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quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Pressões sociais hoje- A Partilha do Queijo



 A partilha do queijo

Marcelo de Finizzio, dono de um restaurante em Trieste, norte de Itália, subiu a 137 metros de altura, na cúpula de S. Pedro no Vaticano, para reclamar contra a decisão da Comunidade Européia de colocar em leilão todas as concessões junto á praia. Quem não vir nesta decisão da União Européia um atentado contra a iniciativa privada, nem precisa ler o resto deste artigo. Ao colocar em leilão, certamente donos de hotéis e de grandes empresas serão beneficiadas porque têm mais capital. É o mesmo que um dia resolverem leiloar todas as pequenas propriedades agrícolas para grandes multinacionais. O povo está sendo alijado da propriedade e transformado em mecânicos artesãos, trabalhadores braçais e de prestação de serviços, perdem (i)legalmente a propriedade. É um caminho perigoso porque esta ação da Comunidade Econômica Européia se junta a algumas outras ao redor do mundo compondo um quadro onde é visível o extraordinário poder do capital nos dias de hoje, que chega a sobrepor-se ao bom senso, à lei – obrigando-a a alterações - e como vemos, à vontade política dos cidadãos, e ao Estado de Direito.

Até cerca de trinta anos atrás as pressões sociais eram exercidas sobre os governos que eram obrigados a contemporizar, rever as suas posições. Hoje as pressões sociais perdem a força, porque se criaram mecanismos, no seio do poder, para amortecimento destas pressões sem necessidade de repressão física ou moral. O sucesso desta realidade são as leis, que em vez de serem aprovadas pelos cidadãos, são aprovadas ou rejeitadas por “representantes” dos cidadãos que estão comprometidos com os Partidos, não com os cidadãos. Os Partidos políticos servem a quem lhes paga as eleições. É o capital que lhes paga.

O desfalecimento quase instantâneo do comunismo ao redor do mundo, sem revoluções, foi a porta de abertura para a invasão do capital que tomou de assalto as empresas estatais fundadas com dinheiros de impostos públicos, vendidas em leilão pelo mundo afora. Dado o alto valor dessas empresas, eram poucos os concorrentes, o que se prestou à manipulação das ofertas. Era a globalização. Como empresas privadas visam o lucro, e com o lucro ampliar seus negócios, em reinvestimentos contínuos, podemos antever o que sucederá a seguir: A queda do padrão de qualidade, o aumento do custo de vida, o empobrecimento dos serviços públicos. Mas antes que continuemos, que fique claro que o comunismo e o socialismo também não fizeram melhor. É necessária uma democracia participativa se os cidadãos desejarem mudar estas tendências.

Sobre como os grandes banqueiros do mundo se apoderaram das verbas públicas já foi fartamente discutido neste site em alguns artigos específicos, o que contribuiu para a queda do emprego público e a qualidade dos serviços, e, portanto, aumentou a pressão social que os governos tentam controlar.

A prévia abertura de Shoppings que centralizavam o comércio de bens de consumo diminuiu drasticamente o faturamento de muitas lojas de pequenos empreendedores e investidores, e do comércio de bairro, e foi certamente o sucesso destes empreendimentos que gerou a perspectiva da aglutinação de pequenos negócios em mãos de quem tem o capital para comprá-los. Como os donos não querem vender, o que parece óbvio, faz-se necessária, por parte do capital, a implantação de medidas emanadas de governos para legalizar o que antes parecia um atentado à propriedade. Aparentemente, vemos um comunismo capitalista agindo sobre populações democraticamente agora comunistas na divisão das migalhas que vão sobrando da mesa do capital. E cada vez sobram menos migalhas, como enorme queijo que seria o comercio mundial, sendo comido por ratos, cuja comilança tem um limite: o número de ratos e o tamanho do queijo, sinal de que um dia, não se sabe quando, o queijo acaba e os ratos morrem. É um alívio saber disso, que a impunidade não dura sempre. Já aconteceu isso com as teocracias, com as realezas, com o comunismo, e acontecerá certamente com o capitalismo. O mundo evolui rumo a caminho incerto.   

Repare-se, por exemplo, nos deficientes serviços de telefonia, mesmo em banda larga: Pode reclamar à vontade que não será completamente atendido, porque os juízes são pagos pelo Estado, as leis são permissivas e dúbias, por vezes prolixas, a burocracia cansa o cidadão e custa caro, perde-se tempo que é necessário para não faltar ao emprego e ganhar o seu salário. Experimente reclamar sobre os serviços de energia elétrica ou sobre o custo da água, ou sobre a falta de serviços de infra-estruturas... Nada diferente, e as esperas e deficiências para consultas e intervenções em hospitais públicos ou em clinicas associadas a planos de saúde, segue o mesmo processo de frustração pela impotência em resolver estes atentados à justiça e ao bom senso do que se entende por democracia.

Estradas construídas sob contrato para durarem tinta anos, não duram cinco com transito normal, e para não interferir no “lucro” das empresas rodoviárias de transporte, não há balanças nas estradas para fiscalizar o peso dos caminhões, que, como se sabe, com carga em excesso diminuem a vida útil de pontes, estradas, ruas, barcaças de transporte e podem causar desastres com perdas irreparáveis. Podem implantar reservas florestais à vontade, mas alegando falta de recursos alocam meia dúzia de fiscais e um par de viaturas que usam até ponto de sucata para vigiar essas áreas por vezes imensas, o que lhes provoca a invasão e a deterioração, e torna inócuas as leis.

E são muitos os exemplos ao redor do mundo que cada cidadão, ao ler este artigo certamente se lembrará de imediato por lhe afetarem seriamente a vida. Uma vida que se irá deteriorar ao longo da próxima década se equilibrará e permanecerá estável por pelo menos uma centena de anos. A menos que haja movimentos mundiais mudando esta tendência. Antigamente dizia-se que a humanidade cuidava do futuro de seus filhos, mas com o decréscimo da natalidade – porque o custo de vida e o trabalho não permitem ter e cuidar de filhos – é possível que a humanidade escolha simplesmente viver o momento, a vida, e assistir calmamente os ratos comerem o queijo, devidamente protegidos por alfarrábios de novas leis, polícia com ares de exército, exército com ares de cavaleiros apocalípticos, enquanto toma a sua coca-cola, come um hambúrguer gorduroso, mas saboroso, assistindo a um show publico pago a peso de ouro pelos poderes públicos com o dinheiro dos cidadãos.

Não temos ainda um consenso sobre este novo capítulo das eras da humanidade, algo parecido com uma séria revolta do capital contra as limitações do Estado de direito. O povo não tem a mínima participação na escolha de seu destino.E incrívelmente, são os ratos que nos montam armadilhas.



Rui Rodrigues

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