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sábado, 4 de janeiro de 2014

Das religiões



Das religiões


Quando comecei a construir minhas casas no Condomínio vi alguns carros depredados nas ruas mais afastadas, junto à reserva. Disseram-me para ter cuidado porque havia bandidos atuando na área e assaltando turistas. Depois disso, e ao longo dos dez anos até agora, foram várias as oportunidades em que bandidos apareceram para assaltar turistas e invadir casas cujos donos aparecem apenas em fins de semana esporádicos ou nas grandes festas como as de natal, Ano Novo, Carnaval, Páscoa. 
Notícias correntes na área dão conta de que todos já morreram. Só um deles foi preso.
Sempre reclamamos muito sobre a falta de atenção da polícia para a segurança do loteamento, mas não podemos esperar muito das autoridades, porque a instalação de energia elétrica sempre foi uma dificuldade, as ruas não são pavimentadas, não temos redes de água potável, de águas pluviais nem de esgotos. Para a prefeitura de Cabo Frio nem existimos, a não ser para nos cobrarem impostos e aprovação de projetos a maioria das vezes com caras “mais valias”. Onde está o erro?
O erro dos bandidos é imaginar que nunca serão apanhados, o da Prefeitura que ninguém do loteamento lhe moverá ação e se mover, a lei estará do lado da Prefeitura para empurrar o processo por tantos anos quantos sejam necessários.
Pensei em pedir ajuda a Deus, mas me ocorreu a dúvida de sempre: Será que Deus escuta esse tipo de pedidos, isto é, afastar bandidos do lugar e obrigar a Prefeitura a cuidar deste loteamento como deveria? Afinal, não pude vender nenhuma das casas que construí porque os possíveis compradores desanimaram pela falta total de infraestruturas. Pedidos constantes á prefeitura, tudo devidamente registrado não produziram efeito até hoje, nenhuma correspondência ou despacho ou satisfação dos Prefeitos.
Foi pensando nisto que fui até a praia com meu puçá para caçar alguns siris distraídos.
Foi-me impossível deixar de traçar um paralelo entre os siris e os prefeitos que já passaram pela prefeitura ao longo destes dez anos, porque logo que me vêm, os siris se enterram na areia tentando passar despercebidos.
Quando já tinha caminhado uns quinhentos metros sem ver sequer um siri, comecei a notar um vento mais frio e o céu mais escuro. Estava cheio de nuvens negras que avançavam rapidamente. Eu não escaparia da chuva. Iniciei meu caminho de volta os primeiros pingos grossos começando a cair. Molhado por molhado, resolvi parar e olhar a tempestade. Não deixava de ser linda a fúria da natureza, e um banho de chuva tem sempre o seu valor.
Como costumo fazer, abri meus braços, levantei a cabeça para o céu e fechei os olhos sentido toda a natureza envolvendo meu corpo. E ouvi então, como já estava ficando acostumado:
- Já ouviste dizerem, e já o disseste muitas vezes, que errar é humano. Claro que é. É uma verdade absoluta, sendo verdades absolutas aquelas que jamais mudarão, não importa quanto tempo possa decorrer, mesmo sendo infinito. Outra verdade absoluta é que este Universo sempre existirá. Outra ainda, que o Sol um dia se transformará de tal modo que não poderá proporcionar mais a vida neste planeta que habitas. Por isso a importância que devem dar ao desenvolvimento da ciência espacial. 
- Sendo tantas as preocupações da vida inteligente, assim a humanidade vem dando mais importância a umas coisas do que a outras. Assim, neste exato momento, a humanidade dá muita importância às religiões, aos jogos de futebol, aos relacionamentos de homens e mulheres, à moda e à aparência pessoais, e em caso de necessidades específicas ao que lhes falta. Como não sentem diretamente a necessidade – ainda – de um maior desenvolvimento das ciências espaciais, não pensam nelas: usam o dinheiro suado do povo para guerras, propagandas dos governos para dizerem que tudo está bem e progredindo.Isso lhes dá poder, dinheiro, boa vida, mas tudo é temporário. 
- Se olharem para trás, verão que até o momento, sempre houve uma fortíssima componente de preocupação de base religiosa, sacerdotes impondo a sua moral e de modo geral colocando a ciência como antagônica da religião, o que é um erro, porque sem ciência não há desenvolvimento e sacerdotes não são os mais indicados para discutir sobre a ciência por falta de estudos e conhecimento. 
- E olhando para trás, o que se pode constatar quanto ás religiões? Que simplesmente se fortaleceram em seus bastiões de credulidade, mantendo-se irredutíveis em seus conceitos que nunca são revistos para corrigir os erros humanos que as conceberam no passado distante, como se fossem verdades absolutas. A humanidade vai percebendo os erros, constatando a irredutibilidade na conservação desses erros pelos religiosos e vai se afastando delas. Não percebem os religiosos, de tão confortáveis que se sentem apoiados pelo estado, que deveriam sempre mudar para se atualizarem e ficarem sempre á frente da humanidade e não sendo corrigidos por ela, porque já é impossível esconder os erros...
- Há um muro numa cidade irlandesa dividindo cristãos de outros cristãos, e nenhum dos dois lados do muro está certo. Nem o muro. O mundo está cheio de muros. Está tudo errado por lá, assim como no mundo em geral. Cada religião quer que seu entendimento de “Deus” seja o melhor, o mais perfeito, e que Deus tem a sua preferência. Ora isto não é verdade. Deus, Eu, dos Universos, não posso ter preferência por um dos universos em detrimento dos outros. Não posso – porque não quero e assim tem que ser - abandonar um só grão de minha obra, assim como uma boa mãe ou um bom pai não dá preferência a um dos seus filhos ou filhas. 
- Zaratustra percebeu a existência de um Deus único – não foi apenas ele – mas o imaginou com muitos defeitos humanos. Os maias e Incas adoravam o sol e arrancavam corações humanos para aplacar a sua ira, como se o Sol, estrela ardente, permeada de explosões nucleares, pudesse exigir alguma coisa. Os egípcios embalsamavam seus corpos para que pudessem viver uma vida no além, como se o além fosse uma continuação da vida e fosse necessário preservar os corpos – só na aparência. Nunca se perguntaram, ao largar os pratos com comida para se alimentar no além, se não seria necessário também embalsamar os alimentos e manter os órgãos internos dos mortos para digeri-los. O povo inerte, absorto em seus pensamentos sem conhecimento, foi aceitando as predicas dos sacerdotes por medo e por esperança, enquanto estes se enchiam de ouro e bens doados pelos faraós e pelo povo. Estes exemplos são válidos nos dias de hoje. Mas quando o povo começa a perceber que vive num logro, a religião acaba. Subsistem aquelas para as quais o povo ainda não teve o conhecimento necessário para entender o logro. Acaso eu, Omo Deus, não teria o poder de vir ao mundo, e falando do céu, pairando nele, falar a todo o planeta o que quero, e como quero e quando quero? Todos sabem que sim, mas não raciocinam, e se deixam levar pelas falas dos sacerdotes porque os atemorizam com o inferno e lhes dão a esperança do céu se fizerem o que eles mandam. Então, quando aparecem as doenças venéreas, dizem para não usar preservativos, sabendo que como parte da vida existe o sexo que dá prazer, assim como o vinho. Não é para exagerar, mas para usar com decência tudo o que no mundo está disponível e não faz mal á saúde, porque o que atenta contra a saúde, atenta contra a vida que deve ser preservada, porque eu a dei ao Universo. 

Ouvi um latido vindo em minha direção. Era o cachorro meu amigo, o Oreba, que conseguira esgueirar-se pelo portão que eu deixara mal fechado. Veio com as patas no meu peito, correu à minha volta, latiu, riu, e parou de repente, sentando-se á minha frente e olhando para mim, a língua pendente em respiração agitada e alegre.
Oreba tinha uma boa vida, livre de preocupações, comida e água á vontade. Era feliz comigo e eu feliz com ele.
Se toda a humanidade fosse feliz comigo, eu seria feliz com ela, mas ela só pode ser feliz comigo se eu for feliz com ela. 
Cheguei encharcado em casa.

Era o décimo  dia, e a décima vez que me acontecia.  


₢ Rui Rodrigues 

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