Aos seis
anos, meu pai foi-se embora. Deixou-me algumas recomendações em particular. Emigrou
para o Brasil. Meu tio Miguel cumpriu bem a missão de acabar de me mostrar o
que é ser homem. Quando eu me machucava, ou ralava os joelhos, ele me dizia o
mesmo que meu pai: - Porque choras? Não é tão grave assim. Há desgraças muito
maiores. E afinal, és o quê? Um homem ou um bicho? Logo percebi também que nossa
dor não pode ser nunca proporcional ao mal que recebemos. Ela se limita à
potência de nossa voz. Até certo ponto do estrago podemos compensar a dor com o
grito e o choro, mas para lá desse limite, o estrago sempre ganha, e nosso
choro e nossos gritos são incapazes de dar-lhe a dimensão da catástrofe... É
nestas horas que mulheres choram baixinho, e os homens se conformam.
Então
descobri o poço. É escuro, apertado, não tem escadas nem de corda, e é muito
profundo. Entra-se nele de forma processual e sai-se dele da mesma forma,
vencendo o processo. Beco sem saída nem é referência para um poço destes,
porque lá no fundo existem dragões. São de vários tipos os dragões: Uns cospem
fogo, outros são répteis de muitas patas, outros parecem morcegos alados, todos
peçonhentos, mas não nos mordem o corpo. Só mordem, roem, amassam os nossos
pensamentos quando estes sentem o impacto dos estragos que provocaram os
temores e depois o medo. Por vezes nem passamos pela fase dos temores. O medo
pode aparecer de repente.
Choro é medo. Medo provoca choro. Não podemos ter medo.
Assim cresci sem medos, porque os medos tolhem, e aprendi que se dermos atenção aos temores, mais do que eles merecem, logo se transformarão em medos. Avaliar os temores significa raciocinar sobre como eliminar as causas que os provocam. E ao raciocinarmos, encontramos soluções. E com s soluções, podemos ser felizes. Mais felizes, sem temores, sem medos. A felicidade está sempre em nossa bagagem de soluções para os temores e medos desta vida.
E é então,
já com as soluções, que finalmente, em alguma fase de nossa vida percebemos que
nunca houve poço, que os dragões são fantasmas inócuos, que se desfazem num mar
de soluções. Por vezes pedi ajuda, que me dessem soluções. Raramente funcionou
quando eu era criança, porque adultos pensavam diferente, e os amigos nem
sempre tinham melhores soluções do que eu. Então aprendi a “imaginar” que problemas
poderiam advir de minhas atitudes, e mais tarde, na Universidade e mais tarde
ainda em minha carreira profissional, a procurar as soluções mais efetivas e
simples, sempre de olho nos problemas que poderiam causar. Tudo nesta vida é
como descer num rio de soluções que de repente se vê abrir uma porção de braços
de rio, como num delta, e só um deles nos leva á melhor solução. Quando o rio
desagua no mar, sem braços de rio, há apenas uma solução que pode até não ser
solução, mas que temos que enfrentar para ganhar o mar. Chegando ao mar
pensaremos o que fazer.
Minha vida
foi e é muito equilibrada, sem doenças, sem “graves” problemas, sem desastres,
sem acidentes, e não dispendo nem 1 erg (uma medida de energia) para pensar em
cuidados. Toda a minha vida foi preparada para isso e se transformou numa
pequena parte de meu cérebro, numa rotina fácil, que nem incomoda. Escuto por
vezes conselhos para fazer isto ou aquilo, de uma forma diferente daquela que
estou fazendo, mas quem me aconselha não pode imaginar o futuro que previ para
várias hipóteses de soluções. E explicar, por vezes nem é conveniente, nem importante.
Pode até ser nefasto, porque nunca sabemos como seremos interpretados, nem se
somos capazes de explicar em todos os detalhes, espalhados pelo presente e pelo
futuro, de nossas soluções e consequências.
Como disse
os poços de dragão não são reais. São apenas consequência de nossos temores, de
nossos medos. Mas uma vez visualizados, são terríveis. Dragões surgem com suas
bocas enormes cuspindo fogo, fica difícil pensar em soluções se estamos de tal
forma acossados, mas nossa postura é muito importante nessas horas. Podemos
acovardar-nos e ficarmos encostados no fundo, sentados contra a parede, as mãos
protegendo a cabeça, o rosto abaixado, ou ficarmos de pé, tentando desviar-nos
das labaredas. Acabaremos por perceber que temos tudo o que precisamos para
encontrar as soluções e que os dragões na verdade nem nos queimam.
É a
postura na vida que nos abre os caminhos para um futuro feliz. A “quantidade”
de felicidade passa a ser um detalhe, e com um pouco de imaginação podemos
concluir que a ausência de infelicidade não é algo neutro: É pura felicidade.
Quanto nos custa? Ora, cada um tem um preço para a sua felicidade.
Felicidade
é sempre grátis, não importa quanto paguemos por ela.
© Rui
Rodrigues
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