Sentidos com sentimento que fazem
sentido
É muito pouco para um ser
humano viver sua vida do dia a dia sem tempo para se situar num contexto de
vida num meio vivo, como parte integrante deste planeta que viaja pelo espaço
sem ir para lugar nenhum que não seja o de sua galáxia, sempre mantendo
distâncias relativas a outros astros, voltando a trilhar os mesmos caminhos por
anos, séculos, milênios, parsecs. Pelo menos neste sistema solar da Via Láctea
a Terra é única e só, e nem por isso é triste.
Muitos de nós vivemos sós e
tristes sem nenhuma razão para isso. Absolutamente nenhuma. Se somos tristes é
porque não descobrimos o mundo em que vivemos e que nos pode dar tantas
alegrias. A razão principal de nossas tristezas é a falta de mobilidade, de
migração de coisas que antes nos davam alegria e que agora, por um motivo ou
por outro não queremos ou não podemos ter. Nestas ocasiões, um movimento no
sentido de buscarmos novas alegrias é fundamental para buscarmos novamente a
felicidade.
Para quem nunca teve um
amor, buscar um pode ser uma mudança fundamental de tal ordem que ao
consegui-lo e depois olhar para trás terá a sensação de que perdeu muito tempo
na vida, mas que valeu a pena mudar. Para quem nunca teve o conhecimento de
certas matérias que se aprendem nas escolas porque nunca as freqüentou,
certamente encontrará felicidade no conhecimento. E para quem já teve tudo mas
não teve tempo para olhar à sua volta porque estava muito ocupado ou ocupada,
há certos momentos na vida em que o tempo disponível permitem olhar para si
mesmo e para o mundo em que vive.
Carlos teve uma “parada
reflexiva” certo dia em sua vida de casado. Olhou para trás e não gostou do que
viu. Filhos criados e formados, um patrimônio razoável, encerrou sua carreira
como “pater família”, dividiu os bens, despediu-se da mulher e dos filhos e foi
viajar. Na volta, passados cerca de 4 anos, construiu uma casa á beira da praia
e foi pescar. Numa ida ao supermercado comprou umas belas mangas, mamões.
Passou numa floricultura e comprou duas mudas de bananeira, um limoeiro. Das
sementes de manga e de mamão, plantou algumas que brotaram. Passados oito anos,
que passam muito rapidamente, colhe mangas, bananas, limões, cajus, graviolas,
cana de açúcar, e de vez em quando algumas mandiocas. Num cercado cria algumas
galinhas, tem uma gata e um cachorro castrados. Anda pela praia colhendo
conchas e pescando peixe ou siris que complementam o super mercado. Para quem
conheceu quase o planeta inteiro em viagens a trabalho ou por laser, a sua
felicidade está no planeta que só agora teve tempo para olhar. Há quem vá uma,
dez, cem vezes a Paris, passe sempre pelas mesmas ruas e monumentos e não veja
nada do que pensa ver, porque não sabe o que ver, como ver. É como ver fotos
sem história, sem áudio visual. Pode passar por Notre Dame sem saber a sua
história pela Torre Eiffel sem saber dos detalhes técnicos e históricos de sua
construção.
Até então tinha vivido numa
casa a que chamava planeta Terra e não conhecia nem a sala nem o banheiro nem a
área de serviço apesar de tudo o que via e pensava conhecer. Não lhe prestava a
atenção devida, sua felicidade consistia em ter coisas que se perdem todos os
dias, que passam de moda todos os dias, que não valem nada amanhã, e o amanhã
já é hoje, e o hoje já passou para ontem.
Ao caminhar pelas ruas, já
sabe quem tem problemas, quem está feliz, quem está amando, quem busca o amor. Antes
eram apenas pessoas que viviam a “sua vida” e somente conhecia mais ou menos
quem convivia com ele. Hoje Carlos aprecia o cantar dos pássaros que lhe cantam
sinfonias pelas manhãs; o galo cantador que o acorda de madrugada. Tem contato
com seus amigos e amigas de forma esporádica. Busca nos livros de ciência o
aprendizado do que desconhece. Há flores nos campos, pessoas interessantes em
qualquer lugar com quem se pode conversar de acordo com o seu nível de
conhecimento e todas são interessantes porque cada uma delas tem uma história
diferente para contar, desejos diferentes, sonhos diferentes. Algumas se
tornaram suas amigas, e o idoso ou idosa desprotegidos que encontra pelas ruas
por vezes esconde um passado que já foi seu. Não raro são pessoas com profundo
conhecimento da vida que se desiludiram mas não souberam ou não optaram por descobrir
o planeta para a vida, mas para o esquecimento. Muitos por falta de apoio ou
desilusão.
Hoje, sim, Carlos se julga
um “self made man”, aquele que se fez na vida, cozinha, lava, passa, limpa,
cultiva, cria e vive em sociedade da qual depende o mínimo necessário. Ama
quando há oportunidade. Quando não há, reserva o amor para quando vier.
Rui Rodrigues
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