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sábado, 19 de maio de 2012

A trabalho em Angola - 1990- 1993





Em 1990 trabalhava como gerente geral de uma empresa em Lisboa  a SPRI- Bralusango, que tinha interesses comerciais diversos em Angola.  Eu tinha que ir lá pelo menos 90 dias por ano. Nesse ano especificamente, a luta entre a FLNA e a UNITA de Jonas Savimbi ainda estava em plena atividade. Os soldados cubanos já não eram necessários e estavam de saída com suas máquinas de guerra pintadas, reluzindo como novas alguns diamantes nos bolsos dos soldados, armas lubrificadas como novas.  Aviação da África do Sul atacava esporadicamente e nesse ano não atacou duas vezes. Tínhamos alojamentos ao lado do de uma empresa do Brasil – Furnas - onde encontrei um primo de minha ex-mulher e um antigo colega de Universidade que assumia também como gerente geral na assessoria de construção de uma enorme Barragem: Capanda. Destinaram-me um quarto num apartamento da companhia, do qual declinei por achar que seria melhor o contato diário com o meu pessoal.

Dois dias depois de chegar a Angola, dois técnicos estavam no hospital. Um deles salvou-se, o outro faleceu num ataque relâmpago de febre amarela: tomara a vacina apenas dois dias antes de sair de Lisboa.

Como tinha que viajar à cidade do Namibe – antiga Moçâmedes – para avaliar a reforma do Grande Hotel da Huíla e a possibilidade de outras obras, marcamos o vôo  para um domingo às sete da manhã. Teria tempo suficiente para conversar com o nosso staff que residia na cidade e se possível fazer alguns contatos.  Sexta feira porém, logo pela manhã, em conversa com o dono da Empresa, resolvi viajar segunda feira. Ele tentou demover-me da alteração, mas expliquei que ainda havia trabalho para fazer no sábado. Descansaria domingo e como o vôo chegaria às 8:30 á cidade do Namibe, teria tempo para estar nas repartições públicas ao abrirem. Então me convidou para comer umas lagostas em sua casa na ilha de Luanda no domingo. E fui. Lá estava eu na praia esperando a lancha, quando a vi vindo em minha direção, o Dr. Graça Oliveira brandindo um jornal na mão e rindo.

Ainda na lancha ao aproximar-se me perguntou se eu tinha lido os jornais. Disse-lhe que não. Rindo deu-me um grande abraço e disse-me:

- Sabe, sr, engenheiro? O avião em que o sr deveria estar hoje de manhã, foi abatido por um foguete da UNITA. Não se salvou ninguém...

Comemos as lagostas, falamos sobre outras coisas e quando me levou de volta à praia, já sabia que segunda-feira iríamos de automóvel: Eu, dois engenheiros e um técnico de arquitetura. Tive que lhes explicar que entre apostar em avião e carro, preferia o carro que estava sob meu comando. Avião não. E com “salvo conduto” lá fomos nós, manhã cedo. Uns rezando entre dentes, um tremendo, e outro assobiando. Todos éramos casados, tínhamos mulher e filhos.

Chegamos à Serra da Chela pelo meio da tarde. Não vimos pelo caminho nenhum posto de guarda, nenhuma patrulha. Somente alguns autóctones, raros, que saiam da selva, onde havia, para ver aquele citroen branco, com embreagem de alavanca, passar zunindo como o vento pela estrada empoeirada.

Quando chegamos ao Hotel, o gerente olhou para nós admirado, e nos contou que na estrada em que passamos, um pouco antes da subida da serra da Chela, dois carros tinham ido pelos ares e 11 pessoas haviam morrido... Quando retornei a Luanda uma semana depois, a rota da TAAG já tinha sido alterada: os aviões iam e voltavam a Luanda por uma rota em “U” caminho do mar. Jonas Savimbi não tinha marinha. Voltamos de avião.

É evidente que pelo custo benefício, com tão alta taxa de risco eu não podia ser valente todos os dias.  Pedi demissão em meados de 1993 e estou aqui para contar a história em 2012.

Rui Rodrigues

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