O amor num futuro muito próximo
Não amamos ninguém só
“porque amamos” ou é “assim mesmo”. O amor tem muitas componentes e paradoxalmente é mais simples embora mais complexo.
Pais violentos ou
indiferentes podem fazer com que os filhos tendam para amar alguém com
características diferentes ou até mesmo iguais, neste caso para terem um
”objeto” sempre presente para vingança, passando a usar os próprios cônjuges
como se fossem os pais de quem se querem vingar. Pais que sempre reclamam da
sua profissão e chegam em casa contando os problemas, reclamando do excesso da
carga de trabalho, do salário, provocam geralmente nos filhos um afastamento de
qualquer tendência a abraçar essa mesma profissão.
Comecei a abordagem do amor
referindo-me à relação entre pais e filhos, por uma razão muito simples: a
componente mais importante do amor vem justamente da aprendizagem com os pais. Aprendemos
a amar e a odiar com nossos pais, assim como também aprendemos as tradições,
religiões, comportamento. Só mais tarde, quando começamos a dar os primeiros
passos a influência do meio começa a moldar o que resta para ser moldado em
nosso perfil psicossomático. Em termos de “amor” tanto quanto se podia entender
até o passado recente, era apenas um sentimento. Sentia-se amor ou não se
sentia. Podia ser confundido com desejo ou até com ódio. Uma boa parte da
humanidade continuará a pensar assim até que os últimos resquícios se apaguem
nos túmulos e os ecos se percam nas novas juventudes que virão. Para as gerações modernas o amor é a maior ou menor capacidade de reagir a estímulos gerando neutransmissores que nos dão a sensação de prazer na presença do objeto amado.
Nos tempos atuais o amor
começa a ser questionado quanto à sua essência: se é moral, religioso,
tradicional, ou uma combinação destes fatores, ou, se pelo contrário, é algo
inerente ao funcionamento da vida, e se suas origens residem em processos
químicos. Novas juventudes humanas ditarão os termos do amor no futuro, mas
tanto quanto já se pode antever, os conceitos de amor estão em plena
transformação e sendo questionados. Podemos constatar essas mudanças nas
baladas e na ausência do “compromisso” - que sempre foi um empecilho para os
relacionamentos mais desejados – na quantidade crescente de mães solteiras por
opção própria, pela redução da quantidade de casamentos e pela enormidade de
desquites, de separações e de divórcios. Sem falar na duração dos
relacionamentos que decresce a olhos vistos.
A ausência de amor entre
casais já teve explicações dúbias quer por “incompatibilidade de gênios”, quer
por “outra pessoa” em suas vidas, ou por alteração das condições financeiras,
intrigas de familiares. Hoje se busca essa alteração do nível de amor na falta
ou abundancia de produtos químicos produzidos em nossos cérebros provenientes
de estímulos visuais, olfativos, táteis, sonoros, vocais. São os
neurotransmissores. O amor e a alma antes situados no nosso coração passaram
agora a ser localizados no cérebro e isso faz uma diferença fantástica. Agora
são bem mais racionais e menos intuitivos. Já sabemos ao nos aproximarmos de
alguém do sexo oposto ou do mesmo sexo, o que nos interessa e porque razão.
Podemos até avaliar quanto tempo durará a relação e nos aplicarmos em que dure
mais ou que se reduza o tempo de duração. Quem está a par entende, quem não
está ainda estranha e reza aos santos para que façam milagres.
Havendo vários tipos de
neurotransmissores que atuam em zonas específicas do cérebro, podemos até
adivinhar a farmacopéia do futuro: pílulas de neurotransmissores específicos
que nos complementem o prazer que nossa amada não complementa e fazer durar
mais a relação. Aquela célebre frase “eu o detesto mas não consigo largá-lo”,
ou a mulher que ama mas apanha todo o dia do amado, estão com os dias contados:
bastará ir à farmácia e tomar a pílula do “larga-me”, ou do “ama-me ou
deixa-me”.
Os novos estudantes de
psicologia logo aprenderão que o amor também “envelhece” na medida em que
diminui a produção de neurotransmissores. O alheamento senil pode agora ser
explicado, mesmo quando acontece em idades jovens. Aquela “trepadinha” em que
um dos pares se vira para o lado e adormece porque seus neurotransmissores já
fizeram o seu trabalho e já foram anulados, agora tem uma explicação funcional
e não é apenas uma “falta de interesse” ou de amor. Precisamos habituar-nos ao
comando do cérebro e não do coração.
O futuro é quase hoje e o
amanhã está chegando. Prepare-se! Assim como o romantismo já foi pra casa do
Afonso, o amor já freqüenta a casa da mãe Joana..
Rui Rodrigues
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