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terça-feira, 10 de julho de 2012

O inferno do meio




O Inferno do Meio

Lera o inferno de Dante, o Processo, Assim falou Zaratustra, Os miseráveis, Ensaio sobre a Cegueira, alguns outros livros, mas hoje não tirava estes do pensamento. Viu um pequeno vulto passar pelo jardim. Pareceu-lhe um rato. Ainda era madrugada e as sobras da noite não o impressionavam mais. Vivia sua existência contando os dias e as noites pelas horas, não pela quantidade. Qualquer soma de dias poderia corresponder à realidade.  A gata correu pelo jardim. Deveria ser um rato. Se fosse, seus minutos estariam contados, porque na direção em que se moveu não havia saída, porta ou buraco para onde pudesse fugir. Era um rato morto e não sabia. Viera com a mudança do vizinho, porque antes não havia ratos por lá. Estava enclausurado. Neste planeta vivemos todos enclausurados. Não temos para onde sair e nem sequer somos ratos. Traçaram umas fronteiras nuns papéis a que chamaram mapas, delineando áreas a que chamaram países. Tal como ratos, muitos semelhantes vivem dentro dessas fronteiras sem nunca terem saído para outras. Não sabem o que se passa por lá, e mesmo dentro de suas fronteiras também não sabem o que se passa. As notícias não são dignas de fé e a maioria nunca saiu da própria cidade ou lugar. O inferno do Meio é uma clausura mesmo quando não há grades. Mas é um equívoco imaginar algum lugar sem grades. Cidades inteiras com janelas gradeadas, muros com cacos de vidro e cercas eletrificadas. Câmaras de vídeo ligadas pelas esquinas pala flagrar bandidos, meliantes, ladrões, escroques, ratazanas que furtam para pagar as dívidas. Malandros têm sempre quem lhes dê comida. Gente honesta nem tanto. A criança na escola primária é socada e dão-lhes socos e pontapés. Não é necessário qualquer motivo para apanhar. Basta um detalhe, como ser sossegada, olhar com receio para os outros, ter um pouco de excesso de peso, ou mostrar algum ponto fraco. Tal como os ratos, as ratazanas caçam os que parecem mais fracos. Têm sede de justiça, mas a justiça que julgam ser justa é a mais injusta. Pensam que são diferentes e que baterão sempre. Quando mais tarde apanham da vida, choram e dizem que são fracos. Isso acontece nas delegacias da polícia quando são apanhados em flagrante. Não há lugares para todos os presos nas delegacias nem nas prisões. Os marginais são soltos, e lei abrandou, sorte de quem não for escolhido para vítima do crime desorganizado que mata tanto quanto o crime organizado. Nas capitais de governo, os governantes estão longe de tudo isto. Quando lêem pelos jornais que atearam fogo em mais um idoso morador de rua, ou num índio que dormia num banco de jardim, ou que mataram um motorista que resistiu a um assalto, raptaram uma criança recém-nascida da maternidade, pensam que foi em outro “país”, porque os palácios onde vivem têm toda a segurança possível, guardados por policiais treinados, exército, marinha, aeronáutica. O governo que não cuida do povo, tem a segurança que o povo não tem.

Havia uma garrafa de vinho no armário. Foi até lá e abriu-a. Colheu um copo limpo e despejou aquele líquido perfumado de vinha até encher a metade do copo. Sorveu uns goles e olhou o que sobrara. Tinha cor de rubi. Lembrou-se dos tempos bíblicos quando se cultivava a vinha, e como esta bebida vem sendo apreciada desde então até os dias de hoje. Refrigerante é coisa moderna. Querem que substituam o vinho e a cerveja. Querem tirar todas as alegrias dos cidadãos comuns e dos incomuns. Já não se pode fazer sexo de forma tranqüila e em paz. Há doenças que se são incuráveis e é necessária uma proteção que tira a vontade de fazê-lo a muita gente. A vida está tão cara e difícil, que se antes o problema de ter filhos era um problema moral porque implicaria em casamento ou perseguição, hoje é porque depois do filho nascer não se sabe como alimentá-lo. Os empregos são instáveis, e ora num ano sobram empregos, ora faltam em dois ou três anos seguidos. Não há paz nem tranqüilidade mesmo quando os bandidos não assaltam. O velhinho de setenta anos de idade morreu na fila de atendimento do hospital, mas o filho do artista cantor teve todo o apoio das equipes médicas. O povo aplaude o restabelecimento desse filho, e critica o velhinho morto na fila de espera. E ficam assim, evitando entrar num processo de envolvimento tal que acabem perdendo seu pouco tempo disponível. A vida é algo muito dinâmico e para evitar o sofrimento, é melhor fechar os olhos, rezar para não acontecer conosco, e seguir em frente como o rato que fugiu na direção da parede cega onde não há porta ou buraco para onde possa fugir da gata zelosa. Mais uns goles descendo pela garganta e o inferno do meio começa a desvendar-se. Há frio nas terras geladas do norte e do sul, fervem as águas no meio entre eles, pegam fogo a caatinga e os desertos, as zonas de guerra que são muitas, as lareiras da maioria cozem pouca coisa, a água é suja, os esgotos são a céu aberto, não há iluminação nas ruas, os ônibus passam cheios, em alta velocidade fazendo curvas que atiram os passageiros de um lado para o outro. As vagas para estacionamento de deficientes físicos estão ocupadas por deficientes mentais e amorais, as empresas de telefonia roubam nos impulsos e na banda larga fazendo da Internet e do celular um inferno que se junta com os juros bancários liberados á revelia do próprio governo. Os cidadãos afogam-se em enxurradas das chuvas sem solução de contenção de encostas e de água das chuvas, na falta de transportes públicos em quantidade, na improbabilidade de ganhar dinheiro honesto suficiente para pagar os juros a usura bancária. É o inferno na Terra, é a terra do inferno, o rico de hoje nem imagina que será o pobre de amanhã, o pobre de hoje não será o rico de amanhã a menos que roube o irmão, os amigos, dê golpe em algo ou em alguém. Os impostos altos, estratosféricos não deixam enriquecer. Para enriquecer é necessário enganar ou ter amigos no poder que possam enganar outros para beneficiar alguém. E assim se concorre a concursos públicos com as cartas marcadas, os melhores não são concursados, só por coincidência.

Bebeu mais uns goles, a garrafa pelo meio. Antigamente e este antigamente nem é tão antigo, beber uns goles de vez em quando era sinal de algo indefinível que não representava nada de politicamente correto ou incorreto. Era simplesmente normal. Hoje temo que nem levem a sério quem escreve dizendo que está bebendo uns goles do bom e amigo vinho, e, se disser que nunca ficou de pileque, bêbado ou embriagado, não acreditam. A mídia já fez o seu trabalho, os fazedores de opinião já mudaram a forma modal de pensar: a moda é não beber, não fumar, não fazer sexo desprotegido, não falar o que se sente porque pode ser interpretado como politicamente incorreto. Mas no remanso do lar é diferente. É tudo diferente e até já se pode plantar maconha em casa, mas fumar não: o preço está exorbitantemente alto por causa dos impostos que incidem sobre os pacotes. Já vale a pena pegar um ônibus ou avião para qualquer outro país e trazer os 500 dólares permitidos tudo em tabaco, porque lá são cerca de 90% mais baratos. Onze mil carros roubados em S. Paulo, de um total de vinte e dois milhões de veículos, só nos primeiros três meses do ano, dão uma idéia do trabalho da polícia e do desproporcional trabalho dos ladrões. As oportunidades de trabalho dos ladrões são muito maiores do que as dos policiais. É o inferno do meio, a inversão de valores, o caos, não é a vida.
Pagam-se salários exorbitantes a políticos, as notícias dos jornais dizem que eles roubam muito independentemente dos partidos a que pertencem. Isto não pára, nem a justiça os para e roubar. O dinheiro desviado não é devolvido. A justiça libera para não comprometer a “credibilidade” do Estado. O estado tem que ser credível mesmo quando rouba descaradamente ou não cuida dos cidadãos. Estado que não cuida não precisa receber impostos. Pressupõe-se que o Estado recolha impostos para cuidar pelo menos das funções básicas. Os votos que pedem são dados em confiança, mas não podem ser retirados. Os ladrões têm quatro anos inteiros para roubar com toda a impunidade. É o inferno do meio que chegou e ficou. É o inferno do meio em que vivemos. Não vejo nenhum S. Jorge matando o dragão... Só anúncio de televisão dizendo que os Bancos são nossos amigos e que nos dão futuro brilhante cheio de dinheiro, que o governo dará mais um show grátis para a população em praça pública e que está trabalhando para a população enquanto esta se diverte em paz, que as obras do governo serão executadas no prazo custe o que custar, que  este ou aquele partido político é o melhor e que se deve votar nele para sermos felizes e termos tudo o que nunca tivemos e tanto desejamos.

O céu fica lá em cima, muito longe... Lá embaixo não existe porque este planeta gira sobre si mesmo e estamos sempre embaixo do céu. Se o céu existe, e o lá embaixo não existe, o inferno é aqui.

É o inferno do meio...


Rui Rodrigues

segunda-feira, 9 de julho de 2012

A Vida terrena




A Vida terrena

Existem algumas teorias credíveis sobre a origem da vida na Terra, e nada impede que existam outros planetas com vida, tal como a conhecemos, neste vasto Universo. Algumas das teorias não passam de crenças. Outras têm suporte científico, como a que remonta aos primeiros tempos de existência deste planeta, logo após ter esfriado, segundo a qual um raio de luz atravessando um cristal, ou uma descarga elétrica num meio rico em hidrocarbonetos teria dado início a uma divisão celular criando uma cópia exata do original. Há quem acredite que um meteorito ou um pequeno cometa seria o responsável por nossa existência depois de milhões de anos de evolução.  

Mas não importa, porque não é sobre o início da vida que pretendo me estender, e sim da vida que levamos neste planeta.

Estamos habituados a ouvir falar da Lei da gravidade, descoberta por Newton, da lei de Conservação da Energia, da Lei de Coulomb, da Relatividade Geral e da Relatividade Restrita, estas duas de Einstein. Há também uma lei para a vida: Tudo o que nasce, morre. Não há escapatória nem milagres que impeçam a aplicação desta lei. Sabemos disso. O problema resume-se então, já que a morte é inevitável, ao que fazemos da nossa vida.

Alguns acreditam em vida após a morte, e sendo assim, devem ser pessoas sem erro algum, sob pena de perderem essa oportunidade. Essas pessoas pensam que se não forem para um paraíso, irão para um inferno queimando eternamente em enormes caldeirões cheios de óleo fervente, esquecendo-se de que não terão corpo para ser queimado. Se houver esse castigo deve ser de outro tipo. Anjos também não têm asas, e como ninguém viu nenhum, duvida-se sabiamente de sua existência. Purgatório que ninguém sabe como é, deve ser um lugar de castigos mais suaves para que a alma entre nos eixos. Ou seja, seria mais ou menos como no tempo da Inquisição em que, pelo castigo, se julgava que poderíamos aprender alguma coisa. Já sabemos também que com castigos não aprendemos nada e alguém já disse que não queria a morte do ímpio, mas que se convertesse e vivesse. Parece que com a liberdade que Deus nos teria dado – para os que acreditam em Deus, como eu – não há a mínima necessidade de que alguém se converta porque todos os pecados são perdoados. Basta o arrependimento. Mas não temos certeza de como será esse céu. Então, voltamos ao ponto zero: Vivemos e temos que viver uma vida da melhor forma possível.

Mas... O que é viver a vida da melhor forma possível?

Bem! Estamos sujeitos a dois tipos de consciência: A nossa e a da sociedade em que vivemos. Temos as nossas próprias regras do que é “melhor” e as regras, ou leis, dessas sociedades, às quais estamos sujeitos. Ir contra nossas próprias regras faz-nos sentir mal. Ir contra as regras da sociedade faz com que nos incomodemos muito e possamos perder a nossa liberdade. Infringir estas regras, não nos faz nada bem à saúde física ou moral, espiritual.
Para vivermos bem, temos então que obedecer a estas regras: às nossas e ás da sociedade. É pelo menos meio caminho andado.

Afora isto, e para tudo, temos que calcular sempre os riscos e o custo comparado com o benefício. Avaliar os riscos começa até ao levantar da cama e decidir o que fazer, como e quando durante o dia que decorrerá, como atravessar uma rua, por exemplo, ou entrar em mais um financiamento que nos pode comprometer a existência futura devido aos juros que teremos que pagar: Poderá faltar dinheiro para o supermercado. O custo-benefício pode ser, por exemplo, decidir se vamos levar uma vida dedicada a ficarmos ricos ou quando parar de fazer isso. Ficar rico, mesmo usando de tramóias, golpes baixos, corrupção, dá um trabalho danado, provoca sobressaltos no coração, dá-nos cabelos brancos precoces, envelhecimento, entupimento de artérias. Mas lá está... Sabemos que morremos e ninguém morre rico. Todos morremos pobres, nus, sem levarmos nada para o lado de lá. Os filhos que aprendem com os pais a serem ricos sofrerão do mesmo mal e das mesmas virtudes. Os que não aprenderam, torram tudo o que os pais economizaram, anulando todos os esforços paternos. Todos estes têm um custo muito grande na vida e acabam nus, mortos, zerados em seu estoque de bens e dinheiro. O ideal seria trabalhar até ficar muito bem de vida, e depois ir gastando até que o ultimo centavo se esgotasse com o último suspiro de vida. Mas não leve dívidas, porque faz tão mal perder tempo de vida enriquecendo muito para lá do que pode gastar em vida, como se endividar e viver sempre em sobressaltos e privacidade de outras coisas da vida.

Finalmente, a terceira receita para considerar - partindo do princípio do livre arbítrio segundo o qual cada um faz o que quer e pode.

Nunca alimente o que lhe faz mal por muito tempo. Tenha a noção de largar, desprender-se de tudo o que o (a) incomoda. Por exemplo, se seu casamento vai mal e já fez de tudo para mantê-lo e não deu certo, largue tudo. Recomece mesmo que tenha 100 anos. Vale a pena. Seu carro lhe dá muitos problemas e o governo multa muito, a gasolina está muito cara? Venda o carro. Experimente usar o metrô e os ônibus. Suas viagens serão muito mais animadas, gente a seu lado para conversar. Gente para conhecer. Misture-se. Ouça a vida dos outros. Vai gostar e emagrecer, porque caminhará mais, fará mais exercícios. Não agüenta mais o seu vizinho ou vizinha? Esqueça essa gente ou torne-se amiga deles... Creio que a segunda opção é muito melhor, e ser “amigo” pode significar apenas “não ser inimigo”, mas também pode ser que se tornem grandes amigos. A vida apronta coisas que nem imaginamos.

Você já paga cerca de 30% de imposto de renda, impostos embutidos nos preços, tem prestações para pagar e ainda paga dez por cento de seu salário para a Igreja, o dízimo... Fale com Deus e diga-lhe que sua vida está um pouco apertada. Pergunte a Deus o que Ele acharia se ele lhe perdoasse o dízimo por uns seis meses só para aliviar um pouco a sua vida... Certamente Deus lhe dirá que sim. Ele é bom... Depois faça a mesma pergunta ao pastor. Se o pastor disser que não, então é porque não escuta Deus. O pastor não é bom! Siga seu coração e descanse do pagamento por uns meses. Quando for rico, ou rica, pague a Deus em dobro...

Viva bem, respire fundo, caminhe, tenha humor, ria, viva em paz e tranqüilamente sem problemas ou na pior das hipóteses, com o mínimo de problemas possível, sabendo que um dia morrerá: sem dinheiro e sem problemas...

Em nudez completa!

Boa viagem...

Rui Rodrigues

sábado, 7 de julho de 2012

A gata na janela





A gata na janela

Nunca menospreze a sabedoria dos gatos ou das gatas. Eles podem surpreender se ficarem atentos e souberem interpretá-los. 

Dizem que a esfinge do Egito representa um gato ou um leão com rosto humano. Escavações têm revelado gatos mumificados. Na esfinge, a cabeça humana representaria a “inteligência” e a percepção felina. As múmias, a esperança de que após a morte seus donos e seus pequenos animais de estimação se pudessem encontrar depois do tribunal de Osíris, o coração pesando menos do que uma pluma, e assim passarem ao paraíso. Mas os gatos eram mais do que amigos. Eram os preferidos de uma deusa gata, Bastet.  Como cada cidade egípcia tinha o seu deus patrono, a cidade de Bastet era Bubástis.

Minha gata, a Sarkye, passava a maior parte de seu tempo na janela. Seu olhar acompanhava pessoas que passavam. Viu passarem invernos, primaveras, verões e outonos. Viu neves caírem e bafos saindo de bocas e narizes, flores brotarem, frutas nas árvores e gente suando, folhas caindo. Viu gentes com roupas pesadas e sentiu o cheiro do fumo de castanhas a assar, depois pessoas vestidas á vontade, depois com pouca roupa, e novamente com roupas leves. Sabia dos ciclos das estações, dos cheiros, o ar que lhe passava pelos pêlos indicavam mais que movimento. Quando a janela estava aberta, traziam o cheiro e traçavam o perfil de quem passava. Reconhecia as pessoas.

Neste inverno os vidros ficaram mais embaçados do que costume e naquele dia em particular viu lá na rua, dirigindo-se para o portão de entrada aquele vulto feminino que conhecia bem. Rosnou curta e surdamente. Eu ouvi-lhe o rosnado. Sabia que era Linda que chegava. A minha gata não gostava dela. Pulou da janela, foi até a cozinha, e de lá deu um miado fino e curto. Esperei. Repetiu o miado. Fui até a banca de pia e abri a torneira até sair um esguio filete de água. Ela aproximou-se com cuidado e sua língua começou a sorver até se saciar.  Quando terminou, olhou-me, pulou da pia. Desliguei a torneira. Como se fosse um sinal, Linda Carlson tocou á campainha. Abri-lhe a porta. Seus braços rodearam meu pescoço. Seu corpo colou-se ao meu. Sussurrou-me que me amava. Não pude evitar sorrir. Há muito declarava que queria viver junto comigo. Casar talvez, mas jamais fizera referência a casamento. Fomos para a cama. A gata ficou de longe, na janela, olhando-nos de soslaio por vezes, seus olhares concentrados na rua. Ficou em silêncio até que nos levantássemos. Era já noite. Logo que Linda saiu, veio até mim roçou o corpo em minhas pernas nuas e caminhou na direção dos pés da cama. Acompanhei-a. Vi-a baixar a cabeça e cheirar algo no chão. Quando me abaixei vi uma pequena cartela de fósforos, dessas de papelão, com o anúncio de um hotel. Quando a abri, pude ler “amanhã às cinco- 502”.  Então, a gata caminhou para a cozinha para perto de seu prato de ração. Olhou-me com seus olhos amarelos ouro e miou fino como se falasse em sons curtos. Dei-lhe uma pequena dose. Por momentos ouvi seus dentes quebrando os pequenos nacos de ração, e logo em seguida foi para a minha cama, e lá no fundo, onde batem os meus pés, enroscou-se e fechou os olhos postos na minha direção. No apartamento apenas a luz do abajur e três pequenas lâmpadas vermelhas de sinalização: do modem, de uma das caixas de som, e do “caps Lock” que deixara ligado. Eu estava no computador.

Ás 8:30 da manhã o dia tinha recém renascido como no ciclo egípcio de Nut e Rá. Pensei nas pirâmides e na esfinge, que teria dito ao Édipo: “Decifra-me ou devoro-te”, mas essa era a única esfinge que existiu na Grécia. A do Egito não provocava esse tipo de questionamentos e entre suas enormes patas havia um templo. Era representada deitada. Esta, a grega, era representada sentada, e tinha asas. O seu enigma consistia na pergunta: “Que criatura pela manhã tem quatro pés, ao meio-dia tem dois, e à tarde tem três?”. Édipo-Rei matou a charada: o homem quando nasce engatinha, depois fica em pé e finalmente usa uma bengala quando envelhece. Louco de exagerados amores libidinosos pela mãe e com raiva do pai, Édipo mata o seu progenitor e arrependido vaza os próprios olhos. Foi Sigmund Freud quem descreveu este tipo de comportamento filial para com as mães, mas foi seu discípulo Carl Jung que lhe atribuiu a qualificação de “complexo”: Complexo de Édipo, diferenciando-o do mesmo comportamento, agora feminino em relação ao pai: “Complexo de Electra”. 

Estava exausto do longo texto que redigira no computador. Precisava de um descanso para depois lhe fazer uma revisão e mandar para o jornal. Voltei para a cama. Tinha que acordar às quatro da tarde.

Acordei ao sentir uma leve pressão no braço como se me fossem espetar uma agulha. Sarkye viera dormir a meu lado, as patas apoiadas em meu braço e suas unhas haviam-me dado essa sensação. A campainha da porta tocava. Levantei-me e vesti-me rapidamente. Sarkye acompanhou-me á porta e ficou olhando para ela como se visse do outro lado. Esfregou-se em minha perna. Sabia que era Alice antes mesmo de abrir a porta. Quando a abri, avançou sobre mim e foi-me empurrando para a cama. Claro que eu queria isso, mas tinha um compromisso às cinco e não queria perdê-lo. Também não queria perder aquela rara oportunidade de ficar com Alice. Ela era casada com um amigo meu. Éramos muito amigos, mas estas coisas de atração independem das amizades. São coisas à parte, diferenciadas. Quando nos deitamos, Sarkye veio para a cama e aninhou-se no fundo da cama. Queria ver de perto a minha felicidade. Num relance vi-lhe os olhos transparentes, de linda cor amarela ouro, e parecia que me propunha um enigma: “Toda a mulher bonita é casada, ou toda a mulher casada é bonita?” Não creio que Freud ou Carl Jung pudessem decifrar esta questão e mesmo que decifrassem, eu não ficaria propenso a acreditar. Eu não era devasso e eles me induziriam a pensar que o era.

Quando terminamos, levantou-se e disse-me que estava com fome. Iria preparar-me um jantar. Perguntei-lhe sobre o marido enquanto me preparava para abrir uma das duas garrafas de vinho que sobraram de minhas investidas ao armário onde as costumo guardar.

- Está num congresso num hotel lá no centro. Acho que é um seminário. Vai ficar lá até sábado. Disse-me que não o interrompesse, e que se houvesse algum problema para ligar para lá e pedir para falar com o quarto 502. Por isso prepara-te porque vou ficar contigo até sexta á noite.

Sarkye estava agora passando pelas pernas de Alice enquanto cozinhava. Olhei para ela. Era perfeita assim toda nua, com um avental que lhe cobria parcialmente a frente. Tinha umas costas maravilhosas. Senti-me um pouco dono de toda aquela beleza, embora tivesse consciência que ninguém é dono de ninguém.

Talvez Freud pudesse explicar porque razão, mesmo sabendo disso, teimamos em cultivar esse sentimento de posse, e imaginando que pudesse, certamente não poderia explicar porque razão o marido de Alice precisaria de um corpo adicional como o de Linda, e Linda precisasse de um corpo adicional como o do marido de Alice. Não fosse pelos corpos, seria por outra coisa qualquer.

No fundo éramos todos grandes amigos. Só a Sarkye aceitava dois “donos”: Eu e Alice.


Rui Rodrigues

  




sexta-feira, 6 de julho de 2012

A asquerosidade dos ratos de esgoto




A asquerosidade dos ratos de esgoto

Crianças brincam á beira de valas a céu aberto por onde escoam águas pútridas que lhes dá diarréia, doenças. O ar está empestado de miasmas, as águas são escuras e pastosas, há choro nas casas ao redor porque uma criança morreu de dengue. Pela noite vêm-se ratos comendo baratas que pastam o alimento dejeto de humanos. Não é desses ratos que falo. É dos ratos que não deixam o dinheiro dos impostos chegarem até essas comunidades para que se construa uma rede de esgotos. Estas ratazanas gordas e suadas dos esgotos roubam o dinheiro público e normalmente são prefeitos, sub prefeitos, vereadores, deputados, senadores e empresas e outras ratazanas que protegem.

Mas as propagandas do governo dizem ao som de música e gente alegre e bem vestida que a Prefeitura está fazendo do melhor pelo município. As ratazanas também vivem e se alimentam de propaganda com as verbas públicas. Artistas também e alguns dizem ser socialistas, outros comunistas e outros ainda capitalistas.

No hospital o lixo hospitalar se espalha pelos arredores aguardando transporte. Até sair do hospital fica por lá... Aguardando que alguém o tire. Doentes pelos corredores aguardam serem atendidos. As filas são enormes. Há vírus e bactérias hospitalares que matam mais do que as doenças que levaram os enfermos ao hospital. Gente morre nas filas por falta de atendimento. Falta esparadrapo, faltam remédios porque apodrecem ou foram subtraídos do estoque e revendidos. Médicos têm quem lhes assine o ponto e nem aparecem. Quem atende no balcão é simpático e tem o dom de ouvir reclamações com a frieza e a insensibilidade de uma múmia habituada à morte. As ambulâncias servem também para levar lindas enfermeiras à praia ou apanhá-las no shopping. Não há verbas para ampliar e modernizar os hospitais nem para contratar novos médicos e enfermeiros. Alguns dos que atendem como médicos estão ainda em universidades. Ratos alimentam-se pela noite de restos de comida e de restos de operações em humanas.  

Não é desses ratos que falo. É dos ratos que não deixam o dinheiro dos impostos chegarem até esses hospitais e não fiscalizam o uso dessas verbas. Estas ratazanas gordas e suadas dos esgotos roubam o dinheiro público e normalmente são prefeitos, sub prefeitos, vereadores, deputados, senadores, empresas e outras ratazanas que protegem.

Mas as propagandas do governo dizem ao som de música e gente alegre e bem vestida que a Prefeitura e o governo estão fazendo do melhor pelo município, pelo Estado e pela nação. As ratazanas também vivem e se alimentam de propaganda com as verbas públicas. Artistas também, e alguns dizem ser socialistas, outros comunistas e outros ainda capitalistas.

Nas escolas há professores mal pagos. Há é um eufemismo, porque todos são mal pagos. E são mal pagos porque se gasta muito em merenda escolar que custa os olhos da cara, mas não vale dois reais por merenda. O dinheiro desaparece. Num país tão grande, não existem - praticamente - centros de pesquisa. São bilhões de reais gastos em educação e não progredimos. Alunos revoltados levam armas para a escola, descarregam as suas frustrações nos colegas. Maltratam, batem, filmam e postam na Internet. Não vêm futuro se estudarem, porque ganharão sempre muito menos do que vereadores, deputados, senadores, prefeitos, governadores, e toda a equipe trilionária que os serve, viajando de um lado para o outro porque se pode pertencer a governos de municípios e estados onde nem se nasceu, nem se conhece as necessidades do lugar. Entre vômitos de merenda escolar, merendas rejeitadas por intragáveis, e restos da preparação, juntam-se ratos à noite para tragar o intragável. 

Mas não é desses ratos que falo. É dos ratos e ratazanas que não deixam o dinheiro dos impostos chegarem até esses professores e escolas e não fiscalizam o uso dessas verbas. Estas ratazanas gordas e suadas dos esgotos roubam o dinheiro público e normalmente são prefeitos, sub prefeitos, vereadores, deputados, senadores, empresas e outras ratazanas que protegem.

E as propagandas do governo dizem ao som de música e gente alegre e bem vestida que a Prefeitura e o governo estão fazendo do melhor pelo município, pelo Estado e pela nação. As ratazanas também vivem e se alimentam de propaganda com as verbas públicas. Artistas também, e alguns dizem ser socialistas, outros comunistas e outros ainda capitalistas.

Invadem-se favelas e pacificam-se. Põe-se polícia nas ruas e montam-se esquemas de proteção para autoridades. Desvia-se trânsito de ruas. Apreendem-se toneladas de drogas. Um helicóptero baixa dos ares e prende dois garotos que roubam nas ruas de Copacabana. Acabam-se com lugares públicos de consumo de drogas. Tudo um show digno de película de cinema de policial e bandido. A população se impressiona, mas no dia seguinte o lugar de consumo público de drogas, aberto e escrachado mudou de lugar, os traficantes mudaram de favela e até de Estado, os helicópteros desapareceram dos ares. Comerciantes e prédios continuam a ser assaltados. Seqüestros relâmpago em grupo. Bancos assaltados. A polícia prende e a justiça solta porque não há lugar em presídios nem verbas disponibilizadas para a construção de outros. As drogas continuam sendo apreendidas às toneladas, como sinal inequívoco de o tráfico não perdeu o potencial. Prendem os pequenos e deixam livres os grandes que talvez até sejam políticos. Policiais são destacados para proteger Bancos, correios, entidades, e não suficientes cuidando das populações. As cidades estão cheias de ratos nos esgotos.

Mas não é desses ratos que falo. É dos ratos e ratazanas que não deixam o dinheiro dos impostos chegarem até esses presídios e policiais mal pagos e não fiscalizam o uso dessas verbas. Estas ratazanas gordas e suadas dos esgotos roubam o dinheiro público e normalmente são prefeitos, sub prefeitos, vereadores, deputados, senadores, empresas e outras ratazanas que protegem.

E as propagandas do governo dizem ao som de música e gente alegre e bem vestida que a Prefeitura e o governo estão fazendo do melhor pelo município, pelo Estado e pela nação. As ratazanas também vivem e se alimentam de propaganda com as verbas públicas. Artistas também, e alguns dizem ser socialistas, outros comunistas e outros ainda capitalistas, todos atrás de dinheiro.

Verbas públicas trilionárias que poderiam e deveriam ser usadas no desenvolvimento da nação são utilizadas para construir estádios de futebol, vilas olímpicas, estradas, pontes e viadutos que se destinam à iniciativa privada, vendidas ou leiloadas com dinheiro podre e incentivos de desperdício. Os contratos firmados com as empresas contratadas permitem o aumento por reclamações preparadas com antecipação, aumentam a dívida pública pelo alto valor dos juros bancários. Ganha-se atrasando a obra, um vento mais forte é motivo para aumentar o seu valor. Os impostos, dos mais altos do mundo, provocam a cobiça de quem os maneja e os distribui sem autorização dos cidadãos que apenas assistem impotentes.

Leis que deveriam proteger o ambiente são negligenciadas para proteger grupos que podem exercer pressão nos corredores do Planalto onde existem ratos, uma porção, um bando, uma epidemia, especialistas em roer dinheiro, avessos a pizzas que vêm fabricar mas nem lhes tocam com os dentes.

O Brasil vibra de alegria e de raivas, ou se acalma nas novelas. Há um show na praça pública do município para distrair. Corinthians é campeão da taça da Libertadores e vai par o Japão a um custo de 10.000 reais por corintiano.


Rui Rodrigues

Sobre a partícula de Deus, o “bóson de Higgs”.





Sobre a partícula de Deus, o “bóson de Higgs”.

Tentarei explicar do que se trata, de forma a que se possa facilmente entender mesmo para quem nunca teve contacto com a Física Quântica. Dedico-me ao estudo da Física Quântica há pelo menos uns 25 anos, sem nunca ter passado do estágio de “entender” o que os físicos constatam e calculam. Para poder lidar com ela seria necessário que eu voltasse para a universidade para complementar meu curso de matemática. Entendendo as dificuldades do entendimento desta matéria, descrevo da forma mais simples possível do que se trata.

1 – Sobre a Mecânica Quântica


A Mecânica Quântica é uma teoria baseada no uso do conceito de uma unidade -quantum- para descrever as propriedades dinâmicas de partículas subatômicas e as suas interações. Foi iniciada pelo físico alemão Max Planck que postulou em 1900 que a energia só pode ser emitida ou absorvida em pequenas unidades chamadas quanta. Também fundamental ao desenvolvimento de Teoria Quântica é o Princípio de Incerteza formulado pelo físico alemão Werner Heisenberg em 1927: é impossível determinar com precisão absoluta, no mesmo instante, a posição e o momento de uma partícula. Quanto mais precisão buscarmos em um aspecto, mais prejudicado vai ficar outro. Ou seja, se temos certeza absoluta de sua velocidade, não podemos saber em que “local” a partícula se encontra e se sabemos exatamente onde está, não podemos ter certeza de sua velocidade.
A Física Newtoniana – ou clássica -permite, para grandes massas, determinar exatamente a posição e a velocidade de um corpo, Ele hoje é aceito como uma aproximação da teoria quântica em sistemas com grandes massas. Ou seja, não há um domínio clássico separado da mecânica quântica.
Para entendermos o que é o bóson de Higgs ou a “partícula de Deus” precisamos primeiro entender o que são físicos teóricos e as “teorias de brinquedo”.

2 – A Física teórica e as “teorias de brinquedo”


Os físicos teóricos conhecem tudo – ou quase tudo – sobre Física. Sem meios de testar praticamente as origens do Universo e muitas das propriedades da Física de partículas, mas tendo a percepção de seu funcionamento, criam “teorias de brinquedo” que as expliquem. Uma vez criada a teoria de brinquedo, ela deve explicar o que já se conhece das origens do Universo, as propriedades do universo visível, e o que também se conhece das propriedades das partículas e de suas interações. A teoria do Universo Inflacionário foi uma delas. Uma vez que atenda a tudo o que se conhece, a teoria deixa de ser de “brinquedo” e pode ser considerada como “factível”. Tem então a aprovação da comunidade de físicos internacionais e é então publicada em revistas especializadas. No entanto nem todas as teorias aceitas partem de teorias de brinquedo.

Em 1964 ainda se temia que houvesse um número infinito de sub-partículas em que a matéria se poderia dividir. Conhecia-se o átomo composto de elétrons, prótons, nêutrons, e suspeitava-se da existência de outras sub-partículas constituintes dos prótons e dos nêutrons – os “quarks”, e bastantes outras partículas livres como os neutrinos (só para exemplificar).  

3 – Os Campos de Higgs e o bóson de Higgs.

Em 1964, o físico inglês Peter Higgs criou uma dessas “teorias de brinquedo” a respeito de campos de força, porque achava que em certa fase da constituição da matéria deveria existir uma partícula mínima que separaria o estado de matéria do estado de energia, sendo ainda matéria. Incrivelmente, ela deveria corresponder a uma “dimensão” mínima, denominada “comprimento de Planck”, a partir do qual a Mecânica Quântica já não pode descrever o estado físico nem as suas propriedades. Para os curiosos o comprimento de Planck é igual a 1,6 × 10−35 metros, ou seja, 0, 00000000000000000000000000000000016 metros.

A “teoria de brinquedo” de Peter Higgs consistiu em imaginar um campo de forças traduzido em vetores que poderiam variar de acordo com a temperatura, a pressão, a densidade, de forma metaestável, isto é, que podiam variar a qualquer momento interagindo uns com os outros. Imaginou também que tal como nos outros campos já conhecidos sejam produzidas ondas e que cada onda produza uma partícula (mais ou menos como na praia vemos uma onda soltando respingos).

Em termos de Física de partículas, o descobrimento da constituição do átomo por elétrons rodeando um núcleo de prótons e nêutrons, idealizado pelo físico Niels Bhor (físico dinamarquês – 1885 -1962, prêmio Nobel), permitiu um avanço substancial na Física Quântica.

Já em 1964 se descobriram os Quarks (Murray Gell-Mann e Kazuhiko Nishijima) como partículas constituintes de prótons, nêutrons e elétrons. A Física deu um salto fantástico. Crendo que a descoberta da partícula do “comprimento de Planck” ou “bóson de Higgs” também poderia permitir outro avanço fantástico, os físicos que trabalham no Grande Colisor  de Àdrons (LHC) em Genebra na Suíça, prepararam este centro de pesquisas para o processo de colisão de partículas que poderia evidenciar e constatar a sua existência, tal como Peter Higgs a havia idealizado através de cálculos exatos usando a sua “teoria de brinquedo”.

No dia 04 de julho de 2012, com Peter Higgs ainda vivo - graças ao Deus Único – foi constatada a existência desta partícula e a teoria deixou de ser de brinquedo... Somente se pode explicar fisicamente a existência do Universo e de nós próprios – tal como Deus iniciou a sua existência – se os campos de higgs existissem realmente, como ficou provado que existem. 


4- A ciência e as religiões

Os seres humanos não querem competir com Deus. Querem descobrir como Ele fez o Universo – devo dizer Universos – com a inteligência que Ele nos deu e que não devemos desperdiçar. Quem compete com Deus são alguns dos religiosos donos de Igrejas e templos, e de quem neles se suporta, que falam, sem saber, sobre o sua Obra e nos dizem o que Ele quer sem saber o que dizem.

Os Físicos, matemáticos, químicos, biólogos, etc, estão não só descobrindo como Deus fez o seu trabalho, como interpretando o que Ele diz. A linguagem de Deus não é a linguagem de qualquer etnia sobre a Terra ou outros planetas habitados: È a linguagem da matemática, da química, da física, das ciências. Unidos, fraternos, somos uma humanidade em evolução que terá todo o tempo do mundo para evoluir. Desunidos podemos aniquilar-nos.

Paz no mundo, paz entre os seres humanos, paz nas religiões e nos templos. Temos muito que trabalhar ainda para gerar conforto e sustentabilidade para este planeta.

Sem a ciência não haveria luz nos templos nem “Papa-móvel”. Se a Terra não fosse redonda e girasse em torno do Sol, não haveria satélites nem celulares, nem TVs nem geladeiras.

Rui Rodrigues

Consciência do que somos.




Consciência do que somos.

Entre a realidade e o sonho, vivemos nesta vida em comum com todos os reinos animais a nossa própria vida.

Nossa evolução em parte se deve a um conceito mágico no qual nos fizeram acreditar: Que somos feitos à semelhança de Deus. Não conhecemos Deus para fazermos tal afirmativa inconseqüente, e os livros que dizem sagrados, originados de inspiração divina, estão cheios de reconhecidas imperfeições que não condizem com a realidade. As religiões, cuja função para o convívio das sociedades tanto se tem mostrado benéfica quanto produtora de terríveis conflitos, reforçam este conceito de semelhança.

Somos na verdade, e simplesmente, organismos vivos quase que perfeitamente adaptados à vida num planeta isolado e restrito. Com as características físicas que possuímos, não sobreviveríamos nem uns escassos segundos em nenhum outro lugar previsível deste imenso universo. Ora, Deus está em toda a parte. Não somos nem um pouco parecidos com Ele. Só precisamos ir a um vaso sanitário quando necessitamos fazer alguma coisa sólida e olhar o que nos sai das vísceras: é mal cheiroso, de aspecto repugnante. Deus não produz coisas assim em sua forma de existir.

Crentes de que somos importantes, usamos perfumes, roupas trabalhadas por eminentes artesãos do vestuário. Andamos em veículos em terra, no mar, nos ares, e nos orgulhamos de uma civilização que construímos à custa de muitas mortes, matanças, perseguições – muitas de cunho religioso – buscando apressadamente o futuro. Nem nos damos conta de que o futuro virá quer queiramos ou não. E virá como vier, não como queremos que venha. Nossa importância pessoal é apenas 1/7.500.000.000, tal é o total da população mundial.

Não somos importantes nem como líderes de países, porque embora possamos mudar a história por décadas ou séculos, a humanidade nos muda as nossas próprias mudanças, as mudanças que fizeram esses líderes, e não nenhuma civilização do passado que hoje ainda persista. Quando co-existem com a modernidade, constituem hoje países pobres, ou em vias de desenvolvimento. Vale dizer que de quase nada adiantaram as mudanças, porque se aproveita apenas o que deva ser aproveitado.

Estou crente que obteríamos um desenvolvimento muito mais sustentável e adaptável a este planeta se as decisões das sociedades partissem da vontade das próprias sociedades e não de lideres isolados. A vontade coletiva não oprimida traduz melhor e com mais realidade os desejos da humanidade.  A humanidade quer progredir, evoluir, em causa própria e não em causas particulares das vaidades, obsessões ou ambição de meia dúzia de líderes.

Creio que estamos indo longe demais em nos julgarmos os reis dos animais, porque em decorrência desse falso conceito de uma similaridade com o divino, alguns de nós nos achamos os reis de outras sociedades ás quais oprimimos de uma forma mais violenta ou mais suave, em nome de progresso e desenvolvimento.

Mas basta voltarmos à privada, e antes de darmos descarga, olharmos o que fizemos e cheirar... É nauseabundo, e, ricos ou pobres, soltamos as mesmas cargas para dar descarga e não deixar a casa com cheiro de carne putrefata. Assim temos uma dimensão mais real e fiel do que somos. Entre nós e os animais apenas destoamos na inteligência, que até o sangue e os órgãos são semelhantes, e para procriar, usam-se os mesmos tipos de órgãos.

Fossemos um pouco mais humildes, e não nos víssemos tão perto do Criador, talvez tivéssemos mais dignidade a ponto de percebermos que o caminho para uma sobrevivência numa sociedade geral humana que cresce de forma incontrolável, só pode ser conseguida se compartilharmos a cooperação.

Explorados e enganados, revoltam-se. No passado era relativamente fácil controlá-los, mas esse crescimento desenfreado os torna tão numerosos que num futuro próximo eles invadirão os bairros lindos e limpos cercados de jardins, cuidados por poucos policiais  que também são enganados e explorados. Não haverá Banco seguro, templo seguro, lar seguro.

A menos que mudemos substancialmente os nossos conceitos. E o tempo urge. Já perdemos milênios de história da humanidade insistindo em formas de governo que não representam a humanidade. São apenas formas de transição para uma democracia muito maior, real, honesta, sustentável. .

Ou isso ou a destruição do que conhecemos como humanidade.

Rui Rodrigues

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Indecisões na vida




Indecisões na vida

Nada pior do que a indecisão. Corremos o risco de decidirem nossa vida por nós, que sabemos o que queremos. Muitas vezes não podemos nem discutir o que queremos.

A indecisão é como a esquina de duas ruas para quem atravessa uma encruzilhada e se dirige para a esquina. Não volta para trás, não vai para a direita nem para a esquerda. Pára em frente à esquina e ali fica. Preciosos momentos em que reflete em círculos, sem decidir nada de sua vida. Não sabe o que fazer, ou se sabe, não sabe que lado ou rumo escolher. Há quem não tenha nada para decidir na vida! Pode empacar numa praia, num bar, num cinema, num shopping, mas jamais numa esquina, num deserto, no meio da selva ou no mar. Isso ser-lhe-ia fatal.

Pôr uma banana numa gaiola e esperar que ela cante, vai nos levar um par de dias sem chegarmos a nenhum resultado. Depois ela apodrece sem dar nem um pio.

E assim se divide a humanidade em dois grupos: Os que podem empacar e os que não podem, porque para os primeiros, isso não tem importância. Para os últimos, sim. Disso depende o futuro de sua vida.

De todas as indecisões comuns a todos nós, algumas sobressaem pela sua importância: Namorar esta (e) ou aquela (e), casar ou não, fazer ou não um curso, trocar um emprego por outro, gastar numa compra ou economizar, abrir um negócio ou aplicar em outra coisa, seguir este ou aquele partido político, ter (fazer) ou não um filho.

Nossa vida rege-se passo a passo desde que começamos a andar. Somos produto de todas as nossas ações. É um longo caminho em que vamos traçando o nosso caráter, tomando erros como acertos ou acertos como erros se nos equivocamos na apreciação, ou, de forma consciente e com bom índice de análise e crítica próprias, corrigindo o nosso perfil, a nossa identidade como ser humano. O que não vemos, a sociedade enxerga, e assim teremos amigos mais ou menos fiéis, mais ou menos amigos, mais ou menos inimigos.

Costumamos varrer os nossos erros para debaixo de um enorme tapete. Outra forma, talvez mais adequada, é reciclar o lixo que produzimos através de correção. O saber pedir desculpas pode ser um bom começo. Isso lhe trará mais benefícios? Depende do que se quer na vida. Amigos não se compram, e num sistema social corrupto até se pode comprar muita coisa com dinheiro, mas o tempo costuma corrigir as coisas, e aqueles que se compram podem no futuro vir a denunciar-nos. É um risco como outro qualquer em negócios. Podemos passar toda uma vida mergulhada em erros e até morrer de forma tranqüila numa cama sem sentir dor alguma, remorso, arrependimento. Deus aparentemente não se intromete nessas coisas pueris da vida. Muitos nem acreditam que Deus exista.

Mas falar de justiça após a morte é como perguntar a um morto quem o matou. Não sabemos nada do que acontece para lá dela. Como a morte é comum a toda a vida na terra, sem jamais ter havido exceção, poderíamos até presumir que houvesse justiça para quem atira com arma de fogo num animal selvagem apenas pelo prazer de matar, a que chamam despreocupadamente de “caçar”.

Vem tudo isto a propósito de uma situação mundial que não tem paralelo na história. Vivemos a era da corrupção. Em todo o mundo o povo está indo para as ruas porque há uma crise econômica que só encontra paralelo na de 1929 que culminou na segunda guerra mundial em 1939.

Helmuth Koln saiu do governo e descobriu-se que era corrupto posteriormente. Sarkosy da França, ex-presidente que perdeu as últimas eleições, está sob investigação pelo mesmo motivo. Um ex-presidente de Israel assediava e abusou de uma moça que trabalhava num departamento de estado e está preso. Uma ministra francesa fez uma compra de aviões para a União Européia e foi corrompida ou corrompeu. Na Grécia caíram vários governos e em Portugal, Itália, Espanha e por toda a Europa. O dono de um jornal famoso com sede em Londres utilizava escutas telefônicas para pressionar indesejáveis ou colunáveis e políticos. No norte de África o povo muçulmano não suportou anos e anos de despotismo e abriu a caça a ditadores que se escondiam nas páginas e nas suras do Corão para abusar de seus cidadãos.

Descrentes das constituições que permitiam o aparecimento e o enriquecimento de políticos astutos, Islândia, Suécia, Noruega, Finlândia e Suíça usaram as redes sociais da Internet para aprovar, item a item, uma nova constituição que não permitisse que interesses escusos fossem beneficiados em detrimento dos interesses dos cidadãos. Saíram da crise.

Os índices de corrupção em todo mundo são alarmantes. No Brasil, várias comissões parlamentares de Inquérito decorrem num senado que não faz retornar aos cofres públicos as enormes verbas desviadas e que tanta falta fazem para o desenvolvimento nacional. Um dia, o ministro Mantega terá que se explicar pela exorbitância dos juros cobrados a título de “conter a inflação”, e seu enriquecimento vasculhado em contas internacionais.

Como estamos não estamos bem. Temos que mudar. Uma das opções parece ser a Democracia participativa, através de um primeiro passo: Exigir dos governantes uma nova constituição semelhante às dos países que já as adotaram. Nelas nada pode ser alterado sem que se proceda a nova votação.

Não fique indeciso: Se deseja saber o que é a Democracia Participativa, Real, Verdadeira consulte


Se deseja conhecer um modelo de nova constituição para o Brasil



Rui Rodrigues





quarta-feira, 4 de julho de 2012

O desejo, a sedução, o amor, o sexo e a frustração.




O desejo, a sedução, o amor, o sexo e a frustração.

Foi exatamente nesta ordem que os primeiros Adões conheceram suas Evas.

Conheceram-nas bem. Reuniram-se os Adões e escreveram livros. Elas deveriam ser caladas para todo o sempre porque  confundiam a todos. Ninguém sabia quem era o pai de qual filho. Quando não queriam ser copuladas, gritavam. O chefe da tribo acudia e espantava os intrusos. Quanto o chefe da tribo ficava velho e fraco, outro lhe sucedia. As mulheres eram guardadas e protegidas para copular e abusar. As que não gritavam eram tomadas por todos. As que gritavam, ganhavam o direito de terem um protetor. Isso não as impedia de continuarem copulando com invasores do lar. Ainda é assim entre os colobos. Sempre ativos, e sem problemas com TPM, os machos de então estavam sempre dispostos para o sexo. As fêmeas somente quando estavam fora do ciclo da TPM. Esta alternância de disponibilidade e defeso liberaria o homem para cada instante em toda a vida, e a mulher para quem quisesse quando estivesse fértil.

Os homens de então não tinham a mínima idéia de quando as mulheres ficariam férteis, mas elas sabiam. Assim, as mulheres passaram a escolher, os homens a serem escolhidos, até se escreverem as leis, em livros, que mudariam toda a natureza dos seres humanos: quem não obedecesse às leis iria viver com os seus primos, os primatas. Ninguém queria isso. A maioria aderiu às Leis, ou seja, à religião, num tempo em que os reis eram religiosos, e depois, mais tarde, quando os reis eram ungidos por religiosos. Uma outra parte continua atéia como nos dias de hoje.

As mulheres escolhiam os homens com os quais deveriam copular, porque lhes dariam filhos fortes, saudáveis, espertos, inteligentes, bonitos, saudáveis... Quem assim escolhesse, garantiria seus genes para todo o sempre. Não era uma opção consciente, e ainda não é, mas o amante é sempre a dose de esperteza de que a descendência necessita para atravessar os ventos da história. Mesmo usando ou não camisinha protetora de nascimento de inocentes, essa é a função do amante. O amante é tudo o que o marido, que dá conforto e segurança, não dá à mulher. Se o marido fosse diferente, seria um amante. Por isso muitos maridos se transformam em amantes de outras mulheres. Alguns fundaram haréns.

Afonso Andrade esperava Fátima Fontes para um jantar íntimo. Muitos milênios se haviam passado desde a época em que Adões e Evas palmilhavam o paraíso, uma área tão vasta, que qualquer família antiga ou recém formada, caminhando em qualquer direção, encontrava outro paraíso onde se colhia mel, leite, maná, frutas, tâmaras, sem ter que pagar tributo a ninguém. Quando se começou a pagar tributos, o paraíso acabou! Afonso mostraria o paraíso a Fátima. Era a sua parte do processo da sedução. A contribuição dela nesse parto da sedução para o amor tinha sido o olhar. Aquele fixar de olhos nos olhos, as sobrancelhas levantadas, as íris dos olhos dilatadas, a mão dela nos cabelos afastando-os. Mãos nervosas, lábios em assimetria quando falavam, a pele do pescoço eriçada, os peitos projetados. A contribuição dele era apenas o interesse nela. Ela o escolheria ou o rejeitaria. Afonso conhecia esta faceta da sedução desde garoto. Fátima não sabia disto. Ela achava que Afonso a queria e sabia também que “o” queria. Mas ainda teria que decidir para “que” o queria.

Enquanto Afonso esperava apenas um “sim” definitivo dela, Fátima queria sentir que era a “única” para ele, porque o que ela desejava era a segurança de um longo tempo de convivência: A Eternidade se possível. Afonso, por sua vez, conhecia a Lei dos Homens: E se ela o traísse? A Lei o favorecia no passado. Quando inventaram a lei da livre imposição dos cintos de castidade, todos bateram palmas íntimas. Seria impossível a traição feminina. Quando descobriram que se podiam fazer chaves duplas, perder línguas e pênis cortados por lâminas atrozes plantadas nesses castiços cintos, mudaram os métodos, mas nada conseguiu pôr fim a uma decisão puramente humana: a quem dar, entregar, seu corpo, seu amor, seu desejo. O que fazer, não depende de aspecto moral, mas de coragem para que se faça o que se deseja, se se quer, se se anseia. Hoje, Afonso não tinha ilusões. Tudo seria como viesse a ser e não como desejava que fosse.  O problema era porque razão desejava uma mulher só para si... Fato que era compartimentado por Fátima, que não via na fidelidade prática nada mais do que um cumprimento das escrituras transformadas em leis, mas leis que não tinham o ADN da natureza. Se tivessem, não existiriam. A natureza é pela diversidade, pela mistura, pelas pluriparticularidades.

Esperando Fátima, preparou-lhe um jantar divino, pôs mesa farta, vinho, pão, guardanapos, talheres de aço inox. Flores em taças altas, guardanapos de linho, Copos de cristal. No equipamento de som, Dvorak, sinfonia numero 9. No ramo de flores do campo que ornavam a mesa, gotas de água. Não era um toque feminino de Afonso. Era apenas a consciência de Afonso sobre tudo o que sabia que Fátima gostava. Fazia o que ela gostava. E como ela amava uma boa picanha, preparou uma assada no forno apenas com sal e fez uma boa farofa com arroz e batatas fritas. Uma garrafa de carmenére a 19 graus sobre a mesa, envolta ainda em gelo, do qual tirava a garrafa de vez em quando esperando Fátima e mantendo a temperatura. O acompanhamento, além da salada farta de ingredientes muito bem decorados, seria escolhido por ela. Havia profitelores na geladeira e chocolate pronto para ser aquecido e derramado sobre eles. Café quente recém coado. Sobre a mesa, flores do campo. Licor  Amaretto.

Olhou o apartamento ao redor e viu que sua obra era perfeita. E era a sétima hora. Na oitava descansaria nos braços de sua amada. A cama estava pronta como sempre estivera. Ela gostara.

O tempo passou e as velas em copos cilíndricos baixos, de cristal, foram se apagando... Depois telefonou para Fátima. O telefone não atendeu.

Quando as velas se apagaram, Fátima ligou. Estava bem, mas tivera uma indisposição. Estava em casa. Sua mãe mandava beijos para Afonso. Não fora isso o que a mãe de Fátima lhe dissera quando ligou perguntando por ela.

A partir desse dia, Fátima seria a outra se o quisesse. Procuraria uma nova Fátima, de preferência com nome, corpo, rosto e pensamentos diferentes. Por vezes, quem sabe, muitas vezes, encontramos o que queremos mas não sabemos identificar o que queremos. Perdemo-nos nas imensas oportunidades da vida que esta nos oferece. Então fazemos um verso, compormos uma música e nos surgem canções lindas como “garota de Ipanema...” Há muitas garotas de Ipanema em qualquer bairro do mundo.    


Rui Rodrigues.

terça-feira, 3 de julho de 2012

2- Que voz era aquela?



2- Que voz era aquela?

Quando um dia me disse: - Vai. Sai da cidade e encontra-me à noite na praia aonde não cheguem luzes das cidades -e eu fui - não se tratava de uma voz propriamente dita, que ouvi. Era uma vontade muito forte de ir à praia esperando ver alguma coisa, ouvir, sentir. Tal como num dia semelhante dois anos atrás, cheguei na praia bem cedo, impulsionado por uma vontade muito forte e vi algo se debatendo na areia. Era um peixe, uma tainha de mais ou menos dois quilos, viva, fresca. Provavelmente chegara-se demasiado á praia e ficara para trás quando a onda retrocedeu mais rápido do que deve ter imaginado. Dois pescadores de tarrafa que eu conhecia estavam na praia e viram.

Tenho facilidade em encontrar facilmente respostas para muitos fatos, respostas essas que me parecem plausíveis, mas não posso atribuí-las a mérito próprio. Não estudei profundamente quaisquer assuntos ou temas que não fossem os relacionados com a minha formação em engenharia. A que devo essa facilidade? Tenho minha teoria, mas para que tenha crédito, devemos avançar no que pretendo contar.

Certo dia, pela manhã, chovia bastante e não vi conveniência em sair de casa. Tomei meu café e voltei para a cama porque me tinha deitado tarde e ainda estava com sono. A baixa temperatura de inverno e o barulho das ondas do mar ajudaram nessa volta ao descanso. Então me perguntei sobre a criação do Universo e ouvi a resposta.

- A lua gira à volta da Terra porque existem leis matemáticas e físicas que a fazem permanecer de forma estável nessa órbita. Ouve uma época em que a Lua estava mais perto da Terra, e quanto mais perto, mais rápida a sua velocidade tangencial. Nessa oportunidade, as fazes lunares se sucediam a cada dez dias em vez de 28 dias como atualmente. Da mesma forma, todos os astros do universo visível – e por suposto também da parte que não vemos – que está em perfeito equilíbrio. Porém, sem perder a validade, essas leis permitem, por exemplo, que a galáxia de Andrômeda se aproxime da nossa Via Láctea, sendo inevitável que um dia se choquem. Nessa oportunidade alguns hão de dizer que Deus os desamparou, tal como na antiguidade disseram que Deus tinha desamparado os exércitos de reis e imperadores, ou que não zelara pela vida de pessoas, muitas delas crianças, que haviam falecido inesperadamente. Deus existiria? E se existisse como seria? Como se comportaria perante sua obra?

Imaginei então que tudo o que vemos no Universo, na natureza, nesta vida, fosse obra do acaso. Tinha estudado a teoria das probabilidades e lidei com a matemática do cálculo envolvendo arranjos, combinações, permutações, desvio padrão, valor esperado de “x”. Por acaso este universo poderia perfeitamente ser dotado da lei da gravidade que mantém os astros em equilíbrio... Mas o que dizer do DNA, a molécula do código da vida? Claro que já temos dois “acasos”... Mas com quantos “acasos” nos deparamos na existência do Universo e de sua natureza? Facilmente verifiquei que entre os “acasos” que conhecemos aqueles de que desconfiamos existir, e dos que desconhecemos, beiram uma quantidade infinita... Não há probabilidade que resista a esta infinita quantidade de acasos. O próprio Big-Bang, para a densidade crítica se estabelecer entre 0,999999 e 1,000002, era uma impossibilidade esperada, tal como tentar colocar um lápis em pé apoiado na ponta de grafite. Então senti a voz que dizia:

- A existência do que vês foi calculada, premeditada, é complexa, autossustentável e perfeita. Uma vez criado o Universo, nada pode alterar a sua existência, nem a forma como se desenvolve e evolui, sendo cada parte não uma singularidade, mas uma parte do todo. No caso particular da existência da vida, para que os planetas não fiquem superlotados rapidamente, tudo o que nasce morre, e para retardar ainda mais a superlotação, cada espécie se alimenta de espécies diferentes, constituindo uma cadeia alimentar. Quando há um grande desequilíbrio no crescimento, provocado por alguma espécie que se reproduziu demasiadamente, as consequências são importantes apenas para essa espécie,  que pode extinguir-se, não para a vida no planeta que se reconstituirá, provavelmente com novas espécies que evoluirão das que sobrarem. Já aconteceu por duas vezes na história da Terra, a extinção de 98% das espécies, e na atualidade é fantástica a reconstituição da quantidade de espécies que nunca tinha sido tão grande anteriormente. Não me surpreendeu, mas gostei de ver a recuperação. Em outros planetas, acabou mesmo...

E continuou:

- Não me podem cobrar moralidade na existência da morte como fim do ciclo da vida, nem a responsabilidade pela perda de entes queridos ou batalhas travadas por exércitos, porque tudo acontece no Universo baseado em duas atitudes: A atitude das leis com as quais o Universo foi criado, e as atitudes da vida como um todo num planeta ou em particular, as de uma determinada espécie. Também não me podem cobrar o fato de me pedirem que interceda em algo, porque não intercedo. Se intercedesse, estaria dizendo a mim mesmo que as minhas leis não são perfeitas. Assim, não livro nada nem ninguém da morte. Cada ser de cada espécie deve cuidar da sua própria sobrevivência. Quanto mais se cuidar, mais tempo sobreviverá. Pode haver exceções e posso até intervir, mas são muito raras essas oportunidades, porque para atender algum pedido, teria que prejudicar outros aspectos de um todo.

E deu-me um exemplo:

- Quando os exércitos alemães invadiram a URSS, na segunda guerra mundial, o povo alemão me pediu pela vida de seus seres. O povo russo também. Como poderia haver coerência nas minhas Leis se ajudasse um povo e não o outro? Quando chove, os seres humanos que desejam ir á praia, pedem-me para parar a chuva... Mas como parar a chuva, se os agricultores me pedem que chova? Se a vida vegetal precisa dela? Além de que seria um motivo muito mesquinho e insensato atender um pedido para que a chuva parasse. Enxurradas? Porque constroem em lugares que de antemão já sabem que são precários quando chove? Mas um dia não haverá exércitos que ataquem, nem será necessário parar a chuva ou fazer chover. A humanidade descobrirá como fazê-lo, ou se extinguirá. Também não interferirei nisso, que a interferir, teria salvado os dinossauros. Eles me pediram também.

Quando adormeci, tinha passado o segundo dia e era a segunda vez que me acontecia.

Rui Rodriguix