Certamente uma sensação de
absurdo...
(Ou como diria um amigo meu
residente no Reino Unido, “Certainly a sense of nonsense”).
Minha gata de focinho e
patas brancas olhou para mim, veio até meus braços como vinham as gatas de duas
pernas, de qualquer cor, e aninhou-se em meus braços. Lambeu-me o braço, a mão,
os dedos. Todas as gatas de duas pernas tinham gostado desta de quatro, a
Sarkye, nascida e registrada em Lisboa no posto de Carcavelos. Ao lembrar-me de
uma delas, pensei em três coisas de uma coincidência incrível: Todas estas tinham
tido um final infeliz e, de certa forma, não tinha o menor sentido.
Quando o Titanic zarpou do
porto de Southampton na noite de 14 de abril de 1912, com escala em Queenstown,
com destino a N.York, ninguém poderia imaginar o desenrolar da viagem. O
comandante, barbudo, era um certo Edward J. Smith, e uma ruiva deslumbrante
prometia não sair de seu camarote durante toda a viagem. Aquele era o maior
navio de passageiros do mundo, construído em Belfast, na Irlanda, e apesar dos
movimentos do IRA originados no velho Ulster em prol da independência, a sua
construção decorrera de forma tão tranqüila que não se esperava qualquer tipo
de sabotagem. John Coffey, 23 anos, estava a bordo como foguista fazendo parte
da tripulação. A Europa e os EUA estavam em relativa paz embora houvesse muito
desemprego e a Alemanha estivesse num processo de rearmamento. Diziam que o
Titanic nem Deus o poderia afundar. Também ninguém notou quando John Coffey
saltou para fora do navio em Queenstown, escondendo-se em um dos botes no meio
das sacolas de cartas que estavam destinadas ao continente. Nativo da cidade,
ele provavelmente se juntou ao navio em Southampton com essa intenção.
Na Itália, o navio “Costa
Concordia” já saíra para mais um cruzeiro pelo mar Mediterrâneo. Margeava a
ilha de Giglio, e a bordo, no camarote do comandante Francesco Schettino, uma
loura deslumbrante mostrava seus dotes de sedutora, suas pernas bem torneadas,
seus lábios bem delineados e grossos. Já entrara no camarote sem calcinha, e
sentada no beliche entreabria as pernas para os olhares ávidos e atentos do
comandante. Para agradá-la, Schettino passou um pouco mais perto da ilha de
Giglio onde a conhecera. Fumavam um baseado, e estavam alegres. Muito alegres.
O comandante confiava na sua tripulação a quem já instruíra para se chegar um
pouco mais para junto da ilha. Teria pelo menos umas duas horas de privacidade
até a próxima parada. Sentou no beliche, a vigia a suas costas, a loura de
joelhos com os braços ao redor de sua cintura puxando-o para si, a boca de
lábios grossos tocando-lhe os pelos pubianos. Não via a paisagem.
Os “doze da Ucrânia”, todos
portugueses, partiram de avião para defenderem a honra de umas damas
ucranianas, por sinal muito lindas, que os convidaram para uma lide de vida ou
morte em defesa da honra. Não gostavam de viajar de navio, e se o fizessem
demorariam muito tempo para atravessar todo aquele mar dando a volta à
península Ibérica, Galícia, Norte da França, Norte da Alemanha, para chegar à
Polônia e depois à Ucrânia. O desafio havia sido lançado por uma Congregação
esportiva que se reunia de quatro em quatro anos para lavar a honra, embora não
tivessem muita certeza do que essa palavra significava em face à confusão
generalizada de tomar a honra como coisa desportiva. Levavam um galo enorme de
Barcelos. Na verdade eram somente onze, e um armeiro que os treinava
assiduamente. Luiz Vaz de Camões já falara sobre isso, séculos antes. Não era o
melhor armeiro do reino, aquele apelidado carinhosamente de Meirinho, mas
ninguém sabe porque razão, não foi, não quis ir, não o convidaram. O Décimo
segundo homem que fazia parte o grupo não era o Meirinho. Era outro o
verdadeiro Magriço, que jamais chegaria
para o combate em defesa da honra das damas ucranianas.
Quando pelo meio da noite
avisaram por rádio que havia icebergs na rota do Titanic, o comandante Edward
alterou a rota para mais a sul, e foi para o camarote descansar com a
consciência tranqüila. Abriu uma garrafa de champanhe e olhou a ruiva estendida
na cama, adormecida. Edward estava já um pouco avançado na idade, de modo que
optou por deixá-la descansar um pouco. Ligou então para a ponte e avisou: - “Só me interrompam se houver algo de muito
grave. Afora isso, só me acordem amanhã de manhã”. E sentou-se na cama,
alisando as pernas da bela ruiva, as mãos subindo, subindo, subindo... Quando
ouviu o estrondo, pensou que alguém invertera a marcha os motores e algo
quebrara lá embaixo na gigantesca casa de máquinas. Apertou os botões da
braguilha, pediu desculpas à ruiva dizendo que já voltaria e foi para a ponte
de comando, o navio um pouco adernado. Pensou também que alguém poderia ter
detonado alguma bomba. Talvez alguém do IRA. O certo é que o navio fazia água.
Quando a bela loura começava
a puxar o zíper das calças brancas do comandante Schettino a bordo do Costa
Concordia, e já passava a língua entre os lábios, os olhos postos nos do
comandante, preparando-se para os primeiros movimentos do prazer, sentiu um
estrondo, sentiu-se tonta pelo giro repentino da cabine que quase virou do avesso. Algo muito
estranho e terrível tinha acontecido. O navio estava adernando rapidamente, e
tão repentinamente como começara, estabilizou. Podia ver o nível da água do
mediterrâneo a dois palmos do nariz logo abaixo da vigia. Apressado, o
comandante voltou a fechar o zíper ainda no chão, apanhou uma valise, e
segurando a mulher pelo braço, abriu a porta da cabine e saiu para o tombadilho
inclinado. Um lancha de fiscalização do porto que passava por perto, deu-lhes
uma carona e levou-os até a costa, a não mais do que uns duzentos metros do
navio adernado. Enquanto a mulher apanhava um táxi para casa, Schetinno
apreciou o estrago. O navio tinha capotado no mar. Chegara perto de mais...
Ainda deu uma risada sob os efeitos do cigarro de maconha que acabara de fumar
com a loura minutos atrás, e preparou-se para o pior. Não sabia ainda se
fugiria ou se ficaria por ali esperando o desenrolar dos acontecimentos.
Os combates começaram contra
os cavaleiros espanhóis em honra das belas damas ucranianas. Pelas regras, se
houvesse empate, cada cavaleiro teria que dar um golpe de lança, a cavalo, tentando derrubar o cavaleiro
inimigo no fundo da liça. O 12 da Ucrânia, saídos de Portugal, todos eles
nobres cavaleiros, já cansados da lide de
90 minutos mais 30 minutos de prorrogação prepararam-se para o
desempate. Começava por uma série de cinco tentativas de lado a lado: Se fosse
o Meirinho a decidir quem seriam os primeiros
teria sido diferente, mas este que o substituiu, mandou primeiro os
menos experientes. Os espanhóis começaram, e na primeira tentativa o cavaleiro
português desviou-lhe a lança: Portugal atacou a seguir e marcou. Estava
Portugal 1x 0. Tudo indicava que seria possível passar à fase seguinte.
O Titanic era agora uma
plataforma adernante, toda iluminada na noite fria do Atlântico Norte, perto
das águas da Terra Nova, metendo água rapidamente. Edward na sua torre de
comando, dera ordem para baixar os escaleres, dando preferência aos passageiros
da primeir classe, depois aos de segunda classe e trancando os de terceira
classe nos pisos mais baixos do Titanic. Muitos moreram ali mesmo afogados.
Poucos conseguiram escapar. Os botes não tinham lugar para todos os
passageiros, alguns turcos onde se suspendiam os botes não funcionaram. Um bote
emborcou, outros não conseguiram ser baixados. Às 4:10 do dia 15 de abril de
1912, o navio Carpathia recolheu os primeiros sobreviventes do naufrágio. Já
não existia o Titanic como navio. Partira-se em dois e jazia no fundo do mar.
Das 2.223 pessoas a bordo, apenas 706 foram resgatadas. Morreram 1517 pessoas
(quatro portugueses, três originários da ilha da Madeira e um radicado em
Londres).
A mesma lancha que deixara o
comandante italiano na costa, a poucos metros do Costa Concordia, junto á ilha
de Giglio, voltou para lhe dizer que havia um comunicado do chefe da
administração do porto. Por várias vezes ouviu pelo radio “Vada a bordo, Cazzo”
(Volte ao navio, Caralho!), ordens para voltar ao navio e assumir o comando, e
outras tantas respondeu que voltaria sim, mas não disse porque não voltaria nem
que não voltaria: A maconha que fumara com a loura era muito forte e ainda
estava meio zonzo. Morreram 32 pessoas.
Na seqüência entre desvios
de lança e acertos, os espanhóis somavam 4 x 2. O melhor cavaleiro português
nem chegou a tentar, porque nas quatro tentativas já era impossível passar a
marca dos espanhóis. Se Meirinho estivesse lá, colocaria os melhores de início
para desmoralizar logo os adversários. Como os espanhóis falharam logo a
primeira tentativa, os 11 da Ucrânia teriam ganhado aquela fase do torneio
passando á fase seguinte. Melancolicamente, os 12 da Ucrânia voltaram a cavalo
para Lisboa.
Senso ou falta de senso
parece sempre ser fruto de uma opção: Fazer o que se deve fazer, ou o que se
quer fazer, e nem sempre as duas coisas coincidem. Nunca me arrependo do que faço.
Rui Rodrigues