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sábado, 6 de julho de 2013

O amor no tempo que for.

O amor no tempo que for.

O amor não se define. Apenas é quando for, pelo tempo que for, e como tudo é imprevisível, ame tanto quanto puder, no tempo que puder. 


O amor na juventude.



O que era o mundo? O mundo era ela. Já saíra uma meia dúzia de vezes com corpos femininos apressados, alguns nem me cobraram, mas sempre distantes, sorridentes, com argumentos que não conseguiam convencer. Era muito mais do que moda, o hábito da iniciação e do treinamento sexual, ainda mais apreciado com o prazer, mas sempre, sempre nas relações com um sentimento de vazio. O saco ficara vazio, mas o coração não. O coração queria algo mais do que esse simples contato carnal, a penetração e o gozo. Talvez fosse uma questão simples de desejar construir algo na vida, perene, para sempre, como se precisássemos de ajuda feminina para alcançar os objetivos: Família, trabalho, carro, casa, filhos, riqueza de esbanjar ou riqueza de sobrevivência. O resto era paisagem onde nos locomovíamos: O mundo e eu. E sem estudo, os objetivos ficariam seriamente comprometidos. Não impossíveis, mas muito difíceis. Por isso admiro quem, com dificuldades consegue criar seus filhos, ter sua família, viver nem importa onde. Um amor e uma cabana ainda existem, podem acreditar. Na montanha, na praia ou nas cidades.  Não é vergonha, é circunstancial.

Na fase de treinamento e alívio, pernas eram pernas, assim como rostos, peitos, bundinhas, jeitão, papo, escolhendo as melhores, as mais bonitas, as mais torneadas, as mais sensuais. Mas quando ela apareceu, o mundo sumiu e ficamos apenas eu e ela. Não importava se suas pernas tinham cabelinhos louros ou se eram lisas, passadas no aparelho de barbear, ou arrancados a cera quente, se seus peitos eram grandes ou pequenos. Toda ela era bela, cheirosa mesmo sem perfume, gostosa mesmo sem transar, deliciosa quando transávamos. O construir passou a ter o significado de sobreviver, mas não um objetivo de vida pensando no futuro. O futuro era aquele momento, ao seu lado, curtindo cada momento, um desejo de posse que ultrapassava os limites das camas, das cozinhas, dos tapetes na sala. Fogão não, porque podia estar ainda quente. Cada conquista no emprego, um sinal de “estou aqui, estamos construindo juntos”, contado como vitórias que de fato eram. Amores duram pouco, mais ou menos, ou muito, mas jamais são eternos tal como se supõe na juventude, ainda que sejamos jovens aos 60 anos. O amor amadurece, muda, transforma-se com a experiência e a idade. Preocupações do dia a dia se misturam com as emoções, o corpo muda, a qualidade começa a prevalecer sobre a quantidade. Se um dos corpos do casal deseja ou tem o sentimento de se manter “eternamente” jovem, a mente retém a juventude enquanto o corpo agüentar. E continua desejando quantidade, quantidade, que se não encontra no lar, encontra do lado de fora. Arquivos vivos de assuntos mortos não satisfatoriamente resolvidos começam a solapar as emoções mais nobres, e outras emoções entre as quais as de “justiça” e “merecimento” tomam lugar, gerando conflitos. O amor com chama de vela começa a apagar-se e acaba por falecer por falecimento geral dos órgãos. Dos órgãos sexuais, dos mentais, do fígado, da bílis, do estômago, dos rins. E lá se vai a canoa do amor, sem que venhamos a saber, algum dia, com quantos paus tal canoa fora construída.

Nem fotos acabam por restar. Para alguns ainda fica restando ódio. Para outros, o esquecimento, como fumaça de trem que some na primeira curva da estrada de ferro depois da última estação onde nos apeamos.


O amor do tempo.

O amor do tempo é o amor do tempo que for, a qualquer tempo, quando aparece. Mas é como aparição. Não aparece para qualquer um. Tem que se estar disposto. Ninguém é hipnotizado contra vontade. Ninguém ama contra vontade. Mesmo desiludidos somos capazes de recomeçar, mas não se peça ou exija, ou sequer se espere que tudo seja como na juventude em que o tempo à frente não tinha a mínima importância, e se penduravam vários cabides com roupa em cima do pênis. Se nos deixarmos levar pelas desilusões da vida, nem vontade se tem de tomar viagra. Não que o sexo importe de forma determinante na felicidade, quer do homem ou da mulher. A felicidade pode estar em sentar no meio fio de uma rua aos 70 anos, e soprar bolinhas de sabão divertindo as crianças da rua, dar milho aos pombos, cozinhar uma receita preferida, passear pelo mundo, ouvir música, assistir a filmes, gastar tudo o que restou de 50 anos de poupança, cuidar dos netos, apoiar filhos, ajudar quem se pode e merece a nossa ajuda.

Mas de repente pode aparecer em nossas vidas aquela paixão, como costuma acontecer com as velas quando estão se extinguindo e a chama parece mais forte do que antes. O amor pode transformar-se em uma necessidade premente de dividir o tempo de mãos dadas, falar sobre o passado, contar histórias, ajudar-se mutuamente, agora sem os temores, as inconformidades, os ciúmes, as prevalências de pensamento da juventude. Em vez do divergir, o convergir nas opiniões, aproveitar o pôr-do-sol da vida, entre um copo de vinho, um chá com biscoitos num sofá de uma varanda. Dar banho nas costas um do outro. E com sexo, porque não? Mas há sempre tantos fatores que determinam nossas preferências, nossa forma de agir, que por vezes nos surpreendemos namorando uma mulher mais nova, as mulheres namorando um sujeito mais novo, alguém namorando alguém bem mais novo. A experiência da idade e a impetuosidade da juventude em confronto todos os dias, nem sempre com a mesma visão de futuro. Tanto pode dar certo por muito tempo como por pouco tempo.  

Lamento profundamente meu saudosismo. Ele não me faz muito bem, não preciso dele e nem contribui para a evolução da humanidade, mas constato que numa família composta como “antigamente” de avós, pais, filhos, netos e bisnetos, o amor e a cooperação contribuíam para o bem estar do dia a dia de todos os membros da família. Evidentemente não me refiro às famílias altamente competitivas em que netos e filhos brigam entre si pelo espólio de pais e avós. E nas famílias modernas, que já não são tão grandes como “antigamente”, encontrar solitários e solitárias não é incomum. Esses têm que comprar uma escova longa para lavar as costas. Não é grande a dificuldade e vencida a dificuldade fica sempre o espírito de auto-suficiência.

Vista seu terno, suas bermudas, calce seus sapatos. Vista seu vestido, pegue sua bolsa, calce seus sapatos. Saiam. Encontrem-se em algum lugar da vida para viver um outro grande amor. De repente se encontram em algum lugar do tempo, em lugar da vida, em algum lugar desta natureza tão vasta e tão bonita.

Ainda há flores que encantam, aves canoras de lindos trinados, regatos de águas sonoras cantando suas melodias, dias de sol, esperanças mil nos ares que se espalham como perfume e contagiam. Saiam e se encontrem. Não se pode perder uma única oportunidade nesta vida. Nem que seja em Paris. 

© Rui Rodrigues




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