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segunda-feira, 16 de julho de 2012

A intervenção do estado na democracia representativa brasileira






Há coisas muito estranhas neste tipo de democracia participativa que bradam aos céus. Como sabemos, de quatro em quatro anos chamam os cidadãos para votar em candidatos que nos são empurrados com toda a credibilidade dos partidos a que pertencem para que neles votemos. Deveriam representar-nos e para isso deveriam estar aptos. Parece que o Estado se ausenta para a livre exploração dos cidadãos que esperam do Estado o que ele não lhe dá, no que pesem os extorsivos impostos.

Parece, apenas parece, que não é isso que vemos ao redor do mundo. Fixar-me-ei no Brasil, onde vivo, mas podemos extrapolar para o resto do mundo, porque os problemas são os mesmos variando apenas no grau: ou um pouco mais ou um pouco menos. O que se segue são apenas alguns exemplos, sem precedência de importância.

  1. Educação – Sabemos, e nossos representantes o sabem, que a educação é a base primordial para uma sociedade esclarecida. Quanto mais esclarecida a sociedade, mais exige. Quanto mais exige, mais o país melhora. Na ânsia de permitir uma continuidade das condições que permitem a ascensão ao poder de uma determinada “qualidade” de cidadãos, que se elegem sem muita necessidade de inteligência bastando uns milhões de investimento em propaganda para se elegerem, os salários de professores continuam pobremente baixos, as escolas não têm a qualidade que poderiam ter, faltam centros de pesquisa, não há fiscalização do Estado para enquadrar na lei as instituições e a aplicação das leis.

  1. Estradas de ferro – Sabemos todos que o transporte ferroviário é muito mais barato do que o transporte por estradas ou por avião. A Europa sabe disso, a Ásia sabe disso, A América do Norte sabe disso. Nossos representantes são inadequados ao nosso desenvolvimento. Parecem não saber de nada nem estar interessados em saber. Continuamos com uma rede ridícula de estradas de ferro, fazendo cada vez mais caros a alimentação e os bens de consumo, dificultando as exportações. O Estado não intervém e a iniciativa privada usa o governo para construir estradas de ferro particulares para servir uma meia dúzia de interessados fazendo-as passar por suas terras. Assim deixam de atender a maioria dos pequenos e médios produtores de bens de raiz ou de bens de consumo em geral. É o “coronelismo” ferroviário.

  1. Saúde Pública - Morre gente nas filas por falta de atendimento. As consultas são marcadas com antecedência de meses como se a saúde pudesse esperar. Médicos são mal pagos, mas sobra dinheiro para outras coisas como, por exemplo, a Copa do Mundo e as Olimpíadas, e a verba destinada não chega ao fim da linha. O estado não fiscaliza, o Estado não intervém e tudo continua como está. Quem vai a hospitais públicos não raro se depara com falta de esparadrapo, de vacinas, de mercúrio-cromo ou de gaze. Os corredores estão cheios de gente esperando atendimento. Sabemos todos que as instalações são insuficientes. Os políticos que elegemos omitem-se para manter a imagem de um estado participativo. È mentira. Não representam o povo porque o povo não tem Lobby. Fazem lindas leis sobre atendimento privado e do Estado, mas não fiscalizam. Os planos de saúde são uma fraude, mas continuam a ser vendidos. Quem quiser reclamar – mortos não reclamam - que o faça na justiça. Ora a justiça está entupida de processos que demoram décadas para serem resolvidos.

  1. Serviços de Internet (Operadoras) - Quando fizeram a “concorrência” para a distribuição de sinais com o objetivo de telefonia e Internet, os termos e condições não foram exaustivamente estudados. A culpa da deficiente administração dos serviços públicos, ainda que terceirizados fica sempre para o governo “seguinte”. A economia de escala não foi respeitada, e apesar do crescimento enorme, quase estratosférico, os preços não baixaram nem significativamente. Por outro lado, com meia dúzia de operadoras é extremamente fácil entrarem em acordo quanto aos preços. Fruto dessa falta de visão ao privatizar este tipo de serviços, a Banda larga está literalmente “entupida” pela minimização dos custos e o sinal é deficiente em boa parte do território. As empresas VIVO, TIM, OI, CLARO, não têm uma legislação que as obrigue a uma eficiente prestação de serviços. Parece que o governo ou não entende, ou não está interessado em entender. Não fiscaliza, não intervém adequadamente. Alguns serviços, destinados ao aprendizado ou a comunicações com o governo deveriam ter custo zero. A NET nas escolas e universidades deveria ser grátis. Se a Anatel desejasse realmente fiscalizar os serviços, saía com modens de cada provedora pelo Brasil afora para ver constatar a qualidade dos sinais recebidos por celulares e modens. Celular qualquer funcionário da Anatel tem. Podem constatar até no caminho para casa. Os sinais de todas as provedoras são deficientes de péssima qualidade e não valem o preço que cobram. A VIVO tem o desplante de reduzir a velocidade do sinal contratado mesmo quando o seu sinal é deficiente.

  1. Transportes – Estradas – Nossas rodovias são velhas, as cidades estão entupidas de tráfego. O governo constrói estradas novas, necessárias sem dúvida, mas não dá prioridade para resolver as vias deficientes e estreitas, com poucas faixas de rodagem que já possuímos. Isto provoca custos adicionais aos caminhoneiros, às empresas de transporte, aumentam o consumo de gasolina e de combustíveis, causam perigo de vida, com acidentes sucessivos e em constante aumento, aumentam os custos dos serviços públicos de saúde para atender os feridos. Aumentam principalmente os custos dos bens transportados. Pagam-se impostos mas não se vê o retorno. As estradas que foram terceirizadas obrigam ao pagamento extra de pedágios mas não são modernizadas. Os lucros ficam com os donos beneficiados com a exploração. Esquecem-se que os governantes – esses que fingem representar os cidadãos – privatizaram estradas construídas com dinheiros públicos e que constroem hoje outras estradas que ainda não levam a lugar nenhum, que privatizarão também. Os transportes públicos são deficientes. Os cidadãos perdem um tempo precioso indo e voltando do trabalho, a maioria das vezes usando duas ou três conduções para ir e outras tantas para voltar. Chegam cansados em casa, chegam cansados no trabalho. Os deficientes físicos não são atendidos porque os equipamentos para elevação de cadeiras estragam pela poeira ou não são devidamente operados. A frota de Ônibus é insuficiente porque querem seus donos economizar – como se o lucro fabuloso fosse pouco – porque os governantes permitem. Enquanto estiver como está, não sentem a necessidade de melhorar. Vivemos num Brasil cujos empreendedores não sentem a necessidade de melhorar. \o governo está ausente. Mas a propaganda diz que não. Que tudo está cada dia melhor, que fazem “mundos e fundos” embora 62% das estradas estejam todas esburacadas ou sejam de qualidade inferior. O metrô de S. Paulo e do Rio de Janeiro, dentre outros, é deficiente no número de linhas. Não se sabe o que fazem com os impostos, nem porque custa tão caro a construção de vias e preços de passagens. Em viagens interestaduais, algumas passagens de avião já ficam mais baratas para percursos idênticos. O Estado tem que intervir. Se o estado fiscalizar talvez constate que se pagou por estradas para 30 anos e construíram para duração de cinco anos. Esperava-se uma participação mais efetiva – bem mais - do Tribunal de Contas da União (TCU) e dos tribunais de contas estaduais.

  1. Segurança Pública - Por não haver presídios suficientes, as leis amoleceram. A polícia prende e a justiça solta. Resolveram que os direitos dos presos poderiam ser estendidos a um melhor salário por estarem presos, o que é justo, mas elevaram os salários dos presidiários a tal nível que ultrapassaram os salários de trabalhadores honestos com o mesmo número de filhos. Ora isto ultrapassa a compreensão do que é justo ou injusto. Pode ser justo para os presos mas é injusto para os trabalhadores nos quais se incluem os professores com salários praticamente idênticos aos dos presos. Invadiram, com a melhor das intenções, as áreas de consumo de crak e afastaram os consumidores para outros locais. Agora, por intenção duvidosa, não acabaram com o consumo nesses locais. Nossa nação está criando uma nova classe: a dos drogados. Tiraram os traficantes de alguns morros: Eles foram para outros e para outras regiões nas cercanias do Rio de Janeiro. Foi com a melhor das intenções, mas é com intenção duvidosa que esses traficantes não sejam varridos do mapa do Rio de Janeiro e do Brasil. Rouba-se nas ruas, assaltam-se lojas, postos de combustíveis, seqüestros relâmpago de montão, assaltos a residências, mata-se pelas ruas. Resolvem os casos depois de efetuados, mas não se previne. A prevenção não é apenas atributo da polícia, mas do governo como um todo proporcionando melhores condições de vida e melhor educação. As atitudes do Estado servem apenas para propaganda, porque não resolvem nada. Absolutamente nada. Não somos a sexta economia do mundo. Somos o sexto desperdício do mundo!

  1. Impostos e juros – Altos impostos e juros minam a economia em vez de reduzir a inflação, porque os preços sobem. Não há quem não coloque nos preços, como custo, os impostos, os desperdícios e os juros, e quem não sonegue quando os impostos são altos. Para poderem exportar, os grandes produtores de bens têm dois preços para o mesmo produto: um alto para o consumo interno e outro mais baixo para competir no mercado internacional. Isso é prejuízo dos cidadãos. Os pobres vêem os aumentos de salário no final do ano, vetados até em centavos pela presidência da república, serem consumidos por inflação logo nos primeiros meses da entrada em vigor desses aumentos. Como se não bastasse, a cada quilo de feijão, arroz, ou de alimentos, pagam impostos extorsivos. Disseram que os juros altos deveriam conter a inflação, mas esses juros altos foram para as mãos dos Bancos. Eles se beneficiaram dos juros altos. O povo sofre com isso. Os pobres financiam os ricos. Não se vê da parte do governo o retorno dos impostos como beneficio para os cidadãos, mas sim para empresas e empresários. Atualmente constrói-se com dinheiros públicos usinas para gerar energia elétrica cuja capacidade se destina, quase que totalmente para a iniciativa privada. Não temos quem fiscalize o governo!

Haveria – e há – muito mais para expor e reclamar. A representatividade dos cidadãos se perde nos corredores onde aves agourentas pagam bem e pressionam ainda melhor para que sejam atendidos os seus desejos de ambição e poder. São os chamados Lobbies. Povo não tem Lobby. Povo paga os mesmos impostos que os ricos pagam quando compram alimentos. É justo que tanto ricos quanto pobres tenham acesso a todos os serviços e a todas as obrigações constitucionais, mas devem baixar-se os impostos sobre serviços e bens básicos. Tem muito mais efeito do que aumentar os juros, manter os impostos em patamar elevado.

Os Partidos políticos já perceberam que não há fiscalização e que podem apresentar qualquer candidato, porque o povo, obrigado a votar, votará nos que lhes apresentarem para votar. Qualquer um ou qualquer uma que faça exatamente o que o Partido deseje, lhes serve, independentemente de sua qualificação para o cargo. Isso acontece também quando se indicam ministros. São os Partidos no poder, não os políticos, não os cidadãos.

A isso chamo ditadura!

Democracia é coisa diferente. Muito diferente!
(Ver sobre democracia participativa no site http://conscienciademocrata.no.comunidades.net/
Rui Rodrigues

Curdos - Síria - Bashar al-Assad



Curdos - Síria - Bashar al-Assad

Temos assistido à derrubada de velhos ditadores no Norte de África como parte de um processo histórico a que damos o esperançoso nome de Primavera Árabe. O termo Primavera faz sentido como indicador de uma renovação. Novas flores, novos frutos para a democracia humana, entendendo-se democracia como integração livre, cooperação livre, convivência livre, sem estar dependente da vontade alheia que não é representativa.

Sadam-Husseín do Irã, Muamar Gaddafi da Líbia após 41 anos no poder, Hosni Mubarak do Egito – 30 anos no poder, Zine El Abidine Bem da Tunísia - 23 anos de poder foram falsos líderes que já largaram o poder. Digo falsos líderes porque não foram eleitos e muito menos de forma limpa. As monarquias, baseadas num conceito impingido às populações ignorantes de que os reis eram representantes dos deuses na Terra, tem seus dias contados, ainda mais se sabendo que se um rei tiver um filho menos capaz, este herda o governo da mesma forma: Seria neste caso a fúria divina lançada sobre o povo através de seu rei incapaz? Existem muitas tradições e conceitos a corrigir nos livros.

Como parte da Primavera Árabe alguns países estão ainda em estado latente de transição não resolvida: Na Síria, Bashar al-Assad (há 11 anos na Presidência); no Iêmen Ali Abdullah Saleh governa há 33 anos; Na Jordânia o rei Abdullah 2º que governa desde 1999, filho de Hussein (primo do rei Faiçal do Iraque) que reinou desde 1952 a 1999; No Barhein o rei Hamad al Khalifa  governa desde 2002 tendo sido emir desde 1999. Já não existem sociedades fechadas onde a informação não possa entrar após o advento da Internet. Por isso alguns governos ainda que considerados democráticos no mundo se preocupam com os estragos que a informação livre possa fazer em suas velhas e muitas vezes incongruentes formas de governar. Mesmo nas democracias representativas, o governo e a forma de governar se auto-sustentam por um motivo muito simples: a forma de governar reelege sempre o sistema, embora os governantes mudem em função dos votos. Se há algo a reclamar nesta forma representativa de governar, não é dos governantes eleitos, mas do sistema que os permite eleger, sem que possamos retirá-los de lá. Não nos permitem retirar o voto dado!

O que as sociedades árabes buscam em sua Primavera é o direito a terem uma voz no governo. Querem ser ouvidos e levados em consideração, mesmo que seja través de representantes, deixada a ressalva que terão de esperar quatro anos para votar em outros diferentes se os que elegeram se demonstrarem corruptos, assassinos, extremamente ambiciosos ou displicentes. Afinal, para se eleger alguém não se exige que faça um exame prévio psicotécnico... Estamos sendo governados por “incógnitas” políticas. Bashar al-Assad deve sair do governo urgentemente ou posto para fora pelo seu povo já em revolta.

O caso curdo não é Sui generis, isto é, caso único e o povo Guajiro no norte da Colômbia e da Venezuela, além do povo basco e outros, são disso testemunho cabal, mas o povo curdo é o maior de todos: são cerca de 36 milhões de seres humanos perfeitamente diferenciados etnicamente como povo, que vivem em pátrias usurpadoras que os submetem e muitas vezes lhes ignoram direitos como cidadãos.  

O povo curdo é descendente de tribos nômades que viviam onde hoje são a Turquia, o Irã, a Síria, o Iraque, a Armênia e Azerbaijão há cerca de 3.000 anos. Deram origem aos medos e persas e tiveram na história figuras como Dario - o Medo, que reinou na Pérsia no tempo do profeta Daniel e Saladino o bravo e inteligente opositor de Ricardo Coração de Leão.  

Se o Curdistão, agregando todas as terras curdas, constituísse uma nação, cuja bandeira até já existe, ocuparia uma área de cerca de 500.000 quilômetros quadrados, seria uma grande nação e teria petróleo, este em boa parte em terrenos sírios.
Por isso a relutância em reconhecerem este povo como uma nação. Mas que eles merecem, merecem. Têm sido perseguidos e não têm nem revidado. Somente Sadam-Hussein atacou o povo curdo com gases letais e matou cerca de 180.000 curdos.

Este é um problema que deve ser resolvido para o bem da paz e da tranqüilidade na humanidade. A ONU pode contribuir para isso.

Desejo sucesso á reivindicação de todos os povos por sua independência e a todas as nações na sua luta pelo acesso aos processos democráticos. O mundo moderno já não permite usurpadores nem corruptos.

Rui Rodrigues   


Para saber sobre democracia participativa, veja por favor conscienciademocrata.no.comunidades.net

sábado, 14 de julho de 2012

Como preparar um jantar a dois – Nacos de cherne grelhados com molho à espanhola.




O segredo da culinária, que pode fazer de qualquer um de nós um “chef” de primeira grandeza, não exige consulta a alfarrábios de culinária nem larga experiência em cozinhar. Desde que se conheçam os temperos, os ingredientes e o potencial de cada um, basta ter carinho, amor, paciência, dedicação e vontade.

Meu pai tinha saído de férias para Portugal e eu ficara “home alone”.  Sozinho em casa, e com uma namorada que tinha que passar toda a semana com os pais, mas tinha uma certa liberdade para ausentar-se por uma noite, de sábado para domingo, alegando que ficaria em casa de uma amiga. Chama-la-ei de Cristina, ou mais carinhosamente de Cris.

Não tinha eu o costume de cozinhar, embora já tivesse dado minhas investidas na cozinha. Minha tia cozinhava muito bem e na minha infância em sua casa costumávamos conversar enquanto ela cozinhava. Alguma coisa me ficou da dosagem e intensidade dos temperos, do tempo de cozimento, da apresentação do prato, porque também nos alimentamos da aparência e do cheiro. Juntando o útil ao agradável, sempre evitei gorduras e frituras. Preferência por grelhados e cozidos.

Cris foi uma paixão em minha vida. Começamos o namoro e a vida sexual quase juntos porque eu era pouco experiente e ela não tinha experiência a que possamos chamar assim. Mas a experiência nesse caso não tinha a mínima importância. Aprendemos muito rapidamente e não havia tabus entre nós. Atravessamos juntos uma fase de exigências de liberdade e contestação: Final dos anos dourados ou os anos 60. Eu não podia ficar perto dela e a sós. Grudávamos um no outro e demorava a separar. Minha paixão não se devia apenas ao seu modo de ser calmo e tranqüilo. Ela tinha umas belas pernas, pés bem feitos era da minha altura, seu corpo vibrava, perfeito, todo proporcional. Era amor e desejo.

Naquele sábado ela chegou no apartamento de cobertura na rua Haddock Lobo, na Tijuca, por volta do meio dia. Meu pai tinha uma vitrola de móvel, e uma pequena coleção de “long plays” de vinil com músicas clássicas e alguns de música popular brasileira, como Roberto Carlos, Elis Regina, Vinicius de Morais, Tom Jobim, João Gilberto... E Beatles, Elvis, Frank Sinatra... Não posso precisar que música tocava quando ela entrou, mas meu coração bateu mais forte. Passar um fim de semana com ela a meu lado, num lar, era um sonho que sempre me passava pela mente e que só agora eu via realizar-se. Tenho certeza que ela sonhava do mesmo modo. Foi impossível pensar no almoço a partir desse momento. Beijamo-nos apaixonadamente e fomos para a cama do quarto de meu pai saciar a ânsia, o desejo, a sofreguidão do momento. Entre a cama, trocar discos de vinil – creio que cabiam uns cinco no municiador automático – e conversar sobre futilidades, o tempo passou como que por encanto, e quando o estômago começou a reclamar a noite estava chegando.  Quando me disse que estava com fome e o que teríamos para o jantar, disse-lhe que teríamos cherne.

- Ah! Só quero ver como vai sair esse jantar – Disse-me ela com um sorriso agradável que eu conhecia muito bem.

- Consegui um cherne com os pescadores que costumam pescar perto dos pilares da ponte Rio Niterói – respondi-lhe – Eles saem do Clube de Ramos, perto da obra do meu estágio. Sempre me oferecem porque pescam muito e não os vendem, Dão para os amigos. Deram-me um com dez quilos que já limpei ontem, separei em pedaços e pus no freezer. Daqui a uma hora jantamos.

Abrimos uma garrafa de vinho e comecei a preparar o jantar. Ela vestiu um avental sobre o corpo nu e convidou-se para me ajudar. Não havia muito que fazer. As batatas estavam cortadas em rodelas grossas, o peixe já cortado. Fizemos juntos o pouco que havia para fazer enquanto conversávamos sobre amenidades. O maior problema dos casais é que só conversam sobre coisas sérias e deixam o trivial ameno esquecido nos seus ruminares mentais, querendo dizê-los mas calando-os por desânimo.

Coloquei os pedaços de cherne cortados em cubos com espessura de mais ou menos dois dedos numa assadeira envoltos em folha de alumínio apenas temperados com sal. Levei ao forno. Enquanto assava fomos tomando uns goles de vinho e ela pôs a mesa. Numa molheira piquei uma cebola pequena. Juntei-lhe um dente de alho também picado e adicionei azeite e duas colheres de sopa de colorau. Da geladeira tirei umas folhas de coentro que misturei ao molho. Numa panela pequena pus para cozer duas batatas grandes cortadas em rodelas grossas.

- Fui no ginecologista – Disse-me entre um trago e outro de vinho.
- Algum problema, Cris?
- Não. Nada em particular, disse-me ela. Estava preocupada porque transamos há mais de um ano e não engravidei, apesar de ter esquecido de tomar a pílula por algumas vezes.
- É verdade. Confirmei eu. E já tem os resultados?
- Não posso engravidar. Meu útero é pequeno demais. Fiquei triste porque gostaria de ter filhos e sei que você também gostaria.  Fiquei preocupada. Creio que isso possa ser um obstáculo ao nosso namoro.

Abracei-a e beijei-a longamente. Confidenciei-lhe que já havia pensado nessa possibilidade e que não haveria problema. Adotaríamos crianças desprotegidas, desamparadas. Seus olhos ficaram úmidos. O cheiro do peixe assando chamou-nos a atenção. A água com as batatas fervia. A salada estava pronta, preparada pela Cris: Alface, tomate, rúcula, agrião, abacate meio verde, torradas em cubos pequenos, ricota espalhada por cima.

Fizemos os pratos: batatas, os cubos de cherne grelhados e o molho à espanhola generosamente regado por cima do peixe e das batatas. A garrafa de cabernet sauvignon já ia pela metade. Cris acendeu as velas e o sorriso voltou-lhe aos lábios e aos olhos.

Há dificuldades na vida que devemos aceitar. Simplesmente aceitar. Tudo tem solução, mesmo que se trate simplesmente de aceitar os fatos.

Voltamos para a cama até a hora de levá-la até em casa.

Rui Rodrigues

PS - O jantar estava ótimo.


Piratas do Caribe – Bartolomeu “português” - A lenda de Annie Palmer


Piratas do Caribe – Bartolomeu “português” - A lenda de Annie Palmer


Jamaica é um paraíso numa ilha cuja linha de maior comprimento corre quase paralela á linha do equador, em pleno mar do Caribe a sul da ilha de Cuba. Recomendo uma viagem até lá!


                                                     Piratas do Caribe e Port Royal


Demandando os portos espanhóis por ali passavam obrigatoriamente os galeões carregados de ouro vindos da Colômbia, mais precisamente de Cartagena de Índias ou da cidade do Panamá. Os piratas fundaram então uma cidade onde ficavam de tocaia aguardando a passagem de galeões e outras naus para assaltá-las: Port Royal (ou Port Royale, por influência francêsa). Um terremoto em 7 de junho de 1692, seguido de tsunami, destruiu e afundou Port Royale matando cerca de duas mil pessoas.  

A Inglaterra adquiriu a cidade de Port Royal da Espanha em 1655. Em 1659 já havia duzentas casas cercando o forte e em 1661 um bar para cada dez habitantes. Bebiam preferencialmente vinho e rum. Havia prostitutas em tal quantidade que chegou a ser chamada de Gomorra do Novo Mundo. Por lá passaram piratas famosos como Bartolomeu português, Henry Morgan, Bartholomew Roberts, Roche Brasiliano, John Davis e Edward Mansveldt (Mansfield). Muitos piratas se transformaram em mendigos gastando o seu dinheiro com prostitutas e rum. Segundo Charles Leslie, chegavam a gastar 2 a 3 mil peças de ouro numa noite, uma enorme fortuna. Por 500 peças alguns pagavam a mulheres apenas para ficarem nuas.  Era costume colocarem copos de bebida nas ruas e obrigarem quem passasse a beber com eles.
Como a Inglaterra não mandava dinheiro nem forças armadas para defender a cidade dos ataques de franceses e espanhóis, os governadores resolveram pedir ajuda aos piratas. Henry Morgan, o famoso pirata chegou a ser nomeado governador e de Port Royal atacou a cidade do Panamá, Portobello e Maracaibo.
Depois de Henry Morgan o comércio de escravos começou a ser mais importante. Em 1687 a Jamaica sancionou leis antipirataria e Port Royal se transformou num centro de execução de piratas. Foram enforcados Charles Vane e Calico Jack em 1720 e dois anos depois enforcaram 41 piratas.

                                                                Bartolomeu Português




Bartolomeu português é uma raridade em termos de pirataria. É o único reconhecido como tal em toda a história da pirataria do mar do Caribe e das Américas. Anteriormente a ele, apenas três são conhecidos: Gonçalo Pacheco, Mafaldo e Lançarote que atuavam por volta de 1443 no estreito de Gibraltar para atacar navios árabes e espanhóis que demandavam o golfo de Biscaia, a caminho da Galiza.
Bartolomeu português ficou famoso por ter estabelecido o primeiro código de regras conhecido como o “Código da Pirataria” usado pelos piratas a partir do século XVII. Não teve muito sucesso como pirata sendo capturado por varias vezes e conseguindo fugir. Chegou ao Caribe e a Port Royal na década de 1660.

A história de Bartolomeu português é agitada e frustrante. Com uma pequena embarcação de apenas 4 canhões e cerca de 30 homens, assaltou e apresou um galeão espanhol ao largo de Cuba com 70.000 dobrões de ouro e um grande carregamento de cacau. Tentou navegar na direção de Port Royal, mas fortes ventos empurraram-no para o Cabo de Santo Antonio onde foi capturado por três naus espanholas que o perseguiam pelo assalto ao galeão espanhol. Durante uma tempestade toma a nau onde estava e escapa, mas é obrigado a navegar na direção de Campeche, no México, onde é reconhecido e capturado pelas autoridades. Ficou preso a bordo de uma das naus espanholas, fundeada ao largo, e com uma faca roubada mata o vigia e volta a escapar usando jarros de vinho como bóia porque não sabia nadar. Em fuga, caminhou 190 quilômetros pela selva e alcançou um lugar conhecido como “El golfo triste” no este da península de Yucatán, onde encontrou um barco que o levou a Port Royal.  Volta então a Campeche com cerca de 20 homens e assalta a nau onde tinha estado prisioneiro com toda a sua carga. Faz-se ao largo e assiste ao afundamento da embarcação, perdendo toda a carga, ao largo de Cuba, próximo á Ilha da Juventude. Com a tripulação sobrevivente Bartolomeu regressa novamente a Port Royal de onde saiu mais uma vez para o mar. Nada mais se conhece dele desde então. Segundo o biógrafo Alexander Olivier Exquemelin morreu na maior das misérias do mundo. Há quem diga que foi na ilha de Tortuga, uma zona neutra de piratas, onde costumavam vender os espólios de suas atividades para não pagarem os impostos exigidos em Port Royal e nas outras cidades piratas da região.


                                                           A lenda de Annie Palmer





Saindo de Mo Bay e na direção de Rio Bueno e Ocho Rios, chega-se a uma casa imponente, de arquitetura georgiana, construída na década de 1770, sede de uma antiga fazenda: Rose Hall Plantation. Em princípio nada tem a haver com piratas, mas a lenda sobre a proprietária faz parte do folclore jamaicano. Foi chamada de “a feiticeira branca”.

Annie Palmer, nasceu na Inglaterra, filha de mãe inglesa e pai irlandês. Passou a maior parte de sua vida no Haiti. Com a morte dos pais por febre amarela, foi adotada pela babá, que segundo reza a lenda, praticava vodu e lhe ensinou as artes da feitiçaria. Mudou-se para a Jamaica e em 1820 casou com John Palmer, o dono da Rose Hall Plantation, a leste de Mo Bay. John Palmer teve morte suspeita, assim como os outros dois maridos posteriores de Annie. Dizem que foram vítimas de Annie. Sozinha e tendo que comandar a plantação, dizem também que usava o vodu para aterrorizar os escravos. Dizem muita coisa sobre Annie: que dormia com os escravos e depois os matava, como no levante escravo de 1830. Um escravo chamado Takoo, amante dela tinha uma neta. Annie era apaixonada pelo marido dela. Não podendo tê-lo como amante, teria feito uma prática vodu em função da qual essa neta veio a  falecer.  Ao descobrir isso, Takoo matou Annie e fugiu para o mato onde foi descoberto e morto por dois outros escravos também seus amantes. Os novos proprietários disseram que uma empregada deles teria sido “empurrada” de uma varanda pelo fantasma de Annie. A empregada partiu o pescoço e morreu.

Depois de ouvir esta triste história, soube que quem tinha casado com John Palmer foi uma tal de Rose Palmer e que realmente teve mais três maridos depôs desse. Ela era, segundo investigação em 2007 por Benjamin Radford, uma mulher de inabalável virtuosidade. A confusão toda provem de um romance jamaicano escrito em 1929 por Herbert G. de Lisser. Poly Thomas, autor do livro “Rough Guide to Jamaica” também atesta que a confusão provém desse romance.

Para manter a lenda em Rose Hall também oferecem passeios noturnos que se concentram na lenda de "Annie Palmer": supostos locais de túneis subterrâneos, manchas de sangue, assombrações e assassinatos. As sessões também são realizadas na propriedade na tentativa de evocar o espírito de Annie.

Jamaica No Problem

Rui Rodrigues

O amor num futuro muito próximo




O amor num futuro muito próximo

Não amamos ninguém só “porque amamos” ou é “assim mesmo”. O amor tem muitas componentes e paradoxalmente é mais simples embora mais complexo.

Pais violentos ou indiferentes podem fazer com que os filhos tendam para amar alguém com características diferentes ou até mesmo iguais, neste caso para terem um ”objeto” sempre presente para vingança, passando a usar os próprios cônjuges como se fossem os pais de quem se querem vingar. Pais que sempre reclamam da sua profissão e chegam em casa contando os problemas, reclamando do excesso da carga de trabalho, do salário, provocam geralmente nos filhos um afastamento de qualquer tendência a abraçar essa mesma profissão.

Comecei a abordagem do amor referindo-me à relação entre pais e filhos, por uma razão muito simples: a componente mais importante do amor vem justamente da aprendizagem com os pais. Aprendemos a amar e a odiar com nossos pais, assim como também aprendemos as tradições, religiões, comportamento. Só mais tarde, quando começamos a dar os primeiros passos a influência do meio começa a moldar o que resta para ser moldado em nosso perfil psicossomático. Em termos de “amor” tanto quanto se podia entender até o passado recente, era apenas um sentimento. Sentia-se amor ou não se sentia. Podia ser confundido com desejo ou até com ódio. Uma boa parte da humanidade continuará a pensar assim até que os últimos resquícios se apaguem nos túmulos e os ecos se percam nas novas juventudes que virão. Para as gerações modernas o amor é a maior ou menor capacidade de reagir a estímulos gerando neutransmissores que nos dão a sensação de prazer na presença do objeto amado. 

Nos tempos atuais o amor começa a ser questionado quanto à sua essência: se é moral, religioso, tradicional, ou uma combinação destes fatores, ou, se pelo contrário, é algo inerente ao funcionamento da vida, e se suas origens residem em processos químicos. Novas juventudes humanas ditarão os termos do amor no futuro, mas tanto quanto já se pode antever, os conceitos de amor estão em plena transformação e sendo questionados. Podemos constatar essas mudanças nas baladas e na ausência do “compromisso” - que sempre foi um empecilho para os relacionamentos mais desejados – na quantidade crescente de mães solteiras por opção própria, pela redução da quantidade de casamentos e pela enormidade de desquites, de separações e de divórcios. Sem falar na duração dos relacionamentos que decresce a olhos vistos.

A ausência de amor entre casais já teve explicações dúbias quer por “incompatibilidade de gênios”, quer por “outra pessoa” em suas vidas, ou por alteração das condições financeiras, intrigas de familiares. Hoje se busca essa alteração do nível de amor na falta ou abundancia de produtos químicos produzidos em nossos cérebros provenientes de estímulos visuais, olfativos, táteis, sonoros, vocais. São os neurotransmissores. O amor e a alma antes situados no nosso coração passaram agora a ser localizados no cérebro e isso faz uma diferença fantástica. Agora são bem mais racionais e menos intuitivos. Já sabemos ao nos aproximarmos de alguém do sexo oposto ou do mesmo sexo, o que nos interessa e porque razão. Podemos até avaliar quanto tempo durará a relação e nos aplicarmos em que dure mais ou que se reduza o tempo de duração. Quem está a par entende, quem não está ainda estranha e reza aos santos para que façam milagres.

Havendo vários tipos de neurotransmissores que atuam em zonas específicas do cérebro, podemos até adivinhar a farmacopéia do futuro: pílulas de neurotransmissores específicos que nos complementem o prazer que nossa amada não complementa e fazer durar mais a relação. Aquela célebre frase “eu o detesto mas não consigo largá-lo”, ou a mulher que ama mas apanha todo o dia do amado, estão com os dias contados: bastará ir à farmácia e tomar a pílula do “larga-me”, ou do “ama-me ou deixa-me”.

Os novos estudantes de psicologia logo aprenderão que o amor também “envelhece” na medida em que diminui a produção de neurotransmissores. O alheamento senil pode agora ser explicado, mesmo quando acontece em idades jovens. Aquela “trepadinha” em que um dos pares se vira para o lado e adormece porque seus neurotransmissores já fizeram o seu trabalho e já foram anulados, agora tem uma explicação funcional e não é apenas uma “falta de interesse” ou de amor. Precisamos habituar-nos ao comando do cérebro e não do coração.

O futuro é quase hoje e o amanhã está chegando. Prepare-se! Assim como o romantismo já foi pra casa do Afonso, o amor já freqüenta a casa da mãe Joana..

Rui Rodrigues

quinta-feira, 12 de julho de 2012

A Crise Mundial de 2008 e o Brasil




A Crise Mundial de 2008 e o Brasil 


Se procurarmos nos antecedentes da crise de 2008 encontramos muitas referências. As crises acumulam-se, espalham-se. São assim desde que a humanidade teve consciência de que existia. Algumas referências perdem-se no tempo de nossos esquecimentos. Outras ficam-nos na memória para sempre ou são coletadas dos livros de história.

Podemos imaginar no Antigo Egito, antes que se inventasse a moeda, que num ano de safra normal de trigo uma arroba valesse uma arroba de boi em pé, que num ano de safra ruim de trigo, uma arroba valesse cinco arrobas de boi em pé, e que num ano de safra excelente, ninguém trocasse uma arroba de boi em pé por menos de cinco arrobas de trigo. Podemos imaginar a situação de um faraó, dono de enorme rebanho, em ano de safra ruim de trigo ter que vender toda a sua manada por pouco trigo. Imediatamente mandaria seus escribas negociantes à Mesopotâmia para importar trigo de tal modo que a disponibilidade de mercado parecesse como numa safra normal: Uma arroba de trigo, uma arroba de boi em pé. Se fizesse um esforço suficiente, poderia até vender uma arroba de boi em pé, por uma e meia de trigo ceifado, limpo, escolhido, selecionado, pronto para moer. Um faraó mau caráter, em ano de má safra de trigo poderia recomendar sacrifícios de bois nos templos de forma tal que os rebanhos quase se exaurissem nos sacrifícios. Quando chegasse a colheita, haveria poucos bois para vender, tal como o trigo, e a arroba de seu rebanho poderia valer uma e meia de trigo apesar da má safra: o povo sacrificava os bois, mas o faraó, não.  

É isso que fazem com o dinheiro, quem o tem a rodos: os Bancos. Bons banqueiros fazem sempre parte de duas entidades: a dos seus Bancos e do FMI. O grosso do dinheiro disponibilizam no FMI, onde o risco é mínimo, porque serve para emprestar a nações, protegidas por forças armadas, polícias, constituições, e cidadãos dignos. Aqui o dinheiro está seguro, os cidadãos podem pagar pelo dinheiro, com juros sobre os impostos e com estes. Quando os políticos resolvem, em associação com os bancos, enxugar o “capital”, este falta e temos uma crise. A crise tanto é maior ou restrita, dependendo da importância do país no cenário econômico mundial.

Países com ministros economicamente fracos ou fortes não fazem a mínima diferença, assim como também não importa se são de potências econômicas ou não. No primeiro caso, levam a sua economia ao desespero porque não sabem fazer o seu trabalho e acabam por recorrer ao FMI para suportar os desperdícios, sempre à custa dos cidadãos que pagam pelo descalabro. No caso contrário, os ministros são sempre indicados a partir de sua “experiência”: Eles vêm de experiências com bancos por que já passaram por eles e conhecem bem os “acionistas” do FMI. Normalmente já foram diretores desses bancos. Com as constituições disponíveis no mercado, os ministros de economia sendo nomeados por questões de “confiança” de governos, não há luz à vista no final do túnel: As crises suceder-se-ão umas às outras, com fartura de dinheiro no mercado, seguida de recolhimento dos lucros, a falta de dinheiro no mercado e a recorrência ao FMI para obter empréstimos.

Com falta ou abundância de petróleo, com altas ou quedas de bolsa, com safras enormes ou safras reduzidas, com o dólar alto ou baixo, o FMI está sempre de malas prontas para ‘ensinar” os senhores da economia como controlar a inflação, como reduzir o déficit público, como aumentar a produção.

Tudo a juros mais ou menos altos, conforme a sede de enriquecimento dos banqueiros. Pra isso contam com empresas “particulares” que analisam as finanças e classificam as nações como boas pagadoras de juros, ou más pagadoras.

As nações agora têm um selo de qualidade ISO-financeira. E não adianta sabermos ou não votar: Os candidatos estão todos comprometidos com este sistema em que teimamos em chamar de democrático. Pela primeira vez na história, em 2008 os governos das maiores potências retiraram dos cofres públicos enormes quantidades de verbas públicas que fizeram falta para a administração. A crise que não existia – bastava deixar falir três Bancos – passou a existir, e o dinheiro cedido para corrigir estes Bancos, passou como que milagre para o FMI que agora desfila seus homens e mulheres cheios de pastas, malas e bolsas, para ensinar os governos a diminuir as verbas da administração pública. Como resultado, faltarão serviços de saúde, de segurança pública, de transportes, de saneamento, de educação.

Democrático seria se pudéssemos destituir assim como contribuímos para constituir os representantes, incluindo ministros e assessores, não apenas vereadores, deputados, senadores, prefeitos, governadores, presidentes: pelo voto!

Mas só nos permitem – cautelosamente – que votemos apenas para eleger de quatro em quatro anos num grupo que não selecionamos, todos eles filiados a partidos que têm os seus próprios interesses. Deseleger, jamais! Isso depende apenas de quem elegemos, deselegendo uns aos outros não por incapacidade administrativa, mas porque se comportam “mal”... Entre eles, claro!

Rui Rodrigues

Apêndice:

  1. Sobre Democracia Participativa nos moldes da Constituição Suíça, da Islândia, Noruega, Finlândia, Suécia, ver  http://conscienciademocrata.no.comunidades.net/
  2.  Sobre as crises econômicas desde 1929, ler o magnífico artigo de Paulo Roberto de Almeida em http://www.pralmeida.org/05DocsPRA/2013CrisesFinancBr1929Plenarium.pdf

terça-feira, 10 de julho de 2012

O inferno do meio




O Inferno do Meio

Lera o inferno de Dante, o Processo, Assim falou Zaratustra, Os miseráveis, Ensaio sobre a Cegueira, alguns outros livros, mas hoje não tirava estes do pensamento. Viu um pequeno vulto passar pelo jardim. Pareceu-lhe um rato. Ainda era madrugada e as sobras da noite não o impressionavam mais. Vivia sua existência contando os dias e as noites pelas horas, não pela quantidade. Qualquer soma de dias poderia corresponder à realidade.  A gata correu pelo jardim. Deveria ser um rato. Se fosse, seus minutos estariam contados, porque na direção em que se moveu não havia saída, porta ou buraco para onde pudesse fugir. Era um rato morto e não sabia. Viera com a mudança do vizinho, porque antes não havia ratos por lá. Estava enclausurado. Neste planeta vivemos todos enclausurados. Não temos para onde sair e nem sequer somos ratos. Traçaram umas fronteiras nuns papéis a que chamaram mapas, delineando áreas a que chamaram países. Tal como ratos, muitos semelhantes vivem dentro dessas fronteiras sem nunca terem saído para outras. Não sabem o que se passa por lá, e mesmo dentro de suas fronteiras também não sabem o que se passa. As notícias não são dignas de fé e a maioria nunca saiu da própria cidade ou lugar. O inferno do Meio é uma clausura mesmo quando não há grades. Mas é um equívoco imaginar algum lugar sem grades. Cidades inteiras com janelas gradeadas, muros com cacos de vidro e cercas eletrificadas. Câmaras de vídeo ligadas pelas esquinas pala flagrar bandidos, meliantes, ladrões, escroques, ratazanas que furtam para pagar as dívidas. Malandros têm sempre quem lhes dê comida. Gente honesta nem tanto. A criança na escola primária é socada e dão-lhes socos e pontapés. Não é necessário qualquer motivo para apanhar. Basta um detalhe, como ser sossegada, olhar com receio para os outros, ter um pouco de excesso de peso, ou mostrar algum ponto fraco. Tal como os ratos, as ratazanas caçam os que parecem mais fracos. Têm sede de justiça, mas a justiça que julgam ser justa é a mais injusta. Pensam que são diferentes e que baterão sempre. Quando mais tarde apanham da vida, choram e dizem que são fracos. Isso acontece nas delegacias da polícia quando são apanhados em flagrante. Não há lugares para todos os presos nas delegacias nem nas prisões. Os marginais são soltos, e lei abrandou, sorte de quem não for escolhido para vítima do crime desorganizado que mata tanto quanto o crime organizado. Nas capitais de governo, os governantes estão longe de tudo isto. Quando lêem pelos jornais que atearam fogo em mais um idoso morador de rua, ou num índio que dormia num banco de jardim, ou que mataram um motorista que resistiu a um assalto, raptaram uma criança recém-nascida da maternidade, pensam que foi em outro “país”, porque os palácios onde vivem têm toda a segurança possível, guardados por policiais treinados, exército, marinha, aeronáutica. O governo que não cuida do povo, tem a segurança que o povo não tem.

Havia uma garrafa de vinho no armário. Foi até lá e abriu-a. Colheu um copo limpo e despejou aquele líquido perfumado de vinha até encher a metade do copo. Sorveu uns goles e olhou o que sobrara. Tinha cor de rubi. Lembrou-se dos tempos bíblicos quando se cultivava a vinha, e como esta bebida vem sendo apreciada desde então até os dias de hoje. Refrigerante é coisa moderna. Querem que substituam o vinho e a cerveja. Querem tirar todas as alegrias dos cidadãos comuns e dos incomuns. Já não se pode fazer sexo de forma tranqüila e em paz. Há doenças que se são incuráveis e é necessária uma proteção que tira a vontade de fazê-lo a muita gente. A vida está tão cara e difícil, que se antes o problema de ter filhos era um problema moral porque implicaria em casamento ou perseguição, hoje é porque depois do filho nascer não se sabe como alimentá-lo. Os empregos são instáveis, e ora num ano sobram empregos, ora faltam em dois ou três anos seguidos. Não há paz nem tranqüilidade mesmo quando os bandidos não assaltam. O velhinho de setenta anos de idade morreu na fila de atendimento do hospital, mas o filho do artista cantor teve todo o apoio das equipes médicas. O povo aplaude o restabelecimento desse filho, e critica o velhinho morto na fila de espera. E ficam assim, evitando entrar num processo de envolvimento tal que acabem perdendo seu pouco tempo disponível. A vida é algo muito dinâmico e para evitar o sofrimento, é melhor fechar os olhos, rezar para não acontecer conosco, e seguir em frente como o rato que fugiu na direção da parede cega onde não há porta ou buraco para onde possa fugir da gata zelosa. Mais uns goles descendo pela garganta e o inferno do meio começa a desvendar-se. Há frio nas terras geladas do norte e do sul, fervem as águas no meio entre eles, pegam fogo a caatinga e os desertos, as zonas de guerra que são muitas, as lareiras da maioria cozem pouca coisa, a água é suja, os esgotos são a céu aberto, não há iluminação nas ruas, os ônibus passam cheios, em alta velocidade fazendo curvas que atiram os passageiros de um lado para o outro. As vagas para estacionamento de deficientes físicos estão ocupadas por deficientes mentais e amorais, as empresas de telefonia roubam nos impulsos e na banda larga fazendo da Internet e do celular um inferno que se junta com os juros bancários liberados á revelia do próprio governo. Os cidadãos afogam-se em enxurradas das chuvas sem solução de contenção de encostas e de água das chuvas, na falta de transportes públicos em quantidade, na improbabilidade de ganhar dinheiro honesto suficiente para pagar os juros a usura bancária. É o inferno na Terra, é a terra do inferno, o rico de hoje nem imagina que será o pobre de amanhã, o pobre de hoje não será o rico de amanhã a menos que roube o irmão, os amigos, dê golpe em algo ou em alguém. Os impostos altos, estratosféricos não deixam enriquecer. Para enriquecer é necessário enganar ou ter amigos no poder que possam enganar outros para beneficiar alguém. E assim se concorre a concursos públicos com as cartas marcadas, os melhores não são concursados, só por coincidência.

Bebeu mais uns goles, a garrafa pelo meio. Antigamente e este antigamente nem é tão antigo, beber uns goles de vez em quando era sinal de algo indefinível que não representava nada de politicamente correto ou incorreto. Era simplesmente normal. Hoje temo que nem levem a sério quem escreve dizendo que está bebendo uns goles do bom e amigo vinho, e, se disser que nunca ficou de pileque, bêbado ou embriagado, não acreditam. A mídia já fez o seu trabalho, os fazedores de opinião já mudaram a forma modal de pensar: a moda é não beber, não fumar, não fazer sexo desprotegido, não falar o que se sente porque pode ser interpretado como politicamente incorreto. Mas no remanso do lar é diferente. É tudo diferente e até já se pode plantar maconha em casa, mas fumar não: o preço está exorbitantemente alto por causa dos impostos que incidem sobre os pacotes. Já vale a pena pegar um ônibus ou avião para qualquer outro país e trazer os 500 dólares permitidos tudo em tabaco, porque lá são cerca de 90% mais baratos. Onze mil carros roubados em S. Paulo, de um total de vinte e dois milhões de veículos, só nos primeiros três meses do ano, dão uma idéia do trabalho da polícia e do desproporcional trabalho dos ladrões. As oportunidades de trabalho dos ladrões são muito maiores do que as dos policiais. É o inferno do meio, a inversão de valores, o caos, não é a vida.
Pagam-se salários exorbitantes a políticos, as notícias dos jornais dizem que eles roubam muito independentemente dos partidos a que pertencem. Isto não pára, nem a justiça os para e roubar. O dinheiro desviado não é devolvido. A justiça libera para não comprometer a “credibilidade” do Estado. O estado tem que ser credível mesmo quando rouba descaradamente ou não cuida dos cidadãos. Estado que não cuida não precisa receber impostos. Pressupõe-se que o Estado recolha impostos para cuidar pelo menos das funções básicas. Os votos que pedem são dados em confiança, mas não podem ser retirados. Os ladrões têm quatro anos inteiros para roubar com toda a impunidade. É o inferno do meio que chegou e ficou. É o inferno do meio em que vivemos. Não vejo nenhum S. Jorge matando o dragão... Só anúncio de televisão dizendo que os Bancos são nossos amigos e que nos dão futuro brilhante cheio de dinheiro, que o governo dará mais um show grátis para a população em praça pública e que está trabalhando para a população enquanto esta se diverte em paz, que as obras do governo serão executadas no prazo custe o que custar, que  este ou aquele partido político é o melhor e que se deve votar nele para sermos felizes e termos tudo o que nunca tivemos e tanto desejamos.

O céu fica lá em cima, muito longe... Lá embaixo não existe porque este planeta gira sobre si mesmo e estamos sempre embaixo do céu. Se o céu existe, e o lá embaixo não existe, o inferno é aqui.

É o inferno do meio...


Rui Rodrigues

segunda-feira, 9 de julho de 2012

A Vida terrena




A Vida terrena

Existem algumas teorias credíveis sobre a origem da vida na Terra, e nada impede que existam outros planetas com vida, tal como a conhecemos, neste vasto Universo. Algumas das teorias não passam de crenças. Outras têm suporte científico, como a que remonta aos primeiros tempos de existência deste planeta, logo após ter esfriado, segundo a qual um raio de luz atravessando um cristal, ou uma descarga elétrica num meio rico em hidrocarbonetos teria dado início a uma divisão celular criando uma cópia exata do original. Há quem acredite que um meteorito ou um pequeno cometa seria o responsável por nossa existência depois de milhões de anos de evolução.  

Mas não importa, porque não é sobre o início da vida que pretendo me estender, e sim da vida que levamos neste planeta.

Estamos habituados a ouvir falar da Lei da gravidade, descoberta por Newton, da lei de Conservação da Energia, da Lei de Coulomb, da Relatividade Geral e da Relatividade Restrita, estas duas de Einstein. Há também uma lei para a vida: Tudo o que nasce, morre. Não há escapatória nem milagres que impeçam a aplicação desta lei. Sabemos disso. O problema resume-se então, já que a morte é inevitável, ao que fazemos da nossa vida.

Alguns acreditam em vida após a morte, e sendo assim, devem ser pessoas sem erro algum, sob pena de perderem essa oportunidade. Essas pessoas pensam que se não forem para um paraíso, irão para um inferno queimando eternamente em enormes caldeirões cheios de óleo fervente, esquecendo-se de que não terão corpo para ser queimado. Se houver esse castigo deve ser de outro tipo. Anjos também não têm asas, e como ninguém viu nenhum, duvida-se sabiamente de sua existência. Purgatório que ninguém sabe como é, deve ser um lugar de castigos mais suaves para que a alma entre nos eixos. Ou seja, seria mais ou menos como no tempo da Inquisição em que, pelo castigo, se julgava que poderíamos aprender alguma coisa. Já sabemos também que com castigos não aprendemos nada e alguém já disse que não queria a morte do ímpio, mas que se convertesse e vivesse. Parece que com a liberdade que Deus nos teria dado – para os que acreditam em Deus, como eu – não há a mínima necessidade de que alguém se converta porque todos os pecados são perdoados. Basta o arrependimento. Mas não temos certeza de como será esse céu. Então, voltamos ao ponto zero: Vivemos e temos que viver uma vida da melhor forma possível.

Mas... O que é viver a vida da melhor forma possível?

Bem! Estamos sujeitos a dois tipos de consciência: A nossa e a da sociedade em que vivemos. Temos as nossas próprias regras do que é “melhor” e as regras, ou leis, dessas sociedades, às quais estamos sujeitos. Ir contra nossas próprias regras faz-nos sentir mal. Ir contra as regras da sociedade faz com que nos incomodemos muito e possamos perder a nossa liberdade. Infringir estas regras, não nos faz nada bem à saúde física ou moral, espiritual.
Para vivermos bem, temos então que obedecer a estas regras: às nossas e ás da sociedade. É pelo menos meio caminho andado.

Afora isto, e para tudo, temos que calcular sempre os riscos e o custo comparado com o benefício. Avaliar os riscos começa até ao levantar da cama e decidir o que fazer, como e quando durante o dia que decorrerá, como atravessar uma rua, por exemplo, ou entrar em mais um financiamento que nos pode comprometer a existência futura devido aos juros que teremos que pagar: Poderá faltar dinheiro para o supermercado. O custo-benefício pode ser, por exemplo, decidir se vamos levar uma vida dedicada a ficarmos ricos ou quando parar de fazer isso. Ficar rico, mesmo usando de tramóias, golpes baixos, corrupção, dá um trabalho danado, provoca sobressaltos no coração, dá-nos cabelos brancos precoces, envelhecimento, entupimento de artérias. Mas lá está... Sabemos que morremos e ninguém morre rico. Todos morremos pobres, nus, sem levarmos nada para o lado de lá. Os filhos que aprendem com os pais a serem ricos sofrerão do mesmo mal e das mesmas virtudes. Os que não aprenderam, torram tudo o que os pais economizaram, anulando todos os esforços paternos. Todos estes têm um custo muito grande na vida e acabam nus, mortos, zerados em seu estoque de bens e dinheiro. O ideal seria trabalhar até ficar muito bem de vida, e depois ir gastando até que o ultimo centavo se esgotasse com o último suspiro de vida. Mas não leve dívidas, porque faz tão mal perder tempo de vida enriquecendo muito para lá do que pode gastar em vida, como se endividar e viver sempre em sobressaltos e privacidade de outras coisas da vida.

Finalmente, a terceira receita para considerar - partindo do princípio do livre arbítrio segundo o qual cada um faz o que quer e pode.

Nunca alimente o que lhe faz mal por muito tempo. Tenha a noção de largar, desprender-se de tudo o que o (a) incomoda. Por exemplo, se seu casamento vai mal e já fez de tudo para mantê-lo e não deu certo, largue tudo. Recomece mesmo que tenha 100 anos. Vale a pena. Seu carro lhe dá muitos problemas e o governo multa muito, a gasolina está muito cara? Venda o carro. Experimente usar o metrô e os ônibus. Suas viagens serão muito mais animadas, gente a seu lado para conversar. Gente para conhecer. Misture-se. Ouça a vida dos outros. Vai gostar e emagrecer, porque caminhará mais, fará mais exercícios. Não agüenta mais o seu vizinho ou vizinha? Esqueça essa gente ou torne-se amiga deles... Creio que a segunda opção é muito melhor, e ser “amigo” pode significar apenas “não ser inimigo”, mas também pode ser que se tornem grandes amigos. A vida apronta coisas que nem imaginamos.

Você já paga cerca de 30% de imposto de renda, impostos embutidos nos preços, tem prestações para pagar e ainda paga dez por cento de seu salário para a Igreja, o dízimo... Fale com Deus e diga-lhe que sua vida está um pouco apertada. Pergunte a Deus o que Ele acharia se ele lhe perdoasse o dízimo por uns seis meses só para aliviar um pouco a sua vida... Certamente Deus lhe dirá que sim. Ele é bom... Depois faça a mesma pergunta ao pastor. Se o pastor disser que não, então é porque não escuta Deus. O pastor não é bom! Siga seu coração e descanse do pagamento por uns meses. Quando for rico, ou rica, pague a Deus em dobro...

Viva bem, respire fundo, caminhe, tenha humor, ria, viva em paz e tranqüilamente sem problemas ou na pior das hipóteses, com o mínimo de problemas possível, sabendo que um dia morrerá: sem dinheiro e sem problemas...

Em nudez completa!

Boa viagem...

Rui Rodrigues

sábado, 7 de julho de 2012

A gata na janela





A gata na janela

Nunca menospreze a sabedoria dos gatos ou das gatas. Eles podem surpreender se ficarem atentos e souberem interpretá-los. 

Dizem que a esfinge do Egito representa um gato ou um leão com rosto humano. Escavações têm revelado gatos mumificados. Na esfinge, a cabeça humana representaria a “inteligência” e a percepção felina. As múmias, a esperança de que após a morte seus donos e seus pequenos animais de estimação se pudessem encontrar depois do tribunal de Osíris, o coração pesando menos do que uma pluma, e assim passarem ao paraíso. Mas os gatos eram mais do que amigos. Eram os preferidos de uma deusa gata, Bastet.  Como cada cidade egípcia tinha o seu deus patrono, a cidade de Bastet era Bubástis.

Minha gata, a Sarkye, passava a maior parte de seu tempo na janela. Seu olhar acompanhava pessoas que passavam. Viu passarem invernos, primaveras, verões e outonos. Viu neves caírem e bafos saindo de bocas e narizes, flores brotarem, frutas nas árvores e gente suando, folhas caindo. Viu gentes com roupas pesadas e sentiu o cheiro do fumo de castanhas a assar, depois pessoas vestidas á vontade, depois com pouca roupa, e novamente com roupas leves. Sabia dos ciclos das estações, dos cheiros, o ar que lhe passava pelos pêlos indicavam mais que movimento. Quando a janela estava aberta, traziam o cheiro e traçavam o perfil de quem passava. Reconhecia as pessoas.

Neste inverno os vidros ficaram mais embaçados do que costume e naquele dia em particular viu lá na rua, dirigindo-se para o portão de entrada aquele vulto feminino que conhecia bem. Rosnou curta e surdamente. Eu ouvi-lhe o rosnado. Sabia que era Linda que chegava. A minha gata não gostava dela. Pulou da janela, foi até a cozinha, e de lá deu um miado fino e curto. Esperei. Repetiu o miado. Fui até a banca de pia e abri a torneira até sair um esguio filete de água. Ela aproximou-se com cuidado e sua língua começou a sorver até se saciar.  Quando terminou, olhou-me, pulou da pia. Desliguei a torneira. Como se fosse um sinal, Linda Carlson tocou á campainha. Abri-lhe a porta. Seus braços rodearam meu pescoço. Seu corpo colou-se ao meu. Sussurrou-me que me amava. Não pude evitar sorrir. Há muito declarava que queria viver junto comigo. Casar talvez, mas jamais fizera referência a casamento. Fomos para a cama. A gata ficou de longe, na janela, olhando-nos de soslaio por vezes, seus olhares concentrados na rua. Ficou em silêncio até que nos levantássemos. Era já noite. Logo que Linda saiu, veio até mim roçou o corpo em minhas pernas nuas e caminhou na direção dos pés da cama. Acompanhei-a. Vi-a baixar a cabeça e cheirar algo no chão. Quando me abaixei vi uma pequena cartela de fósforos, dessas de papelão, com o anúncio de um hotel. Quando a abri, pude ler “amanhã às cinco- 502”.  Então, a gata caminhou para a cozinha para perto de seu prato de ração. Olhou-me com seus olhos amarelos ouro e miou fino como se falasse em sons curtos. Dei-lhe uma pequena dose. Por momentos ouvi seus dentes quebrando os pequenos nacos de ração, e logo em seguida foi para a minha cama, e lá no fundo, onde batem os meus pés, enroscou-se e fechou os olhos postos na minha direção. No apartamento apenas a luz do abajur e três pequenas lâmpadas vermelhas de sinalização: do modem, de uma das caixas de som, e do “caps Lock” que deixara ligado. Eu estava no computador.

Ás 8:30 da manhã o dia tinha recém renascido como no ciclo egípcio de Nut e Rá. Pensei nas pirâmides e na esfinge, que teria dito ao Édipo: “Decifra-me ou devoro-te”, mas essa era a única esfinge que existiu na Grécia. A do Egito não provocava esse tipo de questionamentos e entre suas enormes patas havia um templo. Era representada deitada. Esta, a grega, era representada sentada, e tinha asas. O seu enigma consistia na pergunta: “Que criatura pela manhã tem quatro pés, ao meio-dia tem dois, e à tarde tem três?”. Édipo-Rei matou a charada: o homem quando nasce engatinha, depois fica em pé e finalmente usa uma bengala quando envelhece. Louco de exagerados amores libidinosos pela mãe e com raiva do pai, Édipo mata o seu progenitor e arrependido vaza os próprios olhos. Foi Sigmund Freud quem descreveu este tipo de comportamento filial para com as mães, mas foi seu discípulo Carl Jung que lhe atribuiu a qualificação de “complexo”: Complexo de Édipo, diferenciando-o do mesmo comportamento, agora feminino em relação ao pai: “Complexo de Electra”. 

Estava exausto do longo texto que redigira no computador. Precisava de um descanso para depois lhe fazer uma revisão e mandar para o jornal. Voltei para a cama. Tinha que acordar às quatro da tarde.

Acordei ao sentir uma leve pressão no braço como se me fossem espetar uma agulha. Sarkye viera dormir a meu lado, as patas apoiadas em meu braço e suas unhas haviam-me dado essa sensação. A campainha da porta tocava. Levantei-me e vesti-me rapidamente. Sarkye acompanhou-me á porta e ficou olhando para ela como se visse do outro lado. Esfregou-se em minha perna. Sabia que era Alice antes mesmo de abrir a porta. Quando a abri, avançou sobre mim e foi-me empurrando para a cama. Claro que eu queria isso, mas tinha um compromisso às cinco e não queria perdê-lo. Também não queria perder aquela rara oportunidade de ficar com Alice. Ela era casada com um amigo meu. Éramos muito amigos, mas estas coisas de atração independem das amizades. São coisas à parte, diferenciadas. Quando nos deitamos, Sarkye veio para a cama e aninhou-se no fundo da cama. Queria ver de perto a minha felicidade. Num relance vi-lhe os olhos transparentes, de linda cor amarela ouro, e parecia que me propunha um enigma: “Toda a mulher bonita é casada, ou toda a mulher casada é bonita?” Não creio que Freud ou Carl Jung pudessem decifrar esta questão e mesmo que decifrassem, eu não ficaria propenso a acreditar. Eu não era devasso e eles me induziriam a pensar que o era.

Quando terminamos, levantou-se e disse-me que estava com fome. Iria preparar-me um jantar. Perguntei-lhe sobre o marido enquanto me preparava para abrir uma das duas garrafas de vinho que sobraram de minhas investidas ao armário onde as costumo guardar.

- Está num congresso num hotel lá no centro. Acho que é um seminário. Vai ficar lá até sábado. Disse-me que não o interrompesse, e que se houvesse algum problema para ligar para lá e pedir para falar com o quarto 502. Por isso prepara-te porque vou ficar contigo até sexta á noite.

Sarkye estava agora passando pelas pernas de Alice enquanto cozinhava. Olhei para ela. Era perfeita assim toda nua, com um avental que lhe cobria parcialmente a frente. Tinha umas costas maravilhosas. Senti-me um pouco dono de toda aquela beleza, embora tivesse consciência que ninguém é dono de ninguém.

Talvez Freud pudesse explicar porque razão, mesmo sabendo disso, teimamos em cultivar esse sentimento de posse, e imaginando que pudesse, certamente não poderia explicar porque razão o marido de Alice precisaria de um corpo adicional como o de Linda, e Linda precisasse de um corpo adicional como o do marido de Alice. Não fosse pelos corpos, seria por outra coisa qualquer.

No fundo éramos todos grandes amigos. Só a Sarkye aceitava dois “donos”: Eu e Alice.


Rui Rodrigues