O pequeno grilo
Ele era um velho. Vestia-se
com roupas puídas, mas limpas, que já tinham sido moda, roupa de etiqueta,
décadas atrás. Era tudo o que tinha, além de dois colchões onde dormiam ele e o
garoto. Sem ter onde morar resolvera recolher-se àquela pequena gruta nas
imediações da cidade. Todos os dias ia até ao bairro mais próximo para recolher
comida e alguns restos de coisas que pessoas caridosas lhe davam por não lhes
fazerem a mínima falta. O garoto era fruto de amores de ocasião, daqueles que
nada têm de amor, e são apenas reflexos da função hormonal que provoca desejos
incontidos. Tinha sido largado à porta da gruta sete anos antes. Entendeu que
era um presente que a vida lhe dera e não queria perdê-lo. Virou-se do avesso
para conseguir fraldas, leite, mamadeiras, roupas. Inventou que era pra uma mãe
pobre que não podia sair de onde estava para cuidar do filho. Tinha planos: Se
a vida lhe dera aquela criança, não iria tirá-la. A criança nunca ficaria
doente. Se viesse a ficar, então
contaria a verdade, perdê-la-ia para sempre porque seria entregue a alguma
instituição para que viesse a ser adotada, mas teria a sua vida assegurada.
Ficaria com o Grilo, assim lhe chamou, enquanto a vida lhe permitisse tal
dádiva.
O pequeno grilo, aos três
anos já era um excelente perguntador. Gozava de excelente saúde. O velho
ensinava-lhe tudo o que sabia. Ninguém se preocupa com os miseráveis que vê
pelo caminho. Tratam-nos como se fossem idiotas e não tivessem o mínimo
conhecimento. Na verdade estudos mostram que entre os mendigos de rua
encontram-se professores universitários, engenheiros, médicos, de ambos os
sexos, que se viram forçados a adotar essa vida das ruas ou que pararam de
lutar pela vida que tinham por que parou de fazer-lhes sentido.
O velho dera o nome de grilo
ao pequeno porque se lembrava sempre de um filme de Bruce Lee que vira naqueles
tempos em que tinha família. Era o de um sábio de Kung-fu que tratava o
discípulo por “pequeno gafanhoto”. Naquela gruta não havia gafanhotos mas havia
um grilo que cantava todos os dias, e de karatê o velho ainda sabia alguns
golpes. Faltava-lhe a força, mas ainda tinha o jeito.
Sete anos passam depressa. O
pequeno grilo sabia ler, escrever, e tinha tanto conhecimento que poderia
tranqüilamente, com aquela idade, fazer prova em colégio para concluir o
primeiro grau. Aprendera também a cozinhar, lavar e passar sua roupa. Numa
manhã o velho acordou-o e disse-lhe que iam até o centro da cidade. Vestiram a
melhor roupa, o velho apanhou umas notas que sempre tinha guardadas e foram até
a cidade. Foram a pé. Um longo caminho. Quando chegaram a uma rua, o velho
disse-lhe que haviam chegado e entraram numa loja que cheirava a papel velho.
Era um Sebo. Passaram quase uma hora escolhendo livros. Depois voltaram
exaustos para a gruta nos subúrbios da cidade. O velho ia preparar o pequeno
grilo para o segundo grau até os dez ou doze anos de idade. As aulas
recomeçaram no dia seguinte. O pequeno Grilo seguiria as ciências exatas e
saberia ler, falar e escrever muito bem o português. Brincava nas horas vagas,
muito poucas por sinal, com outros meninos de uma favela próxima. O pequeno Grilo já sabia que seu futuro seria muito diferente e junto com o velho lutavam
por ele. Era uma fixação. Uma meta a atingir e nada mais serviria.
O pequeno Grilo passou em
todos os exames e fez vestibular para uma universidade de Física. Passou e
ganhou uma bolsa de estudos. Um dia ao voltar para a gruta não encontrou o
velho a quem chamava pai. Procurou-o por todas as instituições. Já estava formado
quando veio a saber que ele jazia numa vala comum, enterrado como indigente. Nesse
dia seu coração ficou apertado como nunca. Seu pai, assim lhe chamava, partira
sem dizer adeus. Por momentos, em que as lágrimas lhe rolaram pelas faces,
chegou a pensar que era uma história muito triste, mas logo seu coração se
inflou cheio de orgulho. Afinal sua história e do velho, eram uma linda
história da qual nada tinha que se envergonhar.
Grilo hoje é casado, tem
dois filhos e vive numa pequena cidade alemã onde desenvolve os seus estudos
num centro de pesquisa. Ajuda a manter um centro de ajuda a desamparados na
cidade de S. Paulo
Rui Rodrigues.
Que história linda, que retrata o amor verdadeiro e incondicional. O pobre velho criou o menino e o ensinou a ser um homem de bem, com amor no coração para dividir com o semelhante. Tantos têm tudo na vida, nascem em berço de ouro, entretanto são incapazes de um gesto de soliidariedade e/ou generosidade. Parabéns por esse texto Rui Rodrigues e obrigada por tantas outras histórias lindas que você nos conta e nos remete a uma refelxão profunda. Boa noite amigo!!
ResponderExcluirAlô meu caríssimo amigo Rui. Belo texto! É estranho como a gente vê uma história dessas e nunca sabe realmente se ela é um caso verdadeiro romanceado ou se é um romance estruturado para parecer real. O amigo, com seus textos, é muito bom em colocar perguntas na cabeça de seus leitores. Isso torna-os muito interessantes.
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