Viaje comigo até Ganimedes
O mundo mudou muito desde
2012. Imensos arranha-céus povoam as maiores cidades do mundo, construídos nos
arredores para preservar os centros históricos. São verdadeiras cidades. Há
quem tenha nascido nesses prédios e nunca tenha saído deles, apesar de sua
longa idade. Não crêem ser necessário. A população mundial diminuiu a níveis de
1900. Praticamente não há casamentos, e quem quer ter filhos recorre a bancos
de óvulos ou de esperma, ou pares combinam entre si. O estado decide se o casal
tem condições para criar e manter os filhos. É tanta a responsabilidade que a
maioria esmagadora não os tem. Por isso a preservação de um nível populacional que garante o funcionamento do planeta de forma auto-sustentável,
e mantém excelente nível de equilíbrio social. Não há pobres, não há fome,
todos têm o mínimo de satisfação e há paz no planeta. Há muito que não existem
fronteiras nem nações. Todos vivemos sob uma única bandeira. As divisões
administrativas do governo seguem delimitações geográficas de etnias e não das
antigas fronteiras políticas. O estado não tem estruturas como se conheciam
antigamente. Agora cada região administrativa do planeta, por votação popular
instantânea decide sobre obras, infra-estruturas, serviços. O estado tem postos
policiais dimensionados em lugares estratégicos e todos nos guiamos por um
código de leis aprovado também por votação popular. A estrutura do estado
reduziu-se a postos de polícia, centros de justiça e um código de leis. Vivemos
numa democracia participativa.
Fui
escolhido por uma empresa para supervisionar a construção de mais uma área de
vida em Ganimedes, a maior “lua” de Júpiter. As áreas de vida são enormes
bolhas de plexiglas contendo uma fabrica de oxigênio, uma central de energia,
habitações, redes de aproveitamento de resíduos humanos, área de plantação,
escritórios, enfim, cada bolha uma cidade auto-suficiente. Atualmente existem
cerca de 300 bolhas em funcionamento pleno. O calor é mantido por usinas elétricas
movidas a hidrogênio – usinas hidrogenelétricas - extraído dos oceanos de
Ganimedes. O planeta tem o equivalente a 36 vezes a água que existe na Terra.
Hidrogênio é também o combustível para veículos. A temperatura fora das bolhas
beira o zero absoluto (-183 a -113 graus Celsius)
e a “luz do dia” a que nos habituamos na terra é feita através de lâmpadas que
são desligadas à noite. Em algumas bolhas de colonos que já nasceram em
Ganimedes, não há iluminação para o dia nem para a noite. Eles evoluíram seus
corpos para se adaptarem à escuridão: Suas retinas e cavidades orbitais aumentaram
bastante e podem ver com um mínimo de iluminação, como os animais noturnos da
terra. São simpáticos e bem humorados. Desejam a independência de Ganimedes,
que lhes deve ser dada, sem lutas ou guerras nos próximos vinte anos. As bolhas
são sempre construídas em cima de crateras de impacto de meteoros, seguindo a
regra de que é menos provável que um meteoro caia no mesmo lugar onde um outro
caiu. Por vezes não funciona, mas os sistemas de alarme avisam e todos descem
para “bunkers” nos subterrâneos.
Partida para Ganimedes
Na base interplanetária do
“Inferno” no Brasil, as partidas são comuns, todos os dias, como eram comuns os
vôos aéreos nos anos 2.000 em aviões que agora fazem parte de museus. Eram cinco
horas da manhã. Nossa nave nos levará até a base Lunar “Tranqüilidade” por
economia de combustível. Naves pequenas saem da Terra cuja velocidade de escape
é de 11,2 km/s. Da Lua, com velocidade de escape de 2,38 km/s, saem as naves
pesadas.
Daqui até lá são cerca de 630
milhões de km. Chegarei em cerca de seis meses. O tempo passa rápido porque
estamos sempre em comunicação com a Terra e temos NET, canais de TV, comunicações
com a base, diversão e trabalho. Trabalhamos dez horas por dia no mínimo. Temos
direito a um ou a uma acompanhante porque seis meses sem sexo, ninguém agüenta,
apesar de tantos andróides tão parecidos com gente, que chegamos até a
confundi-los com conhecidos. Minha acompanhante passou em todos os testes de
avaliação comportamental e se diverte com tudo isto. Como tem aptidões, foi
contratada e realiza o seu trabalho a bordo como segurança de um setor da nave
e fará estudos biológicos em Ganimedes. Para ela é uma aventura. A roupa colada
no corpo para que não se prenda a nenhuma peça da nave, acentua-lhe as belas
curvas. Teria um filho com ela. Talvez um dia...
A viagem foi tranqüila. Em
quatro horas chegamos à Lua. Descansamos nessa noite e no dia seguinte partimos
na imensa nave que nos levaria para Ganimedes. Uma tripulação de 20 humanos,
cinqüenta passageiros entre cientistas, técnicos, trabalhadores. Uma nave
construída com o mínimo de ferro possível por causa da atração gravitacional,
peso, efeitos de estática, oxidação.
Seis meses depois.
Nossa chegada a Ganimedes
foi surpreendente. Não nos cansamos de admirar Júpiter, imenso, gasoso, opaco,
em tons desde o branco, passando pelo amarelo, vermelho, marrom e preto. As
tempestades em sua atmosfera são impressionantes, fantásticas, poderosas. Sua
atração gravitacional é usada para impulsionar nossas naves. A volta para a Lua
se faz em cerca de 2/3 do tempo de ida. Vamos para lá em seis meses, voltamos
em quatro.
A paisagem de Ganimedes por
si só não impressiona. É um planeta escuro, extremamente frio e deserto sem
muitas elevações. As maiores não passam de centenas de metros. Muitas crateras,
boa parte escondida sob imensas bolhas brilhantes, iluminadas como se fosse dia
na Terra. Lagos com peixes trazidos da Terra, planícies cultivadas com cereais
e pomares. Cada bolha tem apenas uma meia dúzia de prédios que se destinam
apenas a laboratórios e escritórios da administração. No aeroporto, externo às
bolhas, um comitê de recepção e alfândega.
É sempre bom pisar em
“terra”, mesmo que não seja no nosso planeta Terra, e que esta “terra” seja uma
camada de gelo a menos 115 graus Celsius. Senti-me em casa, agradecido a Juice[1],
uma nave da Agência Espacial Européia enviada na terceira década do século XXI
para avaliar este planeta. Ficou em órbita por alguns anos até se espatifar contra
o gelo frio. Lá estava, ali, bem perto, agora convertida em museu.
Rui Rodrigues
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