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sábado, 20 de outubro de 2012

Viaje comigo até Ganimedes




Viaje comigo até Ganimedes

O mundo mudou muito desde 2012. Imensos arranha-céus povoam as maiores cidades do mundo, construídos nos arredores para preservar os centros históricos. São verdadeiras cidades. Há quem tenha nascido nesses prédios e nunca tenha saído deles, apesar de sua longa idade. Não crêem ser necessário. A população mundial diminuiu a níveis de 1900. Praticamente não há casamentos, e quem quer ter filhos recorre a bancos de óvulos ou de esperma, ou pares combinam entre si. O estado decide se o casal tem condições para criar e manter os filhos. É tanta a responsabilidade que a maioria esmagadora não os tem. Por isso a preservação de um nível  populacional que garante o funcionamento do planeta de forma auto-sustentável, e mantém excelente nível de equilíbrio social. Não há pobres, não há fome, todos têm o mínimo de satisfação e há paz no planeta. Há muito que não existem fronteiras nem nações. Todos vivemos sob uma única bandeira. As divisões administrativas do governo seguem delimitações geográficas de etnias e não das antigas fronteiras políticas. O estado não tem estruturas como se conheciam antigamente. Agora cada região administrativa do planeta, por votação popular instantânea decide sobre obras, infra-estruturas, serviços. O estado tem postos policiais dimensionados em lugares estratégicos e todos nos guiamos por um código de leis aprovado também por votação popular. A estrutura do estado reduziu-se a postos de polícia, centros de justiça e um código de leis. Vivemos numa democracia participativa.

Fui escolhido por uma empresa para supervisionar a construção de mais uma área de vida em Ganimedes, a maior “lua” de Júpiter. As áreas de vida são enormes bolhas de plexiglas contendo uma fabrica de oxigênio, uma central de energia, habitações, redes de aproveitamento de resíduos humanos, área de plantação, escritórios, enfim, cada bolha uma cidade auto-suficiente. Atualmente existem cerca de 300 bolhas em funcionamento pleno. O calor é mantido por usinas elétricas movidas a hidrogênio – usinas hidrogenelétricas - extraído dos oceanos de Ganimedes. O planeta tem o equivalente a 36 vezes a água que existe na Terra. Hidrogênio é também o combustível para veículos. A temperatura fora das bolhas beira o zero absoluto (-183 a -113 graus Celsius) e a “luz do dia” a que nos habituamos na terra é feita através de lâmpadas que são desligadas à noite. Em algumas bolhas de colonos que já nasceram em Ganimedes, não há iluminação para o dia nem para a noite. Eles evoluíram seus corpos para se adaptarem à escuridão: Suas retinas e cavidades orbitais aumentaram bastante e podem ver com um mínimo de iluminação, como os animais noturnos da terra. São simpáticos e bem humorados. Desejam a independência de Ganimedes, que lhes deve ser dada, sem lutas ou guerras nos próximos vinte anos. As bolhas são sempre construídas em cima de crateras de impacto de meteoros, seguindo a regra de que é menos provável que um meteoro caia no mesmo lugar onde um outro caiu. Por vezes não funciona, mas os sistemas de alarme avisam e todos descem para “bunkers” nos subterrâneos.


Partida para Ganimedes


Na base interplanetária do “Inferno” no Brasil, as partidas são comuns, todos os dias, como eram comuns os vôos aéreos nos anos 2.000 em aviões que agora fazem parte de museus. Eram cinco horas da manhã. Nossa nave nos levará até a base Lunar “Tranqüilidade” por economia de combustível. Naves pequenas saem da Terra cuja velocidade de escape é de 11,2 km/s. Da Lua, com velocidade de escape de 2,38 km/s, saem as naves pesadas.

Daqui até lá são cerca de 630 milhões de km. Chegarei em cerca de seis meses. O tempo passa rápido porque estamos sempre em comunicação com a Terra e temos NET, canais de TV, comunicações com a base, diversão e trabalho. Trabalhamos dez horas por dia no mínimo. Temos direito a um ou a uma acompanhante porque seis meses sem sexo, ninguém agüenta, apesar de tantos andróides tão parecidos com gente, que chegamos até a confundi-los com conhecidos. Minha acompanhante passou em todos os testes de avaliação comportamental e se diverte com tudo isto. Como tem aptidões, foi contratada e realiza o seu trabalho a bordo como segurança de um setor da nave e fará estudos biológicos em Ganimedes. Para ela é uma aventura. A roupa colada no corpo para que não se prenda a nenhuma peça da nave, acentua-lhe as belas curvas. Teria um filho com ela. Talvez um dia...

A viagem foi tranqüila. Em quatro horas chegamos à Lua. Descansamos nessa noite e no dia seguinte partimos na imensa nave que nos levaria para Ganimedes. Uma tripulação de 20 humanos, cinqüenta passageiros entre cientistas, técnicos, trabalhadores. Uma nave construída com o mínimo de ferro possível por causa da atração gravitacional, peso, efeitos de estática, oxidação.



Seis meses depois.  

Nossa chegada a Ganimedes foi surpreendente. Não nos cansamos de admirar Júpiter, imenso, gasoso, opaco, em tons desde o branco, passando pelo amarelo, vermelho, marrom e preto. As tempestades em sua atmosfera são impressionantes, fantásticas, poderosas. Sua atração gravitacional é usada para impulsionar nossas naves. A volta para a Lua se faz em cerca de 2/3 do tempo de ida. Vamos para lá em seis meses, voltamos em quatro.




A paisagem de Ganimedes por si só não impressiona. É um planeta escuro, extremamente frio e deserto sem muitas elevações. As maiores não passam de centenas de metros. Muitas crateras, boa parte escondida sob imensas bolhas brilhantes, iluminadas como se fosse dia na Terra. Lagos com peixes trazidos da Terra, planícies cultivadas com cereais e pomares. Cada bolha tem apenas uma meia dúzia de prédios que se destinam apenas a laboratórios e escritórios da administração. No aeroporto, externo às bolhas, um comitê de recepção e alfândega.

É sempre bom pisar em “terra”, mesmo que não seja no nosso planeta Terra, e que esta “terra” seja uma camada de gelo a menos 115 graus Celsius. Senti-me em casa, agradecido a Juice[1], uma nave da Agência Espacial Européia enviada na terceira década do século XXI para avaliar este planeta. Ficou em órbita por alguns anos até se espatifar contra o gelo frio. Lá estava, ali, bem perto, agora convertida em museu.


Rui Rodrigues


















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