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sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Ouvindo a voz do Brasil – Cabo Frio

Ouvindo a voz do Brasil – Cabo Frio

Quando tinha automóvel (tive muitos, zero, cheguei a ter dois de uma vez só) para comprar jornal, pegava o carro e ia até o jornaleiro. Em 2008 acabei com isso. Quando preciso mesmo, chamo taxi. Viagens interestaduais, em ônibus, com motorista particular enquanto durmo. Nenhum guarda me pega de mau jeito para me extorquir uma graninha, não tenho que levar automóvel a vistorias, não pago multas, e só me preocupo com o preço da gasolina porque se reflete em todos os artigos que uso em minha vida. Tenho uma bicicleta para usar no loteamento, porque as estradas estão cheias de malucos que pensam que sabem dirigir. Posso dizer que nunca bati, mas capotei uma vez no Rio Grande do Sul.

E há uma vantagem muito grande de andar em ônibus: Ouve-se a voz do Brasil!

Ontem, dia 2 de janeiro de 2014, por volta das 08:30 da manhã já fazia um calor de rachar em Cabo Frio. Nesses dias a cidade do Cabo fica Quente. Saí de casa a pé até o ponto de ônibus que fica a cerca de 1.000 metros daqui de casa. Já nos primeiros duzentos comecei a sentir os efeitos do calor: Um pouco de suor, e uma vontade leve de aproveitar uma carona. Foi o que aconteceu. Um vizinho me deu carona até o ponto de ônibus. Encontrei por acaso um amigo que estava no ponto e que ia comprar cigarros no Porto do Carro. Parece que lá tem uma loja de cigarros “importados” sem imposto, que ficam pela metade do preço. Por isso ele ia tão longe e embora tenha automóvel, preferiu ir de bicicleta até a portaria, deixa-la por lá com cadeado. Cheguei ao Jardim Esperança para fazer uma consulta com um odontologista, o Ricardo. Atendeu-me, mas avisou que estava tudo fechado, todos os laboratórios e que era melhor eu voltar lá na terça-feira, que sábado estaria com o meu implante pronto. Reclamou que queria trabalhar, por isso estava aberto, mas que o transito em cabo Frio e a falta de água levava os laboratórios a fechar. Todo o comércio que não vivia de “porta de rua”, estava fechado: Entrava prefeito, saia prefeito, nada mudava. Então saí e fui para Cabo Frio. Sabia que os bancos estavam funcionando e aproveitei para dar uma passada no Itaú, ali bem no canal de Itajurú. Aproveitaria e tomaria uma cervejinha e comeria um acarajé. No ônibus, logo que me sentei, um idoso como eu se acercou perguntando se podia sentar. Disse-lhe que claro que sim, porque o lugar ao meu lado estava vazio, bem junto à janela. Ele deu uma parada, e me perguntou: No Sol? (claro que o sol batia na janela e eu tinha-me sentado desde o inicio na cadeira do corredor). E eu disse que era a única que estava vazia. Então ele sentou. Claro que não conversamos mais nada. Detesto quando alguém me tenta demonstrar que tenho cara de anjo que dou para os outros de mão beijada e sem motivo o que a sorte me concedeu, ou que tenho cara de otário facilmente impressionável. Se eu gostasse de discutir teria ali um bom motivo.

Cheguei a Cabo Frio e aproveitei para apanhar a segunda via da conta da AMPLA. Meu relógio fica no terreno de um vizinho porque a Ampla na oportunidade não tinha postes na minha rua. Há dez anos que me pedem que faça um projeto para que eles coloquem o relógio no muro do condomínio. Há dez anos que recuso fazer desenho para uma coisa tão simples. Então a Ampla parou de deixar a conta na minha caixa de correio. Deixa na portaria. Um vizinho meu do condomínio que mandou instalar relógio quando já havia postes na rua, tem sua conta deixada pela Ampla na caixa do correio. Um dia destes fui fazer uma procuração e o cartório não aceitou a conta da Ampla como comprovante de residência porque se tratava de uma segunda via. O garoto da portaria, procurou, procurou, e não encontrou as minhas contas originais no meio de uma papelada de efeito montanha em 3D. Em compensação, me disse para lhe devolver uma listagem de residentes e endereços, que eu não peguei... Até pelo facebook me pediu que devolvesse o documento, alegando que entendia as razões pelas quais eu teria subtraído o documento. Nunca entendi duas coisas: O que ele “entendeu”, e porque não se perguntou: Mas o Rui é pessoa do tipo que rouba documentos? Evidentemente que ele mesmo encontrou o documento em sua própria mochila... Sujeito organizado de portaria é assim mesmo...

Mas havia avisos em papel A4 na porta da Agência: Estavam fechados para nossa própria segurança (que raios é isso de nossa própria segurança?) e só abririam na segunda feira. Na porta do banco, um grupo de pessoas comentava que banco era aquele... O ar condicionado sempre deficiente, poucos caixas, filas imensas, que tem um lucro fabuloso e que nem tem grampeadores – e nem grampos- para grampear comprovantes aos canhotos. Alguém falou mal do PT, mas já estou tão habituado a isso que nem me lembro bem do que disseram, mas incluíram Lula e Dilma no discurso. Resolvi voltar para casa, mas antes daria uma passada no supermercado para comprar duas garrafas de vinho e umas frutas. Resolvi que faria isso no Jardim Esperança, porque o supermercado ficava mais próximo do ponto de ônibus do que os supermercados de Cabo Frio, perto do canal, e são mais baratos. Ainda no ponto do ônibus voltei a ouvir falar mal do PT e agora do governador do Estado do Rio de Janeiro: O ônibus demorou mais de meia hora. No ponto nem existe tabela com horário dos ônibus, uma frota que está velha, com a chapa das carrocerias desalinhadas, denotando exaustiva manutenção e a velha frase que entra prefeito e sai prefeito e nada muda. Além de ônibus, faltava água na cidade e o crime em ascensão.
Por causa do sol, desviei-me um pouco para a sombra de uma palmeira (os bancos das paradas de ônibus da cidade não foram projetados para o movimento do Sol. Só funcionam dando sombra quando o sol está a pino). Uma moça falava pelo celular, em baixíssimo calão. Falava com a amante do marido. Pude perceber – não sou surdo e ela não economizava o som – que a amante lhe estava devolvendo o marido. A traída ao telefone, dizia que não se importava que ele voltasse, mas que ele era um frouxo que nem tinha transado com a sua melhor amiga porque esta recusara, e que a amante dele (com a qual falava) era uma piranha, prostituta. Ele era da marinha. Fiquei pensando com os meus botões se a melhor amiga não teria mesmo transado com o marido, se a amante estava devolvendo o marido da outra por dupla traição, e se ela se importava ou não que o marido voltasse, mas minhas duvidas se esvaneceram quando a moça do telefone disse à amante do marido que nada seria como dantes, porque ela já tinha traído o marido e voltaria a trair. Certo que era uma conversa de piranhas a respeito de um piranho, fui comprar uma garrafa de água gelada. A primeira garrafa que o vendedor me deu estava quente. Pedi que trocasse. Ele enfiou a mão no fundo do isopor e me deu uma bem gelada. Não foi por preguiça do vendedor... As garrafas no fundo são apenas para quem reclama. O resto dos fregueses bebe água morna.

Acabei por ficar sobrecarregado. No hortifrúti perguntei se podia arranjar um taxi. Informou que se eu fosse numa loja que me indicou, a dona me arranjaria. Não achei nada estranho, porque por aqui, onde nada funciona, tudo funciona! O marido dela é o próprio taxista, fatura mais de seis mil por mês só no “taxi”, e é pastor de igreja que já foi arrebatado e faz curas com as mãos. Eu não fiquei nem um pouco impressionado com tanta eficiência e prodigalidade de perfil empreendedor, mas fomos conversando sobre religiões. Disse-me entre outras coisas que já tinha passado por crimes, mas que depois de ter entrado para a igreja era um novo homem, seguindo as escrituras e tudo o que nelas estava escrito porque era a verdade. Que não gostava da igreja católica porque eles adoram a Maria, mãe de jezuis,  e como a conversa se iria alongar por aí, eu lhe respondi que pior era, mesmo com as escrituras, terem passado a adorar mais a Jesus do que a Deus, o verdadeiro, pai de Jesus... E mudamos de assunto.

Futuramente só vou usar os serviços deste “fabuloso” pastor, até porque o preço dele ainda é mais barato do que o dos taxis piratas de Cabo Frio...

Quando cheguei a casa, senti-me em casa, embora meio cansado. Não tinha feito quase nada, saíra quase à toa, e tudo nesta vida era quase um quase, nada certo.

Mas é a voz do Brasil!.. E estou louco para voltar o outono, o inverno e a primavera.


© Rui Rodrigues

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