Da nobre arte de varrer até o “socialismo” entre nações.
Varrer é uma coisa. Juntar lixo e pó é outra. A boa varredura obriga muitas vezes a umedecer primeiro o piso e só depois varrer para não levantar poeira. Este método deve ser usado por quem tem alergia a poeira. Um alérgico a poeira tem que estar sempre varrendo, senão pode ter um ataque asmático. Existem vassouras de todos os tipos e esfregões para limpar um piso, mas nem todos nesta vida os conhecem. O ato de varrer não é um ato comumente conhecido como um ato social. Deveria, sim, mas não é. Nos tempos modernos, se uma vassoura tivesse vida, diria que a humanidade é vassourofóbica e que ela não teria culpa de ser piaçaba-descendente, pelo simples fato de o ato de varrer ser associado a um servilismo atávico, machista, discriminatório, quase um ato de castigo. Mas há como enfrentar este ato, normalmente solitário, num hino de guerra ou de esperança, numa obra de arte, e dar-lhe a importância que merece.
Albina Maria - Albina Maria é uma diarista que trabalha na zona sul do Rio de Janeiro. Sempre que passa por garis no meio da rua sente arrepios. Ela sempre compara as montanhas de lixo juntado pelos garis nos meio-fios das ruas com o que recolhe numa simples pazada no apartamento da madame do “Quintas”, onde trabalha. Lixo que cabe numa pá, quase não tem pó nem poeira. Mesmo assim, sempre que varre, atividade que acha indecente e até deveria ser paga à parte por ter características de trabalho com periculosidade, ela canta canções para distrair e pensa sempre no salário mensal. Quando a madame lhe pediu suave e gentilmente num grito que bradou aos céus para parar de cantar, Albina Maria passou a cantar para dentro, para si mesma, em surdina. O que não poderia era perder o emprego e para mantê-lo teria que cantar durante a varredura para suportar o incômodo. Enquanto varria, sonhava.
Se um dia fosse presidente da República colocaria nos principais postos de comando da nação todas as suas amigas empregadas. Elas sim, é que sabiam o que era a vida. Seu primeiro ato de governo seria aumentar os salários de todas as empregadas domésticas e selvagens. Sim, porque havia empregadas domesticas, e as selvagens. As primeiras eram como ela, as selvagens roubavam sempre um copo de arroz, um punhado de massa, um ovo, e tal como formigas se somassem todos os desvios no final do mês, dariam uma compra de supermercado daquelas que se fazem para uma família, para o mês inteiro. Albina Maria entendia o problema. Também a essas chamaria para o seu governo porque precisaria de alguém com opinião. As selvagens sempre davam desculpas para faltar ao trabalho, ganhavam mais roupas das patroas, e só saíam da casa com ação na justiça contra os patrões. Precisaria de alguém que tivesse opinião e soubesse “fazer acontecer”.
Sousa Nunes – Sousa Nunes Loivo é um executivo que tem uma empregada maravilhosa chamada Albina Maria. Ele trabalha numa empresa de telefonia móvel num posto de fiscalização do governo, indicado pelo governo. Ele não entende nada de economia, direito, relações humanas, ou se do que for e muito menos de telefonia móvel. O negócio dele é dar dicas para o governo no sentido de saber quanto a empresa fatura e se ela deposita a porcentagem de praxe onde deve depositar. Não é pouca coisa: São vinte por cento do faturamento. A empresa tem que enrolar muito os clientes para reaver os 20% que distribui entre os marmanjos e entre as marmanjas. A espécie dos “homo marmanjus” tanto tem machos como fêmeas como dissidentes e divergentes. Os primeiros são de outros partidos, os divergentes não procriam. Só em tubo de ensaio depois de umas masturbações sem calendário de porta de loja mecânica, onde se consertam os automóveis. Mas ele não dá importância a isso. Acha que todos têm direito a fazer sexo com quem ou o que quiserem, até com uma melancia, um mamão, ou um pé de bananeira. Separou-se da mulher porque a mulher era “bimbo” – e ainda que o dicionário não tenha ainda sido atualizado com a lei Dilma, tanto há bimbas entre os homens como bimbos entre mulheres. E detestava varrer quando a Albina Maria não aparecia para trabalhar por ser a folga dela. Até que a Albina Maria era bem apanhada de corpo. Já pensara em varrer a perereca dela com seu pau de vassoura, bigodudo, mas sempre temia que ela o delatasse por assédio sexual. Como eram as coisas... Se ele fosse bimba, ela espalharia a notícia e podia até perder o emprego ou a moral e perder a importância que tinha na empresa. Já se ele fosse uma mulher bimbo, sua voz seria ampliada pela situação sexual.
Se um dia fosse presidento, porque agora já há também presidentas, chamaria para ajudá-lo a governar todos os seus amigos. Pena que não tinha quase nenhum. Ninguém gostava dele porque era um dedo duro do faturamento da empresa, e lá fora bastava falar que trabalhava numa empresa de telefonia para que só faltasse lhe jogarem tomates, agora que já estavam a preço de banana. Pena que o preço da banana também subiu para que o preço dos tomates não ficasse parecendo ser tão alto. Se ele fosse bimba, teria o nome de presidente, que é o termo neutro para presidento e presidenta.
Delma Roscoff – Delma tinha sido guerrilheira em sua juventude. Sustentava-se com o dinheiro que recebia de Cuba e da ex União Soviética, agora mais desunida do que nunca. Nunca precisou varrer nada, embora nunca tivesse sido intelectual da guerrilha. Também não articulava nada politicamente. Ela entrara pelo ideal de querer morrer por uma causa, sair de casa, abandonar aquele mundinho desgraçado da casa de seus pais. Ela não era comunista. Seus pais é que apreciavam o capitalismo e até tinham emigrado da Europa comunista por uns tempos. Quando o comunismo acabou, voltaram para sua terra. Viram a filha na hora do parto, conversaram com ela muito raramente porque passava os dias na rua, uma desgarrada que não tinha família realmente porque não queria. Ela passou a odiar tudo que se mexesse com mais de vinte reais no bolso, mas também aprendeu que, sem o dinheiro da ex União Soviética e de Cuba, teria que se virar para conseguir um bom emprego e, sobretudo, se aliar aos que tinham muito mais do que dois milhões de reais no bolso. Vinte reais nem dava mais para odiar. A inflação subia o valor de tudo, muito mais do que o dos tomates. Arranjou um diploma e os amigos lhe arranjaram um emprego. Para varrer, tinha uma empregada cujo nome não se lembra mais, mas que tinha uma filha chamada Albina Maria e que até indicara para seu amigo Sousa Nunes.
Se um dia viesse a ser presidenta da republica, não saberia o que fazer. Teria que pedir conselhos a alguém que soubesse: O tesoureiro de seus tempos de guerrilha, o capitão do mato que corria atrás de dissidentes da guerrilha, e mais uns bostas que só queriam sair de casa, ter um ideal, odiar qualquer coisa que se mexesse e tivesse mais de vinte reais no bolso. Aliás, agora s juntavam também a quem tinha mais de vinte milhões de reais. Além das verbas públicas, que até já eram muito poucas, a grana maior estava no bolso dos banqueiros, das empresas de telefonia e das construtoras. E se fosse eleita, vestiria aqueles vestidos que nunca tinha vestido, gastaria horrores que nunca tinha podido gastar porque o tesoureiro da guerrilha lhe dizia que um dia ele seria tesoureiro com muito mais grana disponível, mas esse dia nunca chegara. Ele agora era tesoureiro de um cara desconhecido, um borra-botas que fundara um partido, um ignorante, mas que caíra no agrado da plebe ignota. Ele que mandava, e ela, que aprendera a obedecer a guerrilheiros e não a seus próprios pais, tinha que alinhar com ele se quisesse dar asas à sua ambição de ser gente grande. Pena que não tivesse o carisma, o conhecimento, mas quem se importa quando a plebe é ignota? E mais, pagaria a dívida aos países que a ajudaram, emprestando e perdoando dívidas, emprestando e perdoando dívidas. Alguma parte teria que lhe cair no bolso. Seria o socialismo se expandindo não só entre os povos, como entre as nações. Imporia uma lei para que o governo, ou seja, ela mesma, pudesse gastar sem ter que dar satisfações, uma outra para que não lhe vasculhassem as contas, e uma outra impedindo o Supremo de investigar.
Se um dia viesse a ser presidenta da republica, não saberia o que fazer. Teria que pedir conselhos a alguém que soubesse: O tesoureiro de seus tempos de guerrilha, o capitão do mato que corria atrás de dissidentes da guerrilha, e mais uns bostas que só queriam sair de casa, ter um ideal, odiar qualquer coisa que se mexesse e tivesse mais de vinte reais no bolso. Aliás, agora s juntavam também a quem tinha mais de vinte milhões de reais. Além das verbas públicas, que até já eram muito poucas, a grana maior estava no bolso dos banqueiros, das empresas de telefonia e das construtoras. E se fosse eleita, vestiria aqueles vestidos que nunca tinha vestido, gastaria horrores que nunca tinha podido gastar porque o tesoureiro da guerrilha lhe dizia que um dia ele seria tesoureiro com muito mais grana disponível, mas esse dia nunca chegara. Ele agora era tesoureiro de um cara desconhecido, um borra-botas que fundara um partido, um ignorante, mas que caíra no agrado da plebe ignota. Ele que mandava, e ela, que aprendera a obedecer a guerrilheiros e não a seus próprios pais, tinha que alinhar com ele se quisesse dar asas à sua ambição de ser gente grande. Pena que não tivesse o carisma, o conhecimento, mas quem se importa quando a plebe é ignota? E mais, pagaria a dívida aos países que a ajudaram, emprestando e perdoando dívidas, emprestando e perdoando dívidas. Alguma parte teria que lhe cair no bolso. Seria o socialismo se expandindo não só entre os povos, como entre as nações. Imporia uma lei para que o governo, ou seja, ela mesma, pudesse gastar sem ter que dar satisfações, uma outra para que não lhe vasculhassem as contas, e uma outra impedindo o Supremo de investigar.
Apanágio da Silva - Apanágio da Silva é aposentado e tem uma filha que trabalha como empregada na casa de um doutor chamado Sousa Nunes. Odeia multiplicadores, que em sua opinião, modesta por sinal, deveriam ser chamados de inibidores. Ele se refere a isso sempre que pensa em seus dois salários mínimos que, por causa dos multiplicadores e da inflação desmedida, a cada dia lhe permitem mais curtir a fome, ausentar-se da vida social, porque dois salários mínimos multiplicados por inibidores, lhe permitem a cada dia entrar para o grupo enorme dos pobres, dos necessitados, dos miseráveis. Diz o governo que tira uns da pobreza, mas não diz que põe outros na pobreza. Tira da pobreza os que ainda se movimentam para votar e lhe dão os votos. Põe na pobreza e na miséria os aposentados que já perderam o tesão de votar. Varre a casa todos os dias, sempre cheia de pó, e não tem empregada. Quem dera. Embora sofra de asma não precisa gastar água, muito cara, para umedecer o piso. As lágrimas já o molham bastante. Se um dia fosse presidento, encostava todos os políticos num paredão e não os mataria. Ficariam lá, acorrentados ao muro, de bunda à mostra para o povo que passasse, com um cartaz dizendo: “Roubei pra caralho”. Mas já está muito velho para isso.
Pedro Loivo, o “Oi” - A vida para Oi era uma beleza, digna de ser vivida. Tivera um pai filho da puta, um tal de Sousa Nunes, que nem sabia onde andava. Era filho de uma transa entre ele e uma empregada lá do escritório onde o pai trabalhava. Sua falecida mãe lhe dissera o nome do pai e até o mostrara para que ele soubesse de quem era filho. Para o pai, que abusara sexualmente da filha, irmã de Oi, o que importava na via era conseguir o que se queria. O “como” não importava, porque os fins justificavam os meios. Seu pai era mesmo um grande filho da puta, mas reconhecia que ele tinha razão em alguns aspectos. Fora ele que nos tempos difíceis da guerrilha, quando Cuba e a ex-União Soviética pararam de mandar divisas, pôs em contato alguns guerrilheiros com o tráfico de drogas. Não sabe no que isso deu, porque não acompanhou. Juntou-se ele próprio a um chefe de morro, um traficante que agora até está preso mas continua a comandar a vida fora do presídio por celular. Para ele não interessa quanto tempo durará sua vida. Depois de morto não se pensa, e o eu ficou para trás também morreu. Assim, que importância tem se morrer com vinte, trinta ou cem anos? Não importa nada. O que importa é que as drogas que vende estão livres do controle da saúde pública e pode até misturar bosta seca de vaca à maconha para ter mais lucro, ou farinha ao crack. Mas o mais maravilhoso é que não paga impostos. Move milhões de reais por semana, de vez em quando chama uma de suas mulheres para lhe fazer um boquete e varrer o barraco, muito bem montado, aliás. Com seu passaporte falso e uns amigos que tem no aeroporto, viaja por semanas para o exterior. Um dia, se for presidento, chamará para governar todos os seus amigos do tráfico. Comprarão todos os políticos e continuarão expandindo os seus negócios.
© by Rui Rodrigues
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