Meus professores me enganaram.
Ficção não longe da realidade
Ficção não longe da realidade
Em casa nos ensinavam a
sermos umas crianças boazinhas. A única maldade que aprendíamos em casa era a
bater. Naquela época nos batiam para que fossemos crianças boazinhas. Não
pensavam, não raciocinavam, e produziam revoltados. Eu vi mais tarde, aqueles
que mesmo apanhando diziam que eram culpados, bem mais tarde, ainda bendizer as
surras que apanharam de cinto, de chinelo, de palmatória. Mas isso era na
escola. Apanhei bastante apesar de ser sempre o primeiro ou o segundo da turma,
até o dia em que comecei de espontânea vontade a oferecer a minha mão para a
palmatória da minha querida professora dona Ermelinda. Digo querida, porque sem
ela, meu pai não me teria posto na escola para estudar e muito menos para me
formar. Já ouvi falar do complexo de Édipo, do complexo de Electra, e agora
temos que inventar o complexo de “inveja paternal”. Podia pagar com folga.
Porque não queria que eu estudasse? Não valia a pena o sacrifício, que nem era
sacrifício nenhum? Mas quando me formei
ficou orgulhoso e me apresentou aos amigos como “meu filho engenheiro”. Ah...
Os professores... Então... Todos... Todos eles me ensinaram os bons modos, a
ser um sujeito decente, competente, com a recomendação de que seria mais um
cidadão do futuro a desenvolver a minha pátria. Como tenho duas pátrias, tenho
que desenvolver duas, por isso que não recomendo a ninguém a dupla
nacionalidade. Dá muito trabalho e por vezes sentimos que não vale a pena.
Roubam-nos tudo em impostos e desperdícios. Melhor emigrar, ficar uns cinco
anos e depois emigrar outra vez, depositando a grana economizada num paraíso
fiscal que cobre menos imposto. Assim
nos roubam menos em nossa própria terra.
Nunca nenhum professor me
alertou para os perigos da vida como eles realmente são. Os professores
aprenderam muitas matérias, sofreram muito para estudar, conhecem a vida, mas
as diretorias das escolas não deixam que nos alertem para os perigos,
contando-nos como o mundo realmente é. Diziam-nos que deveríamos defender a
pátria sem nos avisar porque raios de motivos nossos governos declaravam
guerras ou se metiam em guerras, e nunca nos disseram que os presidentes tinham
o poder de nos chamar em manifestações para baixar o cacete em populações
nacionais indefesas, nós, os soldados, armados a acobertados até os dentes como
se estivéssemos numa guerra de matar ou morrer. Diziam que era tudo
maravilhoso, que a nação era uma esperança só. As duas que me catalogam como
binacional. Toda a nação deveria ter verde em suas bandeiras, vermelha cor de
sangue, negro a cor da imbecilidade, e branco que representasse o individuo
sozinho, tentando sobreviver a esse caos onde todos mandam nele, lhe batem, lhe
jogam gás de pimenta, lhe furam o couro com balas de borracha e o trancafiam
numa prisão como se fosse um terrorista.
Viemos ao mundo errado,
construímos um mundo errado, ou somos umas lesmas vagarosas e sem cérebro que
não percebemos bem onde estamos, se numa folha verde de esperança, ou numa
salada em um prato, prontos para sermos devorados pelos reis do castelo. Professores
não ensinam isto. Não ensinam porque a diretoria e os donos dos colégios não
deixam. Querem manter a juventude com esperanças, sem causar problemas em casa.
Professor não é livre para ensinar nem para completar a educação de casa. Por
isso em muitas escolas a violência dos alunos se torna insuportável. Eles sabem
que os professores estão escondendo o jogo, e que “lá fora” a vida é muito
diferente e há que sobreviver. E nem sempre os melhores alunos são os mais
efetivos neste tipo de sobrevivência. E quando chegam nas empresas, todos
verdes, cheios de esperança, começam a aprender coisas nas quais custam a
acreditar, coisas que dão lucros incríveis para as empresas, das quais não
escapam nem as santas igrejas que têm contas em Banco.
E quando temos nossos vinte
anos, e enfrentamos o mundo, olhamos para trás, para o que nos ensinaram em
casa e nas escolas e universidades, e comparamos com o que vemos na vida e nas
empresas em que trabalhamos e ficamos pasmados, embasbacados, atônitos. Como é
possível que sejam dois mundos tão diferentes? Enganaram-nos no ensino. O tempo
todo nos enganaram. Talvez para mostrarem como estávamos domados, como éramos
boas crianças, educadas, orgulho dos pais, por sua vez excelentes cidadãos... E
lá vamos nós pela vida, o balconista enganando o freguês por ordem e instrução
do patrão, mas com vontade de avisar que na outra loja o artigo é melhor e mais
barato... Engenheiros e médicos, e todos nós, cooperando para as empresas
ficarem cada vez mais ricas, arriscados a levar um tombo na vida, indo para
hospitais de tratamento alienados, tendo visões com uma bata que mostra a
bunda, soro na mão, pelos corredores dizendo: os alemães estão atacando...
Cuidado com os índios, eles vão nos pegar... Ou entrar no carro e dizer em voz
baixa que façam silêncio porque podem ter plantado escuta no veículo. E tudo
para dar lucros às empresas que até pagam bem, muitas vezes não por
competência, nem por quem indica, mas por eficiência no trato com as finanças.
Então, fartos de sermos
explorados e de mandarem em nós desde a infância, sendo obrigados a esquecer os
bons princípios que nos ensinaram durante toda a vida escolar e sob o teto dos
pais, vamos para a rua reclamar contra a escravidão mensal, anual, secular, milenar...
Sem nunca termos mudado decentemente este mundo, nem nós mesmos, os
neo-escravos do século XXI e do Papa Francisco, no que pesem tantas escolas,
tantas universidades – algumas católicas, tantos professores. Ninguém quer
mudar nada aparentemente, a não ser quem vai para as ruas.
E vêm nossos irmãos, e nos
baixam o sarrafo na avenida, só porque queremos decência no modo de governar,
bons serviços públicos, bons transportes, boa infra-estrutura com água potável
energia elétrica e esgotos tratados, boa educação.
Porque será que somos tão
burros e idiotas que não mechemos uma palha para mudar de vida? Será doença? Se
for, temos urgentemente que pedir uma bolsa-doença para sobreviver neste mundo,
com alguns calmantes de sobra para vencer o mal estar.
Nossos professores também
foram enganados. Será desculpável? O que mudou no ensino?
Há gente que está e esteve
no governo, com e sem diploma, e que nem passaram pelas prédicas dos
professores. Estavam entretidos com guerrilhas, com dar lucros a empresas, e
não têm problemas de consciência. Outros até passaram bons tempos na escola,
mas aprenderam rapidamente a “nobre” arte de embrutecer a consciência.
© Rui Rodrigues
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