Conto do mês de Junho de 2013.
“Se eu fosse Senador ou Deputado de qualquer partido”
Por vezes nos enganamos nas melhores das intenções. Faz parte da genialidade humana reconhecer o erro e há erros perdoáveis que jamais são corrigidos. Há outros erros que são imperdoáveis. Em algum lugar já se disse que este planeta deveria ser chamado de “planeta água”, porque é o que mais tem por aqui, mas em vez disso chamam-lhe de “Planeta Terra”. Não foi propriamente um erro, porque quem lhe atribuiu o nome nem sabia que havia tanto mar, tanto mar... E por falar em mar, e para não deixar apenas um equivoco como exemplo de erros que ficam para todo o sempre, analisemos o caso do Descobrimento do Brasil. Podemos imaginar um “gajo” lá na torre de vigia, já tendo passado por uma enorme Baía lá em cima, e o comandante querendo dar nome àquela nova porção de terra. Bahia não podia ser porque já tinham dado nome àquela outra, bem perto do Monte Pascoal. Mas não lhes era evidente que naquela Baía desaguava um rio? Notava-se até pela maré comprida que pela manhã parece que faz o mar subir pela baía e pela tarde descer como um rio. Era Janeiro e foi dado a este maravilhoso lugar o nome equivocado de Rio de Janeiro. Corrigir isto nos dias de hoje seria um atentado a alguma coisa, e não valeria a pena mudar. Ia ser muito complicado, uma despesa tremenda. Mas algum senador poderia ter esta idéia, já que tiveram tantas absurdas, como uma destinada a destinar verbas e serviços para curar indivíduos e individuas gays... Isto seria um milagre. Para os religiosos, um milagre dos céus. Para os “gaycientes” seria uma ação do demônio, porque quem é gay é gay e ninguém tem nada com isso, porque não é doença e não desejam a “cura”. Se eles não reclamam, porque reclamar por eles? Só se for para gastar verbas em hospitais de amigos. Amigos dos senadores, não dos gays.
Foi por coisas como esta, e por muito piores que esta, que um dia o Rio não amanheceu cantando como era costume até então... Foi tarde para as ruas, deitou-se tarde, e com uma vontade danada de voltar às ruas e ficar por lá até o Sol raiar. E foi o povo para as ruas do Rio, e de S. Paulo, em todas as cidades costeiras e do interior desde o Oiapoque até o Chui. Se olhássemos nos rostos de repórteres, transeuntes passando em frente a lojas de venda de televisões, veríamos o espanto. Era inusitado. O que era aquilo, que movimento era aquele? Logo se pensou que tivesse sido movido por algum partido político, mas era evidente que não. Nenhum partido político se atreveu a publicar sobre a autoria de tão nobre ato, o povo reclamando nas ruas contra a corrupção, pela falta de sentido de ser tão mal representado, por um grupo até pequeno de senadores, que ganhavam uma fortuna por mês e por ano e alguns até por décadas, mais de cinco, como se a casa lhes pertencesse e fossem eleitos de forma perene. Qual o segredo de um senador se reeleger anos a fio e por vezes até em terras onde não nasceram? Por mérito não deveria ser, porque o povo nunca gostou muito deles. Deveria haver algum truque nas urnas
[1]. A vozearia sempre tinha sido grande, mas como democracia é democracia – assim se julgava – os senadores foram se elegendo por décadas a fio. Se houvesse prêmio, receberiam até um Oscar pelo total da obra, mesmo não tendo ganhado nenhum Oscar antes. Na verdade o povo já não suportava mais os desvarios evidentes de governos que gastavam bilhões em copas do mundo e jogos olímpicos, sem cuidar da atualização dos aeroportos, das estradas de rodagem, da educação, dos transportes públicos, da saúde pública, da segurança pública
[2]. O que teria feito a FIFA escolher o Brasil nestas condições? Pior ainda era o estado dos serviços públicos decadentes, como a saúde, os transportes públicos, a insegurança, a falta de ensino e de condições de ensino, o transporte de crianças em ônibus precários. Mas ainda muito pior é que o governo destinava verbas e elas não chegavam ou pareciam não chegar ao seu destino. Pessoas morriam nas filas de hospitais, ambulâncias novas estacionadas à deterioração, equipamentos modernos e custosos que nunca foram instalados. Dias antes da saída às ruas havia cerca de 3.000 processos tramitando no senado sem solução, há alguns anos, mas quando chegou o limite de prazo para distribuir os royalties do petróleo, o senado esqueceu os 3.000 processos pendentes e queria resolver logo o mais gordo, o mais volumoso em verbas: o dos royalties. Chegaram a informar que se preciso fosse passariam a noite toda votando os três mil processos pendentes. Mas nesse caso como seria possível votar com critério? Havia algo errado com o senado ou com o governo. Talvez com os dois. Mas ainda havia algo pior. O senado era uma caixa de surpresas, de mágicos. Os cidadãos logo perceberam que uma das coisas erradas era o fato de só trabalharem de terça a quinta feira e receberem 15 salários por ano. Havia um condenado pela justiça que em vez de esperar o esgotamento dos recursos contra o julgamento fora do senado, foi reintegrado ao cargo. Então, o senado abrigava condenados da justiça? Mas ainda muito pior... Corria uma tal de PEC-47, que tirava do Supremo da Justiça o ato de investigar. Ora agora não restavam dúvidas de que havia algo de muito podre no reino de Brasília. E havia mais uma meia dúzia com pendências na justiça também atuando e votando no senado. O projeto para a “cura gay” era realmente uma piada face a esta PEC-47, o ponto final de golpe que se perpetuaria por décadas transformando o Brasil num estado sem lei. A oposição ao governo não existia. Alguns dos réus atuando no senado são condenados de uma prática de corrupção por pagamentos mensais a senadores e deputados a que se deu o nome de mensalão: Compravam-se votos da posição da oposição e quem sabe até dos que não eram nem uma coisa nem outra. O senado, um antro de negociantes ávidos pelo enriquecimento. E a presidência e os ministérios, estarão fora disto? Claro que pelo que se vê se pode pensar qualquer coisa. Dirão que sem provar não se pode julgar nem condenar. Certo. É verdade, mas a confiança no governo desaparece, e assim os cidadãos acham que deve mudar alguma coisa de muito importante, porque o poder está num meio de pessoas que nem sequer avisam que há desvios de moral no interior da casa. Tudo o que se descobre é por denúncias. O primeiro a denunciar que havia algo muito maior do que um simples roubo isolado foi o senador Roberto Jefferson. Foi também condenado, é certo, mas foi dele que saiu a denúncia. Não estou convicto, eu pessoalmente, de que devesse ser “tão” condenado.
Mas isto já não era um governo. Isto era uma anarquia controlada de forma oligárquica por um senado eleito “democraticamente”, olhem a ironia, pelo próprio povo do Brasil. Lá fora, os demais países do globo, tinham o Brasil como um país democrático, tão democrático que, numa época em que os Bancos correm atrás de cada centavo que lhes devem, o governo esbanjava dinheiro perdoando dívidas externas de milhões, bilhões na soma. Ninguém reclamava. Parecia que o governo representava realmente o povo. Pior ainda foi a constatação: O Senado desperdiçava com lucros próprios, e o governo distribuía dinheiro pelo exterior, promovia obras de vaidade, deixava os serviços públicos se deteriorarem. O governo não era uma benção, era um castigo. Parte de algum golpe para sublevar a população e instaurar uma ditadura?
Nas redes sociais, os mais extremistas de esquerda tentavam convencer que quem queria dar um golpe era a direita. Mas não havia nem direita nem esquerda. Isso era apenas uma “bola” de um jogo que rendia dinheiro, alucinações e diversão.
Mas o povo que saiu para as ruas saiu de verde e amarelo, vestindo camisas brancas ou verde-amarelas, gritando aos políticos e ao mundo que eram apartidários. E pelos vistos, para sempre. Nos últimos dez anos, a ação de corruptos corromperam a honra, a moral e a ética da política e dos políticos. Isto não se conserta, não tem volta porque completamente relaxaram com os deveres de seus cargos. O sistema não presta, a Constituição é vilipendiada e alterada a cada Medida Provisória
[3].
Antes da ida dos cidadãos para as ruas em protesto, seria relativamente fácil consertar os erros, mediante pedidos de desculpas e promessas de que a partir daí tudo seria diferente. Mas agora, com o povo nas ruas, completamente descrente de seus políticos e partidos políticos parece não haver solução prática. Exceto a proposta por alguém desses brasileiros, desses desconhecidos, mas sempre atentos, com inventiva e discernimento, tudo na mais perfeita ordem e paz, que me disse:
- O Congresso não representa o povo, porque seus membros foram eleitos pelo voto segundo o estabelecido na Constituição?
- Representa, respondi.
- Mas face aos fatos parece que o povo perdeu a confiança nesses políticos. Como os votos foram em confiança, e eles provaram que já não a têm, o que o Senado tem que fazer é por na rua os condenados pela justiça e os demais que tenham ficha suja. Que aguardem o desenrolar do processo fora das instituições de governo.
- Vamos supor que isso fosse possível... Qual seria o próximo passo?
- Exigir a devolução das verbas desperdiças ou comprovadamente desviadas, e colocar todo mundo sob investigação, todo mundo mesmo, até o presidente do senado, verificar índices de riqueza e inquirir para determinar se houve enriquecimento ilícito. Tem que haver meio de saber quem foi beneficiado, quem pagou, quem recebeu, onde o dinheiro foi usado. E há as escutas telefônicas.
- Bem... Mesmo que sobrasse alguém no senado como em Sodoma e Gomorra... Qual seria o próximo passo?
- Refazer o orçamento da união e aplicar o dinheiro onde deveria ter sido aplicado, isto é, nos transportes públicos, na saúde pública, na segurança pública, no ensino público, nas infra-estruturas de água, esgoto, energia...
- Mas nesse caso, as obras da Copa poderiam não ser concluídas... A nação falharia frente à comunidade internacional...
- Não... Respondeu o meu amigo... O que é pior? Falhar com a FIFA ou falhar com 200 milhões de brasileiros?
Pareceu-me que o amigo tinha uma certa razão. Mas apresentou ainda mais um problema que eu mesmo resolveria se fosse um senhor Senador:
- Há um problema... Não vão ter tempo para fazer tudo isso de imediato. Eles só trabalham de terça a sexta... Imaginou quanto trabalho?
- Então que paguem parte de sua ineficiência, trabalhando de segunda a sexta, sem folga, sem férias, sem receber horas extras nem subsidio algum porque trabalharão dentro das instalações do senado. Deve ser estabelecido um prazo para terminarem... Devem até trabalhar com a mesma alegria com que iriam votar 3.000 assuntos numa noite só, como foi o caso dos Royalties. Quanto ao prazo dois meses.
- E se não terminarem?
- Pagam uma multa diária com base nos juros bancários de cartão de crédito que eles mesmos deixaram subir à revelia... E nós, o povo, lhes pagamos no Maximo, os almoços, os lanches e os jantares que podem ser feitos na cozinha nova da presidente. Tão grande que dá para todo o mundo.
Mas o amigo era teimoso. Ainda tinha uma pergunta a fazer...
- E se para realizar tudo isso tivessem que infringir uma regrinha ou outra?
- Mesmo que fosse uma regra fundamental, já infringiram tantas, que mais uma não faria diferença, mas agora seria por uma excelente causa: Os cidadãos e cidadãs deste país, antes e tudo antes da presidente pedir demissão.
© Rui Rodrigues
PS – Creio que para o povo votante, ou pelo menos a maioria, vota por confiança, por fé nos candidatos, e nem sempre a lei é vista ou entendida sem uma dose de confiança. Quando o povo perde a confiança, a lei sente. Quando falha a lei, a confiança se vai por completo. Quando a podridão é tamanha numa instituição como o senado, todos devem pedir demissão e o supremo tribunal federal – os que entendem de lei, de moral e de ética, assumir o governo até novas eleições nas quais nenhum dos políticos eleitos nos últimos 50 anos poderão concorrer. É como na seleção de futebol. Mas antes, faz-se necessário mudar o sistema para uma Democracia Participativa.
[1] O processo do Mensalão provou que se pode comprar votos de senadores e deputados através de gordas somas. Mas isto no Senado. Agora imaginemos se um Partido Político desejar governar para sempre. Pode entrar em acordo com os demais partidos numa enorme base aliada, programarem as urnas e os resultados serão sempre os que já tinham combinado. As verbas e os cargos então se dividem após as eleições. O povo que se dane, porque o dinheiro dos impostos é gordo e paga bem.
[2] Há muitas décadas se falava da insegurança no Rio de Janeiro. Não era tanto assim, realmente. Vivi no Rio por mais de 50 anos e não conhecia casos de assaltos a amigos, familiares. Fui assaltado em 1988, de forma leve, e daí para cá o crime foi chegando mais perto: Hoje há mortes todos os dias por atos de violência. Rio é só um exemplo.
[3] Na ditadura militar, ou no “regime” militar, que dá no mesmo (agora temos uma ditadura de políticos, ou um “regime” de políticos) as Medidas Provisórias tinham o nome de AI – Atos Institucionais. É como chamar de Cônsul a qualquer outra marca desde que seja uma geladeira. O povo sem instrução não entende isso. Precisamos melhorar os níveis de educação. Então este tipo de políticos desaparecerá por completo.