Arquivo do blog

terça-feira, 7 de junho de 2016

A Nau do urso



(Antes de iniciar esta crônica, ou o que quer que seja que vocês, queridos leitores, entendam que estas linhas sejam – pode ser uma historieta do tipo da Nau Catarineta, ou um besteirol qualquer – deixem-me avisar-lhes que por aqui (no Bar do Chopp Grátis) passam umas pessoas “diferentes” que nos contam umas fábulas “do arco da velha”. O que importa é o “paladar”… Se gostarem, voltem sempre!)



Não havia engano. Aquele barulho constante não era apenas do vento. A chuva tinha chegado também. Haveria água suficiente para mais uma semana a julgar pela intensidade dos pingos caindo sobre o convés. Quem alertou o comandante foi o “Urso”, um cachorro malvado, preto, sorridente, bonachão, bem-mandado, mas que quando resolve brincar pula no peito de qualquer um, incluindo o do comandante. Por isso e somente por isso Urso era um cachorro malvado. Mas compensava de muitos modos. Por exemplo, ele sempre avisava quando chovia. Corria de um lado para o outro do convés chapinhando na água, e nessas ocasiões os marujos já sabiam o que fazer, e colocavam barricas vazias sob as enormes velas para recolherem a água da chuva. Urso tinha apenas um ano de idade, mas era inteligente e competente. Descendia de uma “labrador” e de pai desconhecido. Sua vida Urso a leva entre vários aspectos:
1- Delirante, despreocupado e alegre como cachorro da “muy nobre Vila do Peró”, muito a norte do Reino de Nichteroy. Uma vila onde todos são seus amigos, como responsável pela alegria e bem estar de seu mais recente amigo Rui, o comandante de alguma coisa importante que ele urso não tem idéia do que seja, mas que parece que tem que obedecer, senão ele o comandante, vocifera coisas como “- Seu cachorro malvado...Não pula no meu peito senão vou te quebrar ossinho por ossinho com uma marreta!!!” E seu amigo diz isso com uma bengala preta que ele mesmo fez, com a cabeça de um cavalo com olhos brancos enormes, crina e dentes dentuços e tudo, no empunhamento. Se o comandante tinha feito isso com um cavalo, reduzindo-lhe a cabeça ao tamanho de um ovo de codorna, Urso imaginava o que poderia o comandante fazer com uma cabeça do tamanho da dele, um simples cachorro...

2- Preocupado, delirante e alegre, quando o comandante, (nem sabia de que seria ele comandante) a quem chamavam de Rui, ia ao posto médico, ao supermercado, à peixaria. Montava guarda, sentado ou em pé, gania inconformado com a ausência do amigo, e impaciente “proferia” frases ininteligíveis. Depois deitava-se com a cabeça sobre uma das patas, o olhar daquele jeito, de gente meio intrigada, pidona e observadora, resultando numa tristeza de derreter coração de capitão do mato.

3- Livre, leve e solto, quando participa de aventuras com seu amigo Rui, numa nau imaginária cheia de aventuras, onde ele pode fazer qualquer coisa. Os dois podem. As aventuras permitem tudo. Sonhar é o limite.

Afora estas três atitudes, Urso se sente tão deprimido que senta de preferência em frente à janela ou porta do amigo e fica ali parado, deitado, esperando um ruído revelador que lhe indique que “vão sair”. Seu amigo vai sair e Urso vai junto. Ou isso ou uns restos gostosos de comida. Mas estava chovendo na nau, (lembram-se?) e chovia também agora na rua quando saíram para o posto médico e isso não era coincidência. Eram seis e meia da manhã. Para que se precisa de um cachorro destes numa nau capitânia como essa do Peró? Porque quando os piratas invadem naus assim pela calada da noite, os cachorros latem, ladram e depois os mordem. E quando os piratas se aventuram durante o dia, o melhor são três cachorros. Dois ficam quase de frente para o pirata, um mais para a direita e outro mais para a esquerda, obrigando-o a se preocupar com os seus flancos. O terceiro cachorro ora fica na frente ora atrás do pirata. Numa dessas, morde o bandido por detrás, nas pernas. Urso, pelo contrário, quando sai gosta de mostrar a força que tem. Na voz! Onde sente que tem cachorro, ladra forte como um trovão, não se importando se recebe em troca algumas “ladragens” com voz ainda mais tonitroante. Ele sabe que os outros cachorros estão presos, mas quer impressionar seu novo amigo homem. Os da rua são sempre mais tranquilos, e quando vê outros tão ou mais fortes que ele, dá-lhes uma cheirada e passa adiante. O Urso não é trouxa!



Encontramos um sujeito a meia nau, que tinha apanhado Chikungunya… Disse que durante mais de 30 dias o corpo lhe doeu de nem poder andar ou sair da cama. Ele gosta de frequentar os bailes de salão e deve ter uns 70 anos. O pai dele tem mais de 90. urso ficou muito impressionado quando o amigo dele disse “ Que bom que com essa idade você ainda tem pai”, e o bailarino respondeu… - “Que bom?! Quê que é isso… Ele nunca foi um pai que me tivesse dado algo assim de importante, ou feito algo por mim… Só que agora tenho que cuidar dele. Com mais de 90 anos, já estava na hora de Deus o chamar...”. urso e o amigo ficaram sem saber se o bailarino tinha filhos e se fez alguma coisa por eles ou lhes deu algo de importante. Melhor que tenha dado e feito.

Depois de longa espera até às 08:30 da manhã, o amigo de Urso não conseguiu marcar médico no SUS, embora a pressão já se tivesse normalizado e a urgência não parecesse tão urgente. A nau do Peró sente muito a queda da economia. Todo mundo sente, e o pessoal do posto é muito simpático. Não pode acontecer o que aconteceu no Jardim Esperança: O pessoal invadiu e quebrou o posto.



® Rui Rodrigues 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Grato por seus comentários.