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terça-feira, 18 de agosto de 2015

Crônicas do Pontal do Peró - O Gênio Botocudo.



Anunciaram uma frente fria vinda lá da Argentina e que já tinha chegado ao Rio Grande do Sul. Se isso for verdade, então vamos ter uma enorme tempestade, porque aqui, pelo Pontal do Peró, depois de um dia de céu de brigadeiro, e outros com poucas nuvens cinza e brancas, hoje amanheceu com muitas nuvens e um vento forte soprando do Nordeste. Vi e senti muito bem na praia hoje entre dez e meia e onze e meia, quando fui ver se conseguia mais conchas vivas. O embate da frente fria e do forte vento nordeste deve ser uma batalha de atlantes cheia de seres de um olho só. Consegui mais três conchas, meu corpo sempre empurrado pelo vento e mais uma bolacha-do-mar, uns seres interessantes que passam por metamorfose: Na fase larvar nasce dentro da larva uma placa que é a futura bolacha-do-mar, constituída de calcário poroso que parece osso. Então afundam e começam a alimentar-se de organismos e algas que vivem entre os grãos de areia. Algumas já adultas chegam com a maré, afundam-se nas areias em busca de alimento e quando o mar recua ficam ao sol, secam e morrem. 

São esses esqueletos que recolho sempre que os encontro perfeitos ou quase. Quando os portugueses chegaram á Bahia, recém desembarcados de incômodas e balançantes caravelas, e viram uma tribo de índios com umas placas enfiadas nos lábios, com aspecto aterrorizante, ameaçador, ficaram impressionados, confabulando sobre o nome que lhes deveriam atribuir. Ao verem as placas que usavam lembraram-se dos “batoques” [1] e deram-lhes o nome de Batocudos. Com a evolução da língua pareceu melhor o nome Botocudo. Pensei, pensaram provavelmente, que os batoques que usavam eram feitos de bolachas-do-mar, mas não. São feitos de madeira leve extraída do cerne da Barriguda, árvore nativa da mata atlântica. Olhei o mar e não vi caravela alguma. O tempo delas já passou, assim como o dos contos das mil e uma noites, cheias de mulheres bonitas, lindas, perfumadas e gostosas que se divertiam em noites de Cabíria [2] com os donos do harém, que, contrariamente ao que muita gente pensa não era apenas o Vizir ou o Califa. 



Há que nunca perder de vista os eunucos. Vi um palácio de um grande califa - Topkapi - na Turquia. Coisa de louco! Os califas passavam a vida numa boa, ás custas, evidentemente, do povaréu ignoto e domado.  
Já de volta para casa com o meu espólio marinho, vi uma garrafa pet, dessas de coca-cola que deveria ser classificada como detergente açucarado, vindo rolando em alta velocidade empurrada pelo vento nordeste. O sol brilhava do lado da garrafa pet refletindo-se nas águas espelhadas do refluxo calmo das ondas já de volta ao mar. 
O reflexo toldou-me a visão, concentrou-me o foco na garrafa. Toquei-a e tive que largá-la imediatamente. Dela imergiu um fumo verde e amarelo que nem o vento conseguiu dissipar. Um ser se esgueirou primeiro como se fosse uma pequena minhoca, depois engrossou, foi engrossando e crescendo, até se transformar num ser imenso, que me ultrapassou na altura umas duas vezes. De olhar sério, finos lábios inferiores envolvendo enorme placa circular de barriguda encaixada, cruzou os braços, olhou-me bem de cima para baixo e disse-me:
- Tens direito a um pedido só. Pensa rápido e pede logo que estou de saída. É um... É dois...
- Pra onde vai o Brasil? – Perguntei rapidamente, porque o mais provável seria parar no três e não no dez, e não podia perder essa oportunidade.
- És um idiota que desperdiçaste a pergunta... O Brasil já foi, já era... Agora é outra coisa. Safa-te enquanto é tempo. Percebes agora porque estou com pressa? Tchau!
E lá foi o gênio botocudo que se desfez instantaneamente entre raios de sol verdes e amarelos e reflexos brancos das águas marinhas retrocedentes até ficarem mais brancos que cera. Tabaco não dá onda, nem o fumo na praia. Então foi imaginação ou o sol quente que sopra africanamente pelas paragens sul-americanas. O Brasil é uma África, logo poderá ser uma Biafra. A sapiência índia traz a voz da natureza. A natureza é sábia. Ao chegar em casa tomei um banho e liguei o computador. Percorri a net á procura de notícias e não gostei do que vi e ouvi. A Net é um lugar comum, como se fosse outro planeta, onde o passado, o presente e até visões do futuro convivem no mesmo instante. Com uma clicada chegamos ao passado mais distante, com outra estamos no futuro em menos de meia metade da quarta parte do oitavo de um segundo. Foi então que entendi que a rota das índias, tão procurada pelos portugueses através do mar só foi possível porque do Afeganistão a Canabis Sativa havia chegado á Índia. Isso há cerca de 27.000 anos atrás. 


O primeiro carregamento de mudas deve ter chegado ao Brasil, muito provavelmente, logo na primeira viagem de Cabral, porque uma ervinha com as belas índias locais, assim como vieram à natureza, isso era uma maravilha das mil e uma noites. Mas são apenas especulações, se bem que, em palácio, nos dias de hoje, não fosse de admirar o seu uso descontrolado.
Foi na Net que tomei conhecimento – o que já era previsível – que o custo da energia iría aumentar. Outra vez. Da primeira aumentaram o preço por causa das distribuidoras. Agora evidentemente aumentarão o das fornecedoras. Ora veja-se com se trata a economia por aqui, neste tempo em que, depois das explorações portuguesas, enfrentamos agora as explorações da esquerda petista: Aumentaram o preço do diesel e derivados do petróleo para salvar os rombos que eles mesmos fizeram na Petrobrás. Depois aumentaram a energia para pixulecar com as distribuidoras. As fornecedoras ficaram caladinhas á espera do momento oportuno. Agora pagar-se-á mais ás fornecedoras e quem fará isso será mais uma vez o governo que revisará seus contratos com elas. E como o preço do fornecimento vai aumentar, as distribuidoras terão que aumentar também os seus preços. Evidentemente que já sabemos que os custos das próximas eleições do PT e da base aliada serão pagos  com muita energia porque as construtoras e a Petrobrás já queimaram os fundíveis transferíveis e convertiveis em pixulecos.



Quando estava tomando banho quente – hoje faz um pouco de frio – tomei um leve choque. Vi nas nuvens de vapor um amigo botocudo, talvez até o gênio da garrafa pet de coca-cola, me apontando o dedo balouçante para cima e para baixo, e um uma voz grossa que me disse alto e bom som:

- Lembra-te bem... Libertas Quae Sera Tamen.
Dei-lhe um “curtir” com meu dedo para cima, escutei um plop, e o meu amigo botocudo sumiu.

Há muito que aprender com a cultura índia, com as conchas e com a história. Começo a ficar em dúvida se deveriam ou não ter demitido o Pedroca, o segundo... Esse sim, que amava o Brasil. Em vez de demiti-lo - a Domitila não teve nada a haver com isso mesmo sendo a amante-madrasta do pai - deveriam ter-lhe dado um primeiro-ministro. Entre os Andradas encontrariam um muito bom que daria certo. Nosso problema é que ainda não nos habituamos a lidar com a República. Maltratamo-la muito.  Arrecadar até exaurir é suicídio, genocídio, holocausto nacional. 

O brasileiro é acima de tudo um forte e não desiste nunca. 

® Rui Rodrigues.  





[1] Objetos redondos ou quadrados que servem para tapar –vedar – canos, recipientes de líquidos, tonéis de vinho ou cerveja,  ou até mesmo reservatórios de água para irrigação.
[2] “Noites de Cabíria”, um filme de Federico Felini, de 1957 sobre uma jovem que se prostitui. 

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