Parecem crianças
assustadas quando uivam, e tal como quando alguém tosse numa missa, numa sala
de aula, ou numa solenidade, e todos começam a tossir por “simpatia”, cães se
contagiam no uivo sem saberem porque razão. O primeiro a latir sabe porque late,
e se existe realmente uma linguagem canina, logo os outros passam a saber
também. Seremos nós mesmos parecidos com os cães, ou os cães parecidos conosco?
Ambos descobridores deste planeta, dois sobreviventes ao longo de milhares de
anos, somos companheiros, vivemos numa certa relação simbiótica e muitas vezes
fica indefinida a chefia da matilha. Há que ter cuidado para que a matilha não
se vire contra o dono. Mas o que haverá de “humano” nos cães? Temos vários
exemplos, antes, porém, é preciso que se saiba que cães uivam – tradição
herdada dos lobos - para unirem a matilha por solidão ou para acasalamento.
1. O cão dos Baskersvilles.
É tema de
um romance de sir Arthur Conan Doyle. Corria voz numa localidade da Inglaterra
que um cão costumava matar gerações da família Baskerville. Um deles, sir
Charles, foi encontrado morto e logo a suspeita recaiu sobre o tal cão.
Sherlock Holmes foi então chamado para investigar se o sobrinho de Charles,
como herdeiro, correria perigo de ser morto. Porém sir Charles, como se
confirmou, falecera de um ataque cardíaco. Um outro personagem interessado na
fortuna cobria o cão com fósforo para que brilhasse à noite, aparentando-o mais
feroz. O personagem chamava-se Stapleton e era irmão de sir Charles, tendo sido
dado como morto quando era ainda jovem. A trama da história baseia-se num fato:
Quando um cão é treinado para atacar alguém através do cheiro de roupa da
vítima, se alguém colocar essa roupa até em seu dono, ele ataca do mesmo modo.
Nessas horas o cão não reconhece o dono. Não pode uivar para que possa atacar
em silêncio.
2. Achiko.
Achiko é um
cachorro da raça japonesa Akita. No Japão, na estação de trens de Shibuya
existe uma estátua em sua homenagem. Ele sempre ia esperar o dono, um
professor, na estação, e um dia o dono não apareceu. Por anos a fio Achiko
continuou indo até a estação, todos os dias, esperando pelo professor. Foi tema
de um filme “Sempre ao seu lado”, símbolo da fidelidade, persistência. Você
conhece alguma pessoa assim? Se conhecer dê-se por feliz. E se conhecer mais de
uma, então sua felicidade é uma benção. Eu mesmo ficaria feliz em ser seu
amigo.
3. Lassie.
Lassie é
uma cadela da raça Colie. Separada do dono em circunstâncias terríveis,
percorre centenas de quilômetros para encontrar com seu dono. Inicialmente o
conto foi publicado no Saturday Evening Post em 1940, mas a série de televisão
somente em 1954 e durou 20 anos. Muitos de nós certamente ainda nos lembramos desta série. Por esses tempos as séries eram mais "suaves" tentando fazer um mundo melhor e mais suave. Atualmente as séries são mais violentas, mais sanguinárias embora o sangue quase não apareça, embora aparentemente o motivo seja o mesmo. Algo não "bate" bem.
4. Blondi, cadela que
não conhecia o dono.
Era a
cadela de Hitler, da raça pastor alemão, presenteada por Martin Bormann,
secretário particular de Hitler. Eva Braun, esposa dele, não gostava da Blondi
e costumava chutá-la por debaixo da mesa. Ela preferia seus dois Scotish
Terrier, o Negus e o Stazi. O que mais a irritava era o hábito de Hitler
permitir que a cachorra dormisse com ele na cama. Acompanhou-o de 1941 a 1945
até o bunker quando Hitler já temia o pior. Por essa oportunidade Blondi tinha
dado à luz cinco filhotes de seu cruzamento com Harras, pertencente a Paul
Troost, o arquiteto de Hitler. Já desiludido, no bunker, Hitler pede a Werner
Haase, seu médico que testasse em Blondi as cápsulas de cianureto que ele
pretendia usar, para testar se eram eficientes. A cadela morreu, Hitler
suicidou-se, os cinco filhotes foram abatidos a tiro pelo médico. Os soviéticos
que invadiram o bunker exumaram o corpo de Blondi por indicação do médico. Com
as costelas aparecendo como na foto, Blondi não teria de Hitler a retribuição
que merecia, mas como se ser retribuído por um indivíduo como Hitler? E porque Eva Braun não chutava Hitler em vez
de chutar Blondi? Casada com Hitler, o que se poderia esperar de Eva Braun, uma
modelo e assistente de Heinrich Hoffman, fotógrafo particular de Hitler. Por
duas vezes ela tentou o suicídio durante seu relacionamento com Hitler.
Finalmente, depois de conviver com ele casaram-se. O casamento durou 40 horas,
antes que suas vidas acabassem no bunker. A história não é triste. Triste é o
modo como alguns seres escrevem suas histórias na vida. Uns de forma
consciente, outros, como Blondi, arrastados pela história triste dos outros. Agora
imagine que isto se aplique aos relacionamentos humanos e que uma mulher como
Eva Braun, sem instrução, amante do poder fosse indicada para a presidência de
uma república, só porque alguém no poder a indicou, tão ignorante quanto ela.
Se Hitler tivesse ganhado a guerra provavelmente a indicaria para sua
sucessora: Podia dominá-la mais que qualquer um de seus mais eficientes
colaboradores.
E é assim
que se constroem histórias entre uivos, latidos e gemidos, onde a fronteira
entre sentimentos não é assim tão bem definida. Há muitos seres humanos que são
uns cães de Baskerville, outros que são como Lassie, alguns como Blondi, muito
poucos como Achiko... E embora digam que cão que late não morde, que cães ladram
enquanto caravanas passam, há sempre que ter em mente quem ou o que é cão, e o
que não é, e assim mesmo, que tipo de cão são os que uivam, os que latem e os
que gemem.
® Rui
Rodrigues
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