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quinta-feira, 28 de junho de 2012

Certamente uma sensação de absurdo...



Certamente uma sensação de absurdo...

(Ou como diria um amigo meu residente no Reino Unido, “Certainly a sense of nonsense”).

Minha gata de focinho e patas brancas olhou para mim, veio até meus braços como vinham as gatas de duas pernas, de qualquer cor, e aninhou-se em meus braços. Lambeu-me o braço, a mão, os dedos. Todas as gatas de duas pernas tinham gostado desta de quatro, a Sarkye, nascida e registrada em Lisboa no posto de Carcavelos. Ao lembrar-me de uma delas, pensei em três coisas de uma coincidência incrível: Todas estas tinham tido um final infeliz e, de certa forma, não tinha o menor sentido.


Quando o Titanic zarpou do porto de Southampton na noite de 14 de abril de 1912, com escala em Queenstown, com destino a N.York, ninguém poderia imaginar o desenrolar da viagem. O comandante, barbudo, era um certo Edward J. Smith, e uma ruiva deslumbrante prometia não sair de seu camarote durante toda a viagem. Aquele era o maior navio de passageiros do mundo, construído em Belfast, na Irlanda, e apesar dos movimentos do IRA originados no velho Ulster em prol da independência, a sua construção decorrera de forma tão tranqüila que não se esperava qualquer tipo de sabotagem. John Coffey, 23 anos, estava a bordo como foguista fazendo parte da tripulação. A Europa e os EUA estavam em relativa paz embora houvesse muito desemprego e a Alemanha estivesse num processo de rearmamento. Diziam que o Titanic nem Deus o poderia afundar. Também ninguém notou quando John Coffey saltou para fora do navio em Queenstown, escondendo-se em um dos botes no meio das sacolas de cartas que estavam destinadas ao continente. Nativo da cidade, ele provavelmente se juntou ao navio em Southampton com essa intenção.

Na Itália, o navio “Costa Concordia” já saíra para mais um cruzeiro pelo mar Mediterrâneo. Margeava a ilha de Giglio, e a bordo, no camarote do comandante Francesco Schettino, uma loura deslumbrante mostrava seus dotes de sedutora, suas pernas bem torneadas, seus lábios bem delineados e grossos. Já entrara no camarote sem calcinha, e sentada no beliche entreabria as pernas para os olhares ávidos e atentos do comandante. Para agradá-la, Schettino passou um pouco mais perto da ilha de Giglio onde a conhecera. Fumavam um baseado, e estavam alegres. Muito alegres. O comandante confiava na sua tripulação a quem já instruíra para se chegar um pouco mais para junto da ilha. Teria pelo menos umas duas horas de privacidade até a próxima parada. Sentou no beliche, a vigia a suas costas, a loura de joelhos com os braços ao redor de sua cintura puxando-o para si, a boca de lábios grossos tocando-lhe os pelos pubianos. Não via a paisagem.

Os “doze da Ucrânia”, todos portugueses, partiram de avião para defenderem a honra de umas damas ucranianas, por sinal muito lindas, que os convidaram para uma lide de vida ou morte em defesa da honra. Não gostavam de viajar de navio, e se o fizessem demorariam muito tempo para atravessar todo aquele mar dando a volta à península Ibérica, Galícia, Norte da França, Norte da Alemanha, para chegar à Polônia e depois à Ucrânia. O desafio havia sido lançado por uma Congregação esportiva que se reunia de quatro em quatro anos para lavar a honra, embora não tivessem muita certeza do que essa palavra significava em face à confusão generalizada de tomar a honra como coisa desportiva. Levavam um galo enorme de Barcelos. Na verdade eram somente onze, e um armeiro que os treinava assiduamente. Luiz Vaz de Camões já falara sobre isso, séculos antes. Não era o melhor armeiro do reino, aquele apelidado carinhosamente de Meirinho, mas ninguém sabe porque razão, não foi, não quis ir, não o convidaram. O Décimo segundo homem que fazia parte o grupo não era o Meirinho. Era outro o verdadeiro Magriço, que  jamais chegaria para o combate em defesa da honra das damas ucranianas.

Quando pelo meio da noite avisaram por rádio que havia icebergs na rota do Titanic, o comandante Edward alterou a rota para mais a sul, e foi para o camarote descansar com a consciência tranqüila. Abriu uma garrafa de champanhe e olhou a ruiva estendida na cama, adormecida. Edward estava já um pouco avançado na idade, de modo que optou por deixá-la descansar um pouco. Ligou então para a ponte e avisou:  - “Só me interrompam se houver algo de muito grave. Afora isso, só me acordem amanhã de manhã”. E sentou-se na cama, alisando as pernas da bela ruiva, as mãos subindo, subindo, subindo... Quando ouviu o estrondo, pensou que alguém invertera a marcha os motores e algo quebrara lá embaixo na gigantesca casa de máquinas. Apertou os botões da braguilha, pediu desculpas à ruiva dizendo que já voltaria e foi para a ponte de comando, o navio um pouco adernado. Pensou também que alguém poderia ter detonado alguma bomba. Talvez alguém do IRA. O certo é que o navio fazia água.

Quando a bela loura começava a puxar o zíper das calças brancas do comandante Schettino a bordo do Costa Concordia, e já passava a língua entre os lábios, os olhos postos nos do comandante, preparando-se para os primeiros movimentos do prazer, sentiu um estrondo, sentiu-se tonta pelo giro repentino da cabine  que quase virou do avesso. Algo muito estranho e terrível tinha acontecido. O navio estava adernando rapidamente, e tão repentinamente como começara, estabilizou. Podia ver o nível da água do mediterrâneo a dois palmos do nariz logo abaixo da vigia. Apressado, o comandante voltou a fechar o zíper ainda no chão, apanhou uma valise, e segurando a mulher pelo braço, abriu a porta da cabine e saiu para o tombadilho inclinado. Um lancha de fiscalização do porto que passava por perto, deu-lhes uma carona e levou-os até a costa, a não mais do que uns duzentos metros do navio adernado. Enquanto a mulher apanhava um táxi para casa, Schetinno apreciou o estrago. O navio tinha capotado no mar. Chegara perto de mais... Ainda deu uma risada sob os efeitos do cigarro de maconha que acabara de fumar com a loura minutos atrás, e preparou-se para o pior. Não sabia ainda se fugiria ou se ficaria por ali esperando o desenrolar dos acontecimentos.

Os combates começaram contra os cavaleiros espanhóis em honra das belas damas ucranianas. Pelas regras, se houvesse empate, cada cavaleiro teria que dar um golpe de lança,  a cavalo, tentando derrubar o cavaleiro inimigo no fundo da liça. O 12 da Ucrânia, saídos de Portugal, todos eles nobres cavaleiros, já cansados da lide de  90 minutos mais 30 minutos de prorrogação prepararam-se para o desempate. Começava por uma série de cinco tentativas de lado a lado: Se fosse o Meirinho a decidir quem seriam os primeiros  teria sido diferente, mas este que o substituiu, mandou primeiro os menos experientes. Os espanhóis começaram, e na primeira tentativa o cavaleiro português desviou-lhe a lança: Portugal atacou a seguir e marcou. Estava Portugal 1x 0. Tudo indicava que seria possível passar à fase seguinte.


O Titanic era agora uma plataforma adernante, toda iluminada na noite fria do Atlântico Norte, perto das águas da Terra Nova, metendo água rapidamente. Edward na sua torre de comando, dera ordem para baixar os escaleres, dando preferência aos passageiros da primeir classe, depois aos de segunda classe e trancando os de terceira classe nos pisos mais baixos do Titanic. Muitos moreram ali mesmo afogados. Poucos conseguiram escapar. Os botes não tinham lugar para todos os passageiros, alguns turcos onde se suspendiam os botes não funcionaram. Um bote emborcou, outros não conseguiram ser baixados. Às 4:10 do dia 15 de abril de 1912, o navio Carpathia recolheu os primeiros sobreviventes do naufrágio. Já não existia o Titanic como navio. Partira-se em dois e jazia no fundo do mar. Das 2.223 pessoas a bordo, apenas 706 foram resgatadas. Morreram 1517 pessoas (quatro portugueses, três originários da ilha da Madeira e um radicado em Londres).

A mesma lancha que deixara o comandante italiano na costa, a poucos metros do Costa Concordia, junto á ilha de Giglio, voltou para lhe dizer que havia um comunicado do chefe da administração do porto. Por várias vezes ouviu pelo radio “Vada a bordo, Cazzo” (Volte ao navio, Caralho!), ordens para voltar ao navio e assumir o comando, e outras tantas respondeu que voltaria sim, mas não disse porque não voltaria nem que não voltaria: A maconha que fumara com a loura era muito forte e ainda estava meio zonzo. Morreram 32 pessoas.

Na seqüência entre desvios de lança e acertos, os espanhóis somavam 4 x 2. O melhor cavaleiro português nem chegou a tentar, porque nas quatro tentativas já era impossível passar a marca dos espanhóis. Se Meirinho estivesse lá, colocaria os melhores de início para desmoralizar logo os adversários. Como os espanhóis falharam logo a primeira tentativa, os 11 da Ucrânia teriam ganhado aquela fase do torneio passando á fase seguinte. Melancolicamente, os 12 da Ucrânia voltaram a cavalo para Lisboa.

Senso ou falta de senso parece sempre ser fruto de uma opção: Fazer o que se deve fazer, ou o que se quer fazer, e nem sempre as duas coisas coincidem. Nunca me arrependo do que faço.

Rui Rodrigues

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