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domingo, 17 de maio de 2015

Contos do Barão de Rodrigsh.- Parte 1



Ella Athal é uma jornalista israelense que conheceu o Barão de Rodrigsh, Quando passou pelo “Bar do Chopp Grátis” em sua viagem pelo Brasil, contou esta história que fez fechar o bar, reunir todas as mesas do bar à sua volta, prendendo a atenção de todos. Silêncio total. Nem tilintar de copos, nem zunido de moscas. O Bar nunca teve moscas nem “ficou às moscas”.



1.    Ella Athal se encontra com o Barão Rodrigsh

Duques e Condes são muito introspectivos, sisudos. Barões são mais populares, por serem a fronteira entre o povo e a nobreza. Embora títulos de nobreza hoje só sirvam para não se sabe o quê, que nem se escuta falar, o de Barão soa como aventura. Foi com este espírito que Ella Athal descobriu o Barão de Rodrigsh quando estava a bordo de um balão desses que levam a bordo mais botijões de gás e sacos de areia do que pessoas. A cesta do balão era um barco com vela e tudo. Estava de partida para África. Ella então perguntou se poderia ir com ele. Ella era muito linda e ficara impressionada com os bigodes brancos e retorcidos do Barão, cheirando a tabaco. Sentia-se segura com ele. Ella jogou então a sua mochila para dentro da barca do balão, o Barão ateou fogo aos queimadores de gás e o balão começou a fazer pressão na corda que o prendia ao solo. O barão cortou a corda e o balão subiu aos céus. Era pelo por do sol.

(Foi assim que Ella viajou com o Barão sem muitas particularidades pessoais. Apenas relatou os fatos e as histórias do Barão).

2.    Como se fazem necessidades em pleno vôo.


- Barão!... Como se faz cocô a bordo deste balão? – Perguntou-lhe Ella, com o rosto já suando. Agüentara quanto pudera até se ver obrigada a perguntar.
- Lá em baixo, ao fundo do corredor entre os beliches. Pode puxar descarga que quando chegar lá em baixo, no solo ou no mar ninguém notará. Vai chegar tudo pulverizado. Faziam o mesmo em alguns aviões antigos. Como acha que era antigamente com aqueles aviões da primeira guerra mundial? Contam as histórias, mas nunca falam nesses detalhes. Alguns tinham um buraco no assento e um tipo de bolsa que abria para permitir a desova. Ou então, os pilotos faziam suas necessidades dentro do macacão de vôo. Por isso se que em filmes a mocinha sai correndo para o piloto logo que sai do avião para o beijar, é mentira. Os pilotos fediam... (E deu uma sonora gargalhada)... Mas tranqüilize-se, disse. Hoje já existem “reservatórios” especiais, embora alguns deles continuem despejando tudo aqui em baixo. Se andar pela cidade, tome cuidado com aviões que passam lá em cima... (E voltou a rir).

3.    O balão do Barão é multiuso, cheio de "guéri-guéri".



O Barão era assim. Cheio de surpresas, detalhando o que sempre escondiam. Ella Athal tinha receio do balão do Barão. Parecia uma geringonça, mas logo ganhou confiança quando passaram pela primeira dificuldade. Em pleno Oceano Atlântico viram uma enorme tempestade pela frente. Era tão grande que para contorná-la teriam que perder uns dois dias. Então o Barão Rodrigsh baixou-o até o nível do mar, pôs em funcionamento uma máquina de enrolar pano de balão, e quando este estava já enrolado e guardado, ligou o motor da barcarola e apertou um botão. Subiu uma capota transparente que impedia a entrada de água e mergulharam no mar, navegando até que saíram da área de tempestades. Enfrentaram enormes polvos marinhos, espadartes enfurecidos, tubarões irritados e fantasmas de piratas no fundo do mar. Depois que calcularam ter passado a área da tempestade, emergiram. Logo na frente avistaram o Cabo da Boa Esperança. Estava tão perto que desembarcaram no porto para comprarem mantimentos. Peixe não, por que tinham pescado muitas lagostas viajando pelo fundo do mar.

Saíram do porto no balão. Passaram dias viajando pelos ares, a Terra sempre perto.A bela Ella Athal continuava contando sua história embevecendo todos os presentes, como se fossem sócios da Ambev, tomando cerveja atrás de cerveja, interessados em seus relatos.

4.    O baloneiro é mágico.



- Gente... (disse a bela Ella, Athal, com olhar de incrédula). O baloneiro, o barão Rodrigsh é mágico. Eu não sabia, mas é mágico. Só me dei conta quando os gansos passaram voando...
- QUAIS GANSOS? (Ouviu-se em coro da platéia e alguns até se engasgaram com a cerveja).
- Apareceram uns gansos voadores no céu quando estávamos sobrevoando o delta do Nilo, perto da cidade do Cairo... Voavam em “V” como se fossem para uma batalha. Fiquei assustada porque poderiam vir contra nós para pousarem na barcarola, e avisei o Barão. Aí ele muito calmo me disse:
- Prepare-se para o pior. São gansos galafantes.
- O que são galafantes?
-É uma palavra espanhola que significa “ladrões”. Esses gansos roubam tudo o que podem em suas viagens. Prepare-se que vão pousar aqui.
- Então... (continuou Ella, Athal)... Um bando de uns vinte gansos enormes pousou na barcarola. Tinham os pescoços muito compridos, e o barão chegou a olhar para mim com terceiras e quintas intenções, mas estava meio ocupado com uma tesoura tentando cortar as asas dos gansos. Então o avisei que se cortasse as asas dos gansos eles não poderiam voar e teríamos que matá-los. Era melhor enxotá-los. Começamos a enxotá-los, mas saiam de um lugar, voavam logo para outro da barcarola. E aí o Barão se mostrou. Fez um largo gesto com as mãos onde havia uma panela e os gansos foram entrando um atrás do outro sem nunca encherem a panela. Olhei a panela, e dentro havia vinte gansos quietos, pequenos, grasnando de medo. O Barão então enfiou a mão na panela e foi tirando uns papéis. Eram ações ao portador de grandes companhias, diamantes, pepitas de ouro, tudo marcado com uma estrelinha e o numero 13. Então, depois de livrar a carga dos gansos galafantes, o Barão bateu um panelaço ensurdecedor na panela usando um porrete de aço, e os gansos foram saindo das panelas meio mirrados, tristes, com olhares de pobres imigrantes africanos quando pedem ajuda às autoridades de imigração ou quando pedem perdão depois de presos. Todos tinham agora uma tatuagem nas costas: Uma estrela com o número treze. A estrela era vermelha. O Barão juntou tudo numa caixa e pediu para que eu a despachasse logo que chegássemos a bom porto. Tinha um endereço: À Polícia Federal do Brasil.

5.    Os sentineleses da Baía de Bengala nas ilhas Andaman.



Logo que os gansos se foram, a caminho do Brasil, ou seria Venezuela Cuba ou Argentina, não sabemos, olhamos para baixo e vimos uma ilha que o Barão logo reconheceu como a ilha de Sentinela, na Baía de Bengala. Aliás, desde 2004 quando houve um tsunami que passou por lá, duas ilhas se juntaram numa só: A Ilha de Constança que antes ficava a cerca de 600 metros de uma outra a Sentinela do Norte que era como uma salsicha. A união das duas numa só a tornou ligeiramente quadrada e o nível subiu cerca de dois metros. Pertence à Índia embora seja legalmente independente. Nela vivem os Sentineleses, cerca de 400 indivíduos, desde 60.000 anos atrás. Não querem conhecer o continente, nada, e a Índia também não está interessada neles. Se puderam viver bem durante 60.000 anos, poderão tranqüilamente viver mais outros 60.000.

Deve ser assim que a coisa funciona (disse Ella Athal e continuou sua história, com o bar inteiro prestando a maior atenção).

- Então descemos na ilha, cheios de presentes para eles. O homem que parecia ser o chefe se acercou de nós, olhou os presentes e disse num perfeito português:
- Somos comunistas. Só eu falo a vossa língua e por isso sou o chefe. E podem guardar os vossos presentes. Vão tirar fotos na casa do baralho (ou algo parecido que ele disse).
Então, disse Ella Athal, lhe perguntei se não precisavam de saúde pública, hospitais, remédios... E ele me respondeu:
- Aqui se morre de morte natural. Aceitamos isso. Tomamos chás de ervas, fazemos emplastros, damos uns tabefes em quem fica pálido, pomos lãzinha na testa para parar de ter soluços. Há 60.000 anos que somos assim...
- E de dinheiro não precisam?
- Para quê? Comprar de quem, se caçamos, plantamos, e dividimos tudo?
- E para controle de natalidade? Se aumentarem muito em número não caberão na ilha nem haverá alimentação para todo mundo.
-  Temos nosso próprio método para garantir sempre o mesmo numero. Pegamos os mais espertos da tribo, os que mais reclamam, e jogamos do despenhadeiro junto com a família toda. É uma seleção natural. Mas nunca precisamos fazer isso. Quando passamos de 400, dividimos a aldeia ao meio e separamos as mulheres dos homens por uns cinco anos. Até lá já morreram alguns de nós e então já podem transar novamente, mas sempre usando métodos contraceptivos naturais, como o chá de Dong Quai ou Angélica chinesa. As mulheres tomam o chá para regular a menstruação, e se falham tomam do mesmo jeito que abortam. Aqui nesta ilha não cabe sempre mais um.
- E segurança, como fazem?
- É simples... Ladrão de mulher e abusador de menores, corta o pau e ele vira mulherzinha da tribo. Se roubar alguma coisa, apanha até ficar tonto e devolve tudo. Se já estragou o que roubou e não pode devolver, jogamos do desfiladeiro.
- E instrução?
- Para quê instruir? Gente instruída reclama muito e deixa os outros se sentindo ironizados porque não sabem o que eles sabem. Então os chamamos de prepotentes. Melhor que fiquem ignorantes. Já vivemos assim muito bem há mais de 60.000 anos. Tudo controlado.
- E antes de serem comunistas, o que eram?
- Sempre fomos comunistas. Só que não sabíamos disso.
- E quando souberam?
- De um caixote de livros de Mao Tse Tung, escritos em português, destinados á leitura obrigatória em Macau durante o governo comunista da China. Só fiquei com um livro para mim. O resto tasquei fogo.
- E se um dia invadirem a ilha como se defenderão?
- Não vão invadir. Aqui não temos petróleo, nem ferro, nada... Só tínhamos cobras naja, galinhas e porcos selvagens. As najas deixamos ficar porque servem para controle de natalidade. As galinhas e os porcos que ficaram selvagens matamos todos porque eram objeto de disputa entre a tribo. Tribo feliz é a tribo que não tem nada para dividir. Vamos fumar o cachimbo da paz?
- E nos convidou para fumar um enorme cachimbo feito de bambu – disse Ella Athal – Mas não fumamos... Era pura maconha!



(Então ouviu-se no bar o dono falar através do equipamento de som, pedindo para tomarmos os últimos goles porque já eram três da madrugada e o bar tinha que fechar. Ouviu-se uma vozearia de reprovação amigável).

Ella Athal prometeu que no dia seguinte continuaria com a história.


® Rui Rodrigues 

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