A sedução e o amor num tapete voador
Não há tornado ou vendaval
que eleve um tapete no ar com duas pessoas a bordo e o deixe navegar sempre
paralelo ao solo, levando o casal aos píncaros do vento, assistir ao nascer ou
acabar do dia pintados de arrebol. Pensar que isso possa existir é insanidade. Olhar
o pôr do Sol ou o nascer do dia, admirando as cores avermelhadas, alaranjadas
ou em tons róseos, é um prazer que qualquer casal de namorados pode usufruir
sobre um tapete, persa de preferência, á beira mar, sem testemunhas, os
horizontes infinitos ao sabor da imaginação e da liberdade de se amarem.
Casais inexperientes vêm o infinito do mar como uma viagem certa, definida, longo tempo para navegar. Casais experientes vêm sempre o horizonte como algo que deve ser percorrido com cautela e precaução, terminar a viagem a qualquer momento se houver indícios de tempestade no mar. Para os primeiros, as tempestades são novidade e devem ser vencidas. Para os experientes, as tempestades são apenas tempestades e já sabem como acabarão. Não vale a pena lutar contra o fim inexorável: o mar vence, e o tapete é débil.
O amor não é nada
complicado. Surge sempre de pequenos atos de sedução, como se nosso corpo fosse
feito de órgãos independentes que trabalham uns para os outros, assim como o
coração mantém o sangue circulando, o cérebro determina os ritmos e as ações
para cada coisa e movimento, o estômago digere a comida. Assim também a pele, os olhos, os ouvidos, a
boca pela fala e as mãos e dedos pelo toque, cativam prazerosamente para a
realização de um prazer maior; o ato sexual, onde o maior prazer, com o qual
nada se compara neste mundo, pode explodir em alegria, realização, e
relaxamento. Uma fonte de energia. A Complicação
do entendimento do amor vem exatamente da sedução e do que imaginamos que seja.
A sedução pode ser comparada
com um tapete voador, de preferência persa, ricamente trabalhado, decorado,
cativante, sobre o qual dois seres humanos realizam o desejo de se atrair
mutuamente. Ambos sobem no tapete, e essas primeiras imagens da sedução,
através de toques de pele, de olhares, de falas, de ouvidos atentos, são o
próprio tapete. Viajam no tempo, juntos por breves instantes ou por anos,
décadas, e olham o tapete de vez em quando enquanto atravessam o mar da vida. Quanto
mais o olham, mais se convencem de que apesar de desbotado, puído, é apenas um
meio de transporte de algo que se tornou maior: o amor.
Mas a sedução é também um
jogo no qual se entra com maior ou menor convicção. Por vezes, nesse jogo, um dos
passageiros desce do tapete ou puxa-o em sua direção deixando o outro no ar.
Serve muitas vezes, esta façanha de risco, para que o outro lhe sinta a falta e
retorne com mais vontade de continuar o jogo, mas pode acontecer que aquele
tapete perca rapidamente a cor e fique puído em poucas tentativas deste jogo de
rato e gato, e, quando se compara a cor e o estado do tapete nos primeiros dias
com os últimos dias, nota-se uma diferença tão grande, tão abissal, que se
volta para a praia de onde se saiu. Nestes casos, o jogo de sedução terminou, o
amor foi tão modificado, que ou acabou também, ou se transformou em algo
completamente diferente, como um veneno que mata aos poucos o coração, o
estômago que vomita, pára os membros.
Dizem que homens e mulheres
praticam o jogo de sedução de forma diferente. Não creio. Inúmeros tapetes
voadores saem todos os dias para o mar transportando um casal, muitas vezes já
com outros que viajam de carona sem que eles percebam. Reações comportamentais
femininas são vistas em homens e vive-versa. A dor e a alegria são iguais no
maior prazer na maior das decepções. Mas tudo não passa de uma biografia de
viagem num tapete voador.
E não há nunca motivo para
uma decepção total.
Na praia, no continente, há sempre novos pares que se formam, gente que quer formar um novo par, o retorno da viagem é garantido, o jogo de sedução pode sempre ser mais ou menos franco.
Há sempre um mar infinito a
atravessar, um nascer de manhãs sãs ou insanas coloridas de vermelho, laranja
ou cor de rosa. Como num arrebol. Pores do sol também. Cada casal escolhe a
hora de iniciar a viagem. Quanto à sanidade, ela é relativa, apenas uma
extremidade da sanidade.
Um velho lobo do mar nunca
gosta de partir ao meio-dia.
Rui Rodrigues
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