A
minha breve história da Malásia.
Nunca fui
um cara excelente em tudo... Fui e sou bom em muitas coisas, mas em nada por
excelência. Não sou ruim em nada. De onde vem isso? Vem de uma “liberdade” que
eu mesmo tomei quando era ainda muito jovem. Tão jovem que a única coisa que eu
sabia deste mundo era que tinha família, que havia lobos que comiam pessoas,
que era bom jogar futebol com uma bola feita de meia de mulher preenchida de
forma arredondada com enchimento de pano e costurada, que os peixes do rio, os
barbos, eram muito gostosos, e que porcos gritam muito quando são espetados à
faca para morrer. Tinha 4 anos e vivia numa aldeia onde no inverno eu gostava
de sair descalço na neve para sentir os pés gelados. Meu pai não gostava que eu
fizesse isso, nem que jogasse bola descalço. Por conta de minha desobediência,
apanhei uma pneumonia na neve, e uma unha do dedão do pé voou num chute que dei
meio despreocupado da vida. Comecei a prestar mais atenção, e nunca mais
fiquei, nem doente nem sem unha. Foi então que me lembrei que Adão e Eva também
tinham desobedecido ao senhor abdicando da própria vida eterna. Eu também
desobedeceria. Uma vida eterna deve ser um saco, um porre, um sacrifício. Uma vida bem dosada, não precisa ser eterna.
Estou com 68 anos e se for amanhã, será um bom dia. Sou um contestador das
coisas deste mundo, e tudo o que não é conhecido, é um desafio para ser
conhecido.
Foi assim que escolhi o que admirar o que ignorar e o que esquecer. Admiro a Malásia desde que um amigo meu de infância, cego, o Pedro, me pedia para lhe ler livros de histórias. Eu lia porque me aproveitava para colher conhecimento de seus livros e porque ele era meu melhor amigo. Então me caíram nas mãos vários livros de Emílio Salgari, um italiano que escreveu histórias fascinantes sobre Sandokan, “O tigre da Malásia”, um príncipe malaio que tenta reconquistar o trono tirado por assassinos de sua família. Transforma-se num pirata. Sandokan se junta a um português amigo também nobre, o Ianes, para ajuda-lo em seus empreendimentos e é apaixonado por uma moça (Marianne) com quem casa, mas que morre por uma bala inglesa.
O Bornéu e
seus caçadores de cabeças foram um mistério para mim, algo que eu temia mesmo
sem estar lá, até que compreendi que era a manutenção de sua cultura que eles
queriam preservar. Cortar cabeças e preservá-las de forma a que encolhessem
penduradas em suas casas, era apenas uma questão de cultura de somenos
importância. Isso poderia ser e foi mudado com o progresso deste mundo. Tudo
evolui.
A Malásia evoluiu muito. É uma jovem tigresa asiática, com sérias e inquestionáveis pretensões a ser tigre. Povo inteligente, empreendedor, olhos postos num futuro promissor.
A Malásia, que se situa entre o Índico e o pacífico, no Estreito de Malaca, está situada numa rota de interesses internacionais. Por isso desde o século VII tem atraído comerciantes e conquistadores. Primeiro foram os siameses de Funan, depois indonésios de Srivijaya e Majapahit, seguindo-se muçulmanos de Malabar, da Pérsia e da Arábia, depois ainda portugueses no século XVI, no século XVII os holandeses. No século XVIII foi a vez dos britânicos. Em 31 de Agosto de 1957, a Federação Malaia ganha a sua independência do Reino Unido, e passa a fazer parte da Commonwealth. Em 09 de Agosto de 1965, Singapura declarou-se independente.
A história da humanidade é pródiga em conquistas, fazer escravos, guerras... É uma história muito triste. Por isso não estranhei a forma com Afonso de Albuquerque, um comandante (e governador) português se impôs na Malásia, conquistando Malaca em 1511. Construiu aí uma fortaleza chamada “A Famosa”, mas que não foi suficiente para impedir que em 1541 os holandeses a conquistassem, mas deu tempo suficiente para que São Francisco Xavier ali pregasse por algum tempo. Começou então uma rivalidade entre Malaca, Achém, Johor, Celebes e Riau.
Hoje a Malásia é constituída por várias etnias
principalmente de malaios (60% da população), chineses (25%) e hindus (10%). Há
também eurasiáticos, cambojanos, vietnamitas e tribos indígenas. Dos
eurasiáticos, a maioria é cristã mestiços de portugueses e malaios. Falam uma
língua crioula de base portuguesa denominada “Papia Kristang”.
Portugueses costumam miscigenar-se com facilidade
em todos os lugares do planeta. Não descriminam religião, preferências sexuais,
nem cor de pele. Não descriminam nada nem ninguém. As demais potências da
antiguidade viam nisso uma “falta de nobreza”, porque elas descriminavam. Hoje
os conceitos mudaram e provam que portugueses têm características de decência
humanística e ambiental. Somos assim.
Entre 1980 e 1990 a Malásia se dedicou á
industrialização no setor de informática e sua economia hoje depende
principalmente das economias dos EUA, da China e do Japão. É uma economia forte,
multi-setorial, exportando também matérias primas. Os países denominados
“tigres asiáticos” são os principais investidores na economia malaia. Segundo o Banco Mundial a Malásia e de uma
lista de 183 países, é o 18º país onde é mais fácil fazer negócios, o melhor na
obtenção de crédito (1º lugar), o 4º na proteção a investidores, e o 29º nas
relações trans-fronteiriças.
Além disso, as fotos mostram o quanto a Malásia é
um país desenvolvido. Numa viagem que fiz à Turquia, em 1994, aproveitamos, eu
e minha esposa, para entrarmos numa excursão que saía de Ankara até quase a
fronteira do Iraque, passando por Kaisery e Capadócia. Foram uma excelente
companhia, e seus traços malaios eram realmente belos.
Eu amo a Malásia desde que lia os livros de Emilio
Salgari. Quem sabe um dia ainda passo por lá..
© Rui Rodrigues
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