimos algo estranho na voz em segredo das professoras e empregadas da escola que, sem uma única explicação, nos mandaram para casa com o aviso de que fossemos com cuidado. O regresso a casa foi feito de mãos dadas a espreitar esquinas, sempre à espera que nos aparecesse o “papão” de maus sonhos. Nada. Nadinha. O almoço foi feito em silêncio porque o som da rádio e televisão em que se rodavam botões à cata de novidades, não eram suficientemente altos para abafar o barulho de brincadeiras despreocupadas e infantis. Em ansiedade, ninguém nos explicava nada e a tal “Liberdade” que era dita em surdina, devia ser uma prima afastada na mente de quem nunca lhe tinha sentido a falta. Mas o mais estranho eram os “partidos” pr’aqui, “partidos” pr’ali...E resolvidos com desfaçatez de cérebro de 8 anos com um: “colem-nos, ora!”
O alcance desse dia só seria sentido ao longo dos anos , em adolescência rebelde e tatuada ou protestos de capa e batina por causa de cantinas ou injustiças. E também nos livros que se puderam ler em terreno aberto e nas palavras que se puderam dizer mal assomavam ao espírito. Mas o que mais relembro desse dia foi a volta de carro em vidros abertos pela avenida da cidade em caravana, fazendo um gesto que até hoje simboliza o vencer dos medos: o “V” de vitória. 
E “que nunca mais cerrem... as portas que Abril abriu”!
E.G.

                                                                 Este homem...Meu Pai!


Este homem da foto, que transporta uma criança (a única sobrevivente de um ataque a uma tabanca) no longínquo dia de Natal de 1967 em Moçambique (Matenda-Niassa), é o meu Pai hoje com 71 anos. A fotografia original e o que por trás tem escrito é um dos tesouros de memórias que guardo com imenso Amor. Eu tinha, na altura, a mesma idade que a criança que ele teimosamente insistiu em salvar...Valendo-lhe o lugar da frente na coluna (primeiro alvo a abater). Explicou-me mais tarde, que foi um presente para mim, nesse dia de Natal. A sua coragem, rectidão, alegria e Amor...Foram presentes de uma vida inteira. Continuam, pelos dias fora, a sê-lo de uma forma incondicional...Que só ele me sabe dar. 
E.G.





Elisabete tem uma página no Facebook: https://www.facebook.com/ContosSemFimAVista


Rui Rodrigues
INSTRUMENTO TEU
Marlene Caminhoto Nassa

Com a língua quente na minha gruta
A lamber o contorno dos lábios meus
Teus dedos travam uma delicada luta

Ouve se de repente, num instante,
Em forma de espasmo e de gemido meu
Um concerto doce e alucinante

Tiras notas dissonantes com tua batuta
Quando fazes do meu corpo o instrumento teu!
SAL E MEL
Marlene Caminhoto Nassa

A delícia de dialogar com um poeta
É que só ele consegue explorar uma gruta
Esculpindo poemas de forma tão quieta
Mas criando arte até da palavra bruta
Enquanto escreve uma poesia louca

Exploda, pois, estrofes de suas águas represadas
E inunda de mel e de seu sal a minha boca!