Saudades
dos tempos que nunca viveu.
Era um
desses cidadãos que não devem nada a ninguém, nem aos bancos. Nem se lembrava
mais do ultimo automóvel que possuíra, embora sempre tenha achado que era o
automóvel que o possuía a ele, tais os cuidados, as multas, as vistorias, os emplacamentos,
as revisões, as lavagens, os abastecimentos. Cooperara com o Estado e a
sociedade, e agora só andava em transportes públicos. Em nome do progresso
aceitara de bom grado que autoridades de diversos países lhe vasculhassem suas
comunicações pela Internet, por telefone, para controlar o terrorismo, e de
modo geral nem se incomodara que espalhassem câmaras por todos os lados da
cidade, das cidades do mundo, Começaram a instalar para controlar o crime, depois passaram a usar para controlar os cidadãos. É sempre assim. Descobriram o controle da energia atômica e fizeram bombas depois. É uma questão de "princípios".
Era um desses cidadãos que acham que em nome da segurança, do conforto, da lei, da Ordem e do Progresso, sempre de olho nas gerações futuras e no bem estar do planeta, tudo valia a pena se a alma não era pequena. Nem se preocupou muito quando foi chamado a uma repartição do Imposto de Renda para se “explicar”: Havia um recibo médico no valor de $ 200 Cred, a moeda internacional, mas as câmaras de controle do governo mostravam que nesse dia nem tinha saído de casa. A multa para esses casos era enorme, por envolver formação de quadrilha, falsidade ideológica, furto premeditado do erário público, enfim, se a multa de 10.000 Creds não fosse paga em 30 dias, poderia ser preso, sua identidade cassada, perderia créditos, não poderia exercer a profissão. Muito complicado. Tinha dois dias para se explicar de forma documentada. Como era um cidadão honesto, telefonou para o médico, e ele mesmo mandou um texto, aproveitando para se explicar em viva voz, informando que é amigo do arguido, mas que negócios são negócios. Passara aquela noite cuidando do amigo, e passara recibo em nome de seu consultório porque não tem dois tipos de recibo: Quando visita ou quando é visitado por pacientes em seu consultório. Essa foi fácil de resolver, até por que contando com a boa vontade do funcionário do imposto de renda, ele repassou a informação para o “sistema” e a informação foi aceita, sujeita a verificações.
Mas a
caminho de casa, nosso cidadão foi remoendo até que ponto era controlado. Isso
gerava pressões sobre personalidade, havia muita gente deprimida no mundo. O
problema maior de tudo isso era a sensação de perda de liberdade, até mesmo
para errar. O sistema mundial nem lhe permitia errar, ou melhor, até permitia,
mas com a certeza de ser inquirido de imediato sem que mais de uma semana se
passasse após o cometimento do “erro”. Tinha pena dos brasileiros e dos povos
latinos em geral, tão habituados a dar o seu “jeitinho” em tudo. Esses viviam
momentos de pleno horror. O Estado brasileiro, representativo de uma entidade
maior, o Estado Mundial, cumpria a rigor com os preceitos da lei, enfim, de
todo o sistema.
Todos os
políticos representavam, e isso não era pura representação teatral. Representavam
mesmo, pra valer! O povo, diziam, estava
representado segundo o estado de direito. Tinha a liberdade de reclamar, de
votar nos indicados pelo Partido Mundial, mas nem pensar em fazer
manifestações. Eram todos cidadãos educados e assumiam publicamente que tudo o
que aparentemente parecia errado, se devia a sua deficiência em escolher bem
entre os candidatos que o PM – Partido Mundial, lhes apresentava, se bem que
houvesse desconfiança que, todos os indicados, fariam exatamente o que estava
determinado pelo PM. O problema é que não se podiam testar dois candidatos
elegendo-os ao mesmo tempo. Sempre ficava a dúvida: E se eu tivesse votado no
outro, seria melhor ou pior? Para o sistema não fazia diferença nenhuma:
Candidato que não fosse eleito numa eleição, sê-lo-ia em outra.
Lembrou-se
também dos tempos do comunismo e da luta contra o capitalismo, até mesmo do
regime nazista de Hitler, séculos atrás, as proibições de falar, de escrever,
de se comunicar, de sair do país, de divergir... Alexander Soljenítsin [i] foi apenas um dos exemplos, ou da
fuga de cérebros como Einstein nos tempos da segunda guerra mundial... Mas o
que começava a incomodar, é que os tempos atuais eram de democracia e capitalismo.
Como
este sistema de capitalismo democrático caíra para as bandas do comunismo e da ditadura
financeira que impunha outras ditaduras para poder ter um super-neoliberalismo
capitalista? Era o dinheiro que mandava, embora não houvesse corrupção
aparente. O poder era agora tão forte, que não havia modo de superar o seu
controle. Julgou-se um escravo de um governo central em nome de uma humanidade
que começava a afastar-se das intenções que o Partido Mundial dizia serem as
dos cidadãos.
Impossível
fazer uma revolução francesa, porque com os movimentos controlados, era
impossível qualquer compra ou fabricação de armas. A Bastilha jamais cairia, os
políticos podiam agora nos mandar comer brioches quando faltasse pão. Mas todos
bem vestidos, porque quando um cidadão mostrava nas câmaras de vigilância que
suas roupas estavam deterioradas, logo chegava a sua casa uma encomenda com
roupa nova do governo, cheirosa, impecável. Era uma dádiva de umas senhoras
muito finas e ricas que tinham fundado uma ONG para estes casos. Faziam o mesmo
com comida e serviços médicos. Ninguém sabia de quem morria, porque não havia
notícias de óbitos.
Realmente
era um paraíso o mundo em que vivia o nosso cidadão. Uma gaiola que era quase
de loucos, onde havia três paraísos: O dos políticos que não precisavam de
ajuda de ONGs; o das ONGs que enriqueciam dia a dia porque estavam fora do
controle do governo (na verdade concessões a amigos do Partido Mundial com verbas públicas), e o dos loucos, isto é, dos cidadãos, que obedeciam
segundo o lema “manda quem pode, obedece quem tem juízo”. Os filósofos políticos
tinham a gora o pomposo nome de “cientistas do bem estar social”...
Termos
que lembrassem o passado foram eliminados do dicionário, e as novas gerações
nem sabiam que tinham existido algum dia. O herói mundial, o grande “deus” da
humanidade chamava-se Gramsci, um herói revertido da paranoia comunista e anarquista,
capitalizado pelo grande sistema da “Democracia super-neoliberal capitalista”. Jean
Paul Sartre, que abandonara o comunismo era agora um herói mundial.
Nosso
cidadão sentiu-se frustrado. Precisava de algo mais do que um drinque. Como
cigarro estava proibido, o tabaco impedido de ser plantado, apanhou um punhado
de sativa-canabis e mandou ver: Fumou todas! A célebre maconha estava liberada,
podia fumar à vontade e até em seu pequeno peitoril da área de serviço de seu
apartamento tinha meia dúzia de pés
plantados para o caso de uma falta.
Como lhe era possível ter saudades de um tempo em que não tinha vivido, aqueles em que tudo era proibido, mas podia fazer tudo o que lhe desse na telha?
Ah.. E
quando lhe perguntavam se era feliz, nem lhe passava pela cabeça dizer que não.
Vai que as câmaras o denunciassem... E quem sabe, se na sua ultima ida ao
dentista não lhe tinham implantado um chip no dente, um comunicador com a Central
de Comunicação do Bem Estar do Ministério da Extrema Felicidade?
Nestes tempos de gaiola dourada, nosso cidadão não podia correr riscos, neste sistema de Democracia, para não perder o prazer de viver ao
lado dos outros, sua vaidade atendida de fazer parte de uma grande massa de gente com os mesmos ideais,
irmanados na vontade de dizer que eram felizes toda vez que eram perguntados..
© Rui
Rodrigues
PS- Há uma saída para evitar este futuro e não ter saudades de um passado que nunca se viveu. Só conheço esta http://conscienciademocrata.no.comunidades.net/
PS- Há uma saída para evitar este futuro e não ter saudades de um passado que nunca se viveu. Só conheço esta http://conscienciademocrata.no.comunidades.net/