Olhares de Elisabete
Não conheço Elisabete Gonçalves (E.G.) pessoalmente. Conheço-lhe um
pouco da alma que deixa antever em seus sucintos resumos, expostos como
suspiros. Nascida nas altas montanhas do Norte de Portugal, curtida pelos frios
invernos da Serra do Marão e pelos quentes ventos de verão que nos empurram
para uma sesta, trás coladas à alma as lembranças de sua infância como medalhas
que orgulhosamente ostenta como parte de sua formação tão humana e familiar.
São expressões de alma como estas que me fazem pensar sobre René
Descartes quando constatou que “penso logo existo”. Elisabete me faz pensar que
seria mais adequado dizer “Sinto logo existo”. E os olhos não são o espelho da
alma, definitivamente, porque é muito simples refletir e eles são muito mais
funcionais: são uma das formas de expressar o que nos vai na alma,
principalmente de uma infância que deixa saudades.
Será contigo papá, sempre e num tempo sem fim, que
dançarei a vontade da vida. Porque o teu corpo de onde se desprende um amor que
nunca morre... Será eternamente a minha casa.
E.G.
E.G.
Promete-me meu amor, que subirás pelo meu corpo ao som do deslizar das minhas meias, no compasso de botões que se desarmam e... No calor voraz da urgência dos meus ais!
E.G.
Voltou desanimada para casa, de ombros
baixos e olhar vago. Depois de ter escrito naquela carta de três páginas tudo o
que a fazia revirar na cama noites a fio quando pensava nele, ter borrifado o
envelope cor de rosa de perfume e demorado duas horas a estacionar o carro
perto dos CTT, nunca pensou que um ataque de pânico lhe secasse a boca ao
ponto... De não conseguir colar o malfadado selo!
E.G.
E.G.
Quando a vida me sugar a vontade, como
ola de rio em fúria onde num tropeço caí sem querer, vou tentar manter a calma.
Vou fingir que é apenas um mergulho em apeneia em que testo as minhas forças e resistência,
vou suster a respiração até ao limite, vou deixar-me ir sem me debater até
sentir o ponto de viragem, onde baterei com os pés para ganhar velocidade de
retorno. E quando de lá sair exausta e a escorrer, porei sem pressa, a roupa a
secar e esperarei sentada numa pedra até a minha respiração de afogada me
deixar prosseguir. Depois, de roupa seca, continuarei caminho.
E.G.
E.G.
Quando a memória vagueia até há 40 anos
atrás, é nesta foto do meu pai que as lembranças se concentram. Tinha 30 anos
na altura e foi tirada num momento de descanso no meio da savana africana,
algures no Norte de Moçambique. O meu pai foi e continua
a ser militar e, em abono da verdade, esse facto torna-se indissociável da sua
personalidade...E da minha. Todos os filhos de militares sabem bem do que falo:
não há ninguém que não seja influenciado pelo carácter dos seus progenitores e
do brio que ostentam na profissão que têm. Mas quando os pais são militares...Isso
é inquestionável. Não há nenhum militar que consiga fazer “compartimento
estanque” entre a sua profissão...E a influência que ela produz nos seus
filhos, por mais que o tente. Mas ao escolherem tal “modus vivendi”...Quase que
nos traçam o caminho. O código de honra, o sentido de dever, o cumprimento de
tarefas, o companheirismo e a defesa do que é correcto não se herdam, é certo.
Mas...Quase!
E.G.
E.G.
No meu corpo é o lugar onde me faltas. E
nunca o amargo cheira a rosas...Nem o Inferno sabe a mel!
E.G.
E.G.
Juntos tinham o sabor de uma mistura de
castas perfeita, que só se encontra em bebidas superiores, como num macio e
aromático “Black & White”.
Mas quis o destino que suas vidas, tal como numa injusta lei de apartheid, fossem bebidas em copos separados.
E.G.
Mas quis o destino que suas vidas, tal como numa injusta lei de apartheid, fossem bebidas em copos separados.
E.G.
A minha mãe é uma mulher de pequena
estatura mas, tal como Atlas, sempre carregou o Mundo. O dela...O meu... O do
meu pai...O do meu irmão...E o do meu filho...!
Lutou com garras de felina contra uma infância desfavorecida, sem pai que morreu com apenas 30 anos abafado em pó de mina, foi à escola porque uma prima dividiu com ela a lousa e os livros que não tinha, desafiou a má sorte e...Levou-lhe a melhor. Com 8 anos tornou-se a escritora oficial da aldeia, a quem pediam para escrever cartas a namorados ou maridos no Brasil e que poupasse o papel.
Foi mãe aos 19 anos e fui a boneca que não teve na infância. Naqueles meados da década de sessenta também era difícil gerir o fundo da gaveta, que ela conseguiu com dotes de mágica e muita imaginação. E nem sequer tirou um curso para isso!
É também a mulher mais auto didacta que conheci. Além de ter uma biblioteca invejável, que devorei em Verões inteiros e me abriu Mundos longínquos, estudava nos meus livros escolares para poder ser a explicadora que não tínhamos dinheiro para pagar. E fê-lo com excelência, rigor...E Amor.
Em síndrome de ninho vazio não baixou os braços e com 60 anos foi fazer o secundário que nunca teve oportunidade de fazer e, apesar de nunca ter sequer ligado um computador, tornou-se numa cibernauta de fazer inveja a qualquer um.
A energia com que anda 7km por dia para “não enferrujar”, como gosta de dizer, ou com que vai para a natação, enche-me de orgulho. Com ela, não há medo, nem “não pode ser” e a simples idéia do cheiro dos seus cozinhados...Continua a fazer-me saudades da infância e de dias felizes.
Admiro a sua tenacidade e vontade férrea, que julgamos impossível caber naquele metro e cinquenta de Mulher. Mas nunca, nunquinha, conhecerei outra tão “grande”...Como Ela!
Adoro-te, Mãe.
Beijo.
Lutou com garras de felina contra uma infância desfavorecida, sem pai que morreu com apenas 30 anos abafado em pó de mina, foi à escola porque uma prima dividiu com ela a lousa e os livros que não tinha, desafiou a má sorte e...Levou-lhe a melhor. Com 8 anos tornou-se a escritora oficial da aldeia, a quem pediam para escrever cartas a namorados ou maridos no Brasil e que poupasse o papel.
Foi mãe aos 19 anos e fui a boneca que não teve na infância. Naqueles meados da década de sessenta também era difícil gerir o fundo da gaveta, que ela conseguiu com dotes de mágica e muita imaginação. E nem sequer tirou um curso para isso!
É também a mulher mais auto didacta que conheci. Além de ter uma biblioteca invejável, que devorei em Verões inteiros e me abriu Mundos longínquos, estudava nos meus livros escolares para poder ser a explicadora que não tínhamos dinheiro para pagar. E fê-lo com excelência, rigor...E Amor.
Em síndrome de ninho vazio não baixou os braços e com 60 anos foi fazer o secundário que nunca teve oportunidade de fazer e, apesar de nunca ter sequer ligado um computador, tornou-se numa cibernauta de fazer inveja a qualquer um.
A energia com que anda 7km por dia para “não enferrujar”, como gosta de dizer, ou com que vai para a natação, enche-me de orgulho. Com ela, não há medo, nem “não pode ser” e a simples idéia do cheiro dos seus cozinhados...Continua a fazer-me saudades da infância e de dias felizes.
Admiro a sua tenacidade e vontade férrea, que julgamos impossível caber naquele metro e cinquenta de Mulher. Mas nunca, nunquinha, conhecerei outra tão “grande”...Como Ela!
Adoro-te, Mãe.
Beijo.
Naquele dia pela manhã sentimos algo
estranho na voz em segredo das professoras e empregadas da escola que, sem uma
única explicação, nos mandaram para casa com o
aviso de que fossemos com cuidado. O regresso a casa foi feito de mãos dadas a
espreitar esquinas, sempre à espera que nos aparecesse o “papão” de maus
sonhos. Nada. Nadinha. O almoço foi feito em silêncio porque o som da rádio e
televisão em que se rodavam botões à cata de novidades, não eram
suficientemente altos para abafar o barulho de brincadeiras despreocupadas e
infantis. Em ansiedade, ninguém nos explicava nada e a tal “Liberdade” que era
dita em surdina, devia ser uma prima afastada na mente de quem nunca lhe tinha sentido
a falta. Mas o mais estranho eram os “partidos” pr’aqui, “partidos” pr’ali...E
resolvidos com desfaçatez de cérebro de 8 anos com um: “colem-nos, ora!”
O alcance desse dia só seria sentido ao longo dos anos , em adolescência rebelde e tatuada ou protestos de capa e batina por causa de cantinas ou injustiças. E também nos livros que se puderam ler em terreno aberto e nas palavras que se puderam dizer mal assomavam ao espírito. Mas o que mais relembro desse dia foi a volta de carro em vidros abertos pela avenida da cidade em caravana, fazendo um gesto que até hoje simboliza o vencer dos medos: o “V” de vitória.
E “que nunca mais cerrem... as portas que Abril abriu”!
E.G.
O alcance desse dia só seria sentido ao longo dos anos , em adolescência rebelde e tatuada ou protestos de capa e batina por causa de cantinas ou injustiças. E também nos livros que se puderam ler em terreno aberto e nas palavras que se puderam dizer mal assomavam ao espírito. Mas o que mais relembro desse dia foi a volta de carro em vidros abertos pela avenida da cidade em caravana, fazendo um gesto que até hoje simboliza o vencer dos medos: o “V” de vitória.
E “que nunca mais cerrem... as portas que Abril abriu”!
E.G.
Este homem da foto, que transporta uma
criança (a única sobrevivente de um ataque a uma tabanca) no longínquo dia de
Natal de 1967 em Moçambique (Matenda-Niassa), é o meu Pai hoje com 71 anos. A
fotografia original e o que por trás tem escrito é
um dos tesouros de memórias que guardo com imenso Amor. Eu tinha, na altura, a
mesma idade que a criança que ele teimosamente insistiu em salvar...Valendo-lhe
o lugar da frente na coluna (primeiro alvo a abater). Explicou-me mais tarde,
que foi um presente para mim, nesse dia de Natal. A sua coragem, rectidão,
alegria e Amor...Foram presentes de uma vida inteira. Continuam, pelos dias
fora, a sê-lo de uma forma incondicional...Que só ele me sabe dar.
E.G.
E.G.
Rui Rodrigues
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