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segunda-feira, 25 de junho de 2012

Minhas viagens de avião





Minhas viagens de avião

Da primeira viagem de avião ninguém se esquece, assim como não nos esquecemos da “primeira vez”. São emoções muito fortes. Neste caso pela injeção de hormônios que nos dão a sensação de prazer. Na viagem de avião pelo excesso de adrenalina que nos faz sentir aquele frio no estomago. A partir da terceira viagem e prevendo que viajaria bastante, comecei a somar as distâncias e os trechos percorridos. A soma ascende a 137 mil km, que se fossem todos na direção da Lua, já teria passado da metade do caminho.

Tive sempre sorte até mesmo quando tive azar. Nunca nenhum avião caiu comigo a bordo. Assim, quando quiserem viajar de forma segura, convidem-me. Conheci muita gente durante as viagens e delas deixo algumas referências.

Em 1972, recém formado, fui transferido para Porto Alegre como gerente da empresa. Viajei num Lockheed L-188 Electra da Varig. Naquela época, em voos internacionais, serviam almoço a bordo, distribuíam bebida à vontade, tudo incluído no preço. Os guardanapos eram de linho, os copos de cristal da Boêmia, com o símbolo gravado, os talheres de aço inoxidável. Fiz muitas viagens em vários tipos de aeronaves. Numa delas, num caravelle, houve problemas no trem de pouso por volta das sete horas da manhã. Depois de duas tentativas e adiamentos, em que a desorganização nos disponibilizou almoço por duas vezes, decolamos e tivemos que dar cerca de sete voltas em torno do aeroporto do Galeão. Em vez de irmos para Congonhas como escala, fomos para Viracopos e pousamos com um desfile de carros de bombeiros dos dois lados da pista. Trocamos de avião e cheguei no aeroporto Salgado Filho em Porto Alegre às 11:00 da noite.  Devido á tensão, cheguei com alguns uísques nos miolos, meio adormecido. Pior ficou um gerente do banco do Brasil que começou a beber desde a primeira volta em torno do Galeão, batendo com os pés, crente que o avião ia cair, morrer, largar a vida.

 

Em 1974, viajando de São Paulo para  o Rio, num Avro Sidelley, na fila da esquerda, num dia nublado, vi um fogaréu irromper no motor da direita. O avião caiu imediatamente para a direita, equilibrando-se em seguida. Vi jatos de líquido serem jogados no motor, e o fogo apagou-se. Segundos depois, o comandante tentou religá-lo. Depois de umas duas tentativas, pegou. Seguimos sem maiores problemas até o Rio. Naquela viagem não havia uísque e tivemos que engolir a ansiedade a seco. Ainda em 1974, na viagem inversa a bordo de um Curtiss, um dos motores parou e continuamos a viagem. Viajava com um colega de trabalho. Fôramos assistir a uma reunião no Rio e voltávamos conversando sobre a empresa. No meio da conversa, disse-lhe que o motor tinha parado. Começou a rir, dizendo que eu era um brincalhão, já que eu estava muito à vontade. Quando olhou e viu o motor parado, tirou o paletó, desapertou a gravata e já em pé, olhar esgazeado, se eu não o acalmasse, tinha apertado o botão para chamar a aeromoça.

 

Viajando em primeira classe por cortesia aleatória na fila de embarque da Ibéria, em 1986, viajei de Istambul para Madrid com escala em Barcelona. Quando saí do hotel, por questões de praticidade, deixei paga a lavagem de roupa que o Hotel me enviaria para Lisboa, e o táxi. Na chegada ao aeroporto o taxista resolveu dizer que eu não tinha pagado a viagem. Fez queixa à polícia e resolvi não deixar ficar barato. Falei com o chefe da polícia que ligou para o hotel e confirmou minha versão. Vi o taxista ser levado com escolta até a central de policia e eu segui viagem, mas a partida do vôo sofreu atraso de cerca de meia hora. Uma senhora ricamente vestida, constituição avantajada, peitos fartos, uma linha de bancos atrás de mim, do lado oposto, bebia desbragadamente. Cantou o comissário de bordo, deu-lhe numero do telefone, queria beijá-lo. Discretamente o comissário conseguiu levar a viagem a bom termo. Entretanto, alguém a bordo decidiu dar outra versão ou foi coincidência, mas começou a correr a notícia de que havia um terrorista a bordo. Pousamos em lugar ermo na pista de Barcelona, as bagagens foram baixadas e todos tivemos que identificá-las pessoalmente. Um par de malas ficou no meio da pista sem identificação, e não eram as minhas. Trocamos de avião e rumei para Madrid. De lá outro vôo até Lisboa. A roupa lavada chegou num pacote no endereço de minha prima Guiomar. Ela pensou que fosse um pacote bomba e só abriu depois que me telefonou apreensiva.

 

A primeira vez que viajei num Twin Otter (Havilland) foi na Colômbia, mas viajei muito mais em outros aviões de quatro lugares, sendo um do piloto.  O bom destes pequenos aviões é que nos fazem sentir realmente como pássaros, balançando de um lado para o outro, como numa dança suave por força dos ventos. É nesses aviões que se sente o que é velocidade, estar pendente de um cinto de segurança que se apóia no vento, e que não há pára-choques para a queda. Aliás, Esses aviões são tão pequenos e tão leves, que mereciam um pára-quedas adequado para evitar desperdícios de vidas.  Deve ser a ambição de lucros que impede o uso de tais aparatos salvadores.

 

Da cidade do México para Montego Bay na Jamaica, o avião da Mexicana, um Boeing 727, decolou como numa rampa suave, em dia de céu de brigadeiro, azul e imaculado. Quando começaram os solavancos, bagagens caindo, passageiros trocando olharesm mãos agarradas, xispadas nos suportes de braço. Não estaríamos nem a 500 metros de altitude, mas chegamos bem, porque o piloto corrigiu a tempo. Num Jumbo que saiu de Bogotá para Miami com parada em Porto Rico, o piloto teve que arremeter quando já se preparava para pousar, Nunca soube porque razão, mas o céu estava extremamente escuro, havia perigo de furacão, dizia-se a bordo.


Numa viagem em que deveria embarcar num domingo em Luanda, em viagem para o Tombwa e Namibe, desisti na sexta feira. No domingo pelas 8:30 da manhã, um foguete da UNITA entrou pela cauda e derrubou-o. Também desta me livrei. Eu estaria a bordo desse avião nesse horário.

 

Por tanto, lembre-se de me convidar se resolver viajar. Avião em que eu estiver, seja pequeno ou grande – nunca entrei num Concorde – jamais cai ou passa mal... E já são cada vez mais raras as companhias em que viajei e ainda se sustentam nos ares. Se for mulher, sente do meu lado e terá uma viagem muito agradável. Prometo!


Rui Rodrigues

domingo, 24 de junho de 2012

Aos amantes do Universo




Aos amantes do Universo
(e da obra de Deus)

Há quem não acredite em Deus. Eu acredito, mas não é como até hoje disseram que é. E são tantas as formas de imaginarem como Deus é, que a minha – bem diversa - será apenas uma a mais. A verdade só Ele sabe.



Se nos invocássemos o poder de fazer Universos tão belos quanto este do qual somente observamos uma ínfima parte, teríamos duas opções para uma situação avaliada para um segundo após o Big-Bang:

1-     Usando a teoria do Big-Bang Padrão
2-     Pela Teoria do Universo Inflacionário – Também partindo de um Big-Bang.

Notação: Ex.: 10^89 = 10 seguidos de 89 zeros (São números fantasticamente grandes); 10^-3 = 0,001.


Pela Teoria do Big-Bang Padrão

Precisaríamos ter 10 ^(89) fótons, 10 ^(89) elétrons, 10^89 Pósitrons, 10^89 Neutrinos, 10^89 antineutrinos, 10 ^(79) Prótons, 10 ^(79) nêutrons, aquecidos a 10^10 graus kelvin. Após este aquecimento, a massa/energia total seria de 10^65 gramas ou 10^32 massas solares, ou seja, cerca de 10 bilhões maior que o Universo atual.

Não nos pode passar pela cabeça tentar provocar um big-bang desses, por razão óbvia da imensidão da grandeza dos números.

Pela Teoria do Big-Bang pelo Universo Inflacionário

Precisamos de algo “muito” microscópico: uma diminuta região de falso vácuo. (Falso, não significa que seja falso, mas que é diferente do vácuo que conhecemos), com a dimensão de 10^-26 cm, e em vez de 10 bilhões de massas solares, apenas 23 gramas de massa/energia, aproximadamente o peso do nosso conhecido pão francês.

Mas aqui temos outros problemas descomunais:

A densidade da água é de 1 grama/cm3 (mesmo a densidade de um núcleo atômico é de 10^15 gramas/cm3). Para “construirmos uma esfera com esse diâmetro diminuto de 10^-26, contendo 23 gramas, a densidade seria de 10^80 gramas/cm3 e não temos como lidar com essas forças. Não há nem hipótese de que isso seja viável a médio, longo extensíssimo prazo. Para se ter uma idéia melhor da dificuldade, basta dizer que todo o universo observável,se comprimido dessa forma, caberia –agora, hoje - num volume menor do que o de um átomo!

Fica assim preservada a Obra de Deus como única, sem possibilidades de cópia, reprodução. Só não é bem “única” por um detalhe: Quando se iniciou o Big-Bang, não foi apenas um Universo que se fez. Ao iniciar-se, o falso vácuo em que foi criado expandiu-se (inflou) a uma velocidade superior á da luz, na medida em que, na mesma velocidade, o primeiro Universo se expandia. No falso vácuo, que é sempre metastável, isto é, muito mais do que instável outros universos se formaram, numa espécie de progressão geométrica.

Ainda agora, e até o final dos tempos (para a Obra de Deus) se houvesse um final, do qual duvido, nascem e nascerão novos universos num ritmo impressionante, que inflam, num meio que também se expande.

Rui Rodrigues

(Baseado na obra de Alan H. Guth – “O Universo Inflacionário” – Editora Campus).

Obs. – Porque acredito em Deus: Porque com tanta matemática, tanta física, tanta química, tanta biologia incluída nas leis do universo e de sua formação, o “por acaso” perde qualquer validade pela improbabilidade. 

Três Vérsicos Controversos


Três Vérsicos Controversos




1- O amor do começo ao fim



Olhei teus olhos límpidos, lânguidos, úmidos,
Olhavas-me no mais fundo de minha alma,
Buscavas sermos um em mim,
Como esperavas que fossemos um em ti,
As mãos suaves percorrendo nossos corpos,
Buscando as nossas intimidades para dar prazer,
Para sentir o que se sente quando se ama, se deseja, se quer.

Teu corpo ficou suave, mole, entregue, como se não houvesse amanhã,
Tuas pernas se abriram, teu corpo era uma viagem,
Tua boca sedenta era demasiado pequena para a tua ânsia,
Teu corpo tremia, tua pele colava-se à minha,
Éramos um só, um prazer só, um gozo só, um suor só, um tremor só.

Mas isso foi há muito tempo.

Depois disso, começaste a comparar os meus olhos com outros olhos,
Minha alma com outras almas,
Minhas mãos com outras mãos,
Minhas intimidades com outras intimidades
Meus desejos com outros desejos, com outros amores, com outros quereres,

Tua carne ficou endurecida pela tensão do haver um amanhã,
Tuas pernas abertas queriam fechar-se como num fim de viagem,
Tua boca já seca era demasiado grande para quem não tem ânsia de sede,
Teu corpo estava rígido em tua pele seca,
Não éramos um só, porque muitos estavam presentes.

Então, quando o camareiro do tempo bateu na porta e disse: O tempo acabou!
Arrumamos os nossos sacos das más lembranças que levamos para o amanhã.

Deixamos as boas lembranças no Motel do tempo, esquecidas, para não haver arrependimentos.

Algo Domm

Vérsico I -012



2 - Fado da Traição




Dedilho-te este meu fado
Na minha guitarra triste
Deita-te aqui ao meu lado
Que já estou de arma em riste.

Dedico-te este fado catita
Tocado com dedos alegres
O que me faz essa boquinha
Amor dos meus prazeres

Nem me fales de Severa
Que ela só fazia de frente
Contigo linda, minha bela,
És mulher por detrás e adiante

Ser santa, minha gostosa amada,
È coisa só para teu marido
Comigo e com uma almofada
Es tu que acabas comigo

Que o amor, desejo ou paixão
Que tenho por ti, bela mulher,
No banco, na cama ou no chão,
Seja livre e solto a hora qualquer.

Por isso, se na rua me encontrares...
Com outra mulher nos braços,
Junta-te também a essa
E venham as duas para os amassos.

E assim acabo este fado
Pra acabar com essa mentira
De que a teu marido dás o amor
E a mim só esse corpo de ávida.

É a vida sem desculpas,
É a vida é a vida
É a vida verdadeira
É a vida é a vida

Não me venhas com mentiras!

Algo Domm

Vérsico II -012




3- O barco e o mar




Sou o barco que navega nesse rio
Tu o rio que molha a minha madeira
Nascemos para nos amar,
Vivemos desta maneira,

Tu sempre a deslizar,
Eu em ti a vida inteira
A navegar, a navegar.

Já deste mar não vejo as areias,
Nem sereias vejo desde o rio,
Ficaram para trás as quimeras,
Sinto sempre calor em ti, nunca frio.

Tu sempre a marulhar,
Eu em ti a vida inteira
A navegar, a navegar.

Neste oceano olhei as velas e vi os ventos
Havia nuvens e adamastores
Minha alma cheia de tormentos
Por ti morro de amores

Tu sempre a ondear,
Eu em ti a vida inteira
A navegar, a navegar.

Do que eu és mais eterna
E decerto irei primeiro
Feliz de ser contigo a vida inteira
Já velho sou, tu como dos meses Janeiro.

Tu sempre a amar,
Eu em ti a vida inteira
Até a vida me levar, me levar.

Algo Domm

Vérsico III-012




sexta-feira, 22 de junho de 2012

1971 - Ano louco, uma parada respiratória e a formatura.




1971 - Ano louco, uma parada respiratória e a formatura.



(Tenho-me lançado a escrever, como se fossem umas crônicas, contos mesclados com acontecimentos históricos. Estes são sempre reais, verdadeiros. O que não é histórico tem sempre um generoso fundo de verdade e é produto não só de vivências particulares, como também do que se ouvia contar ou falar pelas ruas em conversas. Espero que gostem deste).

Logo no início do ano veio a notícia: Idi Amin Dada depôs o presidente Milton Obote e tornou-se presidente de Uganda. Ninguém deu a mínima importância a esta notícia, a não ser pela frase “golpe de estado” que já se conhecia muito bem por experiência própria desde 1964. Lá em Portugal, esperava-se pelos cravos do 25 de abril. Mas isso só em 1975. Era cedo ainda.

Na universidade eu estava enrascado. Não pelas notas, mas pelo tempo que era muito curto para fazer tudo o que queria fazer. E como sempre, queria muito. Além do cálculo de um edifício de seis andares, tinha que fazer o cálculo de uma ponte de 2 km, dimensionar um canteiro de obras móvel para uma ferrovia, e projetar uma estrada com duração de 30 anos. Não sei se parece muito, mas se acrescentar que fazia um curso de mestrado na PUC por ter sido beneficiado com uma bolsa de estudos da Capes, que nem pedi, já deve parecer um pouco de muito, porque a Universidade era em Niterói e a PUC no bairro da Gávea, zona sul do Rio. Tinha que atravessar toda a cidade. Combinei com meu amigo Jacob para xerocar as anotações de aula porque eu teria que faltar a bastantes. Se agora já se pode achar que isso era bastante muito, tenho que acrescentar que continuava com o estágio, agora razoavelmente bem remunerado, e tomava conta de duas obras: um canal atravessando a avenida Brasil, e um estacionamento no aeroporto do Galeão. Ajudava meu pai nas lojas aonde ia sempre que eu podia. Agora sim, já se pode entender que eu deveria estar um pouco enrascado. Foi isso que minhas três namoradas também entenderam. Uma em Irajá, outra no bairro do Flamengo, e outra em Vila Isabel. Tive a parada respiratória em Vila Isabel. Com a porta fechada da sala, larguei o copo de suco de laranja sobre a mesa, corri até a cozinha, fui até o fundo do corredor, apertei o botão do elevador e escorrei desmaiado encostado á parede. Fui um herói quando acordei em seguida, meio tonto, mas feliz de estar novamente respirando, a namorada a meu lado dizendo para irmos ao médico. O médico deu-me a seguinte receita: ou o curso de engenharia ou o mestrado, pedir demissão do estágio, deixar as lojas com o meu até porque eram dele e não minhas, escolher das três uma namorada só. Tomar um comprimido pela manhã, um à noite. Se me sentisse muito pressionado um pela hora do almoço.

Foi uma receita pesada.

Uma das namoradas disse-me que a mãe tinha ido ao supermercado e que se eu corresse, poderíamos ficar a sós por uns bons momentos.  Por causa do médico já fui com a intenção de dizer-lhe que o precoce fim chegara adiantado, mas cheguei lá rapidamente. Começamos a amassar-nos no corredor e quando dei por mim, louco para entrar, mas dividido, resolvemos tocar-nos ali mesmo no corredor, calças meio arreadas, ela com o babydoll levantado, tudo pra fora. Então ouvi passos nas escadas e me ajeitei o melhor que pude. Era a mãe dela carregando duas bolsas de supermercado. Mas porque razão não chegara de elevador? E porque chegara tão e tão cedo que parecia que nem tinha ido?  Alegando que estava com pressa, voltei para a loja de meu pai – tinha saído de lá, no Flamengo – e saí para a Universidade. Larguei o mestrado. Larguei uma namorada, larguei a loja de meu pai. Faltava só uma namorada e o estágio.

Elis Regina e Gal Costa, para mim as melhores cantoras completas do Brasil, lindas, elegantes, lançaram respectivamente “Casa no Campo” e “Como Dois e Dois”. “If” , composta por David Gates e gravada por seu grupo Bread, era o maior sucesso que suavemente inundava os corações apaixonados que, tal como eu, ainda acreditavam naquele amor eterno que independia da conta bancária, embora o mundo estivesse entrando numa liberdade que desejávamos, mas da qual já sabíamos também o preço a pagar. Os “Bee Gees” inundaram as ondas do rádio e das tvs com “How Can You Mend A Broken Heart”. O mundo era azul, não havia pecado do lado de cá do equador, e o futuro não pertencia a Deus. O futuro era nosso, éramos nós. “Nós” era o apelido da sociedade como um todo, construindo o Brasil, enquanto a cavalaria nas ruas continuava distribuindo bordoada e assim destruía a confiança num estado totalitário.  Estávamos impacientes porque a ditadura já durava muito e o povo não dava mostras de se mexer para erradicar essa praga. Namorando, em casa, pelas ruas, eram as músicas que se ouviam.  Para cada música uma mulher na lembrança, uma equação matemática, uma fórmula a decorar, uma pausa na minha cabeça a mil por hora. Ainda tive tempo para assistir “os diamantes são eternos” com a bela, a mais desejada mulher do mundo, Marilyn Monroe. Sempre fui frustrado por não poder tê-la, mas minha compreensão me fez aceitar o fato dadas as circunstâncias de minha situação geográfica, minha conta bancária, e ter que enfrentar uma fila enorme, daquelas que dão a volta ao globo para imaginar que poderia tê-la.

Hafez al-Assad torna-se presidente da Síria a 12 de março e fica no poder, como sabemos hoje, até a data em que escrevo isto. Mais um ditador que jura ser democrático, levando muitos a duvidar da democracia e não desse idiota. Fico até a pensar quem será o idiota, se ele ou povo sírio. Por essa época, Bangladesh declara sua independência do Paquistão, e o Vietnam do sul invade o Laos com suporte norte-americano. Ninguém comenta nada pelas ruas. Não vêem que o mundo está mudando ou isso nem lhes importa. Não sei porque razão, mas a moça de Vila Isabel era um pouco complicada, misteriosa, um dia chegou de carona, que eu vi, e disse-me que tinha vindo de ônibus. Também menti. Disse-lhe até logo que amanhã voltaria, sem contar-lhe que a tinha visto chegar de carona, mas deve ter percebido algo em meu semblante. No último dos encontros seguintes, chorou. Pensei que era por mim, mas vim a saber que não. Ela tinha outro, o da carona. Achei que era muito justo, mas o bom era não sabermos disso. Por isso, nunca mais apareci. Não lhe contei sobre mim, porque não estava em condições de me aborrecer em conversas explicativas e “tu isto tu aquilo”. Agora faltava só o Estágio, mas o dono da empresa aumentou meu salário para o mínimo de engenheiro, compreendeu minhas faltas que eu supria com eficiência - ele disse isso – e continuei na empresa. Formar-me-ia em Julho. Pronto. Agora estava tranqüilo.

Há músicas que nos fazem sentir heróis, nos sobem o ego, sair pelas ruas alegres, cheios de confiança. Isso me acontecia quando ouvia Theme From Shaft - Isaac Hayes. Assisti a “Decameron” do Píer Paolo Pasolini e à despedida dos filmes de mocinho: “Adiós Sabata”. O mundo estava mais para “paz, amor e sexo”, “Faça amor não faça guerra”, ou, um pouco mais agressivamente, “sexo, maconha e rock’roll”. Formei-me em Julho depois de assistir a “Ensina-me a viver”. A partir desse filme, as velhinhas nunca mais foram as mesmas. Passei a ir freqüentemente a Irajá. Por vezes chegava tarde a casa. Comprei meu primeiro carro, um fusquinha 67 azul, com três meses de trabalho. Paguei à vista. Comprei do Arnaldo, meu primo que tinha uma oficina mecânica. 

Enquanto a Índia assinava um tratado de amizade e cooperação com a União soviética e a Austrália e Nova Zelândia retiravam suas tropas do Vietnam, depois de uma manifestação de 500.000 pessoas contra a guerra nos EUA, eu visitava freqüentemente Irajá. O mundo mudava a um ritmo de 24 horas por dia. A vontade era tão grande que com o pai dela fazendo a barba no banheiro e passando do banheiro para o quarto, nós fazíamos amor em cima do tapete da sala. Aliás, fazíamos amor em qualquer lugar. Juntos dava sempre nisso, nem pensar em qualquer outra coisa. Era o nosso alimento da alma, do espírito, bem haja Deus por nos ter dado tamanha dádiva.

Soube que estava começando uma obra enorme em frente ao Rio-Sul. Peguei meu paletó, subi o morro e fui lá no escritório para uma entrevista. Era preciso fazer o impossível: uma laje de 450 m2 a cada dois dias. Eram seis lajes. Estão lá até hoje. No ano seguinte mandaram-me para Porto Alegre para ser gerente de três empresas do grupo, abrangendo a região sul: Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina. Para variar tive problemas com a DOPS para explicar que focinho de porco não era tomada, juntamente com meu mestre geral e grande amigo, o Miguel Faustino Perez Galan. Ficamos detidos e depois soltos. Começava a minha carreira. Nunca mais tive tempo para acabar o meu mestrado.

Em 20 de Novembro desaba no Rio de Janeiro um vão de 30 metros do Elevado Paulo de Frontin que estava em fase final de construção. 48 pessoas morreram e dezenas ficaram feridas. Na obra em frente ao Rio-Sul da qual eu participava, construí um viaduto pré-tensionado, com escoramento calculado e reforçado, e mesmo sem fundações, sapatas ou pilares, os caminhões subiram para esvaziar o concreto. Na Paulo de Frontin quando o caminhão subiu, os 30 metros desabaram. Em dia que não me lembro, desabou, em Belo Horizonte, o Centro de Exposições Expominas, no Bairro Gameleira. 61 morreram.  Deram ao projeto e ao cálculo a configuração de uma ponte, esquecendo a força dos ventos e/ou os recalques diferenciais.

Algumas coisas paravam no mundo, outras continuavam. Tristezas em alguns lugares, alegrias em outras.

Foi bom o natal desse ano e o último que passei com ela e com meu pai. A vida me empurrou para outros estados do Brasil, para outros países e pouco nos vimos desde então.

Não casei com a moça de Irajá.

Rui Rodrigues

quinta-feira, 21 de junho de 2012

1968- A grande virada da humanidade e as barcas Rio- Niterói




A grande virada da humanidade e as barcas Rio- Niterói – 1968
(Segundo relato de um estudante da época)


Aos vinte e três anos, os hormônios de qualquer ser humano estão à flor da pele, o corpo todo impregnado da sola dos pés à ponta do maior cabelo. A vontade de gastar esses hormônios não cabe no corpo, precisa ser extravasada, acalmada.

Acho que fui o sujeito mais felizardo do mundo nesse aspecto. Corria o ano de 1968, estudava engenharia civil na Universidade Federal Fluminense –UFF, em Niterói, completamente saudável como até hoje, e tinha que atravessar as barcas desde o Rio de Janeiro, todos os santos dias e até em dias santos, para assistir às aulas na UFF. Quer quando ia quer quando voltava nesses barcos do amor, tinha a oportunidade de ficar frente a frente ou ao lado de lindas mulheres permitindo por uns bons 20 minutos aquele “olho no olho” tão necessário para uma aproximação, e que na correria das ruas é quase sempre impossível.  Invariavelmente procurava um lugar afastado dos meus amigos de universidade para poder concentrar-me na minha atividade preferida quando não estava no estágio, nas lojas de meu pai ajudando-o ou estudando: conhecer mulheres aproximar-me delas, conhecê-las “a fundo”, saborear tudo o que me pudessem oferecer. Os estudos? Não faltava a uma aula, sentava-me nas cadeiras da frente, prestava a máxima atenção. Sem isso demoraria muito mais para fazer os trabalhos da universidade e não me sobraria tempo para as mulheres. Na verdade, andei matando algumas aulas, mas foram tão poucas que em nada influenciaram as minhas notas, um ponto a mais na média se muito.

Leila tinha os cabelos negros, olhos cor de mel, corpo alvo, da minha altura. Era perfeita, curvas bem desenhadas, um pouco tímida, interessada mas indecisa. Usava um vestido rodado em tons de branco com grandes flores em tons desmaiados, fazendo realçar as suas curvas que se adivinhavam sob o vestido. Para mim, Leila estava completamente nua. Quando naquele dia, nas barcas, sentei a seu lado, olhei lá para trás: Lá estavam alguns elementos de minha turma sentada junta, olhando para mim e sorrindo entre si. Eles costumavam apostar se eu ia ou não sair da barca conversando com a moça. Sentei a seu lado e sorri-lhe discretamente. Olhamo-nos. Não demorou um minuto e surpreendendo-me, perguntou-me que curso fazia. Saímos juntos das barcas e acompanhei-a até o táxi. Fiquei de ligar-lhe, mas pediu-me que uma amiga minha fizesse a ligação telefônica. Ela atenderia em seguida. Minha amiga teria que dizer que se chamava Lurdes Lima.

Era sempre um passeio muito agradável, aquele nas barcas, até mesmo pela paisagem, momentos de alheamento da grande cidade, das correrias, das perseguições da polícia montada sobre a liberdade de expressão. Momentos que até serviam para conferir uma ou outra fórmula antes das provas. Portugal e Brasil viviam momentos terríveis de ditadura. Naum, um amigo nosso da universidade, foi empurrado para dentro de um carro e desapareceu numa tarde na praia de Icaraí, bem perto da reitoria da UFF. Voltou meses depois acompanhado sempre da mãe e do pai por determinação da justiça da ditadura. Se uma coisa dessas me acontecesse, lá se ia meu curso de engenharia. Mesmo assim ajudei muitos amigos da esquerda moderada na Universidade, como presidente do Grêmio estudantil e para os quais cedi o meu cargo. Com a minha influência passaram a ter o direito de nos darem a sua mensagem nos intervalos das aulas com a turma toda escutando. Jamais durante as aulas. Defenderia a liberdade e a democracia de outra forma, mais tarde, já formado.
Ouvi falar do ultimo show do Roberto Carlos em S. Paulo ainda como “jovem Guarda”. No Rio corria a peça “Roda viva”, entre correrias nas ruas em lutas desiguais da juventude desarmada e a polícia com cassetes, tiros e cavalos montando éguas irritadas. No Vietnam, iniciava-se a “Ofensiva Tet”. Ho Chi Min invadia, só em janeiro, 34 capitais de província vietnamitas e a cidade de Hue. Nas aulas, entre análises de solo, estudos sobre os cimentos, cálculos de estruturas, pontes, estradas, minas, Nanda costumava aparecer na portaria e apertava a buzina de seu Alfa-Romeo, de forma reconhecível. Numa dessas buzinadas, o meu querido amigo professor, Homero Pinto Caputo, da cadeira de Mecânica dos Solos interrompeu a aula, olhou para mim e disse-me... Rui – Você é bom aluno. Acho que a partir de agora, esta aula vai ser um tormento para você... O Jacob Zimerfeld pode copiar a aula. Vai lá, vai... Sei o que é isso...

Eu fui!... Entrei no carro de Nanda e fomos até a praia de Itaipu, mas já a Leila polvilhava as minhas ilusões. Eram os cabelos negros, os olhos grandes cor de mel, a sua voz suave, o modo íntimo de falar. Acreditava que ela me seduzira e não eu. Aquela mulher tinha que ser minha, e uma cama, em algum lugar, estaria esperando por nós. A tarde com Lena foi boa. Mas não das melhores. Nunca soube o que Lena queria. Era muito confusa, como se estivesse pescando sem isca. Passou-me várias vezes pela cabeça que ela queria casar e se dedicava a isso. Eu não queria casar.  

Na França começavam os primeiros movimentos das barricadas. Os estudantes franceses saíam ás ruas. Portugueses morriam aos montes em Angola, em Moçambique, na Guiné, em Cabo Verde. Salazar ia contra os ventos da história, e eu me perguntava, já no Brasil, se não haveria uma democracia verdadeira, em que o povo pudesse votar em tudo em vez de entregar o governo, sua vida, sua família, nas mãos inconseqüentes de líderes que apreciam o bem estar de palácios e sua sêde vaidosa e interesseira de poder e de dinheiro. Nessa época eu não sabia ainda que 22 amigos meus do Liceu de Gil Vicente e da freguesia de Arroios e adjacências, em Lisboa, morreriam em combate, mas já sabia desde 1965 que uma tripulação de cadetes do navio escola Sagres, em regresso para Lisboa dos EUA, fora mandada para Luanda porque houvera uma “rebelião” por lá. Os cadetes desembarcaram e alguns morreram em combate. Dois erros: O de Salazar não saber traduzir os ventos da história, e do idiota que mandou uma tripulação sem treino e jovem de seus futuros comandantes para morrerem em combates de rua. O terceiro erro que cometeram foi serem responsáveis pela morte de meus amigos. Jamais perdoei isso a qualquer ditador que em nome do que não presta, mata tudo o que há de melhor numa nação: a juventude e a fé nos governos. Nem com o filme “Adeus África” de 1966, os políticos portugueses foram capazes de “interpretar” os ventos da história, ou se interpretaram, não foram capazes de ir contra Salazar.

Encontrei-me com Leila num apartamento que alugava na rua Paissandu para momentos especiais, porque não havia motéis ainda. As beatas contumazes que apoiavam a sacristia das igrejas e a CNBB não permitiam que a sociedade tivesse uma “coisa daquelas”. Por isso os casais se encontravam às multidões pelas ruas mais escondidas, pelas praias mais afastadas. Os amantes amavam-se ao ar livre, dentro de automóveis, encostados em muros, nos portões e escadarias. Uns anos depois as beatas acabaram com a sua falsa moral e desapareceram de cena, a CNBB abriu os braços para a modernidade, e a cidade encheu-se de motéis. Deus é grande, e do que se escreve por aqui, tudo se escreve também nos céus, sem precisar de tradutores papas e arautos.

Ao entrarmos no apartamento, Leia contou-me que seu marido reclamava dela por estar sempre seca. Entendi. Entendi que era casada, e que não gostava do marido, ou tinha sido reprimida sexualmente ou ainda não tinha descoberto que era lésbica. Foi um pensamento que me apareceu como um raio e como um raio se foi sem deixar rastros. Eu queria a Leila com ou sem problemas. Já estava excitado desde que a apanhara no local de encontro, e minhas calças apertadas, boca de sino, como era moda na época, não permitiam que o meu instrumento de prazer que Deus me dera, pudesse crescer á vontade em toda a sua plenitude. Um pouco mais abaixo dele, minhas bolas pareciam latejar, chegavam a doer. Uma dor gostosa que logo passaria. Quando depois de alguns minutos entre beijos e afagos senti que Leila estava suficiente úmida, que seus carinhos se faziam mais intensos e suas pernas se abriam e se acomodavam, penetrei-a. Descansamos alguns minutos e recomeçamos. Havia muito a explorar e eu não sabia quando me sobraria dinheiro para alugar aquele apartamento outra vez.

Também sem ouvir os ventos da história, o governo da África do Sul estabelece o Apartheid, tentando separar o inseparável, mudar os rumos da história e da humanidade. Martin Luther King já andava pelos Estados Unidos em movimento contrário. Foi morto neste ano, dia quatro de abril, na cidade de Menfis, mas o movimento ganhou as ruas e mudou as sociedades. Notícias vindas da França eram muito claras sobre as barricadas dos estudantes e encontravam eco ao redor do mundo: A liberdade sexual era necessária num mundo em que a falsa moral perdia terreno dia a dia. Logo invadiria as trincheiras e as cavernas dos templos, denunciando abusos sobre crianças nas sacristias. Na Tchecoslováquia preparava-se a Primavera de Praga que eclodiria em setembro. O mundo estava em mudança. O muro de Berlim incomodava. Em Cuba, Fidel Castro, apoiado pela URSS desapropriava os últimos bares, as ultimas livrarias, as últimas oficinas acabando com a iniciativa privada. Começava a cavar o enterro da necessidade de progredir, de evoluir e também de sua economia. O Estado sufocante.

Pedi a minha amiga que ligasse novamente para a Leila. Marcamos novo encontro um par de semanas depois. Minha grana não era lá essas coisas, e meu pai me mantinha à rédea curta. Não me dava mesada, só umas ajudas de custo, embora minha universidade não fosse paga, e o ajudasse nas lojas. O salário de estagiário dava para muito pouca coisa.
Encontramo-nos no apartamento. Agora já sabia que não era lésbica nem seca. Passamos a tarde inteira entre a cama e idas ao banheiro. Conheci todo o seu corpo, todos os seus carinhos, sem segredos. Para mim, toda a mulher que se deitava comigo era virgem. Virgem para mim. Leila perdera essa virgindade comigo e já não era tímida. Disse-me que na verdade vivia na mesma casa com o marido esperando a separação. A casa era dela. Ele era advogado. Vivia com os pais, um irmão médico e o marido cessante. 


Em 5 de junho assassinaram o presidente Kennedy em Dalas, USA. A URSS invadiu a Tchecoslováquia em represália à Primavera de Praga. A França lança sua primeira bomba atômica no Atol da Muroroa. No Brasil a ditadura impõe o AI-5, (Ato Institucional nº 5), que suprime as liberdades democráticas no Brasil. Com o AI-5, o Congresso Nacional é colocado em recesso e vários parlamentares têm seus mandatos cassados. Até dezembro se fariam manifestações contra a guerra do Vietnam. Numa das lojas de meu pai atendi um cliente que era filho do embaixador dos EUA. Estava acompanhado de dois outros, e por ele fiquei sabendo do uso de granadas de fósforo. Isso explicava a garotinha que apareceu nua numa foto, fugindo de uma povoação em chamas ao fundo da estrada. Perdera os pais e estava toda queimada. A foto correu mundo.

Os Beatles lançaram seu álbum branco, a peça “Hair” fez sucesso na Broadway, as canções e o tema musical correram mundo e ainda povoam os meus ouvidos de vez em quando. Isso me lembra Leila, um amor inacabado.

Quando minha amiga voltou a ligar para a Leila, notei um olhar de preocupação no seu olhar e não me dava o aparelho para que eu falasse, como era costume:

- Sim. (dizia minha amiga)
- Sei...
- E como ela está?
- Em qual hospital?
- Tem o numero do quarto para que possa fazer-lhe uma visita?

E desligou. Voltando-se para mim, comentou:

- Você está em maus lençóis, meu amigo... Mataram o irmão de Leila quando chegava em casa. Leila passou mal e está no hospital.

Liguei para Leila  no hospital dias depois, assegurando-me que estivesse sozinha no quarto. Aconselhou-me a ficar longe porque não sabia se seu irmão tinha sido assassinado por acaso, por engano, ou por vingança. Naqueles tempos de ditadura, e com o irmão assassinado, acabei por esperar demais e Leila se perdeu da estrada em que eu caminhava em minha vida.

Onde quer que esteja Leila, que saiba que aprendemos juntos e que nos amamos juntos. Paradoxalmente, amores jovens que se vão não morrem nunca. Parece que só morrem os amores que amadurecem e tombam de tão maduros, transformando-se em algo do qual o desejo já não é da fruta, mas da imagem que representa.

Rui Rodrigues 

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Fornelos de Santa Marta de Penaguião – Ecos de 1949





Fornelos de Santa Marta de Penaguião – Ecos de 1949

Hoje a juventude desta linda vila diverte-se na agradável Praia Fluvial de Fornelos.

Curioso por saber, por exemplo, o que por lá acontecia em 1949, apanhei o primeiro vôo para essa data e confortavelmente viajei para lá. O tempo estava agradável e o avião movia-se entre ventos de vozes de lembranças, reminiscências impessoais da Internet e turbilhões de consciências vividas por lá nesse ano em meio a ar rarefeito da imaginação. Por motivos óbvios de carência de confirmação, e porque os nomes também me fogem da lembrança, nada do que se lerá a seguir pode ser tomado por verdadeiro, mas, de certa forma, contém algumas doses generosas de verdade.

Naquele ano Salazar mandava na nação como primeiro ministro e Carmona era o presidente da República. Salazar não podia demiti-lo porque Carmona tinha a simpatia das forças armadas, e Carmona não se atrevia a demitir Salazar, ainda mais que este era amigo íntimo do Cardeal Cerejeira desde os tempos da Universidade de Coimbra. Nesse ano fundou-se a Organização do Tratado do Atlântico Norte com a participação de Portugal, e, sob o arrocho financeiro de Salazar faltavam empregos. Emigrava-se principalmente para a América do Norte e do Sul.

Mas a vida não estava tão mal para o cinema português. Só nesse ano foram lançados “Heróis do mar”, de Fernando Garcia, “Morgadinha dos Canaviais” de Amadeu Ferrari e Caetano Garcia, “A volta de José do Telhado” de Armando de Miranda. A televisão já existia em muitos paises, mas na casa de Tiago Afonso só existia um rádio Zenith 6-D-612 de 1942 e no qual havia escutado todas as noticias da guerra. Com a censura imposta pelo governo de Salazar não acreditava nas notícias emitidas pelas emissoras nacionais. Por isso comprou o radio que usava quase sempre em ondas curtas. Sem instrução média conseguiu um livro de escola para ensino do francês e aprendeu sozinho tudo o que pode. Conseguia entender o que diziam. Foi pelo radio que agora, em 1949 tomava ciência da onda de emigração. 

Portugueses largavam tudo o que tinham, não tanto porque estivessem na penúria, mortos de fome, mas porque queriam um trabalho digno, progredir na vida. O governo português nunca se preocupara com isso no passado e certamente, por quase um milênio de história repetitiva, também não cuidaria de lhes promover trabalho no futuro. Os portugueses continuariam a emigrar eternamente. No fundo isso interessava muito a Salazar. Os emigrados não representavam custo para o estado. Pelo contrário, amantes e saudosistas de sua pátria, sempre mandavam religiosamente suas economias mensais para bancos portugueses para o dia em que retornassem a sua pátria. Esse dinheiro era usado por bancos e pelo governo para empréstimos e obras públicas. Era uma das principais fontes de “renda” da nação portuguesa, um dos segredos do sucesso da política econômica de Salazar.  Salazar não agia como economista. Agia como um esperto, e Tiago Afonso já pensava em emigrar. Conversara com alguns amigos com os quais andara durante a guerra nas minas de Volfrâmio que era vendido para a Alemanha de Hitler. Os amigos concordavam que se pudessem emigrariam, mas que a situação não lhes permitia. Além do mais e principalmente, também tinham família e estavam conformados. Em suas conversas Tiago nunca deixava transparecer sua determinação de partir.

Tiago Afonso amava sua mulher. Ela era linda, de enormes olhos negros, sorriso alegre, corpo bem torneado, peitos fartos, lábios carnudos. Não perdia uma oportunidade de vê-la, acariciá-la. Do trabalho a casa eram cinco minutos, porque tudo ficava perto na Vila. Na saída do trabalho lavava-se bem, e quando chegava em casa as suas mãos ávidas dirigiam-se para as saias da bela mulher, Alda Bentes, e carinhosamente subiam-lhe pelas pernas, buscando o que tanto amava nela, a sua intimidade mais íntima, sempre úmida, pingando de desejo. Ali ficavam por minutos tocando-se, excitando-se, até que os suspiros e o arfar atingiam um estágio impossível de controlar e se amavam perdidamente. Podia começar na cadeira da sala, na mesa, mas acabava sempre na cama, até que as belas pernas de Alda Bentes ficassem escorrendo trementes de amor. Era assim o amar de Tiago Afonso por sua bela Alda Bentes e dela por ele. O radio não parava de tocar “Chiquita bacana lá da Martinica” por Emilinha Borba, “La Vie em rose” por Edith Piaf, dentre outras, e “My Hapiness” por Dinah Washinghton.

Um homem apareceu morto no quelho, um caminho aberto a monte, lindeiro a algumas casas, empedrado e lamacento. Um suspeito fora visto com uma arma, mas arranjos familiares conseguiram provar que a arma era de brinquedo. Ele não era o assassino e assim ficou o caso. Tudo levava a crer que fora por ciúmes. Também nunca se soube o que aconteceu com a senhora que descera á adega para preparar calda bordalesa e fora encontrada inanimada com cristais azuis nas narinas aparentemente já sem vida. O porco que conseguiu fugir do banco de abatimento fugiu já esfaqueado pela rua da nogueira abaixo, a caminho do rio, escorregando pelo empedrado úmido. Três homens corriam atrás dele e conseguiram levá-lo de volta. Crianças que assistiram sentiram pena do porco. Sabiam que o alimento tinha vida muito parecida com a delas, e o sangue até parecia igual. Sua admiração só se esvaia quando comiam o sarrabulho. Essa noite seria de quarto crescente para a carne crescer mais na panela

Em 13 de fevereiro desse ano houvera eleições que foram fraudadas a mando de Salazar, sinal de que o país não mudaria. Norton de Matos concorrera em oposição ao regime, mas desistira da sua candidatura por alegada falta de liberdade. Apenas votaram 17% dos habilitados a votar. Salazar mandou prender os apoiantes de Norton e em 25 de março manda prender Álvaro Cunhal e muitos de seus dirigentes no campo de concentração do Tarrafal. Nesse dia, embora não fosse comunista Tiago resolveu que emigraria. Já não suportava a vida que levava, sem esperança de melhoras. Podia ter mais e queria ter mais. Teria.

Não comunicou a sua decisão a ninguém. Se o fizesse os amigos e familiares tentariam demovê-lo da empreitada e passaria o resto do tempo entre choradeiras e tristezas que não desejava sofrer nem causar. Comunicaria a decisão quando já estivesse longe e só a mulher saberia, mas mesmo assim, nas vésperas.

Em setembro a União Soviética fez testes com sua primeira bomba atômica. A notícia chegou a Fornelos pelo radio. A guerra fria ia ficando mais quente. Havia apenas quatro anos que os EUA haviam lançado as duas bombas sobre Hiroshima e Nagasaki no Japão. Nesse mesmo ano lhes nascera o filho. Comentava-se sobre a possibilidade de uma nova guerra mundial, desta vez entre os EUA e a URSS, dois gigantes. O Dr. Antonio Egas Moniz finalmente recebera o seu prêmio Nobel por seu trabalho sobre a lobotomia.
Na vila já era época das vindimas, homens e mulheres na labuta, cestos cheios de uvas sobre sacos de aniagem na cabeça, roupas suadas, lagares a encher, homens e mulheres a pisar as uvas ao som de cantochões.  Tiago iria antes do Natal, depois das vindimas. Já procurara por passagem em breve trazida por um amigo que tinha uma arrastadeira preta, um citroen, que só usava em casos de necessidade. Era o único automóvel da vila que levantava poeira na estrada de terra que lhe dava acesso. Fornelos não era lugar de passagem, mas sim de destino. Talvez por isso o seu isolamento secular. 

O amor que tinha por Alda, aliado à antecipada certeza da privação de seu corpo e de sua presença o fizera emagrecer alguns quilos. Não era apenas a saudade, mas o aproveitar da presença para se amarem até a exaustão a qualquer hora do dia ou da noite, como se cada vez fosse a última. Por mais fortes que fossem as intenções não saberiam se voltariam a encontrar-se. Era isso que os fazia emagrecer. Sabiam que as viagens eram muito perigosas. Na noite da despedida não dormiram. Tiago dormiria durante a viagem. Despediu-se dos amigos e familiares ali mesmo, no largo do Senhor entre abraços, choros sufocados, lágrimas escorrendo pelas faces. Tiago não chorou. Alda também não. Tinham confiança um no outro, confiança na vida.

Quando chegou ao cais da Rocha do Conde de Óbidos em Lisboa ainda sentia nos lábios o perfume de Alda, sua boca macia e úmida, seus olhos lânguidos que o olhavam de frente enquanto se uniam no prazer do amor. Era capaz de sentir as pernas de Alda tremendo de prazer entre as suas, seu pescoço esticado, cabeça jogada para trás no delírio, esticando o corpo, apertando-lhe o membro até o relaxamento total. Alda tinha um perfume próprio só dela. Nenhuma outra mulher tinha seu perfume.

Quando o vapor apitou avisando o inicio dos movimentos  para largar o cais, apitos de ordens da tripulação a bordo, Tiago sentiu que estava numa aventura, que haveria riscos, mas que não poderia mandar parar o navio para voltar. Fornelos era agora um lugar de saída.

Pela segunda vez em sua vida sentia a mesma sensação ao ver as amarras do navio se soltarem da beira do cais. A primeira não viu. Foi quando lhe cortaram o cordão umbilical que o amarrava a sua mãe. O vinho daquele ano teria um sabor muito especial, inesquecível.

Rui Rodrigues

terça-feira, 19 de junho de 2012

AUXÍLIO RECLUSÃO VOCÊ SABE COMO FUNCIONA?

Por Dag Vulpi
TENTAREI EXPLICAR COM ESTE TEXTO A INQUIETAÇÃO DE UM AMIGO
BASEADO EM SUA PUBLICAÇÃO FEITA NO FACEBOOK, MAIS PRECISAMENTE NO GRUPO CONSCIÊNCIA POLITICA RAZÃO SOCIAL


Primeiro vamos apresentar as explicações sobre o Auxílio Reclusão, feitas por quem tem autoridade para isso, o advogado Guilherme Fernando Ferreira da Silva.

1- O Benefício do Auxílio Reclusão é devido aos dependentes do segurado do INSS que é preso, em regime fechado ou semi-aberto, e se encerra assim que o segurado preso for posto em liberdade. 

2- Tem direito ao benefício apenas os dependentes do preso que esteja sob a condição de segurado da Previdência Social, e que não tenha perdido esta condição. E que, não esteja empregado e recebendo salário quando for preso.

3- O valor de R$ 915,05 (definido pela portaria nº 02 de 06 de janeiro de 2012) é o TETO do benefício, e é calculado sobre a média de 80% dos maiores salários de contribuição do segurado preso. 

4 - O valor do benefício é DIVIDIDO entre os dependentes do segurado preso, e não somado. 

5 - Em caso de ÓBITO do preso o auxilio será transforma-se automaticamente em PENCÃO VITALICIA.  

Tudo isso esta no artigo 80 da Lei nº 8.213/1991.

Esta é uma tentativa de ilustrar de forma simples para um melhor entendimento deste bendito beneficio do auxilio reclusão.

Pois bem, vamos tratar de forma que todos os requisitos exigidos pela Lei da previdência social necessários para conceder tal beneficio sejam atendidos. Para tanto usaremos dois pais de família, o Sr. CHICO e o Sr. FRANCISCO, cada um deles com o mesmo número de filhos, consideraremos que seja cinco o número de filhos de cada um, e ambos trabalhando com carteira devidamente assinada, portanto contribuindo regularmente com a previdência.
Seu FRANCISCO hoje com 30 anos, era do interior e veio tentar a sorte na cidade grande, mas sem estudo o máximo que conseguiu como tantos outros foi trabalhar na construção civil, e está nessa dureza desde os quinze anos. Trabalhando como pedreiro e sem perspectivas de um dia poder sair dessa vida, sua única esperança está depositada nos filhos, seu sonho é poder ver que pelo menos um de seus filhos um dia seja doutor, caso isso aconteça todo o esforço terá valido a pena.

Já o seu CHICO está com 29 anos e nunca teve experiência de trabalhar com carteira assinada, a exemplo do seu pai que apesar de nunca ter emprego fixo sempre se virou para criar seus filhos, CHICO era caçula de uma família de oito, daqueles, quatro já haviam passado dessa para melhor, um estava preso, suas duas irmãs casaram-se e desde então nunca mais se teve noticias.

CHICO vivera na mordomia à custa da avó durante mais de vinte longos anos, por ali mesmo se casou e  foi enchendo o barraco de bacuris, mas, como ninguém é eterno um belo dia a velha lavadeira bateu com as 37, e com a morte da velha CHICO não pensou duas vezes, e resolveu se dar bem na vida, vendeu o barraco que herdara, e arriscou tudo num carregamento, carregamento esse que acabou sendo desviado pelos “parceiros”, e nem reclamar pode, pois a barra ali era pesada, o melhor a ser feito foi aceitar o “prejú” e não se meter a besta, afinal todo investimento tem lá seus riscos.

Mas como malandro é malandro, CHICO depois de analisar algumas possibilidades resolveu tentar a sorte nas obras de um belo edifício que estava sendo erguido na orla, a construtora era grande e o numero de funcionários maior ainda. Disposto a conseguir uma vaga desceu para o asfalto, bateu no portão da obra e quando este foi aberto mostrou-se com um semblante nunca visto antes, aparentando ser um pobre trabalhador necessitado e disposto a trabalhar, seu olhar convencera o chefe de obras, e para sua “sorte” estavam admitindo. Recebeu inclusive a proposta para iniciar na obra de imediato, pois, a obra estava com certo atraso, mas CHICO agradeceu o imediatismo ao chefe dizendo-se compromissado naquela sexta feira, mas que na segunda sem falta estaria se apresentando para o trabalho, o mestre compreendeu e concordou que ele retornasse na segunda, mas sem falta e cedo.

Voltando para casa com emprego garantido pensou (sic)“é ruim heim plena sexta feira, o maior calor e com dinheiro certo no final do mês, vo mais é comemorar tomando umas geladas, já vo logo abri uma conta no bar do cumpadi, segundona se tudo der certo, o Flamengo ganhá e o Ronaldinho arrebentar to lá no sofrimento rsrs”   

Esta é a primeira experiência do CHICO com carteira assinada, e com um monte de faltas, alguns atrasos e um monte de flagrantes que tomou dormindo escondido no fosso do elevador  se passaram seis meses. O seu objetivo maior não é ficar ali ralando o resto de sua vida a exemplo do FRANCISCO.

CHICO está sempre de olho em alguma possibilidade se dar bem, e essa possibilidade finalmente chegou. Conforme a rotina da empresa e que o CHICO vinha analisando a meses aquele era o dia em que todo dinheiro do pagamento de todos os funcionários da construtora estaria no escritório da obra,  e era exatamente essa a oportunidade que CHICO esperava prá lavar a égua.

 Já estava tudo planejado, CHICO entraria roubaria todo o dinheiro da folha de pagamento e daria o pinote com toda a grana, sua meta era ficar um ano só de papo pro ar, usufruindo dos louros do seu golpe, mas, como nem tudo é perfeito quisera o destino que, exatamente no momento que CHICO feito um gato dava o bote, o infeliz FRANCISCO aparecesse na hora errada e no lugar errado, e sem imaginar o que estava se passando deu o maior flagra no CHICO, esse por sua vez não pensou uma única vez, e mandou um balaço bem no peito de FRANCISCO que caiu já sem vida. Ao ouvirem o tiro os seguranças chegaram e conseguiram segurar o larapio que logo em seguida foi devidamente entregue à dona justa.  
CHICO, frustrado, pois faltou pouco para se dar bem vai para a prisão, já o FRANCISCO vai direto para a terra dos pés juntos.

Agora chegamos ao ponto onde nos propomos a exemplificar como funciona o tal bendito auxilio reclusão, que é o nosso verdadeiro objetivo. Pois bem, vamos analisar as possibilidades, e para isso começaremos aleatoriamente pelas crianças, lembremos que são dez no total, sendo cinco filhos de CHICO e outros cinco filhos de FRANCISCO.

Vamos começar pelos coitados dos filhos do CHICO. Essas cinco crianças ficarão um determinado tempo sofrendo com a ausência do pai, mas ainda assim terão a possibilidade de visitá-lo de quando em quando, e mais cedo ou mais tarde seu pai estará livre saindo do sofrimento, mas, se eles analisarem direitinho é até bom que ele não saia nunca mais, afinal eles estão recebendo o auxilio reclusão do qual eles tem direito, e que merecidamente e de acordo com a Lei, é depositado religiosamente todo mês em suas contas enquanto o CHICO estiver recluso.

Com o passar do tempo eles nem se lembrarão mais daquele cachaceiro vagabundo, que quando em liberdade o que fazia era beber e espancar, os cinco filhos e a esposa. Melhor que ele morra na prisão, assim o auxilio reclusão transforma-se automaticamente em pensão vitalícia, e alguém já bateu para a futura viúva que, caso o infeliz não capote de morte natural, que será um ótimo negócio para ela reservar um mês do auxilio reclusão para que algum "amigo" de sela do CHICO abrevie seu sofrimento, e garanta a boa vida para os seis, que agora estão bem mais ajeitados, e a mãe das crianças com essa bolada que recebe mensalmente já virou madame, fez alisamento com escova progressiva, implantou a comissão de frente que havia sido cuidadosamente extraída por um sopapo desferido pelo CHICO ainda na época que ele passarinhava pelos botecos da vida afora.

A dona Maria tá que é um pitéu, toda ajeitada e cheirosa, e ainda por cima com dinheiro no banco, afinal de acordo com os cálculos do amigo Marcos Rebello a mixaria no primeiro ano era de R$ 915,05 mensais, e sempre corrigidos religiosamente e espontaneamente, sem a necessidade de greve ou passeata.

A danada era mesmo esperta, até aquele que parecia ter sido o único vacilo da vida, que foi casar com o traste do CHICO acabou revelando-se o melhor negócio de sua vida. Para quem já  estava acostumada a sobreviver com meio salário mínimo, meio porque a outra metade o CHICO depositava na conta dos donos dos botecos, e de repente passar a receber um beneficio desta monta, só podia dar nisso, crianças roliças, sempre de barriga cheia, roupinhas e tênis da moda pra toda gurizada, e é claro, dona Maria não ia dá o mole de não se cuidar como princesa, além do alisamento capilar os dos devidos ajustes ortodônticos, a madame já havia comprado um carrinho, de segunda, mas o danado tava nos trinque. Com o trágico suicídio do ex tudo ficou ainda melhor agora não tem erro, já está garantido e é pro resto da vida, o que era auxilio, com o inexplicável suicídio do CHICO, passou a ser pensão vitalícia, e em relação ao suicídio do CHICO nenhum perito, nem aquele da bolinha de papel do Serra conseguiu explicar como o CHICO conseguira se enforcar debaixo da cama, esse CHICO era um danado mesmo, só quem ouviu os gemidos do Chico se enforcando foi o seu companheiro de sela, inclusive esta testemunha inexplicavelmente foi favorecido por alguém que bancou as custas de um advogado que o colocou em liberdade em dois tempos.

Fiquei falando aqui da sorte que teve a esposa do CHICO e quase me esqueci da esposa e dos cinco filhos do FRANCISCO.

Vamos lá para a outra ponta do barbante, bom, não perderei muito tempo com esses, farei um breve resumo. Pois bem, por ser um bom e dedicado empregado, e por ter trabalhado durante quinze anos para a mesma construtora, ter participado da construção de obras que deram grande retorno financeiro, o ex-patrão do FRANCISCO presenteou a viúva com um cheque de quinhentos reais para ajudar com as despesas do sepultamento.

A família do FRANCISCO infelizmente não está coberta por nenhum auxilio previsto na previdência social, pois este ainda não foi, e duvido que seja criado. Seus filhos deixaram o colégio, pois precisam trabalhar para ajudar nas despesas, e com isso lá se foi a ultima esperança de FRANCISCO que trocara toda sua vida para ver ao menos um de seus filhos se tornar doutor, e se quiser, seja lá onde ele estiver vai ter que se contentar em ver seus filhos com o futuro idêntico ao que ele teve, mas ainda bem que apesar de não terem nenhuma Lei que pudesse colaborar para um futuro melhor para seus filhos, ainda assim esses serão cidadãos honrados e jamais se envolverão em coisa errada pois o Sr. FRANCISCO pode não poder ter dado nada de luxo para seus filhos, mas educou-os o suficiente para que esses trabalhem dignamente e contribuam com a previdência social, para que se necessário os filhos de possíveis CHICOS da vida não passem por privações semelhadas às que seus filhos por certo passarão.