- Pelo amor de Deus, vê se encontras uma acha e queima-a nessa fogueira...
Ouviu-se um ligeiro resmungo na cozinha que ficava ali, logo na entrada da casa como costumavam construir os Celtas, deitando-se a família à volta da lareira. Depois veio até Johnny e disse-lhe:
- Estou farta desta vida! Não existem mais achas para achar... Vê com teus próprios olhos!... Eles acabaram com as águas dos rios, os peixes do mar, as árvores da Terra.
E enquanto Mary dizia estas palavras vociferando-as de olhos esgazeados como os dos soldados da primeira guerra mundial, ia empurrando-lhe a cadeira de rodas rumo à única porta pra rua, e concluiu:
- Vê... Anda vê tu mesmo, se não me acreditas!!!!
Ainda as reticências da voz de Mary Goodwell ecoavam no ar quando as rodas da cadeira de Johnny Scaffolding, um feito para o outro, tinham voado degraus abaixo, e ficado a girar cada vez mais devagar, em ritmo mortal, numa paisagem árida, fria, de areias esvoaçantes. Quando pararam de girar, poucos segundos depois, a raiva de Johnny havia já passado e seus olhos se abriram junto ao solo. Não havia uma só arvore até a linha do horizonte. Havia apenas aquilo que ele via e pedriscos que o vento não conseguira carregar, como aquela pedra quase encostada a seu olho mais ao solo. Mary ajudava-o a levantar-se, beijava-lhe a testa, puxava seu rosto para seu peito farto, sussurrava-lhe palavras de amor, tirava a blusa naquele frio, e lhe punha seu peito na boca.
Johnny beijou-a. Depois disse-lhe com as lágrimas nos olhos: - Não te preocupes, querida... Amanhã mesmo, saímos daqui, pegamos nossa caminhonete e emigramos para Africa.
- Já não fabricam mais diesel nem gasolina! Em todo caso, preferia a Africa do Sul.
Uma caminhonete nova, silenciosa, movida a eletricidade, passou cheia de gente jovem, cantando, dançando, todos nus e semi-nus, fazendo sexo na caçamba. Era evidente que estavam drogados. Podia ver-se a propaganda na caminhonete: Se for menor de 15 anos de idade tenha sua semana de felicidade. E o lema: Uma lambuja de seu governo que tanto vos ama...
Ambos olharam para o céu, olhos esbugalhados, procurando a quem apelar por um milagre. Saía governo, entrava governo, mas o essencial não mudava. Tudo piorava porque essa sempre fora a intenção, visto que há cada vez mais políticos para alimentar e menos povo que os carregue, entre tantas organizações internacionais, nacionais, extranacionais, sexacionais, financiais e estranhacionais. O céu não resolvia nada daqui. A doutrina do céu fora feita para o céu, como os outros mesmos diziam enquanto coletam dinheiros daqui, e lhes pediam ajudas para a madre de Calcutá:
- Minha filha muito amada... Não! Não, não... Nós não somos uma instituição de caridade... Confundiste as coisas. Tens que pedir como nós... Experimenta pedir em outra zona, no "Criancaesperanca" por exemplo...
E não se sabe o que se passa por lá.
Nem por aqui!
Rui Rodrigues
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