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domingo, 12 de janeiro de 2014

Somos viajantes do tempo. Como gastá-lo?

Somos viajantes do tempo. Como gastá-lo?

Esqueça o espaço em que vivemos. Abstraia-se dele, nem que tenha que fechar os olhos por uns momentos até que se possa situar. Depois...

... Depois imagine apenas uma cápsula que envolve o seu corpo, e através da qual pode – agora sim – ver o espaço que a envolve, paisagens, vida, universo. Você também ouve e sente. Tem emoções.Assim como no traje de um astronauta.

Mas está dentro de uma cápsula que é apenas tempo. Para onde quer que vá, sua cápsula flutua e viaja no tempo. O espaço não se gasta, não desaparece. O tempo sim... Esse passa junto com você, acompanhando os movimentos dos ponteiros de seu relógio. Por mais que os expert da Física Quântica digam que espaço e tempo são inseparáveis – e o são realmente – o fato é que o espaço aparentemente nem se sente que mude tanto quanto o tempo.. O tempo simplesmente desaparece, fica para trás, ou para qualquer lado, porque é a sua cápsula do tempo que viaja pelo espaço.

Porque desperdiçaríamos esse nosso tempo, já que passa a cada segundo de forma irreparável, irrecuperável?

Porque pensamos, e gostamos de meditar!

Nossa sensação de tempo é diferente, por exemplo, da sensação dos demais animais. O cão, por exemplo, fixa “fatos” mas não tem noção de tempo, e mesmo que se passem anos sem ver o primeiro dono, quando o vê fica eufórico, feliz, como se não se tivessem passado mais do que parcos minutos de separação entre os dois. Já as efemérides, pequenos insetos alados, não vivem mais do que 24 horas. Nesse período, nascem, crescem, reproduzem-se e morrem de morte natural ou comidos pelos pássaros e outros predadores. É como se comprimissem nossa noção de tempo passado por oitenta anos em simples 24 horas. E se conversassem entre si, seriam muito rápidos na comunicação, e talvez tivessem a sensação que temos de viver nossos 80 anos.

Para nós o tempo parece ser tão pródigo e em tal quantidade de minutos, que o desperdiçamos. Mas se não o desperdiçarmos meditando, dormindo, jamais teríamos condições de “memorizar”, tal o estado de mente ocupada no realizar o “já”, o “agora”, o “hoje”... É como se tivéssemos 10.000 amigos e amigas... E nem nos lembraríamos do nome de cada um deles, nem dos momentos que passamos. Talvez de um pouco mais de umas dezenas.. O restante seria esquecido por não ter sido memorizado.

A memória é a única fuga do tempo, e mesmo assim precária, porque também está dentro da cápsula do tempo que viaja junto com o espaço, mas sempre de forma tal que não se pode ver o tempo que passou, embora o espaço que “passou” ainda permaneça quase sem alteração. É o que nos parece.

Por isso nos é importante a moderação, o equilíbrio, para que esteja dentro de nossas possibilidades de compreensão, de memorização, e não nos frustremos ao chegar a um futuro de algumas dezenas de anos, e não nos lembrarmos do que fizemos, esquecendo até coisas de que precisaríamos nos lembrar e não o podemos fazer.

Lembro-me de meus tempos de criança, quando encheram uma pequena praça, na verdade um “largo” da confluência de duas ruas onde há uma capela, com cadeiras e mesas, com lindas toalhas, copos com cravos vermelhos e cheirosos mergulhados em água, pratos, talheres, comida, garrafas de vinho, gente que começou a chegar, encheu a praça, deram abraços, se cumprimentaram, e quando passaram à sobremesa, lá estava o arroz doce cheirando a canela, fartas doses de vinho do Porto.. Foi em 1949 em minha aldeia natal e eu tinha quatro anos ou estava para completa-los. Meu pai estava na aldeia, porque sinto que estava lá, mas não tenho a mínima certeza. Nem sempre meu pai esteve presente em minha vida.

Que enorme festa foi aquela que marcou minha memória de pequeno ser iniciante da vida, viajando numa cápsula que parece flutuar no espaço, independente do espaço, mas que é inseparável do espaço? Porque memorizei a festa e não o motivo da festa? Porque eu estava com minha roupa domingueira, casaco e calças curtas com camisa e gravata, escolhida, cortada, alinhavada e costurada por meu pai?

Que importância teria tido essa festa - porque era uma festa - se só me lembro de me abraçarem, dizerem coisas bonitas sobre mim (que sempre disseram), e dito isso, me esqueceram durante todo o tempo que ela durou? E porque não me lembro de meus amigos de infância nessa festa?

Não tenho a mínima ideia, mas a festa existiu, e nenhum de meus parentes que lá residiam e com os quais tive contato ou me lembrei de perguntar, se lembram dela. Nem meu pai, enquanto era vivo. No entanto, entre elogios que recebi, e o isolamento a que me relegaram depois deles, marcaram minha memória até hoje, 64 anos passados. Mas me perguntem se me lembro de algum rosto da festa, e lhes direi que não tenho a mínima ideia. Só me lembro de algumas roupas, cravos na lapela, saias de pano escocês, chapéus masculinos e femininos e perfumes... Perfumes de roupa e perfumes de comida, sons de música no ar, talvez de foxtrotes.

Naquela época, tal como ainda hoje, existem dois “largos”. A festa foi no largo mais próximo de minha casa, no largo da Nogueira, sobrenome de minha avó paterna e também de minha mãe. A festa foi dada por pessoal da Nogueira.


Mas voltemos ao tempo e ao seu desperdício... Não me lembro de muitas coisas na vida, talvez por que não as achei importantes, e pelos vistos, no que respeita à referida festa, não estou só nessa precariedade. Ninguém se lembra, mas pelo aparato, foi uma festa “importante” no tempo e no espaço de Fornelos. Ficou lá como traço brilhante de foguete que explodiu no ar. Lançaram foguetes na festa, mas só me lembro do assobio e dos estrondos. E não era festa da Igreja porque se fosse o caso , teria sido no adro.

Entende-se agora que há momentos que não têm sentido prático algum aparente, mas que nos deixam lembranças vãs? Qual a diferença entre tê-los vivido ou passado à margem na consciência do hoje? Nenhuma. Apenas alguns átimos de prazer e interrogação sempre que me lembro deles. E há muitos. Uma imensidão aprisionada na minha cápsula do tempo retida na memória que é só minha. Um mesmo evento não é visto por ninguém de forma igual á de outrem. Não há momentos iguais. Nem por quem os compartilhou conosco.

Como pretendemos nós - mortais infantis - que nos possamos compreender e entender uns aos outros, se não vemos um segundo sequer de forma idêntica e comum a todos ou a um só ser humano mesmo que o tenha compartilhado conosco?

E então poderemos compreender toda e cada uma das variáveis que nos podem tornar – e tornam – diferentes, tudo função de discrepâncias no tempo, segundo o lado para o qual estejamos olhando em nossa cápsula do tempo, porque o momento “real e completo”, esse é igual para todos. Todos tiveram à sua disposição o momento completo da festa inteira, mas cada um apenas olhou e reteve o que lhe foi mais importante... Ninguém assistiu à festa inteira. Não teve tempo nem olhos, nem meios físicos de olhar em todas as direções do tempo da festa...

O problema está nos olhos... Na forma de olhar..




© Rui Rodrigues 

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