Quando
comecei a construir minhas casas no Condomínio vi alguns carros depredados nas
ruas mais afastadas, junto à reserva. Disseram-me para ter cuidado porque havia
bandidos atuando na área e assaltando turistas. Depois disso, e ao longo dos dez anos até agora, foram várias as oportunidades em que bandidos apareceram
para assaltar turistas e invadir casas cujos donos aparecem apenas em fins de
semana esporádicos ou nas grandes festas como as de natal, Ano Novo, Carnaval,
Páscoa.
Notícias
correntes na área dão conta de que todos já morreram. Só um deles foi preso.
Sempre
reclamamos muito sobre a falta de atenção da polícia para a segurança do
loteamento, mas não podemos esperar muito das autoridades, porque a instalação
de energia elétrica sempre foi uma dificuldade, as ruas não são pavimentadas,
não temos redes de água potável, de águas pluviais nem de esgotos. Para a prefeitura de
Cabo Frio nem existimos, a não ser para nos cobrarem impostos e aprovação de
projetos a maioria das vezes com caras “mais valias”. Onde está o erro?
O
erro dos bandidos é imaginar que nunca serão apanhados, o da Prefeitura que
ninguém do loteamento lhe moverá ação e se mover, a lei estará do lado da
Prefeitura para empurrar o processo por tantos anos quantos sejam necessários.
Pensei
em pedir ajuda a Deus, mas me ocorreu a dúvida de sempre: Será que Deus escuta
esse tipo de pedidos, isto é, afastar bandidos do lugar e obrigar a Prefeitura
a cuidar deste loteamento como deveria? Afinal, não pude vender nenhuma das
casas que construí porque os possíveis compradores desanimaram pela falta total
de infraestruturas. Pedidos constantes á prefeitura, tudo devidamente
registrado não produziram efeito até hoje, nenhuma correspondência ou despacho ou
satisfação dos Prefeitos.
Foi
pensando nisto que fui até a praia com meu puçá para caçar alguns siris
distraídos.
Foi-me
impossível deixar de traçar um paralelo entre os siris e os prefeitos que já
passaram pela prefeitura ao longo destes dez anos, porque logo que me vêm, os
siris se enterram na areia tentando passar despercebidos.
Quando
já tinha caminhado uns quinhentos metros sem ver sequer um siri, comecei a
notar um vento mais frio e o céu mais escuro. Estava cheio de nuvens negras que
avançavam rapidamente. Eu não escaparia da chuva. Iniciei meu caminho de volta
os primeiros pingos grossos começando a cair. Molhado por molhado, resolvi
parar e olhar a tempestade. Não deixava de ser linda a fúria da natureza, e um
banho de chuva tem sempre o seu valor.
Como
costumo fazer, abri meus braços, levantei a cabeça para o céu e fechei os olhos
sentido toda a natureza envolvendo meu corpo. E ouvi então, como já estava
ficando acostumado:
-
Já ouviste dizerem, e já o disseste muitas vezes, que errar é humano. Claro que
é. É uma verdade absoluta, sendo verdades absolutas aquelas que jamais mudarão,
não importa quanto tempo possa decorrer, mesmo sendo infinito. Outra verdade
absoluta é que este Universo sempre existirá. Outra ainda, que o Sol um dia se
transformará de tal modo que não poderá proporcionar mais a vida neste planeta
que habitas. Por isso a importância que devem dar ao desenvolvimento da ciência
espacial.
-
Sendo tantas as preocupações da vida inteligente, assim a humanidade vem dando
mais importância a umas coisas do que a outras. Assim, neste exato momento, a
humanidade dá muita importância às religiões, aos jogos de futebol, aos
relacionamentos de homens e mulheres, à moda e à aparência pessoais, e em caso
de necessidades específicas ao que lhes falta. Como não sentem diretamente a
necessidade – ainda – de um maior desenvolvimento das ciências espaciais, não
pensam nelas: usam o dinheiro suado do povo para guerras, propagandas dos
governos para dizerem que tudo está bem e progredindo.Isso lhes dá poder, dinheiro, boa vida, mas tudo é temporário.
-
Se olharem para trás, verão que até o momento, sempre houve uma fortíssima
componente de preocupação de base religiosa, sacerdotes impondo a sua moral e de modo geral colocando a
ciência como antagônica da religião, o que é um erro, porque sem ciência não há
desenvolvimento e sacerdotes não são os mais indicados para discutir sobre a
ciência por falta de estudos e conhecimento.
-
E olhando para trás, o que se pode constatar quanto ás religiões? Que
simplesmente se fortaleceram em seus bastiões de credulidade, mantendo-se irredutíveis
em seus conceitos que nunca são revistos para corrigir os erros humanos que as
conceberam no passado distante, como se fossem verdades absolutas. A humanidade
vai percebendo os erros, constatando a irredutibilidade na conservação desses
erros pelos religiosos e vai se afastando delas. Não percebem os religiosos, de tão confortáveis
que se sentem apoiados pelo estado, que deveriam sempre mudar para se
atualizarem e ficarem sempre á frente da humanidade e não sendo corrigidos por ela, porque já
é impossível esconder os erros...
-
Há um muro numa cidade irlandesa dividindo cristãos de outros cristãos, e
nenhum dos dois lados do muro está certo. Nem o muro. O mundo está cheio de
muros. Está tudo errado por lá, assim como no mundo em geral. Cada religião
quer que seu entendimento de “Deus” seja o melhor, o mais perfeito, e que Deus
tem a sua preferência. Ora isto não é verdade. Deus, Eu, dos Universos, não posso
ter preferência por um dos universos em detrimento dos outros. Não posso –
porque não quero e assim tem que ser - abandonar um só grão de minha obra,
assim como uma boa mãe ou um bom pai não dá preferência a um dos seus filhos ou
filhas.
-
Zaratustra percebeu a existência de um Deus único – não foi apenas ele – mas o
imaginou com muitos defeitos humanos. Os maias e Incas adoravam o sol e
arrancavam corações humanos para aplacar a sua ira, como se o Sol, estrela
ardente, permeada de explosões nucleares, pudesse exigir alguma coisa. Os
egípcios embalsamavam seus corpos para que pudessem viver uma vida no além,
como se o além fosse uma continuação da vida e fosse necessário preservar os
corpos – só na aparência. Nunca se perguntaram, ao largar os pratos com comida
para se alimentar no além, se não seria necessário também embalsamar os
alimentos e manter os órgãos internos dos mortos para digeri-los. O povo
inerte, absorto em seus pensamentos sem conhecimento, foi aceitando as predicas
dos sacerdotes por medo e por esperança, enquanto estes se enchiam de ouro e
bens doados pelos faraós e pelo povo. Estes exemplos são válidos nos dias de
hoje. Mas quando o povo começa a perceber que vive num logro, a religião acaba.
Subsistem aquelas para as quais o povo ainda não teve o conhecimento necessário
para entender o logro. Acaso eu, Omo Deus, não teria o poder de vir ao mundo, e
falando do céu, pairando nele, falar a todo o planeta o que quero, e como quero
e quando quero? Todos sabem que sim, mas não raciocinam, e se deixam levar
pelas falas dos sacerdotes porque os atemorizam com o inferno e lhes dão a
esperança do céu se fizerem o que eles mandam. Então, quando aparecem as
doenças venéreas, dizem para não usar preservativos, sabendo que como parte da
vida existe o sexo que dá prazer, assim como o vinho. Não é para exagerar, mas
para usar com decência tudo o que no mundo está disponível e não faz mal á
saúde, porque o que atenta contra a saúde, atenta contra a vida que deve ser
preservada, porque eu a dei ao Universo.
Ouvi
um latido vindo em minha direção. Era o cachorro meu amigo, o Oreba, que conseguira
esgueirar-se pelo portão que eu deixara mal fechado. Veio com as patas no meu
peito, correu à minha volta, latiu, riu, e parou de repente, sentando-se á
minha frente e olhando para mim, a língua pendente em respiração agitada e
alegre.
Oreba
tinha uma boa vida, livre de preocupações, comida e água á vontade. Era feliz
comigo e eu feliz com ele.
Se
toda a humanidade fosse feliz comigo, eu seria feliz com ela, mas ela só pode
ser feliz comigo se eu for feliz com ela.
Cheguei
encharcado em casa.
Era o décimo dia, e a décima vez que me acontecia.
₢ Rui Rodrigues
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