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terça-feira, 14 de março de 2017

A fonte e o útero que se carrega.


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Fechou as mãos em concha como quem forma um útero e sentou-se na beirada de uma fonte de mármore sob a sombra de um enorme freixo. O que teria nas mãos ao final dos caminhos da vida? Poderia ter o útero cheio de vazios ou vazio de tudo o que lhe pudesse acrescentar dia a dia, mas dia a dia, podia ver muito bem, o vazio se enchia de mais nadas. Tinha agora certeza que sementes de dragão ali jogadas poderiam gerar dragões enormes, que os prazeres pertencem apenas aos instantes em que brotam, e que nada inorganicamente material poderia gerar fosse o que fosse. O oxigênio oxidava tudo, e a água da fonte era metade isso. A água matava a sede, mas oxidava. Fechou as mãos. Sentiu o mesmo que quando as tinha em forma de útero que gerava vazios. Depois abriu-as e em forma de concha bebeu da água da fonte. Água era energia. Agá dois Ó que descia aliviando o calor do sol. O que queimaria como combustível não era o Agá que queima fácil no sol. Era o que o Ó oxidava. A natureza sempre tentando confundir os que pensam. Sentiu saudades dos tempos em que não pensava, e portanto a natureza não o poderia enganar. Afinal porque vacas, bois, burros, cavalos, padres, militares, gente do povo, turistas esquentados e até passarinhos e políticos bebiam da mesma água, se eram todos diferentes?

Os ovos de dragão lhe assombravam a alma. Que ovos ou que genes haveria nos caminhos da vida? Tremeu pelas lembranças que levaria ao seu final sem saber se haveria algum filtro para separar as boas lembranças das ruins, de como conviver com seu passado de traições justificadas pela vontade de justificar, conviver com as lembranças dos pequenos roubos auto-perdoados...

O céu não é o limite, mas apenas um modo de estar enquanto se pode pensar. E então, com a idade, chega a religiosidade do  medo. As portas do pranto ficam logo depois das portas do medo.  


Rui Rodrigues

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