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quarta-feira, 27 de junho de 2012

O fantasma da Praia Fluvial de Fornelos






O fantasma da Praia Fluvial de Fornelos

A Escócia é famosa por seus fantasmas. Londres também. Com fama se faz turismo, mas este fantasma da Praia Fluvial de Fornelos é real. É verdadeiro, contrariamente ao fantasma do lago Ness, ou dos da torre de Londres. O do lago Ness nunca foi encontrado; os da torre de Londres são pesados, tristes, urram e lamentam-se. Este, da praia de Fornelos, aparece quando menos se espera e é brincalhão... Quando passar por lá, fique atento. É um fantasma interessante. Não tem halo, sombra, ou sequer é transparente.

Meu primeiro contato com o Fantasma da Praia Fluvial de Fornelos, que passarei a designar simplesmente como fantasma ou fantasma da praia, não é magro nem gordo. É médio de corpo em tudo, com uma altura que beira os 1,74 pela manhã e 1,72 pela noite. É Isso mesmo. Ele aparece de manhã, ao meio dia e de noite, conforme lhe dá na telha, porque é muito imprevisível. É um gozador por vezes. Pessoas que já o viram ao meio-dia ficaram impressionadas. Como seria possível ver fantasmas ao meio dia? Isso lhes parecia sinal de loucura e nunca falavam dele quando o viam a primeira vez. Ficavam com o olhar distante, desconversavam, e só quando se recompunham voltavam ao teor da conversa que haviam interrompido. Casais de namorados costumavam beliscar-se pensando que ela estava distraída, que não prestava atenção ao noivo ou namorado. Então, tomavam mais umas caipirinhas, comiam mais uns petiscos e pronto. Mas sempre de olho nas imediações para ver se o fantasma voltava a aparecer.

Aparece do nada, toca nas mulheres, bem ao de leve, segura-lhes a mão, escreve bilhetes de amor, dança, transforma-se em alguém do grupo, bebe caipirinhas de copos distraídos. Não se relaciona com os homens. Só com as mulheres, sejam bonitas ou nem tanto. Não há mulher feia para o fantasma.

A sua história é mais antiga do que a praia fluvial. Reza a lenda, escondida a sete chaves na alma dos mais velhos de Fornelos, que sempre a negam, que um homem que passara pela aldeia (o fantasma) se apaixonara por uma linda mulher da aldeia. Fora amor à primeira vista, ao primeiro olhar e ela correspondeu-lhe com a mesma intensidade. Amaram-se durante os dias em que ele passou por lá, sempre às escondidas. Quando teve que partir, ficou a promessa de que voltaria para casarem. Mas a vida nem sempre se controla. Ela teve que partir com os pais para Lisboa. De lá perdeu-se-lhes o rumo. Ele veio a morrer numa queda de um avião em África. Volta sempre à praia fluvial de Fornelos onde ele e sua amada costumavam encontrar-se nos dias de verão. Seu espírito alegre e folgazão leva-o a fazer brincadeiras com as moças do lugar. Por isso toca-as de leve, e se gosta de alguma delas e um amigo ou companheiro lhe faz “olhinhos”, tenta confundi-los. Por vezes até os aproxima. Em cada moçoila vê a sua amada. Bilhetinhos enviados por algum rapaz mais afoito com o número de telefone, troca-lhe os números, faz com que chegue às mãos de outra. Por vezes ajuda, noutras atrapalha, mas nunca fez nada de mal a ninguém. E avisa. Quando alguém trai alguém, sempre dá um jeito de avisar. Uma característica é que sabe sempre qual a cor das cuecas das raparigas. E sempre coloca um rebuçado ou uma flor ou qualquer objeto de cor semelhante sobre a mesa em que ela está. 

Costuma aparecer na praia fluvial de Fornelos, de forma fugaz, vestido de roupa preta, cravo vermelho na lapela, camisa branca, caminhando sobre as águas do rio. Depois se confunde rapidamente com os freqüentadores da praia. São raras suas aparições no inverno, mas a qualquer hora, dia ou mês, sempre aparece.

Tratem-no bem. É um bom sujeito e aprecia umas caipirinhas, um whisky caubói. Vinho com uns petiscos também rouba descaradamente, sem que se lhe repare. 

Rui Rodrigues

terça-feira, 26 de junho de 2012

1012 - Armadilhas do amor - 2012




1012 - Armadilhas do amor - 2012

No ano de 1012, a iluminação se fazia com tochas embebidas em óleos, não havia vasos sanitários, escrevia-se com penas de pato cortadas e os ricos com penas de pavão. As notícias eram dadas por velozes cavaleiros, e as carroças eram o meio de locomoção mais veloz quando os cavalos não morriam exaustos ou as rodas não se quebravam. Os perfumes eram o antídoto nada eficaz para os maus odores do corpo. Ninguém ainda imaginava que as doenças se transmitiam pelo contato, pela respiração, pela falta de higiene. Diziam que Deus levava as almas dos corpos e rezavam-lhe penhoradamente para que suas almas fossem preservadas. As mulheres eram preservadas com cintos de castidade para que nas longas ausências de seus maridos lhes fossem fiéis. Não raro os homens, sempre atarefados na arte de lutar contra tudo e qualquer coisa, usavam tripas de porco que enfiavam em seus prepúcios para evitar o nascimento de filhos indesejáveis. Os homens enfiavam seus órgãos genitais em vaginas através de um buraco no lençol de sexo, para não terem que furar todos os lençóis. Também para que crianças demasiada e insistentemente curiosas não ficassem perguntando para que servia aquele buraquinho no lençol. Nem imaginar que se pudesse fazer sexo fora de casa, a não ser nos campos sob árvores ou no meio de milharais, ou em estalagens de prostituição, das quais D. Rodrigo era freqüentador contumaz.

Em 1012 o povo judeu foi expulso de Mainz, na Alemanha, com a omissão do Papa; Mael Morda começou uma rebelião contra Brian Boru na Irlanda, que só terminaria em 1014 com a batalha de Clontarf; O rei Máel Coluim mac Cináeda de Alba derrotou uma armada dinamarquesa na Baía de Cruden em Buchan, que eventualmente deu o nome ao Buchanan's um excelente Whisky por sinal; Suleiman foi reposto como califa de Córdoba com o título de Umayyad, sucedendo a Hisham II, e Oldrich sucedeu a Jaromir como duque da Boêmia; o califa al-Hakim ordenou a destruição de todos os lugares de adoração judaicos e cristãos; o arcebispo Alphege de Canterbury é assassinado pelos seus captores dinamarqueses; o papa Benedito VIII sucedeu a Sérgio IV como o 143º Papa e Gregório VI transforma-se no antipapa.

Em 2012, mil anos depois, o mundo tem energia elétrica proveniente de muitas e diversas fontes de energia; os vasos sanitários fazem parte do nosso dia a dia e quem está apertado usa banheiros de casas comerciais onde se aproveitam os momentos para paquerar o gênero oposto ou até o mesmo gênero; depois da pena de pato, descobriu-se a caneta com bico de metal, e a caneta tinteiro, mas já ninguém sabe para que servem, se lhes mostrarmos uma, porque tudo se digita em computadores; automóveis em terra, navios no mar e aviões no céu, nos põem em qualquer lugar do mundo antes que o sol se ponha, embora as rodas continuem a furar; Continuamos a usar perfumes adoidado, mas tomamos banho todos os dias, e quem não toma fede mesmo que não sinta o cheiro; sabemos como se transmitem as doenças e nos preservamos, evitando assim idas constantes á igreja para pedir a Deus que não nos leve a alma. Aprendemos que podemos fazer esse pequeno trabalho de Deus, mas que um dia iremos mesmo contra a vontade; as mulheres já não se preservam por que usam preservativos em pílula ou em confortáveis invólucros de látex; homens e mulheres continuam lutando mas muito mais por emprego do que em guerras, consumindo-lhes o tempo que deveriam dedicar á família. Prepúcios se enfiam em vaginas em qualquer lugar, a qualquer tempo, seja com quem for, desde que se agrade, mutuamente, á primeira ou à enésima vista.

Mas nem tudo mudou. Algumas coisas continuam iguais.

Era primavera em Abril de 1012. D. Rodrigo Vaz partia para uma guerra com seu séqüito. Na noite anterior, à luz de uma só tocha, fez um sinal para a sua mulher, bela, com seus 27 anos de idade, já mãe de dois filhos, mas inteira, como se fosse virgem. Ana Bentes entendeu o olhar. Aprendera a conhecer os desejos de seu marido a quem atendia em tudo, não fosse perder seus atributos de castelã, ou levar umas tapas por conta da fúria de seu sempre furibundo marido. Tinha outros desejos de outros, mas o preço era muito caro. Não corria risco. Assim, apanhou o lençol com o furo no meio, levantou os saiotes com seu marido de costas, enfiou-se debaixo do lençol, abriu as pernas e deixou que seu marido a penetrasse com fúria. Gemeu de dor porque estava seca, sem a mínima vontade de ser possuía, mas deu a seus gemidos um tom diferente, soando como se adorasse o vai e vem bruto D. Rodrigo. Quando este acabou, foi no armário, apanhou o cinto de castidade e colocando-o na mulher, passou-lhe a chave que pendurou em seu cordão de ouro, ao pescoço. Deitou-se, dormiu. Na manhã seguinte, depois de alguns conselhos à bela Ana Bentes, partiu com seu séqüito para a fronteira. Ana disse-lhe adeus à porta levadiça do castelo. D. Rodrigo olhou com olhar duro sobre a multidão, como se avisasse para que se portassem bem em sua ausência. Quando o séqüito já ia longe e não passava de alguns pontos ao longe, Ana chamou o armeiro de D. Rodrigo.

Lúcia Maria, 35 anos, fogosa, quente, estava casada há alguns anos. Talvez uns quinze. Seu marido já não era o mesmo. Embora fizessem sexo várias vezes por semana, não mais de três, nunca menos de uma não era propriamente o sexo que a deixava afogueada, desejando cada homem que via na rua e que lhe chamasse a atenção. Era o gosto por novidade, como quem precisa de experiências novas. Algo como comer uma lagosta ao térmidor, ou caviar de vez em quando para variar do feijão com arroz. O marido, Pedro Luiz, ia viajar no dia seguinte e ficaria fora por dois dias. Chegou em casa cedo, tomaram um banho e saíram para jantar fora. Curiosamente, Pedro pediu uma lagosta ao térmidor e Lúcia uns canapés de caviar. Foram para casa. Na volta rolaram na cama, fazendo tudo o que tinham direito. Eram bons nisso. Sua mulher já não suspirava ou gemia como dantes, mas isso ele atribuía à idade. Discretamente, ligou um pequeno botão escondido atrás do armário, e a pequena câmara escondida num canto da sanca do teto, começou a funcionar.  Passaria a controlar pelo celular se sua mulher o traía. Partiu na manhã seguinte, contente, feliz, para a guerra diária do trabalho. Guerreava para mantê-lo, para ser promovido, para poder dar conforto em casa. Sua mulher também trabalhava, mas juntos tinham um poder aquisitivo bem melhor. Logo que saiu, Lúcia desceu também para o trabalho. Pelo celular ligou um número. Atendeu uma voz de homem maduro, dos seus cinqüenta anos. Disse-lhe Lúcia: - Já saiu. Já estou indo pra lá. E desligou.

O armeiro chegou esbaforido aos aposentos de Ana Bentes. Fez uma vênia à bela castelã, que logo mandou afastar as duas aias. Logo que saíram, o armeiro pegou uma chave idêntica á do marido, D. Rodrigo Vaz, e ali mesmo, o armeiro a possuiu sem lençol furado, com todo o carinho e a ânsia de meses a fio sem poder tê-la nos braços. Quando acabou, entregou a chave a Ana Bentes que dispensou o armeiro e mandou entrar Nuno d’Andrade, o belo e jovem cavaleiro, uma promessa para o futuro das batalhas de D. Rodrigo. Com esse passou a noite inteira entre desmaios. O membro de Nuno não teve mãos a medir e passou a noite inteira mudando-se de uma toca para outra, gozava de prazer com os lábios ávidos da já quase consolada castelã.

No Motel, quando Armando chegou ao quarto, Lúcia já o esperava completamente nua, o rosto sorridente virado para a porta de entrada, suas nádegas arredondas sobressaindo sobre os pés cruzados com as pernas levantadas. Os seios abriam-se carentes. Um banho rápido, a roupa pelo chão, Armando dedicou-se ao prazer de dedilhar aquela bela mulher que lhe permitia até o guloso traseiro que negava ao marido. Corretor de imóveis, já se conheciam há bastante tempo e sempre que havia uma possibilidade de ausência do marido, Lúcia telefonava. Já sabiam onde se encontrar, porta do quarto do motel aberta. 

Como nem tudo mudou de 1012 para 2012, quando D. Rodrigo chegou da batalha e Pedro Luiz voltou do trabalho, entraram em casa e olharam ao redor, tudo estava arrumado, a casa florida, cheirosa, as esposas suspirando de saudades. O cinto de castidade tinha sido uma garantia eficaz e a câmara na sanca do teto cumprira a sua função.

Rui Rodrigues

O Seppuku, a honra e a política.





O Seppuku, a honra e a política.


Yukio Mishima (nome verdadeiro Kimitake Hiraoka) foi um escritor japonês três vezes indicado ao prêmio Nobel de literatura. Cometeu haraquiri, ou Seppuku em 25 de novembro de 1970, indignado com a Constituição Japonesa que não permitia o rearmamento. Foi o último ritual famoso conhecido de haraquiri. O primeiro foi 1170 quando o samurai Minamoto Tametomo se atirou sobre a própria espada ao perder uma batalha para um clã rival. 

O Seppuku, palavra mais nobre para o termo Haraquiri, significa “romper o ventre” e é uma forma de suicídio em nome da honra. A honra é uma qualidade da personalidade, diretamente relacionada à moral e à ética com as quais é construída.
Ainda que cada religião se afirme como sendo a melhor de todas, com seu Deus diferenciado mais forte e mais tudo, o Japão não é um país muçulmano, cristão ou adventista, nem judeu ou da Umbanda, mas seu povo adquiriu um senso de responsabilidade, de ética e de moral, enfim, da honra, que faz inveja a um esmagadora maioria de seres humanos que vivem fora do entorno dessa pequena ilha do Pacífico.

Essa honra, essa moral, essa ética, são as responsáveis pelo enorme desenvolvimento japonês, uma tradição ao longo da história, pelo espírito de cooperação entre todos e que nos admira quando olhamos para a sua recuperação da segunda guerra mundial, ou de um tsunami que devastou cidades, usinas nucleares. As cidades já estão recuperadas com ruas e edifícios reconstruídos, as usinas nucleares foram encerradas. Em nome do bem estar das populações, o Japão declina da energia nuclear que lhe proporcionava energia elétrica para o seu desenvolvimento.

Não é essa honra, moral e ética que vemos pelo ocidente ou pelo oriente quando analisamos os políticos.

Por aqui, indo aos templos todos os dias, pagando dízimos, benzendo-nos com água benta, lamentando-nos em muros, ouvindo os chamados dos muezins para a oração, não temos esse senso de moral, ética e muito menos de honra. Longe disso. Não que religião tenha algo a haver com estes sentimentos, mas parece que deveria através dos reflexos da religião na educação e na idiossincrasia. Parece que dizemos ser religiosos ou abraçar religiões, mas temos os ouvidos vazados, os neurônios comprometidos, a consciência manca, a moral estropiada, ética surda e muda, paralítica.

No Brasil, verbas públicas roubadas, desviadas, desaparecidas, somem e jamais voltam aos cofres públicos, no que pese que um ou outro tenha sido indiciado, mas não preso, e se preso ou destituído, já voltou a fazer parte da vida, do governo, onde faz sabe-se lá o quê. Nenhum desses cometeu seppuku. Jogaram os problemas para todos os lados e para debaixo do tapete, comeram pizza no senado em meio a festanças de Comissões Parlamentares de Inquérito regadas a alimentação paga pelos cidadãos e fartas horas extras.
Já ouvimos falar de corrupção em todo o mundo oriental e ocidental, que pode ser avaliada em consultas na NET. Não temos notícias de algum corrupto que se tenha suicidado, exceto o de um norte americano , Budd Dwyer, que em frente às câmaras de televisão, sacou uma arma de um saco de papel e atirou em sua própria cabeça. Em compensação, alguns dos que perdem substanciais valores em bolsas de valores, em empreendimentos, cometem suicídio, mas não pela ética ou pela moral. Indivíduos “cheios da vida”, desesperados amorosos, também. Parece que a moral e a ética sofreram desvios comportamentais graves, e o pior, é que quem padece desses fatores humanos está quase sempre em disputa por cargos políticos, querem o poder a qualquer preço.

Notícias do Vaticano nos dão conta de candidatos a Papa que mataram concorrentes, que compraram votos. Também por lá a moral e a ética nem sempre são bem tratadas.
Poderia falar de figuras públicas corruptas de Norte a Sul e de Este a Oeste deste planeta, mas diz-nos tudo o relatório da Transparecy International (http://www.dn.pt/DNMultimedia/DOCS+PDFS/Corrupcao_2010/CPI2010_report_embargoed.pdf)

Ninguém dos que contribuíram para a corrupção nestes países cometeu suicídio, ou Seppuku. A moral e a ética andam distantes, levadas pelo vento da história. Se os cidadãos não se movimentarem, passaremos o resto de nossas vidas, e nossos filhos e netos a vida inteira, trabalhando para lhes pagarmos impostos e viverem a vida que mais ninguém pode ter: A vida rica e nababesca, de alto consumo, com tudo o que o mundo proporciona e que está ao seu alcance com os nossos impostos.

A Democracia participativa é uma boa alternativa, porque nela, os políticos não podem absolutamente nada a não ser pensar, propor, e fazer o que os cidadãos lhes determinam que façam ( http://conscienciademocrata.no.comunidades.net/)

Rui Rodrigues




segunda-feira, 25 de junho de 2012

Minhas viagens de avião





Minhas viagens de avião

Da primeira viagem de avião ninguém se esquece, assim como não nos esquecemos da “primeira vez”. São emoções muito fortes. Neste caso pela injeção de hormônios que nos dão a sensação de prazer. Na viagem de avião pelo excesso de adrenalina que nos faz sentir aquele frio no estomago. A partir da terceira viagem e prevendo que viajaria bastante, comecei a somar as distâncias e os trechos percorridos. A soma ascende a 137 mil km, que se fossem todos na direção da Lua, já teria passado da metade do caminho.

Tive sempre sorte até mesmo quando tive azar. Nunca nenhum avião caiu comigo a bordo. Assim, quando quiserem viajar de forma segura, convidem-me. Conheci muita gente durante as viagens e delas deixo algumas referências.

Em 1972, recém formado, fui transferido para Porto Alegre como gerente da empresa. Viajei num Lockheed L-188 Electra da Varig. Naquela época, em voos internacionais, serviam almoço a bordo, distribuíam bebida à vontade, tudo incluído no preço. Os guardanapos eram de linho, os copos de cristal da Boêmia, com o símbolo gravado, os talheres de aço inoxidável. Fiz muitas viagens em vários tipos de aeronaves. Numa delas, num caravelle, houve problemas no trem de pouso por volta das sete horas da manhã. Depois de duas tentativas e adiamentos, em que a desorganização nos disponibilizou almoço por duas vezes, decolamos e tivemos que dar cerca de sete voltas em torno do aeroporto do Galeão. Em vez de irmos para Congonhas como escala, fomos para Viracopos e pousamos com um desfile de carros de bombeiros dos dois lados da pista. Trocamos de avião e cheguei no aeroporto Salgado Filho em Porto Alegre às 11:00 da noite.  Devido á tensão, cheguei com alguns uísques nos miolos, meio adormecido. Pior ficou um gerente do banco do Brasil que começou a beber desde a primeira volta em torno do Galeão, batendo com os pés, crente que o avião ia cair, morrer, largar a vida.

 

Em 1974, viajando de São Paulo para  o Rio, num Avro Sidelley, na fila da esquerda, num dia nublado, vi um fogaréu irromper no motor da direita. O avião caiu imediatamente para a direita, equilibrando-se em seguida. Vi jatos de líquido serem jogados no motor, e o fogo apagou-se. Segundos depois, o comandante tentou religá-lo. Depois de umas duas tentativas, pegou. Seguimos sem maiores problemas até o Rio. Naquela viagem não havia uísque e tivemos que engolir a ansiedade a seco. Ainda em 1974, na viagem inversa a bordo de um Curtiss, um dos motores parou e continuamos a viagem. Viajava com um colega de trabalho. Fôramos assistir a uma reunião no Rio e voltávamos conversando sobre a empresa. No meio da conversa, disse-lhe que o motor tinha parado. Começou a rir, dizendo que eu era um brincalhão, já que eu estava muito à vontade. Quando olhou e viu o motor parado, tirou o paletó, desapertou a gravata e já em pé, olhar esgazeado, se eu não o acalmasse, tinha apertado o botão para chamar a aeromoça.

 

Viajando em primeira classe por cortesia aleatória na fila de embarque da Ibéria, em 1986, viajei de Istambul para Madrid com escala em Barcelona. Quando saí do hotel, por questões de praticidade, deixei paga a lavagem de roupa que o Hotel me enviaria para Lisboa, e o táxi. Na chegada ao aeroporto o taxista resolveu dizer que eu não tinha pagado a viagem. Fez queixa à polícia e resolvi não deixar ficar barato. Falei com o chefe da polícia que ligou para o hotel e confirmou minha versão. Vi o taxista ser levado com escolta até a central de policia e eu segui viagem, mas a partida do vôo sofreu atraso de cerca de meia hora. Uma senhora ricamente vestida, constituição avantajada, peitos fartos, uma linha de bancos atrás de mim, do lado oposto, bebia desbragadamente. Cantou o comissário de bordo, deu-lhe numero do telefone, queria beijá-lo. Discretamente o comissário conseguiu levar a viagem a bom termo. Entretanto, alguém a bordo decidiu dar outra versão ou foi coincidência, mas começou a correr a notícia de que havia um terrorista a bordo. Pousamos em lugar ermo na pista de Barcelona, as bagagens foram baixadas e todos tivemos que identificá-las pessoalmente. Um par de malas ficou no meio da pista sem identificação, e não eram as minhas. Trocamos de avião e rumei para Madrid. De lá outro vôo até Lisboa. A roupa lavada chegou num pacote no endereço de minha prima Guiomar. Ela pensou que fosse um pacote bomba e só abriu depois que me telefonou apreensiva.

 

A primeira vez que viajei num Twin Otter (Havilland) foi na Colômbia, mas viajei muito mais em outros aviões de quatro lugares, sendo um do piloto.  O bom destes pequenos aviões é que nos fazem sentir realmente como pássaros, balançando de um lado para o outro, como numa dança suave por força dos ventos. É nesses aviões que se sente o que é velocidade, estar pendente de um cinto de segurança que se apóia no vento, e que não há pára-choques para a queda. Aliás, Esses aviões são tão pequenos e tão leves, que mereciam um pára-quedas adequado para evitar desperdícios de vidas.  Deve ser a ambição de lucros que impede o uso de tais aparatos salvadores.

 

Da cidade do México para Montego Bay na Jamaica, o avião da Mexicana, um Boeing 727, decolou como numa rampa suave, em dia de céu de brigadeiro, azul e imaculado. Quando começaram os solavancos, bagagens caindo, passageiros trocando olharesm mãos agarradas, xispadas nos suportes de braço. Não estaríamos nem a 500 metros de altitude, mas chegamos bem, porque o piloto corrigiu a tempo. Num Jumbo que saiu de Bogotá para Miami com parada em Porto Rico, o piloto teve que arremeter quando já se preparava para pousar, Nunca soube porque razão, mas o céu estava extremamente escuro, havia perigo de furacão, dizia-se a bordo.


Numa viagem em que deveria embarcar num domingo em Luanda, em viagem para o Tombwa e Namibe, desisti na sexta feira. No domingo pelas 8:30 da manhã, um foguete da UNITA entrou pela cauda e derrubou-o. Também desta me livrei. Eu estaria a bordo desse avião nesse horário.

 

Por tanto, lembre-se de me convidar se resolver viajar. Avião em que eu estiver, seja pequeno ou grande – nunca entrei num Concorde – jamais cai ou passa mal... E já são cada vez mais raras as companhias em que viajei e ainda se sustentam nos ares. Se for mulher, sente do meu lado e terá uma viagem muito agradável. Prometo!


Rui Rodrigues

domingo, 24 de junho de 2012

Aos amantes do Universo




Aos amantes do Universo
(e da obra de Deus)

Há quem não acredite em Deus. Eu acredito, mas não é como até hoje disseram que é. E são tantas as formas de imaginarem como Deus é, que a minha – bem diversa - será apenas uma a mais. A verdade só Ele sabe.



Se nos invocássemos o poder de fazer Universos tão belos quanto este do qual somente observamos uma ínfima parte, teríamos duas opções para uma situação avaliada para um segundo após o Big-Bang:

1-     Usando a teoria do Big-Bang Padrão
2-     Pela Teoria do Universo Inflacionário – Também partindo de um Big-Bang.

Notação: Ex.: 10^89 = 10 seguidos de 89 zeros (São números fantasticamente grandes); 10^-3 = 0,001.


Pela Teoria do Big-Bang Padrão

Precisaríamos ter 10 ^(89) fótons, 10 ^(89) elétrons, 10^89 Pósitrons, 10^89 Neutrinos, 10^89 antineutrinos, 10 ^(79) Prótons, 10 ^(79) nêutrons, aquecidos a 10^10 graus kelvin. Após este aquecimento, a massa/energia total seria de 10^65 gramas ou 10^32 massas solares, ou seja, cerca de 10 bilhões maior que o Universo atual.

Não nos pode passar pela cabeça tentar provocar um big-bang desses, por razão óbvia da imensidão da grandeza dos números.

Pela Teoria do Big-Bang pelo Universo Inflacionário

Precisamos de algo “muito” microscópico: uma diminuta região de falso vácuo. (Falso, não significa que seja falso, mas que é diferente do vácuo que conhecemos), com a dimensão de 10^-26 cm, e em vez de 10 bilhões de massas solares, apenas 23 gramas de massa/energia, aproximadamente o peso do nosso conhecido pão francês.

Mas aqui temos outros problemas descomunais:

A densidade da água é de 1 grama/cm3 (mesmo a densidade de um núcleo atômico é de 10^15 gramas/cm3). Para “construirmos uma esfera com esse diâmetro diminuto de 10^-26, contendo 23 gramas, a densidade seria de 10^80 gramas/cm3 e não temos como lidar com essas forças. Não há nem hipótese de que isso seja viável a médio, longo extensíssimo prazo. Para se ter uma idéia melhor da dificuldade, basta dizer que todo o universo observável,se comprimido dessa forma, caberia –agora, hoje - num volume menor do que o de um átomo!

Fica assim preservada a Obra de Deus como única, sem possibilidades de cópia, reprodução. Só não é bem “única” por um detalhe: Quando se iniciou o Big-Bang, não foi apenas um Universo que se fez. Ao iniciar-se, o falso vácuo em que foi criado expandiu-se (inflou) a uma velocidade superior á da luz, na medida em que, na mesma velocidade, o primeiro Universo se expandia. No falso vácuo, que é sempre metastável, isto é, muito mais do que instável outros universos se formaram, numa espécie de progressão geométrica.

Ainda agora, e até o final dos tempos (para a Obra de Deus) se houvesse um final, do qual duvido, nascem e nascerão novos universos num ritmo impressionante, que inflam, num meio que também se expande.

Rui Rodrigues

(Baseado na obra de Alan H. Guth – “O Universo Inflacionário” – Editora Campus).

Obs. – Porque acredito em Deus: Porque com tanta matemática, tanta física, tanta química, tanta biologia incluída nas leis do universo e de sua formação, o “por acaso” perde qualquer validade pela improbabilidade. 

Três Vérsicos Controversos


Três Vérsicos Controversos




1- O amor do começo ao fim



Olhei teus olhos límpidos, lânguidos, úmidos,
Olhavas-me no mais fundo de minha alma,
Buscavas sermos um em mim,
Como esperavas que fossemos um em ti,
As mãos suaves percorrendo nossos corpos,
Buscando as nossas intimidades para dar prazer,
Para sentir o que se sente quando se ama, se deseja, se quer.

Teu corpo ficou suave, mole, entregue, como se não houvesse amanhã,
Tuas pernas se abriram, teu corpo era uma viagem,
Tua boca sedenta era demasiado pequena para a tua ânsia,
Teu corpo tremia, tua pele colava-se à minha,
Éramos um só, um prazer só, um gozo só, um suor só, um tremor só.

Mas isso foi há muito tempo.

Depois disso, começaste a comparar os meus olhos com outros olhos,
Minha alma com outras almas,
Minhas mãos com outras mãos,
Minhas intimidades com outras intimidades
Meus desejos com outros desejos, com outros amores, com outros quereres,

Tua carne ficou endurecida pela tensão do haver um amanhã,
Tuas pernas abertas queriam fechar-se como num fim de viagem,
Tua boca já seca era demasiado grande para quem não tem ânsia de sede,
Teu corpo estava rígido em tua pele seca,
Não éramos um só, porque muitos estavam presentes.

Então, quando o camareiro do tempo bateu na porta e disse: O tempo acabou!
Arrumamos os nossos sacos das más lembranças que levamos para o amanhã.

Deixamos as boas lembranças no Motel do tempo, esquecidas, para não haver arrependimentos.

Algo Domm

Vérsico I -012



2 - Fado da Traição




Dedilho-te este meu fado
Na minha guitarra triste
Deita-te aqui ao meu lado
Que já estou de arma em riste.

Dedico-te este fado catita
Tocado com dedos alegres
O que me faz essa boquinha
Amor dos meus prazeres

Nem me fales de Severa
Que ela só fazia de frente
Contigo linda, minha bela,
És mulher por detrás e adiante

Ser santa, minha gostosa amada,
È coisa só para teu marido
Comigo e com uma almofada
Es tu que acabas comigo

Que o amor, desejo ou paixão
Que tenho por ti, bela mulher,
No banco, na cama ou no chão,
Seja livre e solto a hora qualquer.

Por isso, se na rua me encontrares...
Com outra mulher nos braços,
Junta-te também a essa
E venham as duas para os amassos.

E assim acabo este fado
Pra acabar com essa mentira
De que a teu marido dás o amor
E a mim só esse corpo de ávida.

É a vida sem desculpas,
É a vida é a vida
É a vida verdadeira
É a vida é a vida

Não me venhas com mentiras!

Algo Domm

Vérsico II -012




3- O barco e o mar




Sou o barco que navega nesse rio
Tu o rio que molha a minha madeira
Nascemos para nos amar,
Vivemos desta maneira,

Tu sempre a deslizar,
Eu em ti a vida inteira
A navegar, a navegar.

Já deste mar não vejo as areias,
Nem sereias vejo desde o rio,
Ficaram para trás as quimeras,
Sinto sempre calor em ti, nunca frio.

Tu sempre a marulhar,
Eu em ti a vida inteira
A navegar, a navegar.

Neste oceano olhei as velas e vi os ventos
Havia nuvens e adamastores
Minha alma cheia de tormentos
Por ti morro de amores

Tu sempre a ondear,
Eu em ti a vida inteira
A navegar, a navegar.

Do que eu és mais eterna
E decerto irei primeiro
Feliz de ser contigo a vida inteira
Já velho sou, tu como dos meses Janeiro.

Tu sempre a amar,
Eu em ti a vida inteira
Até a vida me levar, me levar.

Algo Domm

Vérsico III-012




sexta-feira, 22 de junho de 2012

1971 - Ano louco, uma parada respiratória e a formatura.




1971 - Ano louco, uma parada respiratória e a formatura.



(Tenho-me lançado a escrever, como se fossem umas crônicas, contos mesclados com acontecimentos históricos. Estes são sempre reais, verdadeiros. O que não é histórico tem sempre um generoso fundo de verdade e é produto não só de vivências particulares, como também do que se ouvia contar ou falar pelas ruas em conversas. Espero que gostem deste).

Logo no início do ano veio a notícia: Idi Amin Dada depôs o presidente Milton Obote e tornou-se presidente de Uganda. Ninguém deu a mínima importância a esta notícia, a não ser pela frase “golpe de estado” que já se conhecia muito bem por experiência própria desde 1964. Lá em Portugal, esperava-se pelos cravos do 25 de abril. Mas isso só em 1975. Era cedo ainda.

Na universidade eu estava enrascado. Não pelas notas, mas pelo tempo que era muito curto para fazer tudo o que queria fazer. E como sempre, queria muito. Além do cálculo de um edifício de seis andares, tinha que fazer o cálculo de uma ponte de 2 km, dimensionar um canteiro de obras móvel para uma ferrovia, e projetar uma estrada com duração de 30 anos. Não sei se parece muito, mas se acrescentar que fazia um curso de mestrado na PUC por ter sido beneficiado com uma bolsa de estudos da Capes, que nem pedi, já deve parecer um pouco de muito, porque a Universidade era em Niterói e a PUC no bairro da Gávea, zona sul do Rio. Tinha que atravessar toda a cidade. Combinei com meu amigo Jacob para xerocar as anotações de aula porque eu teria que faltar a bastantes. Se agora já se pode achar que isso era bastante muito, tenho que acrescentar que continuava com o estágio, agora razoavelmente bem remunerado, e tomava conta de duas obras: um canal atravessando a avenida Brasil, e um estacionamento no aeroporto do Galeão. Ajudava meu pai nas lojas aonde ia sempre que eu podia. Agora sim, já se pode entender que eu deveria estar um pouco enrascado. Foi isso que minhas três namoradas também entenderam. Uma em Irajá, outra no bairro do Flamengo, e outra em Vila Isabel. Tive a parada respiratória em Vila Isabel. Com a porta fechada da sala, larguei o copo de suco de laranja sobre a mesa, corri até a cozinha, fui até o fundo do corredor, apertei o botão do elevador e escorrei desmaiado encostado á parede. Fui um herói quando acordei em seguida, meio tonto, mas feliz de estar novamente respirando, a namorada a meu lado dizendo para irmos ao médico. O médico deu-me a seguinte receita: ou o curso de engenharia ou o mestrado, pedir demissão do estágio, deixar as lojas com o meu até porque eram dele e não minhas, escolher das três uma namorada só. Tomar um comprimido pela manhã, um à noite. Se me sentisse muito pressionado um pela hora do almoço.

Foi uma receita pesada.

Uma das namoradas disse-me que a mãe tinha ido ao supermercado e que se eu corresse, poderíamos ficar a sós por uns bons momentos.  Por causa do médico já fui com a intenção de dizer-lhe que o precoce fim chegara adiantado, mas cheguei lá rapidamente. Começamos a amassar-nos no corredor e quando dei por mim, louco para entrar, mas dividido, resolvemos tocar-nos ali mesmo no corredor, calças meio arreadas, ela com o babydoll levantado, tudo pra fora. Então ouvi passos nas escadas e me ajeitei o melhor que pude. Era a mãe dela carregando duas bolsas de supermercado. Mas porque razão não chegara de elevador? E porque chegara tão e tão cedo que parecia que nem tinha ido?  Alegando que estava com pressa, voltei para a loja de meu pai – tinha saído de lá, no Flamengo – e saí para a Universidade. Larguei o mestrado. Larguei uma namorada, larguei a loja de meu pai. Faltava só uma namorada e o estágio.

Elis Regina e Gal Costa, para mim as melhores cantoras completas do Brasil, lindas, elegantes, lançaram respectivamente “Casa no Campo” e “Como Dois e Dois”. “If” , composta por David Gates e gravada por seu grupo Bread, era o maior sucesso que suavemente inundava os corações apaixonados que, tal como eu, ainda acreditavam naquele amor eterno que independia da conta bancária, embora o mundo estivesse entrando numa liberdade que desejávamos, mas da qual já sabíamos também o preço a pagar. Os “Bee Gees” inundaram as ondas do rádio e das tvs com “How Can You Mend A Broken Heart”. O mundo era azul, não havia pecado do lado de cá do equador, e o futuro não pertencia a Deus. O futuro era nosso, éramos nós. “Nós” era o apelido da sociedade como um todo, construindo o Brasil, enquanto a cavalaria nas ruas continuava distribuindo bordoada e assim destruía a confiança num estado totalitário.  Estávamos impacientes porque a ditadura já durava muito e o povo não dava mostras de se mexer para erradicar essa praga. Namorando, em casa, pelas ruas, eram as músicas que se ouviam.  Para cada música uma mulher na lembrança, uma equação matemática, uma fórmula a decorar, uma pausa na minha cabeça a mil por hora. Ainda tive tempo para assistir “os diamantes são eternos” com a bela, a mais desejada mulher do mundo, Marilyn Monroe. Sempre fui frustrado por não poder tê-la, mas minha compreensão me fez aceitar o fato dadas as circunstâncias de minha situação geográfica, minha conta bancária, e ter que enfrentar uma fila enorme, daquelas que dão a volta ao globo para imaginar que poderia tê-la.

Hafez al-Assad torna-se presidente da Síria a 12 de março e fica no poder, como sabemos hoje, até a data em que escrevo isto. Mais um ditador que jura ser democrático, levando muitos a duvidar da democracia e não desse idiota. Fico até a pensar quem será o idiota, se ele ou povo sírio. Por essa época, Bangladesh declara sua independência do Paquistão, e o Vietnam do sul invade o Laos com suporte norte-americano. Ninguém comenta nada pelas ruas. Não vêem que o mundo está mudando ou isso nem lhes importa. Não sei porque razão, mas a moça de Vila Isabel era um pouco complicada, misteriosa, um dia chegou de carona, que eu vi, e disse-me que tinha vindo de ônibus. Também menti. Disse-lhe até logo que amanhã voltaria, sem contar-lhe que a tinha visto chegar de carona, mas deve ter percebido algo em meu semblante. No último dos encontros seguintes, chorou. Pensei que era por mim, mas vim a saber que não. Ela tinha outro, o da carona. Achei que era muito justo, mas o bom era não sabermos disso. Por isso, nunca mais apareci. Não lhe contei sobre mim, porque não estava em condições de me aborrecer em conversas explicativas e “tu isto tu aquilo”. Agora faltava só o Estágio, mas o dono da empresa aumentou meu salário para o mínimo de engenheiro, compreendeu minhas faltas que eu supria com eficiência - ele disse isso – e continuei na empresa. Formar-me-ia em Julho. Pronto. Agora estava tranqüilo.

Há músicas que nos fazem sentir heróis, nos sobem o ego, sair pelas ruas alegres, cheios de confiança. Isso me acontecia quando ouvia Theme From Shaft - Isaac Hayes. Assisti a “Decameron” do Píer Paolo Pasolini e à despedida dos filmes de mocinho: “Adiós Sabata”. O mundo estava mais para “paz, amor e sexo”, “Faça amor não faça guerra”, ou, um pouco mais agressivamente, “sexo, maconha e rock’roll”. Formei-me em Julho depois de assistir a “Ensina-me a viver”. A partir desse filme, as velhinhas nunca mais foram as mesmas. Passei a ir freqüentemente a Irajá. Por vezes chegava tarde a casa. Comprei meu primeiro carro, um fusquinha 67 azul, com três meses de trabalho. Paguei à vista. Comprei do Arnaldo, meu primo que tinha uma oficina mecânica. 

Enquanto a Índia assinava um tratado de amizade e cooperação com a União soviética e a Austrália e Nova Zelândia retiravam suas tropas do Vietnam, depois de uma manifestação de 500.000 pessoas contra a guerra nos EUA, eu visitava freqüentemente Irajá. O mundo mudava a um ritmo de 24 horas por dia. A vontade era tão grande que com o pai dela fazendo a barba no banheiro e passando do banheiro para o quarto, nós fazíamos amor em cima do tapete da sala. Aliás, fazíamos amor em qualquer lugar. Juntos dava sempre nisso, nem pensar em qualquer outra coisa. Era o nosso alimento da alma, do espírito, bem haja Deus por nos ter dado tamanha dádiva.

Soube que estava começando uma obra enorme em frente ao Rio-Sul. Peguei meu paletó, subi o morro e fui lá no escritório para uma entrevista. Era preciso fazer o impossível: uma laje de 450 m2 a cada dois dias. Eram seis lajes. Estão lá até hoje. No ano seguinte mandaram-me para Porto Alegre para ser gerente de três empresas do grupo, abrangendo a região sul: Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina. Para variar tive problemas com a DOPS para explicar que focinho de porco não era tomada, juntamente com meu mestre geral e grande amigo, o Miguel Faustino Perez Galan. Ficamos detidos e depois soltos. Começava a minha carreira. Nunca mais tive tempo para acabar o meu mestrado.

Em 20 de Novembro desaba no Rio de Janeiro um vão de 30 metros do Elevado Paulo de Frontin que estava em fase final de construção. 48 pessoas morreram e dezenas ficaram feridas. Na obra em frente ao Rio-Sul da qual eu participava, construí um viaduto pré-tensionado, com escoramento calculado e reforçado, e mesmo sem fundações, sapatas ou pilares, os caminhões subiram para esvaziar o concreto. Na Paulo de Frontin quando o caminhão subiu, os 30 metros desabaram. Em dia que não me lembro, desabou, em Belo Horizonte, o Centro de Exposições Expominas, no Bairro Gameleira. 61 morreram.  Deram ao projeto e ao cálculo a configuração de uma ponte, esquecendo a força dos ventos e/ou os recalques diferenciais.

Algumas coisas paravam no mundo, outras continuavam. Tristezas em alguns lugares, alegrias em outras.

Foi bom o natal desse ano e o último que passei com ela e com meu pai. A vida me empurrou para outros estados do Brasil, para outros países e pouco nos vimos desde então.

Não casei com a moça de Irajá.

Rui Rodrigues

quinta-feira, 21 de junho de 2012

1968- A grande virada da humanidade e as barcas Rio- Niterói




A grande virada da humanidade e as barcas Rio- Niterói – 1968
(Segundo relato de um estudante da época)


Aos vinte e três anos, os hormônios de qualquer ser humano estão à flor da pele, o corpo todo impregnado da sola dos pés à ponta do maior cabelo. A vontade de gastar esses hormônios não cabe no corpo, precisa ser extravasada, acalmada.

Acho que fui o sujeito mais felizardo do mundo nesse aspecto. Corria o ano de 1968, estudava engenharia civil na Universidade Federal Fluminense –UFF, em Niterói, completamente saudável como até hoje, e tinha que atravessar as barcas desde o Rio de Janeiro, todos os santos dias e até em dias santos, para assistir às aulas na UFF. Quer quando ia quer quando voltava nesses barcos do amor, tinha a oportunidade de ficar frente a frente ou ao lado de lindas mulheres permitindo por uns bons 20 minutos aquele “olho no olho” tão necessário para uma aproximação, e que na correria das ruas é quase sempre impossível.  Invariavelmente procurava um lugar afastado dos meus amigos de universidade para poder concentrar-me na minha atividade preferida quando não estava no estágio, nas lojas de meu pai ajudando-o ou estudando: conhecer mulheres aproximar-me delas, conhecê-las “a fundo”, saborear tudo o que me pudessem oferecer. Os estudos? Não faltava a uma aula, sentava-me nas cadeiras da frente, prestava a máxima atenção. Sem isso demoraria muito mais para fazer os trabalhos da universidade e não me sobraria tempo para as mulheres. Na verdade, andei matando algumas aulas, mas foram tão poucas que em nada influenciaram as minhas notas, um ponto a mais na média se muito.

Leila tinha os cabelos negros, olhos cor de mel, corpo alvo, da minha altura. Era perfeita, curvas bem desenhadas, um pouco tímida, interessada mas indecisa. Usava um vestido rodado em tons de branco com grandes flores em tons desmaiados, fazendo realçar as suas curvas que se adivinhavam sob o vestido. Para mim, Leila estava completamente nua. Quando naquele dia, nas barcas, sentei a seu lado, olhei lá para trás: Lá estavam alguns elementos de minha turma sentada junta, olhando para mim e sorrindo entre si. Eles costumavam apostar se eu ia ou não sair da barca conversando com a moça. Sentei a seu lado e sorri-lhe discretamente. Olhamo-nos. Não demorou um minuto e surpreendendo-me, perguntou-me que curso fazia. Saímos juntos das barcas e acompanhei-a até o táxi. Fiquei de ligar-lhe, mas pediu-me que uma amiga minha fizesse a ligação telefônica. Ela atenderia em seguida. Minha amiga teria que dizer que se chamava Lurdes Lima.

Era sempre um passeio muito agradável, aquele nas barcas, até mesmo pela paisagem, momentos de alheamento da grande cidade, das correrias, das perseguições da polícia montada sobre a liberdade de expressão. Momentos que até serviam para conferir uma ou outra fórmula antes das provas. Portugal e Brasil viviam momentos terríveis de ditadura. Naum, um amigo nosso da universidade, foi empurrado para dentro de um carro e desapareceu numa tarde na praia de Icaraí, bem perto da reitoria da UFF. Voltou meses depois acompanhado sempre da mãe e do pai por determinação da justiça da ditadura. Se uma coisa dessas me acontecesse, lá se ia meu curso de engenharia. Mesmo assim ajudei muitos amigos da esquerda moderada na Universidade, como presidente do Grêmio estudantil e para os quais cedi o meu cargo. Com a minha influência passaram a ter o direito de nos darem a sua mensagem nos intervalos das aulas com a turma toda escutando. Jamais durante as aulas. Defenderia a liberdade e a democracia de outra forma, mais tarde, já formado.
Ouvi falar do ultimo show do Roberto Carlos em S. Paulo ainda como “jovem Guarda”. No Rio corria a peça “Roda viva”, entre correrias nas ruas em lutas desiguais da juventude desarmada e a polícia com cassetes, tiros e cavalos montando éguas irritadas. No Vietnam, iniciava-se a “Ofensiva Tet”. Ho Chi Min invadia, só em janeiro, 34 capitais de província vietnamitas e a cidade de Hue. Nas aulas, entre análises de solo, estudos sobre os cimentos, cálculos de estruturas, pontes, estradas, minas, Nanda costumava aparecer na portaria e apertava a buzina de seu Alfa-Romeo, de forma reconhecível. Numa dessas buzinadas, o meu querido amigo professor, Homero Pinto Caputo, da cadeira de Mecânica dos Solos interrompeu a aula, olhou para mim e disse-me... Rui – Você é bom aluno. Acho que a partir de agora, esta aula vai ser um tormento para você... O Jacob Zimerfeld pode copiar a aula. Vai lá, vai... Sei o que é isso...

Eu fui!... Entrei no carro de Nanda e fomos até a praia de Itaipu, mas já a Leila polvilhava as minhas ilusões. Eram os cabelos negros, os olhos grandes cor de mel, a sua voz suave, o modo íntimo de falar. Acreditava que ela me seduzira e não eu. Aquela mulher tinha que ser minha, e uma cama, em algum lugar, estaria esperando por nós. A tarde com Lena foi boa. Mas não das melhores. Nunca soube o que Lena queria. Era muito confusa, como se estivesse pescando sem isca. Passou-me várias vezes pela cabeça que ela queria casar e se dedicava a isso. Eu não queria casar.  

Na França começavam os primeiros movimentos das barricadas. Os estudantes franceses saíam ás ruas. Portugueses morriam aos montes em Angola, em Moçambique, na Guiné, em Cabo Verde. Salazar ia contra os ventos da história, e eu me perguntava, já no Brasil, se não haveria uma democracia verdadeira, em que o povo pudesse votar em tudo em vez de entregar o governo, sua vida, sua família, nas mãos inconseqüentes de líderes que apreciam o bem estar de palácios e sua sêde vaidosa e interesseira de poder e de dinheiro. Nessa época eu não sabia ainda que 22 amigos meus do Liceu de Gil Vicente e da freguesia de Arroios e adjacências, em Lisboa, morreriam em combate, mas já sabia desde 1965 que uma tripulação de cadetes do navio escola Sagres, em regresso para Lisboa dos EUA, fora mandada para Luanda porque houvera uma “rebelião” por lá. Os cadetes desembarcaram e alguns morreram em combate. Dois erros: O de Salazar não saber traduzir os ventos da história, e do idiota que mandou uma tripulação sem treino e jovem de seus futuros comandantes para morrerem em combates de rua. O terceiro erro que cometeram foi serem responsáveis pela morte de meus amigos. Jamais perdoei isso a qualquer ditador que em nome do que não presta, mata tudo o que há de melhor numa nação: a juventude e a fé nos governos. Nem com o filme “Adeus África” de 1966, os políticos portugueses foram capazes de “interpretar” os ventos da história, ou se interpretaram, não foram capazes de ir contra Salazar.

Encontrei-me com Leila num apartamento que alugava na rua Paissandu para momentos especiais, porque não havia motéis ainda. As beatas contumazes que apoiavam a sacristia das igrejas e a CNBB não permitiam que a sociedade tivesse uma “coisa daquelas”. Por isso os casais se encontravam às multidões pelas ruas mais escondidas, pelas praias mais afastadas. Os amantes amavam-se ao ar livre, dentro de automóveis, encostados em muros, nos portões e escadarias. Uns anos depois as beatas acabaram com a sua falsa moral e desapareceram de cena, a CNBB abriu os braços para a modernidade, e a cidade encheu-se de motéis. Deus é grande, e do que se escreve por aqui, tudo se escreve também nos céus, sem precisar de tradutores papas e arautos.

Ao entrarmos no apartamento, Leia contou-me que seu marido reclamava dela por estar sempre seca. Entendi. Entendi que era casada, e que não gostava do marido, ou tinha sido reprimida sexualmente ou ainda não tinha descoberto que era lésbica. Foi um pensamento que me apareceu como um raio e como um raio se foi sem deixar rastros. Eu queria a Leila com ou sem problemas. Já estava excitado desde que a apanhara no local de encontro, e minhas calças apertadas, boca de sino, como era moda na época, não permitiam que o meu instrumento de prazer que Deus me dera, pudesse crescer á vontade em toda a sua plenitude. Um pouco mais abaixo dele, minhas bolas pareciam latejar, chegavam a doer. Uma dor gostosa que logo passaria. Quando depois de alguns minutos entre beijos e afagos senti que Leila estava suficiente úmida, que seus carinhos se faziam mais intensos e suas pernas se abriam e se acomodavam, penetrei-a. Descansamos alguns minutos e recomeçamos. Havia muito a explorar e eu não sabia quando me sobraria dinheiro para alugar aquele apartamento outra vez.

Também sem ouvir os ventos da história, o governo da África do Sul estabelece o Apartheid, tentando separar o inseparável, mudar os rumos da história e da humanidade. Martin Luther King já andava pelos Estados Unidos em movimento contrário. Foi morto neste ano, dia quatro de abril, na cidade de Menfis, mas o movimento ganhou as ruas e mudou as sociedades. Notícias vindas da França eram muito claras sobre as barricadas dos estudantes e encontravam eco ao redor do mundo: A liberdade sexual era necessária num mundo em que a falsa moral perdia terreno dia a dia. Logo invadiria as trincheiras e as cavernas dos templos, denunciando abusos sobre crianças nas sacristias. Na Tchecoslováquia preparava-se a Primavera de Praga que eclodiria em setembro. O mundo estava em mudança. O muro de Berlim incomodava. Em Cuba, Fidel Castro, apoiado pela URSS desapropriava os últimos bares, as ultimas livrarias, as últimas oficinas acabando com a iniciativa privada. Começava a cavar o enterro da necessidade de progredir, de evoluir e também de sua economia. O Estado sufocante.

Pedi a minha amiga que ligasse novamente para a Leila. Marcamos novo encontro um par de semanas depois. Minha grana não era lá essas coisas, e meu pai me mantinha à rédea curta. Não me dava mesada, só umas ajudas de custo, embora minha universidade não fosse paga, e o ajudasse nas lojas. O salário de estagiário dava para muito pouca coisa.
Encontramo-nos no apartamento. Agora já sabia que não era lésbica nem seca. Passamos a tarde inteira entre a cama e idas ao banheiro. Conheci todo o seu corpo, todos os seus carinhos, sem segredos. Para mim, toda a mulher que se deitava comigo era virgem. Virgem para mim. Leila perdera essa virgindade comigo e já não era tímida. Disse-me que na verdade vivia na mesma casa com o marido esperando a separação. A casa era dela. Ele era advogado. Vivia com os pais, um irmão médico e o marido cessante. 


Em 5 de junho assassinaram o presidente Kennedy em Dalas, USA. A URSS invadiu a Tchecoslováquia em represália à Primavera de Praga. A França lança sua primeira bomba atômica no Atol da Muroroa. No Brasil a ditadura impõe o AI-5, (Ato Institucional nº 5), que suprime as liberdades democráticas no Brasil. Com o AI-5, o Congresso Nacional é colocado em recesso e vários parlamentares têm seus mandatos cassados. Até dezembro se fariam manifestações contra a guerra do Vietnam. Numa das lojas de meu pai atendi um cliente que era filho do embaixador dos EUA. Estava acompanhado de dois outros, e por ele fiquei sabendo do uso de granadas de fósforo. Isso explicava a garotinha que apareceu nua numa foto, fugindo de uma povoação em chamas ao fundo da estrada. Perdera os pais e estava toda queimada. A foto correu mundo.

Os Beatles lançaram seu álbum branco, a peça “Hair” fez sucesso na Broadway, as canções e o tema musical correram mundo e ainda povoam os meus ouvidos de vez em quando. Isso me lembra Leila, um amor inacabado.

Quando minha amiga voltou a ligar para a Leila, notei um olhar de preocupação no seu olhar e não me dava o aparelho para que eu falasse, como era costume:

- Sim. (dizia minha amiga)
- Sei...
- E como ela está?
- Em qual hospital?
- Tem o numero do quarto para que possa fazer-lhe uma visita?

E desligou. Voltando-se para mim, comentou:

- Você está em maus lençóis, meu amigo... Mataram o irmão de Leila quando chegava em casa. Leila passou mal e está no hospital.

Liguei para Leila  no hospital dias depois, assegurando-me que estivesse sozinha no quarto. Aconselhou-me a ficar longe porque não sabia se seu irmão tinha sido assassinado por acaso, por engano, ou por vingança. Naqueles tempos de ditadura, e com o irmão assassinado, acabei por esperar demais e Leila se perdeu da estrada em que eu caminhava em minha vida.

Onde quer que esteja Leila, que saiba que aprendemos juntos e que nos amamos juntos. Paradoxalmente, amores jovens que se vão não morrem nunca. Parece que só morrem os amores que amadurecem e tombam de tão maduros, transformando-se em algo do qual o desejo já não é da fruta, mas da imagem que representa.

Rui Rodrigues