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segunda-feira, 4 de junho de 2012

Taumaturgo Bode, o terror do Sobrenatural de Almeida





Taumaturgo Bode – O fantasma

Taumaturgo Bode assusta assombrosamente, e costuma atacar nas noites claras ou escuras, de manhã cedo, tarde ou ao meio dia. Ninguém o vê, mas sente um arrepio, um vento, uma carícia, um toque, quando ele está por perto.

Nada mais tenebroso que ver fantasmas ao meio dia e nenhum dos fantasmas conhecidos é tão fantasma quanto Taumaturgo Bode. Nos tempos de Nelson Rodrigues até o Sobrenatural de Almeida – o famoso fantasma que explicava os gols contra o fluminense - tinha medo do Taumaturgo Bode.

Quando aparece é morte certa, prejuízo irrecuperável, perda total. Quando deixa sobrar alguma coisa de aproveitável, ou um indício, fá-lo para criar a cizânia, espalhar a confusão, provocar raivas sem conforto. Uns dizem que é o próprio diabo, mas se fosse estaria no inferno. Está em Brasília de onde não sai nem que a vaca tussa, espirre, grite ou se exploda.

Taumaturgo Bode divertia-se em Brasília quando era vivo. Foi lá na primeira leva de visitas ao canteiro de obras quando Juscelino Kubitschek de Oliveira fez iniciar as obras pela “Novacap”, nos idos de 1956. Era um mero político desconhecido então, mas muito ambicioso, capaz de matar a mãe para ir ao baile do orfanato.

Iniciou um plano fazendo o maior numero de amigos. Não era propriamente amizade, mas troca de favores. Começou a construir uma imagem de patrono, alguém confiável com quem se podia sempre negociar. Começou a delegar funções e tarefas aos que lhe deviam algo, e em conseqüência, a dividir-se entre o homem que realizava o seu trabalho como político, e o homem que agia na sombra como um fantasma. Dividiu-se em dois.

Ninguém mais o reconheceu! Aquele político morrera.

Ninguém sabia que ao dividir-se em dois, ganharia super poderes, membros de polvo, cheios de ventosas. Nas horas de confusão para o seu lado, desaparecia, ficava invisível. Um dia escreveu um livro sobre os colibris bigodudos e uma academia o elegeu como membro. Ninguém relacionou esta “elegição” com o fato da Academia ganhar um prédio novo, imenso e moderno, cheio de janelas e mármores e granitos no centro da cidade, tão grande, que poderia abrigar todas as academias de garranchos do mundo. O dinheiro doado para a construção do prédio não era dele.

Taumaturgo Bode usava sempre uma capa preta, farda, fardão, camisola de dormir, tudo com muitos bordados, que lhe caiam muito bem com suas frases meio assobiadas, dignas de filhinho de papai que nem se formara na Sorbonne.


No período de maior influência no governo – ele tinha influências – causou o maior rebuliço na economia: exauriu as reservas cambiais, as exportações diminuíram quase a zero e as importações aumentaram a jato. Enquanto a população ficava pobre a cada hora do dia que passava, uma parte pequena, amigos do Taumaturgo Bode enriqueciam com a inflação cavalar...

Pensam que foi responsabilizado? Que nada!... Ainda foi eleito para cargos importantes nos anos seguintes, até hoje!

Mas então, Taumaturgo Bode está vivo ou morto e é um fantasma?

Aí que o bicho pega... Para uns morreu lá atrás e agora é só fantasma. Para outros, nunca morreu e é um bom sujeito. Para outros ainda nem sabem quem ele é nem do que é capaz. Só quando o Taumaturgo Bode fantasma lhes aparece pela frente fazendo “buuuuuuu”... As lavanderias de Brasília ficam cheias de calças sujas no dia seguinte.

Taumaturgo Bode é um fantasma capaz das mais impossíveis façanhas, deixando sempre dúvidas no ar. O apelido Bode deve-se a uma promessa de seus tempos de estudante. Se conseguisse formar-se na Universidade assistindo a tão poucas aulas por ter muito que fazer: Participar da política, ser jornalista, fazer bico na polícia. Seus amigos davam-lhe presença, faziam-lhe os trabalhos, davam-lhe cola nas provas. Já nessa época era muito admirado por fazer tanta coisa, mas ninguém sabia como “não fazia” nenhuma delas: tudo por ajuda de amigos que prometeu ajudar durante a sua vida. Lavavam-se bem as mãos entre si.

Conta-se que uma vez havia um candidato a um posto muito importante. Taumaturgo Bode fez de tudo para tornar-se seu suplente e tomar o seu lugar. Usando os favores que fizera e pedindo o pagamento desses favores, conseguiu o apoio necessário e conseguiu. O próximo passo era afastar o eleito. Uma pílula foi dissolvida no café e ele foi mandado para o hospital. Uma equipe médica competente tratou do eleito que logo se recuperou. Então recaiu. Depois de várias operações, chegou até a dar entrevista. Dois dias depois, durante a noite, entraram no quarto e fizeram o serviço. Bateu as botas, finou-se, morreu. Muitos viram Taumaturgo Bode no velório. Muitos juram que estava presente no enterro.

Dizem uns que foi o próprio Taumaturgo Bode que dissolveu as pílulas no café e pôs o eleito em contacto com os agentes biológicos. Dizem outros que apenas deu sinal com um acenar de cabeça para que alguém desse as ordens a alguém, que comunicasse essas ordens a quem executasse essas ordens. Outros disseram que foi a CIA. O certo é que o eleito morreu, e Taumaturgo ocupou o seu lugar.

Dizem até que é capaz de derrubar helicópteros sem tocar neles, só para abafar as tratativas para a aprovação de cláusulas em documentos importantissimos.

Mas nunca deixou rastro, nem mostrou o rabo preso. Tudo coisa de intrigas, dizem uns, que não é nada disso, outros e indecisos e que não sabem de nada, o resto.

Até que se descobriu que ele tem um grande competidor: Zeca Vamporra, um vampiro esfomeado, vingativo. Cada um atua do seu lado.


Rui Rodrigues


sexta-feira, 1 de junho de 2012

Minha última árvore




                                                         Minha última árvore!


Estamos em 2012, e começa a segunda metade do ano. Estamos em Junho. Olhando para os mares, vê-se que barcos japoneses continuam a caçar baleias “para estudos” e certamente não lhes jogarão fora a carne. Aqui, num lugar onde oliveiras não costumam crescer, acabo de plantar uma muda. Já plantei bastantes árvores em minha vida. Já mataram muitas baleias pelos mares deste mundo. Juan Carlos, um desses reizinhos tradicionais que ainda vivem por aí às custas da vaidade de alguns povos, sem o poder de outrora, caçou elefantes, gnus, animais selvagens, gastando o dinheiro de seus “súditos” como se ainda houvesse súditos, num momento em que a Espanha está com 50% de sua juventude desempregada, 24% de desempregados, a Cruz Vermelha Internacional pedindo ajuda para 300.000 que precisam de alimentos. Muitos e muitos espanhóis plantam árvores e não somente oliveiras.

O terreno onde plantei a muda é arenoso, mas sei que a oliveira é resistente, e com terra adequada, com bastante húmus que substitui pela areia como base, vingará. Um vizinho já teve uma. Cortou-a porque não teve paciência e nem sabia que antes dos cinco anos, não produzem fruto. Baleias também têm um período longo para atingir o estágio adulto e depois de fecundadas demoram bastante para parir.

Baleias morrem. Reis morrem. Oliveiras morrem. Tudo passa. Plantadores de árvores também morrerão, e há muito que plantar. Plantaram muitos eucaliptos, mas poucas árvores de fruto. As ruas das cidades quando têm árvores não são de fruto. São para embelezar, porque não conhecem a beleza das árvores de alimentar. Esses não são plantadores de árvores.

Em perigo de extinção, deveriam preservar as baleias que têm expectativa de vida muito menor do que as oliveiras. Estas chegam a viver milênios. Darei um nome a esta minha oliveira. Chamar-se-á Jubarte. Nós, humanos, os caçadores de baleias e os reizinhos duramos menos, mas temos algo que as oliveiras e as baleias não têm: A história. Temos a história para nos contar sobre o que fizemos e o que fazemos. Parece que, em sabendo ler, pudéssemos aprender com as histórias antigas a construir uma história cada vez mais humana e melhor, mas quem faz a história, pescadores de baleias, reizinhos e plantadores de árvores que embelezam, não estão preocupados com a história. Plantadores de árvores de fruto não fazem história. Passam a vida a reclamar.

Diziam antigamente que do caos Deus fez os universos e que estes são a sua grande Obra. Os que não acreditam em Deus, dizem que esta é uma grande Obra. Ambos estamos certos. Esta é uma obra maravilhosa que parece estar retornando ao caos como se fosse um ciclo de um circulo. Ciclo não é, que Einstein, um plantador de idéias, já descobriu que não. Este Universo está fadado a continuar com ou sem plantadores de árvores, com ou sem reizinhos assassinos de vida selvagem, com ou sem pescadores de baleias.
Seguirá sem mim. Já segue sem muitos e todos os que já passaram. A imensa maioria nem faz parte dos livros de história. Por pouco o mundo estará para seguir sem micos-leão dourados, e já ficou sem dodôs, sem preguiças gigantes, sem mamutes e sem tigres dente de sabre. Até os enormes e poderosos dinossauros se foram. Que importaria para os pescadores de baleia, os reizinhos caçadores de vida animal, ou os plantadores de árvores que só embelezam, que a vida se acabe, a cada dia mais uma espécie?

Que lhes importa se um dia esta humanidade acabar por falta de espaço, por falta das espécies que fazem parte de um ambiente sustentável, por falta de árvores que alimentem, e de baleias? Que ordem se permite neste mundo ou que desordem satisfaz aos que fazem a história e constam dos livros por fazarem a história?

Minha esperança é que a oliveira, que pode viver mais de dois mil anos, continue a viver para me contar um dia, se houver oportunidade. Mas isso depende dos senhores que fazem a história. Poderíamos ser nós a fazê-la, mas lhes delegamos a representatividade.

Chamei-a de Jubarte. Poderia chamar-se humanidade com mais razão!

A menos que participemos das decisões na história. Já!

Rui Rodrigues

quinta-feira, 31 de maio de 2012

AS CPIS DO MENSALÃO E DO CACHOEIRA,




AS CPIS DO MENSALÃO E DO CACHOEIRA,
E uma possível crise institucional.


Um amigo meu um dia me veio com esta: Eles ficam preocupados em matar formigas olhando para o chão, enquanto atrás deles passam manadas de elefantes...

Esta frase faz parte da diversidade de meus pensamentos vivos. É uma autêntica fauna, mas esta, em particular, carrega a carga genética dos pensamentos que nos despertam a atenção para o que realmente é importante, o que interessa.

É o caso das CPIS do Cachoeira e do Mensalão. Na NET assisto todos os dias a milhares de postagens de ambos os lados da polarização da moral e da ética: os da esquerda defendem o Mensalão, atacando a Cachoeira, os da direita atacam o Mensalão, defendendo a Cachoeira. Tratando-se de casos de justiça, deveriam, no meu entendimento de democrata participativo, unirem as suas forças num monopolo em torno da moral e da ética, e, portanto, ao lado da justiça.

O fato de defenderem o indefensável é preocupante, e se de um lado nos preocupamos com os conceitos que a moral e a ética possam adquirir no fogo ardente de corações partidários, preocupamo-nos também com a possibilidade de acontecer o mesmo com as CPIS, mas enquanto lá há divisões, aqui talvez não. Talvez haja acordos como aqueles da troca de espiões, do tempo da guerra fria, decidindo-se nos bastidores dos partidos, quais indiciados serão inocentados e, portanto libertos, os que serão isentos até de indiciamento, e os que serão abatidos no campo de batalha fictícia. Parece que estamos num rodamoinho social e institucional.

Não são as galinhas que sujam o pau de galinheiro, porque para elas, o pau está sempre como deve estar, e não conhecem o conceito de “limpeza”. Nós é que sujamos as mãos ao passá-las em paus de galinheiro...

Se pudéssemos atribuir nossos votos dados em confiança e, da mesma forma retirá-los, o assunto já estaria resolvido para os cidadãos, enquanto estivesse em curso a limpeza do galinheiro.

Rui Rodrigues.

quarta-feira, 30 de maio de 2012

O Brasil que gostaríamos de ter e a curva de Gauss




              O Brasil que gostaríamos de ter e a curva de Gauss 



Nunca algum governo agradou a todos os cidadãos da tribo, do reino, do império ou da república.  O grau de aprovação ou rejeição dos governos avaliava-se no passado, por informações verbais, com a intenção de coibir qualquer manifestação contrária que pudesse por em risco a manutenção da ordem ou do próprio governo. Em regimes fortes e ditaduras –todos são ditatoriais em maior ou menor grau de reconhecimento – a preocupação é esta. Em regimes democráticos fazem-se pesquisas de opinião de forma a poder determinar o mais exatamente possível como se distribuem as várias opiniões no sentido de buscar o seu atendimento e assim manter ou angariar mais cidadãos como simpatizantes do Partido que governa ou que concorre a eleições. Esses resultados são computados e traduzidos numa curva chamada “curva de distribuição de Gauss”. Basta olhar para essa curva para vermos o grau de sucesso ou do desastre de um candidato, de um partido, de um governo, ou de uma nação.

Nunca nos perguntaram que Brasil gostaríamos, nós cidadãos, de ter. Em decorrência, não podemos saber as respostas oficiais, reais. Mas podemos imaginar não só “o que queremos”, como também “o que não queremos”, independentemente de cor política, situação financeira, sexo, religião, grau de instrução, numa hipotética pesquisa realizada num universo heterogêneo representativo da população e da regionalidade brasileiras. Vejam se concordam com esta imaginação limitada a alguns aspectos tão simples como as funções do corpo humano, e imaginem se, no caso de ser feita uma pesquisa ou votação popular, não obteríamos pelo menos uma aprovação de 70% da população:

Universidades e escolas grátis para todos os cidadãos, pagas com os impostos exorbitantes que o Estado recolhe e distribui de acordo com as pressões dos políticos que representam seus partidos. A gestão será efetuada por três comissões: a dos alunos, a dos pais e a do governo, com igual peso e poder.

Implantação de Centros de Pesquisa para alunos selecionados de forma a poder suprir a nação - com tecnologia comum e de ponta - as necessidades do mercado, da saúde e da segurança nacional. Assim se evitaria a compra de aviões de guerra que logo ficarão obsoletos se já não o são, submarinos nucleares, porta-aviões velhos e decrépitos, pagamento de taxas por uso de tecnologia de terceiros em remédios, automóveis, equipamentos cirúrgicos, rádios, televisões, computadores.

Saneamento básico em todas as localidades, com água potável, energia elétrica, rede e usinas de tratamento de esgotos, rede de águas pluviais.

Postos e hospitais de saúde pública de qualidade, dimensionados em função da população local que deve atender para evitar mortes em filas de espera, médicos que têm dois empregos e não estão disponíveis para atendimento, fiscalização para evitar desvios de materiais.

Fiscalização vigiada e adequadamente dimensionada para garantir as áreas demarcadas como de conservação ambiental e recursos hídricos.

Até mesmo com o índice de analfabetismo existente em nosso país, e com deputados ou senadores que necessitam de um exame para verificar seu grau de alfabetização teríamos certamente uma bela curva de Gauss mostrando que 80% da população, senão mais, considerariam estes aspectos como fundamentais para se considerarem cidadãos felizes, satisfeitos em contribuir com seus impostos, ainda que exorbitantes e altos.

Mas para isso têm que perguntar. A resposta pode ser obtida de imediato, em menos de 24 horas se o fizerem pela NET. Mas nunca o fizeram, e não o fazem de forma “oficial”. Talvez tenhamos que modificar nosso foco de visão, e, em vez de nos preocuparmos com o que nos fazem, nos preocuparmos com o que não nos dizem, não nos perguntam e não nos fazem.

Talvez mesmo os sistemas que já conhecemos no passado e nas democracias atuais – todos eles – devam ser substituídos por um outro, novo, em que o cidadão tenha todos os dias, sem exceção, como quem escova os dentes, uma palavra a dizer, pelo voto, na construção do Brasil que queremos.

Rui Rodrigues
Escrito especialmente para o grupo Geopolítica.-FB

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Os típicos tipos do FB


                                                    
                                                        Os típicos tipos do FB


Antigamente, há muitos anos atrás, rapazes e meninas saíam à tardinha para fazer o “footing”, isto é, a caminhada pelas calçadas na parte mais movimentada da cidade, para se mostrarem e poderem ser notados ou notadas. Vestiam-se as melhores roupas, mesmo emprestadas, os melhores perfumes, cabelos alinhados, sorrisos discretos ou abertos. Uma mostra na vitrine da cidade, uma tentativa de arranjar novos relacionamentos, quem sabe um casamento. Normalmente não era essa a imagem de cada um, ou de cada uma, no dia a dia, mas era preciso mostrar a melhor imagem possível – ou a mais descarada – para impressionar quem passava. Naqueles tempos algumas mulheres usavam até sutiãs com enchimento para dar mais um “volume”, e algumas ainda usavam espartilhos e cintas para adelgaçar a silhueta. A falta de respiração era muitas vezes entendida como um desejo quase irreprimível de elas se lhes lançarem nos braços. Muitos namoros e casamentos acabaram justamente porque no vestibular do relacionamento, muitos e muitas não passaram. Alguns usavam enchumaço na bragueta.

Os tempos mudaram e veio a “balada”. O mundo escancarou. A filosofia de vida é mais franca. Muito mais. Na balada a imagem é “estou aqui, estou a fim, sou assim mesmo. Vai nessa?”. E veio o FB.

FB não é a sigla do FBI à qual tenha caído a letra final. Mas tem muito de FBI, se atentarmos para alguns detalhes, a começar por nos querermos meter na vida dos outros e das outras, tentando descobrir os seus íntimos, as suas preferências, as suas tendências, se mente ou não, se está a fim ou não, se é crente, mais ou menos, complacente ou curte uma devassidão.  Como representatividade de uma sociedade humana, é pasto fértil para psicólogos de carteirinha, de plantão, ou dos que se acham. Os verdadeiros, calam, apreciam, vão na certa, ou constroem teses.

É também um baile de coreto, um baile de gala, uma balada, um centro de AAA – Auto Ajuda Anônima. Uns reclamam, outros gritam, alguns gemem, suspiram, riem, meditam, amam, execram, pescam, namoram, beijam, abraçam, ou exercitam os dedos apertando um só botãozinho: o de curtir. Ainda tem os que não dizem nada, só olham, e os que garimpam o que se espalha pelas postagens.

Tudo isso é muito normal. Somos nós como somos. E existem outros tipos que, também, absolutamente normais, têm características mais diferenciadas, como, por exemplo, os que gostam de cutucar. Nunca sabemos o que significa a cutucada, mas também ninguém pergunta. Cutuca-se para cá, cutuca-se para lá, e fica-se nisso anos a fio, sentindo uma vontade danada de dar uns “amassos” a quem nos cutuca, mas mantendo a linha para não perder a amizade.

Mas há outros tipos ainda.

Os crentes extremistas que não querem saber de conversas e afirmam com toda a convicção que é assim mesmo - e pronto - só lêem o que lhes interessa e quem diz o contrário do que pensam é descrente ou burguês, ou reacionário, ou comuna. O seu mundo é o mundo que deve ser e assim tem que ser mesmo que o mundo prove que não é nada disso que lhe interessa, que o que quer é liberdade, tudo pago, tudo fácil, tudo parado, sem se mexer, orando todos os dias, pagando impostos altos mais os dízimos, aceitando a corrupção como coisa normal, corriqueira e aceita, muitas baladas, muitas promoções, notícias leves na TV, nos jornais, nada de complicações, o seu céu na terra, a sua ideologia em bandeiras pelos ares. Nada de sair para as ruas para reclamar. Como está, está bom de mais, e se ficar melhor estraga.

Há os que não têm mais nada para fazer. Continuam não fazendo nada no FB. Clica aqui, clica ali, dá um curtir, come mais um biscoito, arrota e toma um refrigerante para arrotar mais, fechando a tubulação arrotativa com mais um biscoito. Há não... Estes não molham o biscoito nem elas dão o café com leite para que o biscoito se molhe todo.

Outros e outras nem colocam fotos para não chamarem a atenção. Nunca se sabe quem está por detrás de uma imagem sem foto personalizada, nem se a foto é do – ou da -responsável pelo perfil. São os fantasmas do FB que tanto podem ser camaradas como companheiros como diabos que vestem Prada, como Jack o Extirpador, ou mesmo algum presidente disfarçado. O Jô Soares jura que não tem nenhum perfil no FB, mas todos duvidamos disso.

Os arautos são sensacionais, como todos descritos até agora. Cedo, ainda de madrugada, levantam-se “pé-antepé” para não acordar a casa, nem o papagaio nem o cachorro, e vão garimpar as notícias do dia. São os primeiros a avisar das últimas e recebem os dois ou três cliques habituais de que viram, mas não leram. Aliás, o maior número de usuários é exatamente o dos que nem clicam, seguidos dos que clicam e não lêem. Não lêem nada. Só os títulos e as duas primeiras linhas. Os comentários ficam para eles mesmos, sem som ou imagem que nos chegue.

A maioria nunca foi a coreto e está largando as baladas para féicebuquear. Como propaganda é a alma do negócio, todos nos afirmamos pelas qualidades que pensamos ter, todos ocultamos os defeitos que sabemos ter, deixamos nossas pegadas nesta estrada virtual do FB que se move ao longo do tempo, na esperança dos paleontólogos do futuro venham a escavar e nos dêem, finalmente, o crédito póstumo que merecemos.

Então vamos todos féicebuquear antes que venha um novo site de relacionamento diferente, cheio de novidades novas. Nada de velhas novidades que abalaram os coretos da balada.

Rui Rodrigues. 

sábado, 26 de maio de 2012

Pensando na vida que proibem


                                         

                                                Pensando na vida que proíbem

Estava aqui a pensar na vida de quando tinha automóvel (sempre tive automóveis, muitas vezes o carro do ano), e de como tenho que ter cuidado com o acelerador (sempre bem calibrado) para não apanhar multas. Fazem os carros para andarem a 300 km /hora e multam a partir dos 120 (só nas estradas). Se não se pode andar a mais de 120 km /hora, que façam os carros com motores mais baratos para essa velocidade. Ou seja, pagamos motores caros para transitar como se tivéssemos motores baratos. Como o planeta precisa economizar, podem começar por aí. (mas acho que não são os governos que mandam. Deve ser alguém que precisa de dinheiro das multas). Meu filho, saindo de casa de bicicleta, chegava duas horas mais cedo no escritório do que eu. Trabalhamos juntos. Ele ia de bicicleta e eu de carro. Hoje vamos a pé, porque atropelam muitos ciclistas. Nossa educação viária não é nada evoluída.   

E pensei nos cigarrinhos que eu fumava. Proibiram e me envergonharam de tal modo que passei a fumar em casa, escondido, como se fosse um drogado em último estado de “delirium tremens”. Está certo que faz mal à saúde tanto quanto o ar poluído por veículos (aqueles que andam a maior parte do tempo a 40 km /hora que nem o trânsito engarrafado permite ir a mais, e se formos, multam...) E ainda subiram o preço dos cigarros, acabaram com a economia de Cuba que vendia charutos de luxo, acabaram com as famosas tabacarias. Alguém deve ter partido para o tráfico de drogas quer como fornecedor, quer como distribuidor, quer como consumidor. Pensei em fumar um baseado, desisti. Ser preso, amassado numa cela com os piores criminosos por causa de um baseado inocente é dose. Ainda podiam me deflorar por trás. E acho que o governo não manda tanto quanto desejamos, porque alguém manda mais. Alguém que está precisando de dinheiro e aumenta o imposto sobre o tabaco e permite a venda de drogas sem pagar imposto.

Solteirão, ou arranjo logo uma namorada ou terei que apelar para uma sex-shop, porque proíbem a prostituição. Quando não proíbem, vêm com tão maus olhos que fico envergonhado e não gosto de passar envergonhado na rua. (quem sabe até comprar uma bonequinha self-service daquelas japonesas que não falam mas fazem tudo e têm tudo perfeito. Como custam o preço de um automóvel, talvez seja melhor alugar mensalmente, mas parece que bonecas japonesas não se prostituem: cada dono tem a sua, não empresta, não aluga, dá tiro se alguém a leva emprestada por um dia...).Nem pensei em ser homossexual, porque apanham tanto que desisti. (não gosto de apanhar). Acho que o governo manda pouco e os fabricantes de bonequinhas e outros apetrechos se aproveitam de sua inocência (do governo, claro).

Pensei em tomar umas cervejas, mas estava na Inglaterra e só depois das 7 da tarde, e antes das 6 da manhã. Se fosse nos EUA poderia desde que a garrafa estivesse dentro de um saco de papel, mas sou ecológico e não é justo derrubar árvores para encobrir garrafas. A lei seca nos EUA acabou Agora existe a lei úmida de papelão).
  
Pensei em reclamar uma porção de coisas do governo, mas eles (os do governo, claro) escutam, anotam, recebem reclamações mas não atendem nada. (Fingem que não escutam, que perderam as anotações que nem as receberam).Proíbem-me de ser ouvido.

Tive que entrar para a igreja aqui do bairro, mas vou pouco lá (não posso dar cinqüenta paus toda a vez que vou ao templo. Entrei por pressão da sociedade. Se não entro, o bairro todo me olha sutilmente diferente. Senti-me proibido de não aderir). Devia haver uma lei para reduzir o dízimo para digamos... O víntimo! Assim sobrava mais uma graninha pro arroz e pro feijão, e pro leite das crianças. Proíbem-me de assistir gratuitamente às prédicas do templo e para ir para o céu tenho que pagar.

Antigamente havia urinóis espalhados pela cidade, mas acabaram com eles. Então passei a usar as casas comerciais na hora do aperto. Com a clientela do mijo, que entra nos bares, não consome nada, gasta água da descarga, agora começaram a dizer que o banheiro está entupido, que acabaram de passar água sanitária, que está em obras. Com a bexiga apertada, já fiz duas vezes nas calças e duas na mochila. Ônibus municipais não têm banheiro mesmo quando a viagem dura mais de uma hora. Desconfio que querem me proibir de mijar. Isto não sei a quem interessa nem para que serve, mas proíbem talvez por sadismo. Não arrecadam nada com o sadismo, mas têm o prazer de proibir. Deve haver uma indústria do proibir. E em todos eles lá está: Proibido jogar papel no vaso. Porque não usam torneirinha?

Na NET, nem pensar em copiar imagens, baixar filmes, músicas, sem pagar – e não é barato. Proíbem tudo na NET e o sinal da Vivo, da oi, da Tim, da Claro não é sinal, é bip de Sputnik. Pagamos uma grana alta e dão-nos bips. Proíbem assim o acesso à Internet porque depois de dois minutos esperando para mandar o e-mail, a maioria levanta da cadeira e larga o computador falando sozinho. O acesso á Internet é livre, mas vai usar para ver se pode!...

Antigamente jogava-se em cassinos. Eram mais honestos e podíamos jogar. Proibiram os cassinos mas não o jogo (eles , os do governo, claro, dizem que proibiram o jogo, mas é mentira... existe uma catrefada deles com chances de um para muitos milhões, que são aprovados. Parece existir um novo conceito para o que é jogo honesto, que desconheço). Como não tenho alternativa, sou obrigado a jogar nas “raspadinhas”, nas senas mini ou mega, nos jogos de futebol em que árbitros trocam o nome da mãe. Havia um jogo de rua que era muito divertido por ter uma porção de bichos. Publicavam o resultado no poste. Acabaram com esse jogo e o transformaram em contravenção. Proíbem-me de jogar exatamente os melhores jogos de sorte e me obrigam a jogar nos jogos de azar. Alguém por aí, que desconheço (só pode ser o governo), seleciona quem lhe paga e quem não paga muito (por que todos pagamos alguma coisa para o governo), e em função disso, lavra a lei.

Outro dia fui ao Banco e esqueci a senha. Veio uma moça muito simpática para me ajudar no caixa eletrônico. Um sujeito que estava por perto ouviu a minha conversa com a moça, usou o celular e na saída me assaltaram. Não havia nenhum guarda de Banco do lado de fora para me defender. Só do lado de dentro para defender o Banco. Sinto-me proibido de acreditar em alguém e muito menos no Banco. Foi no Itaú!

Deve haver uma multinacional que vende proibições, porque é sempre o mesmo em toda a parte para onde vou. Não permitir é o mesmo que proIbir. Não disponibilizar, é o mesmo que proibir.

Rui Rodrigues

sábado, 19 de maio de 2012

A trabalho em Angola - 1990- 1993





Em 1990 trabalhava como gerente geral de uma empresa em Lisboa  a SPRI- Bralusango, que tinha interesses comerciais diversos em Angola.  Eu tinha que ir lá pelo menos 90 dias por ano. Nesse ano especificamente, a luta entre a FLNA e a UNITA de Jonas Savimbi ainda estava em plena atividade. Os soldados cubanos já não eram necessários e estavam de saída com suas máquinas de guerra pintadas, reluzindo como novas alguns diamantes nos bolsos dos soldados, armas lubrificadas como novas.  Aviação da África do Sul atacava esporadicamente e nesse ano não atacou duas vezes. Tínhamos alojamentos ao lado do de uma empresa do Brasil – Furnas - onde encontrei um primo de minha ex-mulher e um antigo colega de Universidade que assumia também como gerente geral na assessoria de construção de uma enorme Barragem: Capanda. Destinaram-me um quarto num apartamento da companhia, do qual declinei por achar que seria melhor o contato diário com o meu pessoal.

Dois dias depois de chegar a Angola, dois técnicos estavam no hospital. Um deles salvou-se, o outro faleceu num ataque relâmpago de febre amarela: tomara a vacina apenas dois dias antes de sair de Lisboa.

Como tinha que viajar à cidade do Namibe – antiga Moçâmedes – para avaliar a reforma do Grande Hotel da Huíla e a possibilidade de outras obras, marcamos o vôo  para um domingo às sete da manhã. Teria tempo suficiente para conversar com o nosso staff que residia na cidade e se possível fazer alguns contatos.  Sexta feira porém, logo pela manhã, em conversa com o dono da Empresa, resolvi viajar segunda feira. Ele tentou demover-me da alteração, mas expliquei que ainda havia trabalho para fazer no sábado. Descansaria domingo e como o vôo chegaria às 8:30 á cidade do Namibe, teria tempo para estar nas repartições públicas ao abrirem. Então me convidou para comer umas lagostas em sua casa na ilha de Luanda no domingo. E fui. Lá estava eu na praia esperando a lancha, quando a vi vindo em minha direção, o Dr. Graça Oliveira brandindo um jornal na mão e rindo.

Ainda na lancha ao aproximar-se me perguntou se eu tinha lido os jornais. Disse-lhe que não. Rindo deu-me um grande abraço e disse-me:

- Sabe, sr, engenheiro? O avião em que o sr deveria estar hoje de manhã, foi abatido por um foguete da UNITA. Não se salvou ninguém...

Comemos as lagostas, falamos sobre outras coisas e quando me levou de volta à praia, já sabia que segunda-feira iríamos de automóvel: Eu, dois engenheiros e um técnico de arquitetura. Tive que lhes explicar que entre apostar em avião e carro, preferia o carro que estava sob meu comando. Avião não. E com “salvo conduto” lá fomos nós, manhã cedo. Uns rezando entre dentes, um tremendo, e outro assobiando. Todos éramos casados, tínhamos mulher e filhos.

Chegamos à Serra da Chela pelo meio da tarde. Não vimos pelo caminho nenhum posto de guarda, nenhuma patrulha. Somente alguns autóctones, raros, que saiam da selva, onde havia, para ver aquele citroen branco, com embreagem de alavanca, passar zunindo como o vento pela estrada empoeirada.

Quando chegamos ao Hotel, o gerente olhou para nós admirado, e nos contou que na estrada em que passamos, um pouco antes da subida da serra da Chela, dois carros tinham ido pelos ares e 11 pessoas haviam morrido... Quando retornei a Luanda uma semana depois, a rota da TAAG já tinha sido alterada: os aviões iam e voltavam a Luanda por uma rota em “U” caminho do mar. Jonas Savimbi não tinha marinha. Voltamos de avião.

É evidente que pelo custo benefício, com tão alta taxa de risco eu não podia ser valente todos os dias.  Pedi demissão em meados de 1993 e estou aqui para contar a história em 2012.

Rui Rodrigues

Porque a crise mundial não termina antes de 2018.



Porque a crise mundial não termina antes de 2018.
(Oxalá não seja antes de 2028)





Há séculos, centenas deles, que se sabe que quem tem dinheiro são os Bancos. Eles que sempre tiveram dinheiro.

Quando em 2008 os banqueiros foram aos governos para lhes pedir dinheiro porque estavam passando por uma situação “difícil”, os cidadãos deste planeta pasmaram... O seu dinheiro de impostos estava sendo “emprestado” de pai para filho pelos governos, o pai, aos seus filhos banqueiros, que não sabiam lidar com o motivo principal de sua existência: o dinheiro.

Tão absurdo isto parece ao mais distraído cidadão, que aos poucos o povo começou a ganhar as ruas em protestos.

As empresas que analisam a liquidez dos bancos, vieram a público para desvalorizar a liquidez dos Bancos, e por tabela dos respectivos países onde atuam. Isto só contribuiu para o descrédito no sistema política x economia x bancos.

Sabe-se que existe corrupção em todo o planeta, mais nuns menos noutros, e certos governos têm maior ou menor capacidade de administração. A Islândia foi o primeiro país a estar à beira da falência devido à crise. Não se tratou de capacidade de administração nem de corrupção. Simplesmente pelo total reduzido de capital de giro proporcional à população e sua capacidade de gerar dinheiro, qualquer flutuação no mercado poderia gerar uma crise interna. Em 2008 não houve apenas uma flutuação, mas uma crise muito grande, com influência global. Seguiram-se Espanha, Grécia, Portugal, Irlanda, como os mais afetados: gastavam mais do que podiam. A Grécia está hoje no centro das atenções, porque não consegue formar um governo que atenda simultaneamente ao mínimo que a população pode suportar e a obrigação de pagar os empréstimos ao FMI e ao Banco Central Europeu.

Mas apenas a Grécia?

Na minha opinião, não. Com a crise instalada, o consumo interno diminui por falta de dinheiro. Os serviços públicos diminuem de eficiência por falta de verbas. Lentamente, dia a dia, a situação se agrava. Novos empréstimos serão necessários porque os Bancos, em plena crise, retêm o dinheiro que para de circular. Empresas fazem o mesmo, e os governos temem criar novos impostos. Outros países passarão pela “síndrome da Grécia”

Estamos como peixe encurralado numa armação de pesca... Falta de dinheiro gera diminuição de consumo, que gera falta de empregos, que gera diminuição das importações, que gera diminuição dos preços ao consumidor, que gera diminuição de recolha de impostos...

É um ciclo crítico.

O que hoje se passa na Grécia se estenderá a Portugal, Espanha, Irlanda e demais países da União Européia e por tabela aos países em desenvolvimento que terão de reduzir suas exportações, e vender mais barato as matérias primas que exportam.

Quanto tempo demora então para voltar à normalidade? Melhor ainda: O que fazer para voltar à normalidade?

Esta é a segunda vez na história recente que acontece uma crise deste tipo: em 1929 que só terminou com o inicio da segunda guerra mundial, em 1939. Terminou realmente em 1945, porque a guerra em si já era produto da crise de 1929. Para que uma crise termine é necessária a retomada de confiança do mercado. O mercado não pode retomar a confiança por decreto.

É necessário tempo para o mercado acalmar e a confiança ser retomada. Estamos, pelos vistos, numa primeira fase da crise que começou em 2008. Quatro anos passados, a União Européia está num processo de agravamento de crise, com governo atrás de governo caindo e sendo substituído por outros que, tal como eles, não podem resolver por si a situação, pelos problemas enunciados que dependem de “mercado”.

Quando a economia mundial regredir a níveis que permitam menores salários, menores níveis de consumo, menores lucros, então poderá voltar a crescer. O crescimento da economia global, tal como a altura média da população, tem limites. Não pode crescer indefinidamente como crêem os que apostam na bolsa...

A economia mundial estava inchada, gorda, concentrada na camada de gordura da pele bancária e das mega-empresas, que ditavam aos governos o que desejavam que fizessem. Os governos fizeram, mas exauriram a confiança de todos e deles mesmos.

Temos agora uma crise econômica e uma crise política em que o próprio sistema está em xeque...

E tudo isso não se conserta até 2018...  E 2028 parece uma data mais provável... Até lá escutaremos arautos de governos anunciando boas novas que de velhas já conhecemos como limitadas. Mentirão. Até que sintamos que falam a verdade, a crise continua por falta de confiança...

Rui Rodrigues

segunda-feira, 14 de maio de 2012

A Lenda dos meninos do Castelo de Fornelos

                                 
                    
                                   A lenda dos meninos do Castelo de Fornelos


Em 1740, Fornelos era uma vigararia, com algumas casas e uma Igreja em construção, fundada por um grupo de 11 moradores.
Em março de 1809 já era uma vila com bastantes e assenhoreadas casas cercadas por vinhais de boa cepa. A população bastava-se por si mesma. Cuidava das suas plantações de batatas, hortas, criavam borregos, cabras e bois. Almocreves passavam de quando em vez e traziam novidades que não se fabricavam por lá. Também lá ia uma senhora de rosto manchado, xale e um grande avental, que vendia peixe salgado do mar para que pudesse resistir. O mar ficava muito longe, lá para os lados do Porto e Vila Nova de Gaia. Os peixes chegavam a Peso da Régua em lombos de burros. A valente senhora fazia o percurso de Santa Marta até Fornelos para vender o seu peixe, cujo cheiro não era comum por aquelas bandas. As crianças corriam para assistir á venda no largo da Nogueira, junto à fonte, para ver como eram grandes aqueles peixes. Normalmente ela trazia arraias e sardinhas, uns cachuchos, umas sardas.
Durante todo o dia 12 de março não se falava em outra coisa que não fosse a iminente invasão das tropas francesas. Napoleão já tinha invadido Portugal uma vez e agora o fazia pela segunda vez. Na mitra da aldeia reuniram-se os anciãos aos jovens para decidirem o que fazer no caso das tropas passarem por lá. Esconderam o que puderam ao pé de árvores conhecidas, mas as garrafas de vinhos de todos os anos que haviam passado, testemunhos de boas colheitas, essas dariam muito trabalho para esconder. Ficariam nas adegas subterrâneas das casas. Mulheres e crianças ficariam na Igreja a orar. Os mais velhos ficariam na escuta e na observação. Os mais jovens pegaram em seus bacamartes, velhos arcos e bestas e postaram-se na única entrada da aldeia, na estrada que a ligava a Santa Marta. Essa estrada ainda existe. Essa era toda a força de defesa que Fornelos poderia ter. Não havia um castelo onde se refugiar, guarnição do exército, nada. Mas se os franceses chegassem até lá, poderiam até entrar, mas muitos jamais sairiam. Isso poderia ser de grande ajuda para os expulsar do território. Quanto mais se enfraquecessem as forças de Napoleão, melhor seria. O Rei, D. João VI, de título “Rei de Portugal Brasil e Algarves” até se tinha mudado para o Brasil, um dos reinos, para evitar que a invasão fosse consumada, pois que para vencer, naqueles tempos, não era suficiente invadir. Havia que se prender, derrubar o Rei, como ainda hoje se faz nos jogos de xadrez. D. João VI não lhes deu esse prazer e tornou-lhes a vitória impossível, porque para o apanharem teriam que viajar até o Brasil e enfrentar a esquadra portuguesa juntamente com a inglesa, a rainha dos mares.
Mário, Afonso, Pedro, Adalberto e Otílio eram crianças entre os 12 e os 16 anos. Foram para a Igreja com os outros, mas logo entre cochichos resolveram que o melhor era ir ajudar os mais velhos. Sorrateiramente evadiram-se da Igreja e foram apanhar as suas fisgas. Uma fisgada no olho de um francês tinha que causar algum estrago. A noite estava fria, chuvosa, Em noites como aquela, em outros tempos, seus pais, mães, algumas avós, costumavam contar-lhes histórias enquanto tomavam um leite quente de cabra, com migas de pão. As histórias terminavam sempre quando já estavam aconchegados com os pés quentes por uma botija de água aquecida no lume das brasas da lareira. Naquele frio, fora da igreja, muitas histórias passaram pela cabeça dos cinco pequenos amigos.  Seu temor era imenso naquele negrume da noite fria. Começavam a tremer sem saber se era do frio ou de medo. Certamente tremiam pelos dois motivos. Tinham certeza e imensa fé de que poderiam ajudar a salvar a aldeia se preciso fosse. Pararam e de mãos dadas, fizeram um pequeno circulo e rezaram a Deus.
No meio da oração, Afonso, o mais novo, perguntou aos outros;
- Olhem lá... Como é Deus para lhe podermos rezar de forma a que ele nos ouça? Não podemos rezar sem sabermos como ele é. Podemos enganar-nos e rezar ao deus dos franceses e ele não  vai nos ouvir.
- Minha mãe reza a Jesus - disse Pedro, o mais novo - Estou justamente a pensar nele.
- Mas ouvi dizer - atalhou logo o Adalberto – que existe também o Buda, o Alá e outros.
- É sim! – concordou Otílio – Então deve haver outro Deus maior ainda e mais forte que será o chefe deles. Vamos rezar-lhe que é mais seguro.

E completaram a oração. Logo em seguida começaram a ouvir dois tipos de ruídos. Eram fortes chiados de rodas e passos fortes de botas que vinham dos montes, misturados ao som de ferraduras de cavalos ao bater no chão pedregoso dos montes ao redor da vila. De outro lado, no cimo da aldeia, lá no cimo, para os lados do cemitério, um som mais parecido com um longo e forte silvo grave, abafado. Imaginaram logo que o chiado era de rodas de canhões, acompanhados de soldados armados e cavalaria. Estavam perdidos. Na igreja logo souberam que uma força de Napoleão se aproximava da aldeia e eram muitos a julgar pelos sons. Na aldeia os mais velhos podiam contar quantos cavalos eram, quantos homens, quantos canhões, porque estavam habituados aos sons que vinham de cada monte. Calcularam uns cinqüenta homens, e vinte cavaleiros com um  canhão e 12 carroças. Não era o exército de Napoleão. Seria uma força que se desgarrara do exército principal para conseguir mantimentos para o corpo de invasão.
Olharam então para trás.
Havia um castelo enorme lá no cimo da aldeia. Não havia uma só luz acesa. Era um monstro imenso. No alto tremulavam a bandeira inglesa e a portuguesa, que colhiam reflexos que passavam entre uma nuvem e outra na noite escura,
Parecia um imenso fantasma. Em cada ameia, imponente, a figura de um rei português desde D. Afonso Henriques, o fundador, até D, João VI. Todos já mortos menos o último que estava no Brasil. Podiam reconhecê-los pelas figuras que tinham visto na escola, uma casa alugada onde a professora esquentava suas belas pernas no braseiro. Todos já se tinham oferecido para ir apanhar o braseiro e colocá-lo demoradamente aos pés dela, debaixo de sua grande mesa. Ouviram também comentários, com todo o respeito, vindos de homens solteiros e também dos casados da aldeia, coisa que nem se atreviam a comentar para não levar uns tabefes. Chegavam a ir para o alto do rio, escondidos entre as moitas, na esperança de vê-la a lavar roupa e sair para abrir o milheiral. Ás vezes era assim. Quando alguma mulher ia para o meio do milheiral, logo do outro lado o milho se abria como por encanto e as duas trilhas se uniam lá no meio. Mas nunca viram a bela professora lavar roupa e muito menos ir para o meio do milheiral.

Correram para a Igreja e aos gritos avisaram quem lá estava. Os homens que estavam mais perto logo se deram conta também e todos correram esbaforidos, rua acima, a caminho do castelo de Fornelos. Ainda era um bom caminho a percorrer cheio de fragas roliças que faziam escorregar. Cada um com sua fisga e um monte de pedras nos bolsos, os cinco pequenos lá foram, correndo o tanto que podiam. Volta e meia escutavam uma imprecação dos mais velhos que se repetia amiúde:
- Ora esta, carago... Um Castelo em Fornelos, caneco!...
- E os franceses, esses safardanas, estão a vir ou estão ainda a monte?
Quando chegaram ao Castelo não viram ninguém. Não havia um rei sequer nas ameias nem na torre de menagem.  Nem bandeiras. Nem castelo havia. Era apenas uma sombra que se dissipava entre o nevoeiro da manhã. A chuva parara. Incrédulos, apuraram os ouvidos para escutar se havia movimento dos franceses. Nada. Só se ouvia o piar de cotovias, tordos, pintassilgos. Quando chegaram à aldeia, os primeiros alvores do dia haviam feito o céu brilhar como dantes.
Quando chegaram ao largo da Nogueira, quase na saída da aldeia, viram um soldado francês embriagado. Tinha nas mãos uma garrafa de vinho tinto, da safra de 1808, do ano anterior, praticamente vazia. Trocava as pernas apoiando-se num bacamarte. Ao vê-lo, Abílio, o mais velho, apanhou a sua fisga. Rapidamente atirou-lhe uma pedrada que bateu na testa do “chausseur de Fischer”, tipo de unidade francesa da guerra peninsular conhecida como “caçador”. Em vez de gritar em francês, o homem soltou uma imprecação bem conhecida, com uma voz inconfundível.
- Malditos franceses, carago!
Era o Américo, homem de posses e já meio passado na idade, que gostava de entornar uns copos. Tinha ficado porque já estava mal das pernas e cansado. Vestira uma roupa velha do exército francês ainda da primeira invasão para passar desapercebido. Aproveitara a ocasião para entrar numa adega e tomar os últimos copos de sua vida, Nenhum francês entrara na aldeia.

A caminho do Porto o marechal francês Nicolas Jean de Dieu Soult perguntava a seu oficial de campo onde estaria aquele destacamento que destinara para assaltar as aldeias e trazer mantimentos. O oficial informou que esse se perdera e não tinha notícias. Haviam desaparecido.
Na aldeia, os garotos comemoravam a façanha. Haviam pedido desculpa ao Américo e até haviam ajudado a fazer-lhe o curativo no galo que lhe parara de crescer no meio da testa. Por pouco não lhe batera no olho. Homens e mulheres comentavam sobre o lindo castelo que aparecera e desaparecera numa única noite.
Orgulhosas, as crianças comentavam os acontecimentos entre si. Disse o Otílio:

- Estão a ver? Que grande pedrada. Se fosse um francês eu tinha acertado. Palavra que tinha!. Sabem qual é o nome do gajo que comanda os franceses? João de Deus Soult. Que Deus será esse o dos franceses? Deve ser muita fraco pá!

Em 1983 visitei Fornelos.  A roupa que o Américo usava não sei que fim levou. O caruncho deve-a ter rilhado toda. As garrafas nas adegas ainda estão lá. Agora muito menos, mas estão marcadas a tinta branca com a data da safra do vinho. Os franceses desse não beberam. O bacamarte foi vendido a um almocreve que fazia o trajeto entre o Viso e Fornelos e que morreu mais tarde numa luta com outro almocreve, galego. Dizem que em certas noites umas luzes andam para cima e para baixo até se encontrarem na metade do caminho onde ainda existe uma capela, em honra de Santa Eufêmia, e então depois de breves segundos juntas, desaparecem.

O vinho que tomei, da safra de 1810, data da ultima invasão francesa quando o exército de Napoleão foi derrotado na batalha de Toulouse, era muito bom. Ainda lhe sinto o paladar. Napoleão perdeu a prova de um grande vinho que talvez tivesse mudado o rumo da história. Hoje, esse vinho teria 202 anos. Se passar em Fornelos, pergunte se ainda o há. Se não houver, tome qualquer outro de qualquer safra Todos são excelentes e honestos. Não devem nada aos de Napoleão.  
Rui Rodrigues

sábado, 12 de maio de 2012

Zaratustra, Nietzsche e outras coisas




Zaratustra, Nietzsche e outras coisas...

Somos testemunhas vivas de que “propaganda é a alma do Negócio”. Mas isto já se sabe há milênios. Para que as idéias não se propagassem, já proibiram livros de Sócrates, Platão, e disseram que Nietzsche não era um exemplo a ser lido. Niccolò Paganini, um compositor violinista que revolucionou a arte de tocar este instrumento foi indiciado como o “violinista do diabo”, proibido de ser ouvido. Rasgaram livros de Platão e de Sócrates, queimaram a biblioteca de Alexandria, mas sempre algum de nós guarda algo em algum lugar que preserva o passado. Num mundo tão pequeno como o nosso, nada se esconde por uma eternidade.

Num mundo rico em diversidade natural, paisagens, idéias, é humano que a cada nova paisagem se esqueça a anterior, a cada idéia nova se relegue a anterior, até mesmo por uma limitação natural de assimilar de forma consciente e concomitante tudo o que sabemos e vemos. Somos reféns de uma prática nossa de desejarmos identificar-nos a um grupo para não sermos rejeitados e podermos viver amparados por seus participantes. Se este grupo cresce, acaba por desejar impor suas idéias a todo o mundo conhecido, exercendo uma ditadura moral. A união de grupos formou nações por identificação de costumes e princípios.

Situam o nascimento de Zaratustra (Zoroastro conforme a ele se referiram os gregos) em cerca de 258 anos antes de Alexandre (dito o Grande), ou seja, cerca de 600 AC. Teria nascido em terras iranianas ou do Afeganistão. Estudos recentes devidamente suportados pela arqueologia e a lingüística indicam que isso aconteceu entre 1.500 e 1.200 AC. Esta diferença de datas é muito importante, porque coloca o povo judeu em contato com o Zoroastrismo numa época em que era comum o judaísmo aceitar a existência de vários deuses, incluindo os dos aquemênidas conforme referenciam a Bíblia, a Tora, o Corão.

Friedrich Wilhelm Nietzsche nasceu a 15 de outubro de 1844 em Röcken, localidade próxima a Leipzig. Karl Ludwig, seu pai, pessoa culta e delicada, e seus dois avós eram pastores protestantes; o próprio Nietzsche pensou em seguir a mesma carreira. Escreveu dentre outros livros, “Assim falou Zaratustra”. Pelo título somos levados a pensar que Nietzsche endossa os pensamentos de Zaratustra, mas na medida em que vamos desenvolvendo a leitura, começamos ora a achar que Deus não existe, ora a ficarmos confusos sobre sua existência. Nietzsche permite em sua redação que julguemos de sua existência e questionemos se não seremos herdeiros de sua imagem, podendo vir a tornarmo-nos em pequenos e limitados deuses, ou melhor, os superseres humanos. 

Mas porque razão teria Nietsche usado Zaratustra e seus princípios e não Moisés, Jesus Cristo, Buda ou qualquer outro mito de nosso passado bem remoto? Parece que a explicação mais adequada é a de que Zoroastro teria influenciado todas as demais religiões em termos da unicidade de Deus, o deus único, todo poderoso, onipresente e onipotente.

De fato, enquanto na época de Zaratustra existiam vários e muitos deuses em cada religião conhecida, este afirma em seus escritos, no livro “Avesta” que só existe um Ahura Mazda. Zaratustra foi o único profeta que escreveu o próprio livro de religião, visto que todos os demais foram todos escritos por terceiros décadas ou séculos após os acontecimentos. No livro “Avesta” e no “Os Gathas de Zaratustra”, este de 17 páginas constituído de hinos, estão contidos os fundamentos do monoteísmo pela primeira vez na história da humanidade. Conjunturas dos muitos movimentos internacionais  que mudaram filosofias, conquistaram países, e vêm mudando a configuração da humanidade ao longo dos séculos, fizeram com que outras religiões viessem a ser hoje mais conhecidas, mas sem dúvida alguma, face aos documentos históricos, Zoroastro foi o primeiro profeta monoteísta da historia da humanidade. É referido nos “Contos das Mil e uma Noites”, impresso com base em tradições orais que foram passando de geração em geração.

Para Zoroastro (e até certo ponto para Jesus da Nazaré) Deus era bom e não havia que temer a Deus. Somente deviam temer a Deus quem não o conhecesse. Creio que Deus não se teme e quem não o conhece não pode ser imputado de culpa. Seria como achar que Deus não se interessa pelas culturas milenares que ainda vivem na idade da pedra, como na Amazônia, Austrália e outros lugares, que não foram sequer evangelizados. O próprio Deus não vem a Terra para evangelizar, e se aceitamos que um dia já o teria feito, teremos que nos perguntar porque razão jamais voltou a fazê-lo. Deus não desiste de sua obra. Então Deus será diferente do que pensam sobre ele.

Podemos discutir, sem chegarmos a uma verdadeira conclusão, que tipo de raciocínio levaria alguém a pensar num Deus único naquelas épocas em que todos achavam que para cada mal, cada necessidade, deveria haver um pequeno deus. Sabemos que era absolutamente normal os sacerdotes e profetas da antiguidade se fazerem entrar em transe tomando bebidas alucinógenas. Seus sonhos em transe deram origem a deuses violentos, a apocalipses terríveis que foram depois interpretados.

Zoroastro começou o monoteísmo. A imperfeição de seus rudimentares conceitos fez surgir novas religiões baseadas em seu monoteísmo. A propaganda ou a sua ausência provocou a divulgação ou o esquecimento de muitas delas que conhecemos apenas por legados desencavados dos sítios arqueológicos. Nietzsche partiu do princípio de que somos feitos á imagem de Deus, e se isso é verdade – como de fato parece ser – então não podemos ser maltratados por nossos semelhantes, nem explorados, nem escravizados de algum modo, e todos devemos participar, sem distinção, na construção das leis das nações a que pertencemos, vivendo em paz com todas as demais nações, dedicando-nos á grande tarefa de construímos nossas casas em novos planetas, povoar o universo, vencer doenças, tornar-nos imortais se assim o desejarmos, verdadeiros pequenos deuses que em nada podem afrontar o único Deus.

Também não acredito que Deus não cuide de quem não acredita nele. Isso não seria atitude de Deus.


PS - Para outras consultas existe farta literatura na Net. Indico algumas a seguir, e quem tiver oportunidade recomendo a leitura dos livros sagrados aqui referenciados e em particular “Cosmos, Caos e o mundo que virá” de Norman Cohn – Editora Companhia das Letras. Norman foi professor da Universidade de Sussex, diretor da Columbus Center, ocupou a cátedra Astor Wolfson. Escreveu três livros mais.